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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo 6/2010, de 21 de Setembro

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Sumário

Uniformiza a jurisprudência no seguinte sentido: a competência territorial para o conhecimento de pedidos de anulação ou de nulidade de actos administrativos e de adopção de providências cautelares a eles respeitantes, formulados por dois requerentes - um com sede no estrangeiro e outro com sede em Portugal - , cabe ao tribunal da residência ou sede do autor em Portugal, ou ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, cabendo aos autores essa escolha. (Proc. nº 838/09)

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 6/2010

Processo 838/09 - Pleno da 1.ª Secção

Acordam, em conferência, no Pleno da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:

Relatório

I - H. LUNDBECK, A/S, com sede em Ottiliavej 9, 2500 Copenhaga, Valby, Dinamarca, e Lundbeck Portugal Produtos Farmacêuticos, Unipessoal, Lda., com sede na Quinta da Fonte, Edifício D. João I, piso 0, ala A, em Paço de Arcos, Oeiras, dirigiram a este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 152.º do CPTA, pedido de admissão de recurso para uniformização de jurisprudência interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 23 de Abril 2009, pelo qual foi julgado improcedente o recurso interposto do despacho do TAC de Lisboa em que este se julgou incompetente em razão do território para conhecer das providências cautelares ali requeridas contra o Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED) e o Ministério da Economia e da Inovação (MEI), sendo contra-interessados Decomed Farmacêutica, S. A., e GENEDEC - Medicamentos Genéricos, Lda., atribuindo tal competência ao TAF de Sintra.

Invoca a existência de contradição, sobre a mesma questão fundamental de direito, com os Acórdãos proferidos pelo mesmo Tribunal Central Administrativo Sul em 25 de Agosto e em 18 de Dezembro de 2008, no âmbito, respectivamente, dos processos n.os 03992/08 e 04534/08, já transitados e que juntou cópia, os quais decidiram - sobre a mesma questão fundamental da competência territorial - que, estando em causa o pedido de nulidade e anulação de actos administrativos e o correspondente pedido cautelar de suspensão de eficácia, formulado por dois requerentes, um com sede em país estrangeiro e outro com sede em Portugal, o tribunal territorialmente competente seria o TAC de Lisboa, com fundamento na aplicação do disposto no artigo 22.º do CPTA (competência supletiva).

As recorrentes remataram a sua alegação final com as seguintes conclusões:

1.ª A douta decisão recorrida, já transitada, proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 23 de Abril de 2009, decidiu sobre a questão fundamental da competência territorial, sustentando que, estando em causa o pedido de nulidade e anulação de actos administrativos, e o correspondente pedido cautelar de suspensão de eficácia, formulado por duas requerentes - uma com sede em país estrangeiro (no caso, a Lundbeck, com sede na Dinamarca) e outra com sede em Portugal (no caso, a Lundbeck Portugal, com sede em Paço de Arcos, Oeiras) - o tribunal territorialmente competente seria o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, com fundamento na aplicação do disposto no artigo 16.º do CPTA;

2.ª Tal decisão diverge, e é totalmente contraditória, de duas anteriores decisões sobre a mesma questão fundamental da competência territorial, constantes dos Acórdãos proferidos pelo mesmo Tribunal Central Administrativo Sul em 25 de Agosto de 2008 (processo 3992/08, doc. n.º 1) e em 18 de Dezembro de 2008 (processo 4534/08, doc. n.º 2);

3.ª Os acórdãos fundamento, já transitados e proferidos pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 25 de Agosto e em 18 de Dezembro de 2008 no âmbito, respectivamente, do processo 3992/08 e do processo 4534/08, decidiram sobre a mesma questão fundamental da competência territorial, sustentando que, estando em causa o pedido de nulidade e anulação de actos administrativos e o correspondente pedido cautelar de suspensão de eficácia, formulado por dois requerentes - um com sede em país estrangeiro (no caso, a Esai, Co.) e outro com sede em Portugal (no caso, os Laboratórios Pfizer, com sede em Queluz, Sintra) - o tribunal territorialmente competente seria o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, com fundamento na aplicação do disposto no artigo 22.º do CPTA;

