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Acórdão 19/2010, de 10 de Dezembro

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Sumário

Decide não julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 3.º e 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual, num processo em que a discussão até então travada se tenha limitado à invalidade de uma cláusula de uma convenção colectiva de trabalho por inconstitucionalidade material, as partes não têm de ser ouvidas antes de o tribunal julgar nula a mesma cláusula por inconstitucionalidade orgânica.

Texto do documento

Acórdão 19/2010

Processo 862/07

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I - Relatório

1 - Na presente acção de anulação de cláusula de convenção colectiva de trabalho que José António Ramos Ribeiro intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o autor, tendo ficado vencido na decisão de primeira instância, interpôs recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, suscitando a inconstitucionalidade material do artigo 52.º, n.º 1, da referida convenção colectiva por violação dos direitos constitucionais à escolha de profissão e ao trabalho.

Por acórdão de 7 de Março de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça declarou a nulidade do artigo 52.º, n.º 1, da convenção colectiva com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica decorrente da violação da reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República.

A Liga Portuguesa de Futebol Profissional arguiu a nulidade processual da decisão por considerar que não foi ouvida previamente quanto à solução jurídica do caso, que não tinha sido objecto de discussão entre as partes no decurso do processo.

Por acórdão de 12 de Julho de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a

arguição, dizendo no essencial o seguinte:

Como decorre do excerto transcrito, o acórdão julgou nulo o artigo 52.º, n.º 1, do CCT, com o fundamento de que o mesmo estabelecia uma restrição à liberdade de exercício da profissão que o artigo 47.º, n.º 1, da lei fundamental não permite, a não ser através de lei da Assembleia da República ou através de lei do Governo, quando previamente autorizado pela Assembleia, o que vale por dizer que considerou o artigo 52.º n.º 1, do CCT ferido de inconstitucionalidade orgânica.

Acontece, porém, que, ao contrário do que defende a recorrida, a questão da inconstitucionalidade suscitada pelo autor não era restrita à inconstitucionalidade material da norma em causa, pois, como já foi referido, o autor limitou-se a alegar que a norma violava o disposto nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, da CRP.

Ora e como é sabido, a violação dos preceitos constitucionais tanto pode decorrer de inconstitucionalidade material (quando é ofendida uma norma constitucional de fundo), como de inconstitucionalidade orgânica (quanto se trata de norma de competência) ou de inconstitucionalidade formal (quando se atinge uma norma que diz respeito à forma

ou ao processo de formação das leis).

No caso em apreço, o autor não invocou nenhum daqueles vícios em particular e, sendo assim, entendemos que a questão por ele suscitada era susceptível de abarcar aquelas três vertentes da inconstitucionalidade.

Concluindo, diremos que não houve decisão-surpresa e que, por isso, não havia necessidade de convidar a recorrida para exercer o contraditório, antes da prolação do acórdão, ficando, assim, prejudicado o conhecimento das inconstitucionalidades invocadas pela recorrida no que toca à interpretação do artigo 201.º, n.º 1, do CPC.

A Liga Portuguesa de Futebol Profissional interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do artigo 202.º, in fine, do artigo 205.º n.º 1, e do ainda do complexo normativo formado pelos artigos 3.º e

201.º, n.º 1, todos do CPC.

Por despacho do então relator, o âmbito do recurso de constitucionalidade foi restringido à apreciação de uma dessas questões, que se encontra assim identificada:

Inconstitucionalidade do complexo normativo formado pelos artigos 3.º e 201.º, n.º 1, do CPC, na interpretação segundo a qual não constitui nulidade processual por violação de formalidade essencial a omissão de convite para exercício do contraditório quando o tribunal decide julgar organicamente inconstitucional uma norma constante de uma convenção colectiva de trabalho, quando a discussão nos autos (e, em especial, o objecto do recurso de revista tal como ele fora delimitado pelas conclusões das alegações) se limite à arguição da inconstitucionalidade material dessa mesma norma convencional, por violação do direito fundamental a uma tutela judicial efectiva e a um processo equitativo (artigo 20.º, n.os 1 e 4, da CRP).

Prosseguindo o processo, a recorrente alegou, formulando as seguintes conclusões:

"1.ª O princípio do contraditório constitui uma manifestação do direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º, n.º 1, da CRP) e do direito fundamental a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP).

