Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2010
Recurso n.º 312/09.8YFLSB
Recurso para fixação de jurisprudência
I - O recurso
O Ministério Público interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão proferido em 12 de Janeiro de 2009 pelo Tribunal da Relação de Guimarães no processo 2586/08, invocando como fundamento o acórdão de 15 de Julho de 2008, proferido pelo mesmo tribunal no processo 1156/08:O acórdão recorrido entendeu que o despacho de revogação da suspensão da pena de prisão deve ser pessoalmente notificado ao condenado, não bastando a notificação do defensor; discorda-se desse entendimento, uma vez que, nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal (1), é suficiente a notificação do defensor do arguido; deve, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido e fixar-se jurisprudência no sentido de que «o despacho que revoga a suspensão da execução da pena não necessita de ser notificado pessoalmente ao arguido, bastando a notificação realizada ao seu defensor».
Em 13 de Julho de 2009, o Supremo Tribunal de Justiça, considerando não ocorrer motivo de inadmissibilidade e haver oposição de julgados, ordenou o prosseguimento do recurso.
Foram notificados os sujeitos processuais interessados nos termos e para os efeitos do artigo 442.º, n.º 1 (2).
II - As alegações
O MP concluiu assim as suas alegações:«A suspensão da pena na sua execução, como pena de substituição e que importa a aplicação e cominação de uma outra pena, quando revogada nos termos do artigo 56.º do Código Penal (3), não pode deixar de determinar uma alteração in pejus do conteúdo decisório da sentença condenatória, até porque a perda da liberdade por parte do condenado constitui o seu efeito directo e porventura mais radical; daí que o legislador tivesse rodeado das maiores cautelas a prolação da decisão que implique quer a revogação da suspensão da execução da pena quer a modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostas ao arguido na sentença condenatória, exigindo para tal, e entre o mais, a prévia audição do condenado, como decorre do disposto nos artigos 492.º e 495º do Código de Processo Penal (4).
Cautelas essas que, tidas pelo legislador, não podem deixar de ser extensíveis à notificação das mesmas decisões, como pressuposto indispensável para assegurar, de uma forma efectiva e real, o respeito pelo direito ao recurso, constitucionalmente garantido no n.º 1 do artigo 32.º da lei fundamental e por via do qual é proporcionada ao arguido, afectado pelas mesmas decisões, a possibilidade de as impugnar; de onde que, conquanto do elenco das ressalvas feitas no n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal não conste expressamente a decisão revogatória da suspensão da execução da pena, mal se compreenderia que, não tendo o legislador abdicado da notificação pessoal do arguido quando em causa se encontre, por exemplo, a decisão instrutória (que, não resolvendo a questão substantiva objecto do processo, encerra em si um mero juízo indiciário) ou a que aplique medidas coactivas e de garantia patrimonial (por natureza susceptíveis de serem alteradas a todo o tempo, desde que as circunstâncias do caso concreto o justifiquem), se bastasse com a notificação do defensor, e não também do arguido, tratando-se de decisão revogatória da suspensão da execução da pena, quando é certo que, face aos efeitos dela directamente advindos para o condenado (maxime a sua privação da liberdade), a mesma se reveste de muito maior gravidade do que qualquer das outras; para além de que sempre resultaria inaceitável que, tendo o legislador de forma inequívoca querido que o arguido fosse notificado pessoalmente da sentença (artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal), não encontrasse motivo para outro tanto em caso da revogação da suspensão da execução da pena, quando esta representa uma alteração in pejus do conteúdo decisório da sentença condenatória que impôs a referida pena de substituição, decisão revogatória da suspensão da execução da pena que - pressupondo a verificação de uma qualquer das situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, implica (n.º 2 do mesmo normativo) o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença - não pode deixar de integrar-se na decisão final, dando efectividade à condenação cuja execução ficou condicionalmente suspensa; e tanto assim é que, não obstante as diferenças que as caracterizam, a lei confere igual dignidade a uma e outra, como bem evidenciam o efeito, o momento e o regime de subida atribuídos [artigos 408.