4.ª Verifica-se, pois, a contradição e todos os demais requisitos de admissibilidade do presente recurso para uniformização nos termos do artigo 152.º do CPTA;

5.ª Uma vez que há duas requerentes no presente caso, é impossível estabelecer a maioria, pelo que o artigo 16.º do CPTA não é aplicável in casu (cf. decisão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28 de Setembro de 2006, processo 1684/06);

6.ª Uma vez que nenhum dos artigos anteriores ao artigo 22.º é aplicável ao presente caso, este último é o aplicável e, por isso, o tribunal competente territorialmente para decidir os presentes autos é o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (cf. decisão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28 de Setembro de 2006, processo 1684/06);

7.ª Não há qualquer coincidência entre o que a decisão recorrida decidiu e o que resulta da letra do artigo 16.º do CPTA;

8.ª A sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que a decisão ora recorrida sustentou, citou Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (em Código de Processo dos Tribunais Administrativos, vol. 1, p. 194) e Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha (em Comentários ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos, 2005, p. 109) totalmente fora do contexto, na tentativa de demonstrar que a sua decisão estava de acordo com o espírito do artigo 16.º do CPTA;

9.ª A decisão recorrida forçou a aplicação do artigo 16.º do CPTA, independentemente do caso sub judice, e para isso construiu toda uma nova interpretação ilegal desse artigo, ignorando uma das requerentes só por ter a sua sede num país estrangeiro, apenas para chegar a uma situação diferente (com apenas uma requerente, com a sua sede em Portugal) onde esse artigo já podia ser aplicado;

10.ª Uma vez que o Tribunal a quo - o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa - decidiu que é incompetente em razão do território por força do artigo 16.º do CPTA, a sua decisão sofre claramente de erro de julgamento, e infringiu aquela disposição legal, bem como o artigo 22.º;

11.ª A decisão recorrida sofre claramente de erro de julgamento e terá de ser revogada e substituída por outra que declare o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa competente para decidir os presentes autos, tal como foi decidido nos Acórdãos fundamento de 25 de Agosto e de 18 de Dezembro de 2008 nos processos, respectivamente, n.os 3992/08 e 4534/08.

II - O INFARMED contra-alegou, vindo a concluir da seguinte forma:

1.ª A decisão recorrida esteve bem ao considerar que o artigo 16.º do CPTA é aqui aplicável, porque o artigo 22.º do CPTA surge apenas como de aplicação subsidiária, para casos em que não seja possível determinar a competência territorial por aplicação, designadamente, do artigo 16.º;

2.ª Contrariamente ao defendido pelas recorrentes, o artigo 16.º é aqui aplicável, porque uma das recorrentes tem a sua sede localizada no território nacional, não existindo por isso uma impossibilidade de determinar qual o tribunal territorialmente competente para conhecer da causa;

3.ª Assim, não restarão dúvidas de que, através da aplicação do artigo 16.º do CPTA, o tribunal competente para conhecer da causa será o Tribunal Administrativo de Sintra nos termos supra-referidos.

III - A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer:

«Em nosso entender o presente recurso para uniformização de jurisprudência deverá ser provido.

Acompanhamos, no essencial, a orientação dos acórdãos fundamento no que concerne à questão que aqui se coloca.

Como é reconhecido pela doutrina, a regra geral contida no artigo 16.º do CPTA pressupõe que a residência ou a sede do demandante, ou da maioria dos demandantes, se localize em território português (cf., a este propósito, Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. i, Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, anotados, p.

194).

Em casos como o que aqui está em causa - em que são duas as requerentes, estando uma sedeada no estrangeiro - não existe base legal que permita ignorar a existência da requerente sedeada no estrangeiro. Nessa medida ter-se-á de concluir não ser aplicável a regra geral do artigo 16.º do CPTA, por não existir maioria de requerentes sedeadas em território português.

Ter-se-á, assim, de aplicar a regra supletiva do artigo 22.º do CPTA.

Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso para uniformização de jurisprudência, revogando-se o acórdão recorrido e julgando-se competente para decidir o litígio em causa o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa.» Houve vista dos autos, nos termos do artigo 92.º, n.º 2, do CPTA.

Convidadas as recorrentes a elegerem um único acórdão fundamento da alegada contradição, vieram indicar o Acórdão do TCA Sul de 18 de Dezembro de 2008, proferido no processo 04534/08.

Fundamentação

Os factos:

O acórdão recorrido deu como provados os factos fixados no despacho do TAC de Lisboa, que são os seguintes:

1.º A requerente H. Lundbeck, A/S, tem sede em Ottiliavej 9, Copenhaga, Valby, Dinamarca;

2.º A requerente Lundbeck Portugal Produtos Farmacêuticos, Unipessoal, Lda.", tem sede em Paço de Arcos, na Quinta da Fonte, Edifício D. João I, piso 0 ala A;

3.º Formulam nestes autos os seguintes pedidos:

i) Suspensão de eficácia dos actos de autorização de introdução no mercado concedidos pelo INFARMED às contra-interessadas, para os medicamentos a seguir indicados, sob este ou outro nome, enquanto a acção principal de que esta providência é dependente não estiver definitivamente decidida:

Zedidec, 5 mg, comprimidos revestidos por película;

Zedidec, 10 mg, comprimidos revestidos por película;

Zedidec, 15 mg, comprimidos revestidos por película;

Zedidec, 20 mg, comprimidos revestidos por película;

Zocital, 5 mg, comprimidos revestidos por película;

Zocital, 10 mg, comprimidos revestidos por película;

Zocital, 15 mg, comprimidos revestidos por película;

Zocital, 20 mg, comprimidos revestidos por película;

ii) Ser a DGAE, na pessoa do requerido Ministério da Economia e da Inovação intimada a abster-se de, enquanto a patente PT 90 845 e o CCP 152 estiverem em vigor, fixar os PVP que venham a ser requeridos (ou os que tenham já sido requeridos) pelas contra-interessadas, dos medicamentos acima elencados, sob aquele ou outro nome, suspendendo o respectivo procedimento administrativo, ou a abster-se de fixar tais preços sem que essa fixação fique condicionada a apenas entrar em vigor na data em que a mesma patente caducar;

4.º As requerentes intentaram a presente providência como preliminar da acção administrativa especial que pretendem intentar, com vista a obter (Cf. artigo 132.º da p.

i):

i) A anulação das AIM concedidas aos medicamentos das contra-interessadas, com fundamento em que estas constituem actos ilegais e lesivos dos direitos das requerentes;

ii) A condenação da DGAE a não emitir os actos de aprovação dos PVP das 'cópias Escitalopram', por serem actos ilegais e lesivos dos legítimos interesses das requerentes.

O direito:

O recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 152.º do CPTA, a interpor no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado do acórdão recorrido, tem os seguintes requisitos de admissibilidade:

Existir contradição entre acórdão do TCA e acórdão anterior do mesmo Tribunal ou do STA ou entre acórdãos do STA sobre a mesma questão fundamental de direito;

Ser a petição de recurso acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada e a infracção imputada à decisão recorrida;

Não estar a orientação perfilhada no acórdão recorrido de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

A parte final do n.º 2 do preceito prevê um duplo ónus de alegação (dos aspectos de identidade que determinam a contradição e da infracção imputada à decisão recorrida), o que tem a ver com os dois juízos decisórios que o tribunal tem, em consequência, que emitir: um relativo à existência de contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito; outro, consequente a esse, e se ele for positivo, sobre o novo julgamento da causa (judicium rescisorium).

A propósito da exigida identidade da questão de direito, a jurisprudência do STA, designadamente do Pleno, vem de há muito reiterando, no domínio dos recursos por oposição de julgados previstos no artigo 24.º, alínea b), do ETAF/84 (cujos pressupostos coincidem, no essencial, com os do recurso aqui versado), mas igualmente já no domínio do CPTA, a exigência de identidade da situação de facto subjacente aos arestos em confronto, como suporte da identidade da questão de direito, sublinhando-se que não há oposição ou contradição entre dois acórdãos, relativamente à mesma questão fundamental de direito, quando são diversos os pressupostos de facto em que assentaram as respectivas decisões.