2.ª A dimensão constitucional do princípio do contraditório posterga que nenhuma questão pode ser judicialmente decidida, ainda que se trate de questão do conhecimento oficioso do tribunal, sem que seja dada às partes a oportunidade

processual de sobre ela se pronunciarem.

3.ª Os referidos direitos fundamentais a um processo equitativo e à tutela jurisdicional efectiva impõem que, como garantia do princípio do contraditório, a inobservância deste se projecte no concomitante desvalor jurídico dos actos processuais afectados pela violação daquele princípio ou a que esta tenha dado causa.

4.ª As questões de inconstitucionalidade de normas jurídicas, mesmo as de fonte convencional, são delimitadas, no que ao caso presente interessa, por dois elementos essenciais: i) A concreta norma (ou interpretação normativa) julgada inconstitucional ou cuja inconstitucionalidade foi arguida no processo; e ii) As normas ou os princípios constitucionais paramétricos e que servem de fundamento ao juízo de inconstitucionalidade ou à arguição desta.

5.ª Desse modo, cada binómio "norma aplica(n)da norma constitucional violada"

constitui uma diferente "questão de constitucionalidade."

6.ª A invocação, mesmo oficiosamente pelo tribunal (artigo 204.º da CRP), da inconstitucionalidade de uma mesma norma jurídica por violação de diferentes normas ou princípios constitucionais, constitui a invocação de uma nova "questão de inconstitucionalidade" normativa, relativamente à qual se deve assegurar a observância

do princípio do contraditório.

7.ª Consequentemente, a interpretação do complexo normativo formado pelo artigo 3.º do CPC e pelo artigo 201.º, n.º 1, do CPC, segundo a qual omissão de convite para exercício do contraditório quando o tribunal decide julgar organicamente inconstitucional uma norma constante de uma convenção colectiva de trabalho - quando a discussão nos autos (e em especial o objecto do recurso de revista, tal como ele havia sido delimitado pelas conclusões das alegações) se limite à arguição da inconstitucionalidade material dessa mesma norma convencional - não dá causa a uma nulidade processual, é uma interpretação materialmente inconstitucional por violação dos direitos fundamentais a uma tutela jurisdicional efectiva e a um processo equitativo

(artigo 20.º, n.os 1 e 4, da CRP).

O recorrido não apresentou contra-alegações.

II - Fundamentação

2 - Tendo-se consolidado o despacho liminar do relator na parte em que rejeitou parcialmente o recurso, em causa está apenas a apreciação de constitucionalidade da norma extraída dos artigos 3.º e 201.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na interpretação segundo a qual, num processo em que a discussão até então travada se tenha limitado à invalidade de uma cláusula de uma convenção colectiva de trabalho por inconstitucionalidade material (por violação do disposto nos artigos 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1 da CRP), as partes não tem de ser ouvidas antes de o tribunal julgar nula a mesma cláusula por inconstitucionalidade orgânica (por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea

b) da CRP).

Sustenta-se, no acórdão que julgou improcedente a arguição de nulidade, que não se justificava a audição prévia das partes antes de se decidir pela inconstitucionalidade orgânica, porquanto a questão a decidir (que se não confunde com os seus fundamentos) era, sempre e só, a de inconstitucionalidade de uma dada cláusula e que nesta questão se compreendem todos os possíveis vícios de inconstitucionalidade porque o tribunal, que não pode aplicar normas inconstitucionais (artigo 204.º da CRP), pode decidir com fundamento distinto daquele sobre que versou a argumentação e

contra-argumentação das partes.

A recorrente critica esta orientação alegando que o princípio do contraditório constitui uma manifestação do direito à tutela jurisdicional efectiva (artigo 20.º, n.º 1, da CRP) e do direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, da CRP). Que a dimensão constitucional do princípio do contraditório proíbe que qualquer questão seja judicialmente decidida, ainda que se trate de questão do conhecimento oficioso, sem que às partes seja dada oportunidade processual de se pronunciarem sobre essa precisa questão. Que a inconstitucionalidade orgânica é uma questão autónoma e independente daquela que estava suscitada no processo. E que os referidos direitos fundamentais a um processo equitativo e à tutela jurisdicional efectiva impõem que, como garantia do princípio do contraditório, a inobservância deste se projecte no concomitante desvalor jurídico dos actos processuais afectados pela violação daquele princípio ou a que esta tenha dado causa (nulidade processual).