º, n.º 2, alínea c), 406.º, n.º 1, e 407.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal] (5), ao recurso que porventura seja interposto de uma ou outra das decisões, ao invés do que sucede com os despachos, por exemplo, atinentes à mera execução da pena já transitada e em que o recurso tem efeito devolutivo e sobe, embora imediatamente, em separado; a notificação do arguido da decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão há-de revestir, pois, a forma de contacto pessoal [alínea d) do n.º 1 do artigo 113.º do Código de Processo Penal] (6), considerando que as formas de notificação por via postal simples e registada (as únicas que, afora aquela, podiam encontrar algum cabimento no caso) são de excluir, já porque o TIR prestado pelo arguido se extinguiu com o trânsito em julgado da sentença condenatória [artigo 214.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal] (7), já porque, tendo resultado infrutíferas as diligências efectuadas no sentido de localizar o arguido e notificá-lo a fim de ser ouvido previamente à prolação da decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão, se ignora a sua morada; essa notificação pessoal é expressamente prevista na lei (n.º 5 do artigo 333.º e n.º 6 do artigo 334.º, ambos do Código de Processo Penal) para os casos em que, justificada ou injustificadamente, o arguido esteve ausente na audiência de julgamento;
impondo a lei que a sentença lhe seja notificada pessoalmente logo que detido ou que, por sua vontade se apresente em juízo, por maioria de razão se justificará quando a decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão foi prolatada sem prévia audição do condenado, que desconhecia a data em que tal viria a suceder; de onde que a omissão decorrente da falta de notificação do arguido da decisão revogatória da suspensão da execução da pena, afectando o valor do acto praticado ('princípio da relevância material da irregularidade'), integra uma irregularidade que, por atingir o núcleo essencial dos direitos fundamentais do arguido, o que vale dizer o seu direito de defesa (por desrespeito dos princípios do contraditório e da audiência), pode/deve ser oficiosamente declarada pelo tribunal, nos termos do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e que, tornando o acto inválido e bem assim tudo quanto se lhe seguiu, determinará a notificação do arguido na sua pessoa, para que, querendo, possa impugná-lo e bem assim impugnar o facto de ter sido prolatada a decisão revogatória em questão sem que ele fosse previamente ouvido, como impõe o artigo 495.º do Código de Processo Penal.
Em moldes idênticos há-de também de ser sancionada e reparada a prática do mencionado acto, consistente na prolação da decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão sem prévia audição do condenado, quando a imposição da dita pena de substituição não foi acompanhada de regime de prova (artigos 50.º, n.º 2, e 53º do Código Penal).
É que, se a audição prévia do condenado se reveste de carácter obrigatório sempre que haja lugar quer à modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostas (artigo 55.º do Código Penal), quer à revogação da suspensão da execução da pena de prisão [artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal], a sua omissão - afectando o núcleo essencial dos direitos do arguido, maxime o seu direito de defesa, por patente violação dos princípios do contraditório e da audiência, com assento constitucional - integra uma irregularidade que o tribunal deve oficiosamente conhecer e declarar, nos termos do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e que, tornando inválido o acto praticado e os que se lhe seguiram, determina a notificação pessoal do arguido, por forma a permitir-lhe impugná-lo, querendo, pela via recursiva e configura uma irregularidade, contanto que em causa não esteja uma situação em que a suspensão ficou condicionada a regime de prova.
Hipótese em que, na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão (artigo 495.º, n.º 2, conjugado com os artigos 492.º e 494º, todos do Código de Processo Penal), devendo ter lugar a audição prévia do condenado, a omissão desta permite integrar a nulidade da alínea c) do n.º 1 do artigo 119.º do Código de Processo Penal, o que não constitui a situação retratada nos arestos em oposição.