A identidade da questão de direito passa, necessariamente, pela identidade da questão de facto subjacente, na exacta medida em que aquela pressupõe que as situações de facto em que assentaram as soluções jurídicas contenham elementos que as identifiquem como «questões» merecedoras de tratamento jurídico semelhante.

Para Baptista Machado (Âmbito de Eficácia e Âmbito de Competência das Leis, p.

224.), «não é possível determinar a existência de um conflito de decisões sem uma referência bipolar, simultânea, às questões de direito e às situações da vida».

Segundo a referida jurisprudência, para que ocorra oposição ou contradição de julgados, «é indispensável que haja identidade, semelhança ou igualdade substancial da situação de facto, não havendo oposição de julgados se as soluções divergentes tiverem sido determinadas, não pela diversa interpretação dada às mesmas normas jurídicas, mas pela diversidade das situações de facto sobre que recaíram» (Acórdão do Pleno de 15 de Outubro de 1999 - recurso n.º 42 436).

Resta referir que a circunstância de o artigo 152.º do CPTA utilizar o termo «contradição», em vez de «oposição», não significa, relativamente ao regime do ETAF/84, uma opção por um conceito técnico ou etimológico diverso.

Com efeito, e como se observou no Acórdão deste STA de 13 de Novembro de 2007 - recurso n.º 121/07, «seria absurdo entender que o legislador restringira os recursos para uniformização de jurisprudência aos casos de contradição entre proposições jurídicas fundamentais, excluindo desses mecanismos os casos - aliás, muito mais vulgares - de contrariedade entre tais proposições. Assim, o nome 'contradição' continua a designar o género lógico 'oposição', o qual, no plano judicativo do discurso, se divide em duas únicas espécies - em que as proposições são, ou reciprocamente contrárias, ou contraditórias».

As recorrentes identificam, na respectiva alegação, a questão de direito sobre a qual entendem existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento indicado, e sobre a qual pedem a emissão de pronúncia uniformizadora: qual o tribunal territorialmente competente para conhecer dos pedidos de anulação de actos administrativos e dos correspondentes pedidos de providências cautelares, formulados por dois requerentes - um com sede em país estrangeiro e outro com sede em Oeiras, Portugal.

A) Uma vez assente o trânsito em julgado dos dois acórdãos, importa, pois, averiguar da existência real dessa contradição, o que implica o cotejo comparativo dos dois arestos em confronto, em ordem a saber se ambos os acórdãos enfrentam realmente a questão enunciada e, em caso afirmativo, se as proposições jurídicas neles emitidas sobre essa questão, repousando em situações de facto idênticas, se mostram contrárias ou contraditórias entre si.

Ora, na verdade, em ambos os acórdãos estão em causa pedidos de suspensão de eficácia de actos administrativos de autorização de introdução no mercado (AIM) proferidos pelo INFARMED a favor das contra-interessadas, como preliminares da respectiva acção, existindo, em ambos os casos, dois requerentes, sendo que um possui sede no estrangeiro e outro em Portugal.

E, perante tais pedidos, os dois arestos emitiram pronúncias opostas: enquanto o acórdão recorrido, confirmando despacho judicial do TAC de Lisboa, concluiu ser territorialmente competente o TAF de Sintra, por aplicação da regra geral de competência do artigo 16.º do CPTA, considerando que «não tendo a primeira requerente sede em território nacional, não há que atender ao local em que está sedeada, uma vez que o disposto no artigo 16.º do CPTA pressupõe que a sede do requerente se situe em território português» e que «o simples facto de uma das requerentes ter a sua sede na Dinamarca não deve postergar a aplicação da regra geral enunciada no artigo 16.º... já que a outra requerente tem a sua sede no concelho de Oeiras», o acórdão fundamento, por seu lado, concluiu pela competência do TAC de Lisboa, ao abrigo da regra de competência supletiva do artigo 22.º do CPTA, considerando que «nada na lei e em particular neste preceito (artigo 16.º do CPTA) permite concluir que caso a sede de um dos autores se situe no estrangeiro, deva este elemento ser ignorado na definição da competência territorial» e que, deste modo, «não é possível estabelecer uma 'maioria de autores' que permita a aplicação da regra geral constante do referido artigo 16.º do CPTA».