É o que cumpre apreciar.

3 - O artigo 20.º da CRP garante a todos o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efective - na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz - através de um processo equitativo (n.º 4).

Para o processo civil, a jurisprudência e a doutrina têm procurado densificar o conceito de processo equitativo essencialmente através dos seguintes princípios: (1) direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias; (2) proibição da indefesa e direito ao contraditório, traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras; (3) direito a prazos razoáveis de acção e de recurso, sendo proibidos os prazos de caducidade demasiados exíguos; (4) direito à fundamentação das decisões; (5) direito à decisão em prazo razoável; (6) direito de conhecimento dos dados do processo (dossier); (7) direito à prova; (8) direito a um processo orientado para a justiça material (Cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., pág.

415).

Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente sublinhado, o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correcto funcionamento das regras do contraditório (acórdão 86/88, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 11.º, pág.

741). Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a cada uma das partes de "deduzir as suas razões (de facto e de direito)", de "oferecer as suas provas", de "controlar as provas do adversário" e de "discretear sobre o valor e resultados de umas e outras" (entre muitos

outros, o acórdão 1193/96).

Importa reter, no entanto, que o legislador dispõe de uma ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, cabendo-lhe designadamente ponderar os diversos direitos e interesses constitucionalmente relevantes, incluindo o próprio interesse de ambas as partes; em qualquer caso, à luz do princípio do processo equitativo, os regimes adjectivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (Lopes do Rego, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil, in «Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa», Coimbra, 2003, pág. 839, e ainda os acórdãos do Tribunal Constitucional n.os

122/02 e 403/02).

O Código de Processo Civil consagra o princípio do contraditório, nos termos tradicionalmente aceites, estipulando no seu artigo 3.º que «o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição» (n.º 1), e circunscrevendo a «casos excepcionais previstos na lei a possibilidade de ser adoptada uma providência contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida» (n.º 2). Com este alcance, o preceito do Código reflecte a estrutura dialéctica e polémica do processo, visando assegurar um direito de resposta a qualquer das partes quanto às posições assumidas no processo pela contraparte e, portanto, em relação a qualquer acto processual (requerimento, alegação ou acto probatório) apresentado pelo outro

interveniente.

A reforma de 1996/1997, através do aditamento a esse artigo de um novo comando (n.º 3), acentuou a relevância concedida à garantia do contraditório no aspecto relativo ao direito de resposta, impondo ao juiz o «dever de observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório», com a consequência de não lhe ser lícito, «salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de

sobre elas se pronunciarem».

Várias outras novas normas constituem uma concretização prática deste princípio, como sejam as dos artigos 264.º, n.º 3, 266.º, n.º 2, 508.º, n.º 4, 684.º-B, n.º 4, 700.º, n.º 3, 725.º, n.º 2, e 787.º do CPC, que contemplam expressamente um direito de resposta em relação a diversas incidências processuais aí especialmente previstas.

Neste sentido mais amplo, a regra do contraditório deixa de estar exclusivamente associada ao direito de defesa, no sentido negativo de oposição à actuação processual da contraparte, para passar a significar um direito de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo litígio, mediante a possibilidade de influírem em todos os elementos que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão (Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1996, págs. 96-97).

Podendo considerar-se consagrada nos sobreditos termos, no plano infraconstitucional, uma acepção ampla da garantia do contraditório que vai além do mero direito de contraditar as razões de facto e de direito e as provas oferecidas pela parte contrária, é, no entanto, discutível que essa seja uma imposição constitucional decorrente do due process of law. Como se deixou exposto, a exigência de um processo equitativo, constante do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo e apenas impõe, no seu núcleo essencial, que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos e paridade entre as partes na dialéctica que elas protagonizam no processo (Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I Tomo, Coimbra, 2005, pág. 192, e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 632/99). Um processo equitativo postula, por conseguinte, a efectividade do direito de defesa por aplicação das garantias do contraditório e da igualdade de armas, mas não necessariamente um direito de participação activa no processo em termos tais que qualquer solução que venha a ser adoptada pelo juiz deva ter sido antes debatida pelas partes em todos os seus possíveis contornos jurídicos ou se torne sempre numa solução previsível por dever ter sido necessariamente

equacionada pelos sujeitos processuais.

