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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 8/2011, de 9 de Junho

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Sumário

Fixa a interpretação do n.º 8 da cláusula 34.ª do AE celebrado entre a Navegação Aérea de Portugal - NAV Portugal, E. P. E., e o SITECSA - Sindicato dos Técnicos de Segurança Aérea e outros, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006, nos termos seguintes: o técnico de telecomunicações aeronáuticas deve assegurar, quando necessário, a condução da viatura para o exercício das suas funções desde que para tal esteja legalmente habilitado, salvo nos casos previstos nos n.os 9 e 10 da cláusula 34.ª do acordo de empresa TTA. (Processo n.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1 (revista) - 4.ª Secção)

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2011

Processo 4319/07.1TTLSB.L1.S1 (revista) - 4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I - 1 - Em 19 de Setembro de 2007, no 4.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, o SITECSA - Sindicato dos Técnicos de Segurança Aérea veio instaurar a presente acção de interpretação de cláusulas da convenção colectiva de trabalho contra a Navegação Aérea de Portugal - NAV Portugal, E. P. E., o SITAVA - Sindicato dos Trabalhadores da Aviação e Aeroportos e o SITNA - Sindicato dos Técnicos de Navegação Aérea, pedindo que o n.º 8 da cláusula 34.ª do acordo de empresa (AE) específico para os técnicos de telecomunicações aeronáuticas, doravante TTA, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006, fosse interpretado «como não contendo a obrigação de condução das viaturas de serviço, sendo necessário o acordo ou consentimento dos TTA para o efeito, sem que possam ser penalizados, de qualquer forma, pela recusa de condução».

Os restantes outorgantes do AE foram citados para apresentarem as suas alegações e oferecerem prova, nos termos do artigo 184.º do Código de Processo do Trabalho, mas apenas a Navegação Aérea de Portugal - NAV Portugal, E. P. E., alegou, tendo defendido que do n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA, conjugado com os n.os 9 e 10 da mesma cláusula, «resulta a obrigação de o TTA assegurar a condução da viatura de serviço para a realização de tarefas de manutenção correctiva ou preventiva em equipamentos ou sistemas de apoio à navegação aérea sempre que tal se mostre necessário, nomeadamente por não existir motorista disponível para assegurar a dita condução e desde que o TTA esteja legalmente habilitado a conduzir a viatura, bem como que o cumprimento de tal obrigação não é exigível aos TTA nas situações previstas nos n.os 9 e 10 da mesma cláusula».

O autor apresentou resposta às sobreditas alegações, tendo a Navegação Aérea de Portugal - NAV Portugal, E. P. E., respondido àquele articulado, pugnando, para além do mais, no sentido da sua inadmissibilidade, sendo certo que ambos os articulados, porque considerados inadmissíveis, foram dados como não escritos.

Subsequentemente, foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto assente e controvertida.

Realizado julgamento, foi produzida sentença que julgou a acção procedente e fixou a interpretação do n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006, «no sentido de que o mesmo não contém qualquer obrigatoriedade de condução de viaturas de serviço por parte do TTA, sendo antes necessário o seu acordo ou consentimento para o efeito».

2 - Inconformada, a Navegação Aérea de Portugal - NAV Portugal, E. P. E., interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual decidiu julgar procedente o recurso interposto, fixando que «o n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA (publicado no BTE, 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006) deve ser interpretado no sentido de que aí se estabelece a obrigação de condução de viaturas de serviço pelos TTA sempre que tal tarefa se mostre necessária ao exercício da sua actividade».

É contra esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que o autor, agora, se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes:

«1.ª Com o devido respeito, parece-nos que o douto aresto ora em crise ao revogar a sentença de 1.ª instância nem atendeu à factualidade apurada como provada nem se socorreu correctamente do direito aplicável - assim violando o artigo 9.º e os artigos 236.º a 238.º do Código Civil; as cláusulas 34.ª e 23.ª, n.os 1 e 3, do AE TTA, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006, e o artigo 13.º da CRP; na verdade 2.ª Os autos contêm elementos probatórios bastantes para concluir que a interpretação do n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA em apreço terá de ser fixada no sentido de que não existe obrigatoriedade de condução de viaturas de serviço por parte do TTA, sendo necessário o seu acordo expresso para o efeito.

Só assim se respeitará o princípio do tratamento mais favorável, aplicável também na interpretação das leis laborais;

3.ª É certo que, enquanto intérprete, o julgador não se deve confinar ao elemento literal, sendo importante atender ainda aos elementos lógico, sistemático, histórico e teleológico, para melhor conseguir determinar o que a lei expressa;

Contudo, 'o enunciado linguístico da norma representa o ponto de partida da actividade interpretativa na medida em que esta deve procurar reconstituir a partir dele, o pensamento das partes outorgantes da convenção'.