Termos em que, mantendo-se o decidido no acórdão recorrido, se entende que o conflito que se suscita há-de ser resolvido uniformizando a jurisprudência no sentido de que «a decisão que revoga a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 56.º do Código Penal, carece de ser notificada pessoalmente ao arguido que não foi ouvido antes de a mesma ter sido proferida.» Por seu turno, o condenado reagiu assim ao recurso, na súmula final das suas alegações:
«Impõe o n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, atendendo ao conteúdo decisório da revogação da suspensão da execução da pena, que este tenha de ser notificado quer ao defensor ou advogado, bem como ao arguido; na hipótese de o despacho que revoga a suspensão da execução da pena não ser notificado ao arguido, serão violados princípios constitucionalmente consagrados (artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa), bem como os preceituados no artigo 61.º do Código de Processo Penal, constituindo assim uma nulidade insanável ao abrigo do artigo 119.º do Código de Processo Penal; a não audição do arguido, antes do despacho que revogue a medida de coacção, viola os artigos 492.º e 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, bem como um princípio basilar do direito processual penal, como é o princípio do contraditório.»
III - A oposição de julgados (8)
O acórdão recorrido decidiu que o despacho que revoga a suspensão da execução da pena deve ser notificado pessoalmente ao condenado, não bastando a notificação do seu defensor, expressando-se do modo que segue:«[...] o despacho de revogação da suspensão da execução da pena deverá ser notificado pessoalmente ao arguido [...]. O despacho revogatório foi notificado ao defensor do arguido, mas não o foi ao arguido [...].
Assim, devendo o arguido ser notificado daquele despacho, devendo ser ele pessoalmente notificado, tendo em conta que a decisão revogatória constitui uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação e tem por efeito a privação da sua liberdade, procedimento que só desta forma está em conformidade com os ditames constitucionais, verifica-se a existência de uma irregularidade, objectivada em omissão que afecta o valor do acto praticado.» Por seu lado, o acórdão fundamento havia decidido:
«[...] o despacho que revoga a suspensão da execução da pena, por não estar elencado na segunda parte do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, não necessita de ser pessoalmente notificado ao arguido, bastando a notificação realizada ao seu ilustre defensor.» É, assim, patente que ambos os acórdãos, no domínio da mesma legislação - artigo 113.º, n.º 9, do Código de Processo Penal - , apreciaram e decidiram a mesma questão de direito: a de saber se o despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão tem de ser pessoalmente notificado ao condenado ou se basta a notificação ao seu defensor. E sobre ela chegaram a soluções opostas.
Verifica-se, pois, como decidiu a secção, oposição de julgados sobre a mesma questão de direito.
Há por isso que passar à resolução do conflito.
IV - Demais jurisprudência sobre a questão (9)
Nenhum dos acórdãos em confronto se encontra isolado.
No sentido do acórdão recorrido conhecem-se as seguintes decisões:
Acórdão da Relação de Lisboa proferido em 23 de Outubro de 2002, no processo 0058303;
Acórdão da Relação de Lisboa proferido em 19 de Fevereiro de 2009, no processo 8016/04.1TDLSB-9;
Acórdão da Relação de Lisboa proferido em 17 de Setembro de 2008, no processo 6954/08-3;
Acórdão da Relação de Lisboa proferido em 10 de Outubro de 2005, no processo 9465/05-3;
Acórdão da Relação do Porto proferido em 7 de Junho de 2006, no processo 0547071;
Acórdão da Relação do Porto proferido em 28 de Janeiro de 2009, no processo 0846849;
Acórdão da Relação de Guimarães proferido em 9 de Fevereiro de 2009, no processo 2606/08;
Acórdão da Relação de Évora proferido em 21 de Maio de 2008, no processo 1346/08-1 (10).