Em qualquer caso, não pode deixar de reconhecer-se que a regra decorrente do citado artigo 3.º, n.º 3, que integra um princípio de proibição da decisão surpresa, tem uma função essencialmente programática, conferindo ao juiz, fora dos casos em que a audição da contraparte esteja expressamente prevista, o dever de verificar, em função das circunstâncias do caso, a conveniência de as partes se pronunciarem sobre qualquer questão de direito ou de facto que possa ter relevo para a apreciação e resolução da causa (quanto ao carácter programático da imposição constante do artigo 3.º, n.º 3, 1.ª parte, do CPC, Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil,

Lisboa, 1997, pág. 48).

Por outro lado, é preciso notar que o julgador mantém a sua liberdade de qualificação jurídica dos factos (artigo 664.º do CPC) e conserva os seus poderes de direcção do processo - aqui se incluindo o dever de prévia audição das partes sobre matéria tida como pertinente (artigo 265.º do CPC) -, pelo que só quando se conjecture uma nova questão de direito ou um diferente enquadramento jurídico com que as partes não pudessem razoavelmente contar é que poderia configurar-se com nitidez uma violação do princípio da proibição da decisão surpresa que pudesse ter relevância no plano jurídico-constitucional (sobre este aspecto, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, págs. 24-25).

Tratando-se, além disso, de uma audição excepcional e complementar das partes, realizada fora dos momentos processuais normalmente idóneos, e que decorre da aplicação de um princípio geral, cabe ao julgador verificar, em cada caso, a existência dos respectivos pressupostos processuais, mormente quanto à caracterização da questão como susceptível de se repercutir, de forma relevante e inovatória, no conteúdo

da decisão.

Em todo este condicionalismo, a entender-se que está ainda em causa, na aplicação da norma do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, o princípio do processo equitativo, na vertente de garantia do contraditório, só nos casos em que o tribunal tivesse postergado claramente o critério legal, preterindo, sem justificação, o direito de audição quando este fosse evidentemente exigível, é que poderia considerar-se a interpretação normativa como

afectada de inconstitucionalidade

No caso concreto, o tribunal recorrido justificou a não audição da contraparte com o argumento de que a questão suscitada pelo autor, nos termos em que foi apresentada, era susceptível de abarcar qualquer dos possíveis vícios de inconstitucionalidade, tornando desnecessário o convite à ré para exercer o contraditório, antes da prolação do acórdão, relativamente à solução jurídica que veio a ser adoptada.

Deste modo, não omitiu a formalidade processual prevista no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, mas antes afastou a necessidade do seu cumprimento por entender não estar em causa questão de direito que não pudesse ter sido oportunamente equacionada pelas partes.

Não havendo entendimento pacífico quanto a saber se existe identidade de questão de direito quando se invocam em relação a uma mesma norma diferentes fundamentos de inconstitucionalidade, mesmo no âmbito da jurisprudência constitucional (cf. as posições divergentes nos acórdãos n.os 424/2007 e 564/2007, e Isabel Alexandre, A norma constitucional violada e o objecto do recurso de constitucionalidade, in «Jurisprudência Constitucional», n.º 6, pág. 28 e segs.), a posição adoptada pelo tribunal recorrido, no caso vertente, apresenta-se como das soluções plausíveis de direito, sendo certo que não cabe ao Tribunal Constitucional sobrepor o seu juízo ao do tribunal recorrido para efeito de verificar se ocorria uma situação processual que justificasse a audição da parte, em cumprimento do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do

Código de Processo Civil.

Não há, por isso, motivo para censurar a decisão recorrida.

III - Decisão

Termos em que se decide negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2010. - Carlos Fernandes Cadilha - Maria Lúcia Amaral (com declaração) - Ana Maria Guerra Martins (vencida, no essencial, nos termos da declaração do Exmo. Senhor Conselheiro Vítor Gomes) - Vítor Gomes (vencido, conforme declaração anexa) - Gil Galvão (votei a decisão por entender, no essencial, que, no caso, estando sempre em discussão a alegada violação de um direito, liberdade ou garantia, não constitui surpresa, para efeitos do princípio do contraditório, uma decisão com fundamento na reserva que à Assembleia da República cabe naquelas

matérias).