Por outras palavras, a letra da lei é um elemento irremovível da interpretação, ou um 'limite da busca do espírito', não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

Ou, como nos diz Júlio Gomes, citado no douto acórdão recorrido:

'[...] apesar da sua inerente ambiguidade, a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação, não se devendo, sobretudo, permitir que as partes obtenham pela interpretação aquilo que em rigor não conseguiriam pela negociação.' 4.ª Ora, salvo melhor opinião, da conjugação destes elementos interpretativos, e tendo em conta a factualidade apurada nos autos, não conseguimos vislumbrar como pode concluir-se que na cláusula em apreço está consignado 'um poder-dever' que comporta para o trabalhador a obrigação de conduzir viaturas de serviço.

A Veneranda Relação ao concluir como concluiu destituiu de qualquer valoração a letra do n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA, modificando o seu sentido, pelo que não se situa já no âmbito do sentido literal possível - permitindo à ré NAV obter por esta via aquilo que em rigor não conseguiu alcançar na negociação do AE;

5.ª Ora, no caso sub judice, na letra do acordo a expressão 'poderá' tem de ser interpretada como uma faculdade e não como uma obrigatoriedade;

6.ª Como nos ensina Hespanha, a interpretação:

'[...] há-de ter um sentido (uma motivação, um conjunto de objectivos) que caiba razoavelmente no sentido literal da declaração do legislador. Sob pena de, se isto não acontecer, se estar a criar uma nova norma em vez de interpretar uma norma já existente.' Efectivamente, 'Na interpretação do clausulado de uma convenção colectiva, no estrito atendimento do caso concreto, quer no caso das cláusulas normativas ou de conteúdo regulativo quer nas de conteúdo obrigacional, deverá prevalecer o sentido objectivado, com um mínimo de correspondência com o texto legal, afastando-se a possibilidade de uma interpretação segundo a vontade das partes, que não corresponda [à] vontade declarada.' 7.ª Que a vontade expressa das partes outorgantes do AE TTA era a de configurar a condução de viaturas (nas condições ali previstas) como uma faculdade e não um[a] obrigação do TTA prova-o o facto de o mesmo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho não exigir carta de condução como condição de acesso ou admissão à categoria de TTA nem aí se prever como função de um TTA a condução de veículos (cláusula 22.ª do mesmo AE).

Mas, mais relevante ainda, é que o exercício dessa tarefa se enquadra no âmbito do exercício temporário de outras funções, para o qual o AE TTA impõe, na sua cláusula 23.ª, o acordo expresso do TTA;

8.ª Assim, a prevalecer o entendimento de que estamos no âmbito de uma 'obrigação contratual', estar-se-á a dar um favorecimento injustificado à entidade empregadora, permitindo-se-lhe que lance mão ao exercício, pelo trabalhador, de funções não compreendidas na sua categoria profissional, ao arrepio das normas que regem esta matéria, desfigurando a natureza excepcional que está intrínseca à figura da mobilidade funcional.

E este favorecimento abusivo do empregador constituirá um abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do CC;

9.ª Por outro lado, sendo obrigatória a condução de viaturas pelos TTA que possuam habilitação legal para tanto, essa mesma obrigação não será exigível a quem não tenha carta de condução, o que levará a empresa a aplicar um tratamento diferente a trabalhadores com a mesma categoria profissional, violando-se o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP;

10.ª Sempre com a devida vénia, também não podemos aceitar o entendimento de que a prática, posterior ao AE TTA de 2006, de todos os TTA passarem a conduzir viaturas de serviço 'evidencia que para a generalidade dos TTA era entendimento que a condução de viaturas constituía uma obrigação que decorria do referido AE TTA'.

E não podemos aceitar, desde logo, porque a prática só pode ser valorizada quando acompanhada da convicção da obrigatoriedade da norma que lhe corresponde, resultando da prova carreada para os autos que isso não aconteceu:

Nos factos provados (n.os 9 e 10) apurou-se que os TTA se rebelaram contra essa 'prática', tendo até sido necessário emitir uma comunicação interna sobre esta matéria e enviar uma carta a outro TTA, tendo os trabalhadores sido expressamente advertidos de que a recusa da condução das viaturas de serviço constituía um incumprimento dos deveres laborais, com as inerentes consequências; e Logo em 2007, o SITECSA, sindicato representativo dos interesses dos TTA, interpôs a presente acção de interpretação, o que revela, por si só, que a aceitação da natureza obrigatória desta cláusula foi tudo menos pacífica por parte dos TTA;

11.ª Como é bom de ver, os TTA, ao serem advertidos pela empresa de que a recusa a conduzir viaturas de serviço seria qualificada como incumprimento contratual e bem sabendo que ao continuarem a opor-se a tal directiva (ainda que a reputassem de ilegal) iriam sofrer consequências disciplinares que colocariam em risco o próprio vínculo laboral, foram compelidos a acatar a ordem emanada, recorrendo antes à via judicial (através do seu sindicato) para ver salvaguardado um direito que a empresa insistia em denegar-lhes;