Há, assim, uma real contradição entre os arestos em confronto que, repousando em situações de facto idênticas, emitiram pronúncias que se mostram contrárias ou contraditórias entre si.

E cabe referir que sobre a questão enunciada não existe, como se adiante se justificará, jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo.

B) Apurada que está a existência de contradição de julgados, cabe uniformizar a jurisprudência, decidindo a questão controvertida (n.º 6 do artigo 152.º do CPTA).

Dissemos atrás que sobre a questão enunciada não existe jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo. Com efeito, o recente Acórdão do Pleno de 25 de Março de 2010, proferido no processo 852/09, já disponível em www.dgsi.pt, versando situação em tudo idêntica à dos presentes autos, constituindo embora uma decisão qualificada sobre a matéria em causa, pois que proferida por todos os juízes deste Supremo Tribunal, não deixa de ser uma única decisão e muito recente, ainda pois sem o lastro de firmeza e solidez que lhe confira características de consolidação jurisprudencial, ou que «revele uma estabilidade de julgamento» reveladora dessa consolidação (vide Acórdão do Pleno de 18 de Setembro de 2009 - recurso n.º 212/08).

Todavia, e por se entender que tal aresto do Pleno consagra a melhor solução de direito sobre a questão em análise, reitera-se a pronúncia nele emitida segundo a qual, nas situações enunciadas - de existência de dois requerentes, um residente no estrangeiro e outro em Portugal -, a competência para o conhecimento de pedidos de anulação de actos administrativos e de adopção de providências cautelares a eles respeitantes cabe ao tribunal da residência ou sede do autor em Portugal, ou ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, cabendo aos autores essa escolha.

Transcreve-se, para esse efeito, a fundamentação, que integralmente se acompanha, do referido aresto do Pleno:

«[...] O artigo 16.º do CPTA tem a seguinte redacção:

'Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes e das soluções que resultam da distribuição das competências em função da hierarquia, os processos, em primeira instância, são intentados no tribunal da residência habitual ou sede do autor ou da maioria dos autores.' O artigo 16.º tem em vista a competência territorial dos tribunais portugueses e, portanto, quando fala em residência ou sede do autor está a referir-se à residência ou sede em Portugal. Deste modo, o sentido do artigo é de escolher como índice da competência territorial a residência ou sede em Portugal.

O elemento de conexão relevante para estabelecer a competência (deixando de lado as soluções decorrentes da competência em razão da hierarquia ou da acumulação de pedidos - que não estão em causa) é a 'residência habitual ou sede do autor, ou da maioria dos autores' em Portugal.

Há, porém, casos que o artigo 16.º não resolve. São os casos em que o autor (e a acção tenha apenas um) reside ou tem a sede no estrangeiro. A solução não vem resolvida no artigo 16.º, nem nos artigos subsequentes, caindo na previsão do artigo 22.º, com a seguinte redacção:

'Quando não seja possível determinar a competência territorial por aplicação dos artigos anteriores, é competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.' Também há casos em que a conjugação das duas regras acima referidas atribui a competência a mais de um Tribunal. Tal ocorre, em todas as situações em que não há maioria de autores (um reside no Porto, outro em Braga e outro em Coimbra) ou, como no caso presente em que um reside em Portugal e outro no estrangeiro).

Nestas situações, em bom rigor, há mais de um tribunal territorialmente competente, dado que os elementos de conexão determinativos da competência territorial verificam-se relativamente a mais do que um tribunal.