Declaração de voto

Votei a decisão, mas fi-lo, fundamentalmente, pelos motivos seguintes:

É para mim claro - ao contrário do que se diz no Acórdão, que refere a este propósito a inexistência de um "entendimento pacífico" - que há identidade da questão de direito, quando se invocam, a propósito do juízo relativo a uma norma infraconstitucional, diferentes normas ou "parâmetros" constitucionais. A questão de constitucionalidade é una, não variando, na sua essência e na sua natureza, consoante se invoque este ou aquele preceito da Constituição. Não existem tantas questões de constitucionalidade - entendidas como outras tantas e diferentes "questões de direito" - quantas as normas eventualmente decorrentes do texto constitucional. O princípio da unidade da Constituição impede que assim seja. Nem tão pouco me parece que possa existir uma divisão cerce, e ineliminável, entre a chamada "parte dogmática" da Constituição - que consagra princípios ordenadores do Estado e da Sociedade, bem como normas de direitos fundamentais - e a sua "parte orgânica", que define as competências dos órgãos de poder, as formas dos seus actos ou os seus procedimentos. Em última análise, as normas de direitos fundamentais só poderão vir a ser cumpridas se cumpridas forem, também, as normas de organização, competência e procedimentos; as duas partes da Constituição estão estritamente interligadas, justamente porque não podem deixar de ser vistas como elementos de um sistema, dotado de unidade de sentido. - Maria Lúcia

Amaral.

Declaração de voto

Vencido. Concederia provimento ao recurso, nos termos do projecto que apresentei,

essencialmente pelo seguinte:

1 - Dentro do objecto do processo, a inconstitucionalidade é, em qualquer das suas modalidades, seja qual for o elemento do acto normativo desconforme a normas e princípios constitucionais uma quaestio juris de conhecimento oficioso e o juiz não está adstrito aos fundamentos ou parâmetros invocados pelas partes (artigo 204.º da CRP).

Todavia, nem a oficiosidade nem o princípio jus novit curia justificam que as questões de constitucionalidade sejam decididas sem que as partes tenham efectiva possibilidade de contribuir para a formação da decisão do tribunal. A mais do contraditório stricto sensu, o processo justo e leal exige a participação dos interessados tanto nos aspectos de facto como de direito, não podendo a descoberta dos fundamentos jurídicos da decisão resultar de um solilóquio do juiz. O direito de influir no desenvolvimento da controvérsia e no conteúdo da decisão seria intoleravelmente comprimido se, posta em causa a constitucionalidade de uma dada norma, o juiz pudesse decidir pela inconstitucionalidade com qualquer outro fundamento, mesmo que estranho ao tipo de

inconstitucionalidade invocada.

Objectar-se-á que isto comporta o risco de uma cadeia interminável de intervenções.

Mas sem razão. Não se trata de impor ao juiz que sistematicamente comunique às partes a própria orientação e valoração do caso previamente à decisão [mas já assim se pensou; cf. Nicolò Trocker, Processo Civile e Costituzione, pag. 757] ou de um dever de auscultação das partes perante a mínima variação dos pressupostos normativos da decisão projectada face ao discutido, mas de colocá-las em condições de influir no processo decisório, chamando-as a pronunciar-se sobre aspectos jurídicos anteriormente não debatidos e que não possam considerar-se abrangidos pelo princípio da auto-responsabilidade processual no círculo da diligência razoavelmente exigível, tomando como padrão de justa previsão e actuação um operador judiciário normalmente informado do estado da questão na doutrina e da jurisprudência.

A esta luz, afigura-se incompatível com a garantia do processo equitativo o entendimento de que, posta em crise no processo a conformidade constitucional de uma dada norma, o tribunal fica ipso facto habilitado a poder decidir pela inconstitucionalidade com qualquer outro fundamento, sem necessidade de ouvir as

partes.

Aceita-se que, em geral, dentro do mesmo tipo de inconstitucionalidade, não afronta a garantia constitucional do processo equitativo que o tribunal convoque, para a decisão de desaplicação da mesma norma, parâmetros de constitucionalidade diversos daqueles que foram anteriormente analisados. O elemento da norma ou do acto normativo sobre que vai incidir o juízo de desvalia constitucional é o mesmo, pelo que, nessa hipótese, as exigências de praticabilidade e eficiência do funcionamento dos tribunais e de celeridade processual podem justificar que se imponha às partes o ónus de analisar espontaneamente as alternativas decisórias razoavelmente implicadas.