12.ª Estamos ainda com o Mmo. Juiz de 1.ª instância quando afirma que da leitura das actas juntas aos autos, aqui relevadas como importante elemento histórico, 'resulta clara a posição manifestada pela ré NAV (e defendida nos presentes autos); contudo, já não resulta clara a posição dos sindicatos e, sobretudo, tomando em consideração as posições manifestadas por estes e a versão final da cláusula em apreciação, tem de se concluir que o objectivo da ré NAV não se materializou';

13.ª Por último, entendemos que também não colhe o argumento alegado pela ré NAV e perfilhado pela Veneranda Relação, segundo o qual 'as excepções previstas nos n.os 9 e 10 da cláusula 34.ª só fazem sentido no entendimento de que o n.º 8 da mesma cláusula consagra a obrigação de os TTA conduzirem viaturas sempre que tal se mostre necessário para o exercício das suas funções'.

E isso porque, a nosso ver, o n.º 8 estabelece a faculdade de o TTA, quando necessário, poder conduzir a viatura para o exercício das suas funções e desde que para tal esteja legalmente habilitado; os n.os 9 e 10 prevêem excepções a essa faculdade; ou seja, nas deslocações às estações de Fóia, Lousã, Niza, serra de Aire e Viseu, bem como às estações que pelas suas características ou localização comportem um especial grau de perigosidade susceptível de colocar em causa a integridade física do TTA, essa faculdade deixa de lhes estar atribuída; ou seja, relativamente a estas estações, inexiste a faculdade de poderem os TTA conduzir as viaturas de serviço.» Termina consignando que «deve dar-se provimento ao presente recurso, confirmando-se a bondade da decisão de 1.ª instância».

Apenas a recorrida Navegação Aérea de Portugal - NAV Portugal, E. P. E., contra-alegou, sustentando a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que a interpretação a conferir ao n.º 8 da cláusula 34.ª, aqui em causa, será a que consta da parte decisória do acórdão recorrido, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3 - No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

Se a norma constante do n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006, deve ser interpretada no sentido de que não existe obrigatoriedade de condução de viaturas de serviço por parte do TTA, sendo necessário o seu acordo expresso para o efeito (conclusões 1.ª a 7.ª e 10.ª a 13.ª da alegação do recurso de revista);

No caso de se entender em sentido contrário, se tal interpretação viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (conclusão 9.ª da alegação do recurso de revista);

Ainda no caso de se entender em sentido contrário, se tal entendimento configura um abuso do direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil (conclusão 8.ª da alegação do recurso de revista).

Colhidos os «vistos» dos Juízes da Secção Social, por força do preceituado no artigo 732.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, por via do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho, uma vez que, nos termos do artigo 186.º deste Código, o presente acórdão tem o valor do proferido em julgamento ampliado da revista, em processo civil, cumpre apreciar e decidir.

II - 1 - As instâncias consideraram provados os factos seguintes:

1) No âmbito do serviço público de navegação aérea para apoio à aviação civil que desenvolve, a ré NAV detém vários equipamentos e sistemas de apoio à navegação aérea, aos quais recorrem quer os controladores de tráfego quer os utilizadores do espaço aéreo (aeronaves), e cuja manutenção preventiva e correctiva compete aos seus trabalhadores com a categoria profissional de TTA (técnicos de telecomunicações aeronáuticas);

2) Alguns dos equipamentos afectos à navegação aérea, mantidos e geridos pela ré NAV, estão situados em locais dispersos pelo território nacional, sendo necessário que os TTA se desloquem a tais locais para procederem a operações de manutenção correctiva ou preventiva;

3) Com a cisão da empresa pública Aeroportos e Navegação Aérea, ANA, E. P., na ANA, S. A., e na ré NAV, os serviços de motoristas ficaram afectos à primeira, deixando a ré NAV de os possuir, com excepção de Lisboa, Santa Maria e Ponta Delgada;

4) Pelo menos após a entrada em vigor do AE TTA, os TTA passaram a conduzir viaturas quando, por força do exercício das suas funções, têm de se deslocar e não há motorista disponível, com excepção dos TTA colocados em Santa Maria, que não conduzem as viaturas nas situações em que não existe motorista que os conduza;

5) Tal condução é, nesses casos, assegurada pelos TTA com funções de chefia ou de coordenação;

6) Consta da acta da reunião ocorrida entre representantes do autor e réus, em 23 de Maio de 2005 (n.º 10/2005), o seguinte:

«Quanto à proposta apresentada pela empresa de prever que o TTA assegurará a condução da viatura sempre que para tal esteja legalmente habilitado (cláusula 23.ª, n.º 2), os sindicatos manifestaram abertura para aceitar tal proposta desde que sejam estabelecidas algumas condições limitativas de tal previsão.» 7) Consta da acta da reunião ocorrida entre representantes do autor e réus, em 23 de Novembro de 2005 (n.º 26/2005), o seguinte:

«O SITAVA reiterou a importância que confere quanto à igualização das RQT, embora aceite um diferenciamento de modo a atenuar o aumento de custos que decorrerão para a empresa de tal igualização.