A melhor solução é, então, a de permitir aos autores a escolha do foro dentro daqueles que são territorialmente competentes. Esta é, de resto, a solução do artigo 21.º do CPTA para outras situações em que as regras gerais atribuem competência a mais de um tribunal, segundo o qual 'quando forem cumulados pedidos para cuja apreciação sejam notoriamente competentes diversos tribunais, o autor pode escolher qualquer deles para a propositura da acção...'.

Permitir a opção dos autores justifica-se, além do mais, porque as regras de competência territorial que atendem à sede ou residência do autor são definidas em função da sua comodidade, sendo portanto aceitável que, dentro da pluralidade de comarcas competentes, sejam estes a escolher a que mais lhes convém - cf. neste sentido Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2006, pp. 194 e 195: 'Por outro lado, se não houver maioria ou o maior número - porque são só dois ou porque estão empatados - pergunta-se se funciona a regra do artigo 22.º ou se é dado aos autores escolher o tribunal da residência habitual de um deles, para instaurar a acção? Parece-nos bem preferível esta segunda opção. A que título três pessoas residentes na circunscrição de três tribunais administrativos diferentes - por exemplo em Mirandela, em Castro Daire e em Penafiel - e que se querem coligar numa acção para a qual valha a norma de competência deste artigo 16.º teriam de vir a Lisboa, ao Tribunal Administrativo e Fiscal, litigar com o Estado (ou com o próprio Município de Penafiel, por exemplo) a propósito de questões que as afectam a todas, e não haviam de poder fazê-lo no tribunal de círculo de uma delas. Tal solução é, aliás, aquela que a analogia (com o artigo 21.º, 2) pede.' Do exposto resulta que, no caso dos autos, as autoras poderiam escolher o foro de Sintra, por residir na respectiva área uma das autoras; ou o de Lisboa, por residir no estrangeiro, a outra autora. Tendo escolhido o de Lisboa, é o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa o territorialmente competente.» Resulta do exposto que, na situação dos autos, as autoras poderiam escolher o TAF de Sintra, por uma delas ter a sua sede na respectiva área, ou o TAC de Lisboa, por a outra ter a sua sede no estrangeiro.

Tendo sido por ambas escolhido o foro de Lisboa, é o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa o territorialmente competente para conhecer dos pedidos formulados.

Com o que procedem as alegações das recorrentes, não podendo manter-se o acórdão recorrido, por errada aplicação das normas citadas.

Decisão

Com os fundamentos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso, e, em consequência:

a) Anular a decisão impugnada (artigo 152.º, n.º 6, do CPTA);

b) Revogar a sentença do TAC de Lisboa e declarar este último Tribunal competente em razão do território para julgar a presente providência cautelar;

c) Uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos:

A competência territorial para o conhecimento de pedidos de anulação ou nulidade de actos administrativos e de adopção de providências cautelares a eles respeitantes, formulados por dois requerentes - um com sede no estrangeiro e outro com sede em Portugal -, cabe ao tribunal da residência ou sede do autor em Portugal, ou ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, cabendo aos autores essa escolha.

Custas pelo recorrido INFARMED e pelas recorridas particulares (DECOMED e GENEDEC) no Tribunal Central Administrativo Sul, e apenas pelo recorrido INFARMED neste Supremo Tribunal Administrativo.

Publique-se, nos termos do artigo 152.º, n.º 4, do CPTA.

Lisboa, 17 de Junho de 2010. - Luís Pais Borges (relator) - José Manuel da Silva Santos Botelho - Rosendo Dias José - Maria Angelina Domingues - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Jorge Manuel Lopes de Sousa - Adérito da Conceição Salvador dos Santos - Rui Manuel Pires Ferreira Botelho - António Bernardino Peixoto Madureira - Jorge Artur Madeira dos Santos (concordo com a decisão, mas não com os fundamentos - pelas razões constantes da declaração que exprimi no acórdão deste Pleno de 25 de Março de 2010, proferido no processo 825/09-20) - Alberto Augusto Andrade de Oliveira - António Bento São Pedro - António Políbio Ferreira Henriques - Fernanda Martins Xavier e Nunes - José António de Freitas Carvalho.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2010/09/21/plain-279175.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/279175.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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