Incidindo, porém, o vício novo, oficiosamente detectado, sobre um elemento da norma (ou do acto normativo) sobre que não tenha recaído ou devido recair a pronúncia das partes agindo com normal diligência, não pode a decisão de inconstitucionalidade ser proferida sem a sua oportuna audição a convite do juiz. Será excessivo exigir à parte que proceda a um escrutínio da validade da norma sob todos os aspectos constitucionalmente relevantes e se defenda antecipadamente de vícios que possa conjecturar-se afectarem um elemento do acto normativo diverso daquele a cujas condições de validade respeitam as normas constitucionais invocadas.

Saber o que é uma questão para efeitos processuais é problema que não pode abstrair da específica intencionalidade normativa, isto é, do fim e do contexto em que o conceito é utilizado. A suposta unidade da questão de constitucionalidade não é instrumento adequado para responder ao problema prático-jurídico que consiste em aferir se o processo é justo e leal e, para isso, de estabelecer o âmbito do dever de justa previsão das soluções possíveis a cargo das partes. Pode ser explicação consistente para a relação entre o ónus de suscitar a inconstitucionalidade durante o processo e o âmbito do recurso de constitucionalidade, porque aí é outro o contexto problemático em que o conceito releva. Trata-se de provocar o tribunal a exercer o seu poder/dever de não aplicar normas inconstitucionais, sendo desrazoável que, depois, o Tribunal Constitucional viesse a ficar limitado, nos aspectos jurídico-constitucionais, pelos termos da alegação perante o tribunal da causa. Mas isso não justifica, nas relações entre as partes e o tribunal, que aquelas devam suportar um ilimitado ónus de escrutínio ou antecipação de qualquer outro vício de inconstitucionalidade.

Deste modo, entendo poder concluir-se que viola a garantia do processo equitativo consagrada no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição a interpretação do n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil no sentido de que as partes não tem de ser ouvidas antes de o tribunal julgar verificada a desconformidade de uma determinada norma com parâmetros constitucionais diferentes daqueles com que anteriormente se confrontaram e que conduza à procedência de um vício de inconstitucionalidade diverso daquele que resultaria das normas e princípios constitucionais sobre os quais se pronunciaram ou puderam pronunciar-se, isto é, que afecte um elemento da norma ou um requisito do acto normativo a que não respeitassem os parâmetros constitucionais sobre que recaiu

o debate.

2 - No caso, é indiscutível que a questão da inconstitucionalidade orgânica, de que resultou a procedência do recurso e a declaração de nulidade do n.º 1 do artigo 52.º do CCT em causa, não foi suscitada pelas partes nem apreciada oficiosamente pelo tribunal de 1.ª instância. Tal questão foi levantada, apreciada e decidida pela primeira

vez no acórdão que julgou a revista.

A ratio decidendi assentou, pois, numa (na resposta a uma) questão jurídica de conhecimento oficioso que é nova, relativamente aos termos da discussão travada nas alegações. Até aí discutira-se se aquele conteúdo da cláusula do CCT era atentatório, por si mesmo, das garantias constitucionais de liberdade de escolha de profissão e do direito ao trabalho. Imputava-se à cláusula uma inconstitucionalidade material (artigos 47.º, n.º 1 e 58.º, n.º 1, da CRP). O acórdão que julgou a revista, embora movendo-se no âmbito da validade da mesma cláusula, veio a decidir com um fundamento constitucional que conduz a um outro tipo de inconstitucionalidade: aquele conteúdo só poderia constar de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei autorizado (alínea

b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP).

É certo que, no caso, o juízo de inconstitucionalidade que o tribunal da causa formulou não surge a título incidental, conduzindo à desaplicação de uma norma jurídica a um caso que, de outro modo, deveria ser regulado por essa norma [Sem curar aqui da controvérsia acerca da natureza das cláusulas de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho para efeitos de controlo de constitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional]. Surge a título principal porque a verificação da desarmonia com a Constituição é o próprio fundamento (um dos fundamentos) do pedido, uma vez que a decisão foi proferida num processo especial de anulação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, nos termos dos artigos 184.º e seguintes do Código de Processo de Trabalho. Mas isso não invalida, antes realça, o que se disse sobre ter sido apreciada uma causa de inconstitucionalidade de tipo diverso daquela sobre que incidira a discussão das partes e sobre a violação que tal modo de proceder implica ao direito a um processo equitativo. - Vítor Gomes.

204028084

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2010/12/10/plain-280842.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/280842.dre.pdf .

Ligações para este documento

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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