Quanto à questão da condução, declarou que não se opõe desde que sejam estabelecidas regras claras sobre em que situações pode ser exigível ao TTA a condução de viaturas.

O SITECSA frisou que comungava da posição do SITAVA, sendo que quanto ao tema da condução tinha abertura para a discutir no âmbito das deslocações de curta duração. Relativamente ao tema 'igualização das RQT', admitia o diferimento através do funcionamento das regras inerentes à respectiva atribuição.

O SITNA esclareceu que tinha uma oposição de princípio quanto à negociação da questão da condução e que envolvesse uma alteração da situação actual, especialmente se enquadrada num esquema de troca com o tema da igualização das RQT, tanto mais que o SITNA na anterior reunião já apresentou uma hipótese de solução que ia ao encontro das razões apresentadas pela empresa que justificariam uma diferente valorização das RQT.

A empresa chamou a atenção que a questão da condução era um aspecto importante no âmbito do sucesso das negociações, tendo, depois, sido discutido que tipo de critérios poderiam ser previstos no AE de modo a estabelecer limites que permitissem enquadrar normativamente a condução de viaturas pelos TTA.

Da discussão efectuada resultou um princípio de consenso, que se poderia prever no AE, que pode o TTA ser incumbido de conduzir viaturas nos seguintes termos:

A condução pelo TTA deve cingir-se às situações que envolvam a realização de intervenções de manutenção;

A condução pelo TTA não deve ser exigível a partir de certo raio de acção. Os sindicatos admitem que tal limite seja estabelecido em 50 km.

O SITNA reiterou a sua indisponibilidade para negociar a questão da condução.» 8) Consta da acta da reunião ocorrida entre representantes do autor e réus, em 16 de Dezembro de 2006 (n.º 30/2005), o seguinte:

«Em sequência da interpelação efectuada à RNE pelo SITNA, relativamente à acta 26/2005 e ao conteúdo do respectivo n.º 4, 'Estrutura da RQT', a empresa esclareceu o seguinte:

Embora não se tenha verificado uma evolução da posição assumida pelas partes, no sentido de um acordo, a empresa nessa reunião declarou que estaria na disposição de alterar a sua posição de princípio quanto à igualização da RQT, tendo em atenção que esse aspecto constituía uma condição fundamental para um acordo final sobre o AE, por parte do SITECSA e do SITAVA, e desde que ficasse consagrado no AE a possibilidade de condução de viaturas pelos TTA.

O SITECSA esclareceu que desde o início deste processo negocial aceitou o princípio da condução de viaturas por TTA.» 9) Com data de 19 de Abril de 2007, o director de Operações do Atlântico da ré NAV elaborou uma «comunicação interna» com o seguinte teor:

«Assunto: condução de viaturas.

Tendo recebido ontem, dia 18 de Abril, uma carta dos TTA Luís Resende e Luís Medeiros a solicitar instruções sobre o assunto em epígrafe esclareço:

Considerando que, nos termos do n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA, os TTA estão obrigados a assegurar a condução das viaturas e que aos signatários não são aplicáveis as posições previstas nos n.os 9 e 10 da mesma cláusula, solicita-se que os TTA em apreço sejam informados de que a sua recusa de condução constitui um incumprimento dos seus deveres laborais.» 10) Com data de 10 de Setembro de 2009, a ré, através do seu director de Operações do Atlântico, enviou ao seu trabalhador Jorge Manuel Gonçalves uma carta na qual o advertiu de que, caso o mesmo mantivesse a posição de «recusar, em caso de necessidade, a condução de viaturas de serviço, incumprindo, dessa forma, o AE, a empresa informa que se reserva o direito de adoptar todas as medidas necessárias e convenientes para a correcta normalização da situação».

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação das partes nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no recurso.

2 - Em primeira linha, o recorrente alega que a norma constante do n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006, deve ser interpretada no sentido de que não existe obrigatoriedade de condução de viaturas de serviço por parte do TTA, sendo necessário o seu acordo expresso para o efeito, tal como foi decidido no tribunal de 1.ª instância.

Diversamente, o aresto recorrido concluiu que o n.º 8 daquela cláusula deve ser interpretado no sentido de que aí se estabelece a obrigação de condução de viaturas de serviço pelos TTA sempre que tal tarefa se mostre necessária ao exercício da sua actividade, tendo explicitado, a propósito, as razões seguintes:

«Em primeiro lugar, importa referir que a letra do preceito em análise, nomeadamente a expressão 'poderá', denota alguma ambiguidade.

A expressão 'poderá' pode significar uma mera actuação material: a de simplesmente poder conduzir viaturas automóveis. Mas não é esse o sentido relevante com que o termo é empregue em normas da convenção colectiva.

A expressão 'poder' pode ser definida juridicamente como a 'disponibilidade de meios para a obtenção de um fim'.

É neste sentido jurídico que a expressão em causa é utilizada no n.º 8 da cláusula 34.ª, pois atribui-se ao TTA um poder material de condução de viaturas automóveis mas com o objectivo ou finalidade de assim se obter um melhor e mais rápido desempenho da sua função principal, que é a de assegurar a manutenção preventiva ou correctiva dos equipamentos e sistemas de apoio à navegação aérea (cláusula 22.ª, n.º 1, do AE TTA).

Trata-se, pois, da atribuição de um poder funcional, de um poder-dever que comporta para o trabalhador a obrigação de utilizar aquele bem com vista à obtenção daquele resultado. Aquela expressão, mesmo do ponto de vista literal, comporta o significado de que aquela tarefa que a convenção colectiva prevê como podendo ser realizada pelo trabalhador é para ele de realização obrigatória.

Aliás, a expressão 'pode' ou 'poderá' executar determinadas funções é muitas vezes utilizada nas convenções colectivas para significar tarefas que também competem ao trabalhador em causa e que ele deve executar se lhe forem pedidas.

Assim, a expressão 'o TTA, quando necessário, poderá assegurar a condução da viatura para o exercício das suas funções desde que para tal esteja legalmente habilitado' comporta perfeitamente o significado literal de que o TTA está obrigado a conduzir viaturas automóveis quando tal se mostre necessário para o exercício da sua actividade.

Aliás, não fazia qualquer sentido fazer constar de um AE que o trabalhador poderá, se quiser, desempenhar a condução de viaturas automóveis pois isso seria completamente redundante e inútil, na medida em que o trabalhador tem sempre a faculdade de anuir ao exercício de quaisquer funções para além das compreendidas no objecto do seu contrato de trabalho.

Por outro lado, este entendimento fica ainda mais clarificado quando se analisam os elementos históricos e sistemáticos.

Das actas das reuniões negociais que precederam a elaboração do AE TTA de 2006, a que aludem os n.os 6, 7 e 8 dos factos provados, ressalta a ideia de que para a empresa NAV era importante a questão da consagração do princípio da condução de viaturas pelos TTA, pelo que suscitou essa questão aos sindicatos intervenientes, os quais se pronunciaram manifestando, em geral, abertura para essa proposta desde que fossem estabelecidas determinadas condições limitativas. Houve discussão, tendo-se chegado a um princípio de acordo, mediante certas condições, conforme consta da acta de 23 de Novembro de 2005. Mas as negociações continuaram e, na acta de 16 de Novembro de 2005, a empresa declarou que estaria na disposição de alterar a sua posição quanto à igualização dos TQT desde que ficasse consagrada no AE a possibilidade de condução de viaturas pelos TTA, tendo o SITECSA esclarecido que desde o início do processo negocial aceitou o princípio da condução de viaturas por TTA.

Daqui resulta que houve negociações prévias com vista à consagração no AE do princípio da condução de viaturas pelos TTA e que esse princípio acabou por ser aceite pelos sindicatos mediante certas condições que foram acolhidas, sendo certo que tanto aquele princípio como as limitações acordadas quanto ao mesmo ficaram consagrados nos n.os 8, 9 e 10 da cláusula 34.ª do AE TTA.

Por outro lado, conforme resulta dos factos provados nos n.os 4 e 5, constata-se que a prática posterior ao AE TTA de 2006 evidencia que a generalidade dos TTA passaram a conduzir viaturas quando, por força do exercício das suas funções, têm de se deslocar e não há motorista disponível, com excepção dos TTA colocados em Santa Maria, em que a condução de viaturas é assegurada por TTA com funções de chefia.

Esta prática evidencia que para a generalidade dos TTA era entendimento que a condução de viaturas constituía uma obrigação que decorria do referido AE TTA.

E, contrariamente ao que vem referido na sentença recorrida, a prática posterior a um AE constitui um elemento interpretativo relevante [...] Na fixação do sentido da cláusula em apreço deve o intérprete atender também ao elemento sistemático e analisar em conjunto e de forma harmoniosa as normas convencionais que se reportam ao mesmo assunto, no caso à condução de viaturas por parte dos TTA.

Assim, o n.º 8 da cláusula 34.ª não pode deixar de ser interpretado sem atender também aos n.os 9 e 10 da mesma cláusula. E nestes n.os 9 e 10 da cláusula 34.ª, acima transcritos, estabelecem-se limites ou restrições à condução de viaturas por parte dos TTA, que não teriam qualquer sentido se não existisse a obrigação de condução de viaturas por parte dos TTA, prevista no n.º 8 da referida cláusula.

Assim, tendo em conta o contexto das negociações, em que os sindicatos aceitaram o princípio da condução de viaturas pelos TTA frisando a necessidade de o AE prever determinados limites à condução de viaturas, as excepções consignadas nos n.os 9 e 10 da cláusula 34.ª só fazem sentido no entendimento de que o n.º 8 da mesma cláusula consagra a obrigação de os TTA conduzirem viaturas sempre que tal se mostre necessário para o exercício das suas funções.

Se assim não fosse, os n.os 9 e 10 da cláusula 34.ª do AE TTA não teriam qualquer interesse real, pois se a condução de viaturas pelos TTA estivesse condicionada ao assentimento do trabalhador não fariam qualquer sentido as excepções consagradas nos n.os 9 e 10 da referida cláusula.

Por outro lado, o facto de tal obrigação só recair sobre os TTA detentores de carta de condução e de não constar da cláusula 4.ª do AE em causa que seja necessária para o ingresso na carreira de TTA a habilitação para conduzir é irrelevante para a interpretação da cláusula pois tal obrigação apenas se aplica aos TTA habilitados a conduzir, sendo que daí também não resulta uma inadmissível discriminação entre TTA detentores de título de condução e não detentores desse título, pois como é evidente só pode existir obrigação de condução para quem é titular do respectivo título.

Finalmente, também não constitui argumento contrário ao entendimento que vimos defendendo o facto de no elenco das funções do TTA, a que alude a cláusula 22.ª do AE TTA, não constar a condução de viaturas. É que a condução de viaturas exigida pelo n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA é uma tarefa meramente acessória, não sendo caracterizadora do objecto funcional do TTA, este sim definido na referida cláusula, razão pela qual não teria tal tarefa acessória de constar do elenco das suas funções operacionais dos TTA constantes da referida cláusula.

Em suma, entendemos que o sentido relevante do disposto no n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA é o de que aí se estabelece uma obrigação de condução de viaturas de serviço pelos TTA sempre que tal tarefa se mostre necessária para a realização da sua actividade.

A expressão 'poderá' constante do n.º 8 da cláusula 34.ª, em nosso entendimento, não pode ser interpretada como foi na sentença recorrida, 'no sentido de não conter a obrigação de condução das viaturas de serviço, sendo necessário o acordo ou o consentimento dos TTA para o efeito'.

Nestes termos, procedendo o recurso, revoga-se a sentença recorrida e fixa-se o entendimento de que o n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA deve ser interpretado no sentido de que aí se estabelece a obrigação de condução de viaturas de serviços pelos TTA sempre que tal tarefa se mostre necessária ao exercício da sua actividade.» 2.1 - Importa, por razões de inteligibilidade, conhecer a norma em causa, a qual, no que agora releva, estipula nos termos que se passam a transcrever:

«Cláusula 34.ª Deslocações em serviço 1 - Entende-se por deslocação em serviço a realização temporária de trabalho fora do local habitual, bem como as deslocações dentro da zona de exploração afecta ao órgão em que o TTA esteja colocado.

2 - Quando a deslocação o exija, a empresa assegurará aos trabalhadores deslocados em serviço alojamento em condições de comodidade e conforto, transporte para, do e no local de deslocação, taxas de portagem ou de aeroporto, passaporte, vistos e vacinas.

...

8 - O TTA, quando necessário, poderá assegurar a condução da viatura para o exercício das suas funções desde que para tal esteja legalmente habilitado.

9 - O disposto no número anterior não se aplica nos casos de deslocações às estações de Fóia, Lousã, Niza, serra de Aire e Viseu.

10 - Exceptuam-se igualmente da aplicação do disposto no n.º 8 as deslocações a estações que pelas suas características ou localização comportem um especial grau de perigosidade susceptível de colocar em causa a integridade física do TTA.» Decorre do exposto que a solução do problema submetido à apreciação deste Supremo Tribunal passa, necessária e fundamentalmente, pela interpretação do estipulado no n.º 8 da cláusula 34.ª do AE celebrado entre a Navegação Aérea de Portugal - NAV Portugal, E. P. E., e o SITECSA - Sindicato dos Técnicos de Segurança Aérea e outros (técnicos de telecomunicações aeronáuticas), publicado no BTE, 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006.

Justificam-se, pois, as considerações genéricas que se seguem.

2.2 - Na interpretação das cláusulas das convenções colectivas de trabalho de conteúdo normativo ou regulativo - como é o caso, já que se trata de cláusula cuja finalidade é a de regular as relações individuais de trabalho estabelecidas entre os trabalhadores e o empregador - há que ponderar, por um lado, que elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas - de aplicação directa aos contratos de trabalho em vigor - e, por outro, que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados.

Tem este Supremo Tribunal entendido que na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções colectivas de trabalho regem as normas atinentes à interpretação da lei, consignadas, em particular, no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstracção e serem susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.

Ora, a interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo o artigo 9.º do Código Civil a norma fundamental a proporcionar uma orientação legislativa para tal tarefa.

O artigo 9.º do Código Civil reza que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.» (n.º 3).

Assim, a apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. José Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª ed., revista, Almedina, 2001, p. 392).

Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edi., tradução, pp. 439-489; Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192;

Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de Manuel Andrade, 3.ª ed., 1978, pp. 138 e segs.).

O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.

O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.

O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.

Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo.

A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados: tal distinção, como adverte Francesco Ferrara (ob. cit., pp. 147-148), não deve confundir-se com a interpretação extensiva ou restritiva pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à mens legis.

A interpretação extensiva aplica-se, no dizer de Baptista Machado (ob. cit., pp.

185-186), quando «o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não directamente abrangidos pela letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei.» Na interpretação restritiva, pelo contrário, «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva» (cf. Baptista Machado, ob. cit., p. 186).

Por sua vez, a interpretação revogatória terá lugar apenas quando entre duas disposições legais existe uma contradição insanável e, finalmente, a interpretação enunciativa é aquela pela qual o intérprete deduz de uma norma um preceito que nela está virtualmente contido, utilizando, para tanto, certas inferências lógico-jurídicas alicerçadas nos seguintes tipos de argumentos: i) argumento a maiori ad minus, a lei que permite o mais também permite o menos; ii) argumento a minori ad maius, a lei que proíbe o menos também proíbe o mais; iii) argumento a contrario, que deve ser usado com muita prudência, em que, a partir de uma norma excepcional, se deduz que os casos que ela não contempla seguem um regime oposto, que será o regime-regra (cf. Baptista Machado, ob. cit., pp. 186-187).

2.3 - O entendimento alcançado pelo Tribunal da Relação, na medida em que assenta em pertinentes critérios interpretativos da cláusula em causa, merece a total adesão por parte deste Supremo Tribunal.

Efectivamente, o n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA consagra um verdadeiro dever de os TTA conduzirem viaturas de serviço sempre que necessário, em ordem ao exercício das funções que, do ponto de vista da sua categoria, lhes estão atribuídas na cláusula 22.ª do mesmo AE, interpretação com claro acolhimento na letra da lei.

A previsão de uma mera faculdade de condução - tal como defendido pelo recorrente -, se cingida unicamente à letra da lei - critério que não foi o assumido pelo legislador, conforme se alcança do estatuído no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil - seria redundante e destituída de sentido útil por ser despiciendo consagrar o que, por natureza, sempre estaria na disponibilidade do destinatário.

Consentir que a actividade de condução, tarefa acessória das actividades que constituem o cerne da categoria de TTA, pudesse estar na disponibilidade do TTA, para além de introduzir nas disciplina e organização laborais critérios puramente aleatórios, conduziria a uma inadmissível inversão de princípios: ao invés de estar a actividade acessória, pela sua própria natureza, adstrita e ao serviço da actividade principal, estaria a condicioná-la e, no limite, a impedir a sua realização, ainda que absolutamente necessária.

E o recurso ao elemento sistemático a outro entendimento não conduz.

Com efeito, a interpretação conjugada dos n.os 8, 9 e 10 da cláusula 34.ª do AE TTA apenas fará sentido se ao n.º 8 corresponder um verdadeiro dever, ao qual serão, todavia, opostas as limitações constantes dos demais números referidos.

Estabelece-se, assim, no n.º 8 da cláusula 34.ª, o princípio geral segundo o qual o TTA deverá, se necessário, assegurar a condução de viatura para o exercício das suas funções, princípio geral esse que cederá caso se verifique qualquer das circunstâncias a que aludem os n.os 9 e 10 da mesma cláusula.

Propugna o sindicato recorrente que o n.º 8 da cláusula em apreço terá de ser, necessariamente, conjugada com o disposto nas cláusulas 4.ª, 22.ª e 23.ª do AE TTA, afirmando que a habilitação para conduzir não está prevista como condição de ingresso na categoria de TTA, que a actividade de condução não está compreendida no elenco das tarefas cometidas ao TTA e que a respectiva atribuição sempre estaria dependente de acordo expresso do TTA (cláusula 23.ª, n.º 3, do AE TTA).

É certo que a posse de habilitação legal para conduzir viaturas não figura como condição de ingresso na carreira de TTA, que a tarefa da condução não está prevista no elenco funcional da categoria de TTA e que o exercício temporário de outras funções está dependente do acordo expresso do trabalhador.

Todavia, a função de condução assume, neste contexto, natureza meramente acessória e está, pela sua natureza, subordinada ao exercício das funções, essas sim, de TTA, pelo que mal se compreenderia que o exercício de uma actividade acessória, como é a condução de viaturas, condicionasse o ingresso numa carreira profissional. Doutro passo, atenta a mencionada natureza, parece óbvio não ter a actividade de condução de integrar o elenco funcional próprio da categoria profissional de TTA e nem carecer do seu acordo expresso para que possa ser exercida, sendo de notar que a cláusula 23.ª do AE TTA regula, especificamente, o exercício de outras funções compatíveis com o saber e formação do trabalhador, a título principal - e não acessório ou subordinado - e no contexto da denominada mobilidade funcional.

Outrossim o elemento histórico, que emerge dos factos provados 6) a 8), pese embora não decisivo, aponta, exactamente, no mesmo sentido.

Na verdade, «[q]uanto à proposta apresentada pela empresa de prever que 'o TTA assegurará a condução da viatura sempre que para tal esteja legalmente habilitado' (cláusula 23.ª, n.º 2), os sindicatos manifestaram abertura para aceitar tal proposta desde que sejam estabelecidas algumas condições limitativas de tal previsão» [facto provado 6)], sendo que da pertinente negociação «resultou um princípio de consenso que se poderia prever no AE que pode o TTA ser incumbido de conduzir viaturas nos seguintes termos: a condução pelo TTA deve cingir-se às situações que envolvam a realização de intervenções de manutenção; a condução pelo TTA não deve ser exigível a partir de certo raio de acção. Os sindicatos admitem que tal limite seja estabelecido em 50 km» [facto provado 7)]. Além disso, «[o] SITECSA esclareceu que desde o início deste processo negocial aceitou o princípio da condução de viaturas por TTA.» [facto provado 8)].

Apenas se acrescentará que o entendimento alcançado não cede perante a invocada violação do princípio do tratamento mais favorável.

O princípio do tratamento mais favorável, em matéria de resolução de conflitos entre as fontes laborais, impõe a aplicação do regime mais benéfico sempre que normas de grau hierárquico diferente concorram entre si na solução do caso concreto, excepto quando a norma hierarquicamente superior se oponha à sua modificação por norma de grau hierárquico inferior; nesta perspectiva, o recorrente não aduz nem este Supremo Tribunal vislumbra norma que concorra com aquela em causa nos presentes autos e que demande a opção reclamada.

E também não colhe a aplicação, no caso, do princípio da interpretação mais favorável ao trabalhador, princípio norteador da interpretação das normas, da fixação do seu sentido e alcance, porquanto a consideração dos elementos hermenêuticos assinalados conduz à insubsistência das dúvidas interpretativas suscitadas.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões 1.ª a 7.ª e 10.ª a 13.ª da alegação do recurso de revista.

3 - O recorrente alega que, «sendo obrigatória a condução de viaturas pelos TTA que possuam habilitação legal para tanto, essa mesma obrigação não será exigível a quem não tenha carta de condução, o que levará a empresa a aplicar um tratamento diferente a trabalhadores com a mesma categoria profissional, violando-se o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP».

No dizer de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, artigos 1.º a 107.º, vol. i, 4.ª ed. revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p.

340), a proibição de discriminação ínsita no âmbito de protecção do princípio da igualdade «não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações nem proíbe diferenciações de tratamento», o que se exige «é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio».

Isto é, deve tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual.

Na óptica do recorrente, a discriminação alegada assentaria na possibilidade de a ré tratar de forma diferente trabalhadores com a mesma categoria profissional, consoante fossem ou não titulares de habilitação legal para conduzir; acontece que a aparente diferenciação de tratamento se mostra fundada: a ré não poderá exigir a condução de viatura a um trabalhador que não possua habilitação legal para o efeito.

Improcede, pois, a conclusão 9.ª da alegação do recurso de revista.

4 - Resta enfrentar a questão de saber se o entendimento acolhido configura um abuso do direito, nos termos do artigo 334.º do Código Civil.

O abuso do direito, como flui da norma do artigo 334.º do Código Civil, traduz-se no exercício ilegítimo de determinado direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

No caso, não se configura qualquer pretensão do exercício de um direito, daí que careça de suporte fáctico, bem como de fundamento legal, o pretendido abuso do direito, termos em que improcede a conclusão 8.ª da alegação do recurso de revista.

III - Pelo exposto, decide-se negar a revista, confirmar o aresto recorrido e fixar a interpretação do n.º 8 da cláusula 34.ª do AE celebrado entre a Navegação Aérea de Portugal - NAV Portugal, E. P. E., e o SITECSA - Sindicato dos Técnicos de Segurança Aérea e outros, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006, nos termos seguintes:

«O técnico de telecomunicações aeronáuticas deve assegurar, quando necessário, a condução da viatura para o exercício das suas funções desde que para tal esteja legalmente habilitado, salvo nos casos previstos nos n.os 9 e 10 da cláusula 34.ª do sobredito AE TTA.» Custas do recurso de revista a cargo do recorrente.

Transitado em julgado, publique-se no Diário da República e no BTE, nos termos do artigo 186.º do Código de Processo do Trabalho.

Lisboa, 4 de Maio de 2011. - Manuel Joaquim de Oliveira Pinto Hespanhol (relator) - Manuel Augusto Fernandes da Silva - António Gonçalves Rocha - António de Sampaio Gomes - Fernando Pereira Rodrigues.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2011/06/09/plain-284435.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/284435.dre.pdf .

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