Solução igual àquela a que chegou o acórdão fundamento foi afirmada nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos nos processos de habeas corpus n.os 06P3090, de 30 de Agosto de 2006, e 06P4704, de 20 de Dezembro de 2006, bem como no Acórdão da Relação de Lisboa proferido em 14 de Maio de 2003, no processo 2546/2003-3 (11).
V - Fundamentação do projecto
É o seguinte o texto da norma em causa (n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal:«As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.» Nos termos desta disposição legal, em regra, as notificações dos referidos sujeitos processuais podem ser feitas «ao respectivo defensor ou advogado».
Só no caso de se tratar de acto abrangido pela ressalva da segunda parte é que a notificação respectiva tem de ser feita tanto ao próprio sujeito processual como ao advogado ou defensor.
Os actos «ressalvados» são a acusação, a decisão instrutória, a designação de dia para julgamento, a sentença, a aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e a dedução do pedido de indemnização civil.
O Código de Processo Penal, no artigo 97.º, n.º 1, classifica os actos decisórios em sentenças e despachos, definindo, na alínea a), a sentença como o acto decisório que conhece «a final do objecto do processo», ou seja, a decisão que no final de um julgamento se pronuncia sobre o destino de uma acusação, alcance que de modo nenhum tem aquela que revoga a suspensão da execução da pena, a qual, nos termos da alínea b), assume a categoria de despacho.
E como despacho é designada no n.º 2 do artigo 495.º Perante essa definição e a arrumação em categorias diferentes da decisão que conhece a final do objecto do processo e daquela que revoga a suspensão da execução da pena, deve entender-se que na nossa lei processual penal o termo sentença tem um só significado: o de acto de decisório que conhece a final do objecto do processo.
Por isso, se o termo sentença tem, designadamente na norma do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, um sentido unívoco - o de acto decisório que conhece a final do objecto do processo - não pode, numa interpretação declarativa, fazer-se dele uma leitura que abranja o despacho de revogação da suspensão da execução da pena. Mas esse despacho tem uma função ainda definidora da pena.
A sentença que condenou em pena de prisão com a execução suspensa não dispensa uma posterior decisão sobre a pena, decisão que, podendo ou não ser antecedida de outra proferida no âmbito do artigo 55.º do Código Penal, será de extinção da pena (artigo 57.º, n.º 1) ou de revogação da suspensão, com o consequente «cumprimento da pena fixada na sentença» (artigo 56.º).
Neste último caso, que é o que aqui importa, a decisão representa o afastamento da pena de substituição da pena de prisão aplicada na sentença e a reposição da pena substituída.
Pode, assim, dizer-se que o despacho de revogação da suspensão da pena é complementar da sentença, traduzindo, nas expressivas palavras do Acórdão 422/2005, do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Setembro de 2005, a cuja argumentação o acórdão recorrido aderiu, «uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação», «tendo como efeito directo a privação da liberdade do condenado». As suas consequências aproximam-se muito das da sentença que condena em pena de prisão. Tendo esse alcance, a decisão de revogação da suspensão, que implica sempre um juízo de ponderação, pois a revogação não é consequência automática da verificação de um qualquer facto objectivo, deve estar colocada no mesmo plano da sentença condenatória no que se refere ao modo de ser levada ao conhecimento do condenado.
As razões em que encontra fundamento a exigência de notificação da sentença tanto ao arguido como ao seu defensor - necessidade de garantir um efectivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele em ordem a disponibilizar-lhe todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se a impugna ou não - são transponíveis para a notificação do despacho de revogação da suspensão, em vista das consequências nele implicadas para o condenado.
Note-se ainda que na fase em que se coloca a possibilidade de revogação da suspensão - a fase da execução da pena, regulada nos artigos 492.º a 495.º do Código de Processo Penal - a ligação entre o condenado e o seu defensor, seja constituído ou nomeado, mas principalmente neste caso, é em regra mais frouxa que na altura da sentença, pois aqui está-se no culminar do processo, no seu momento mais importante, ao passo que além, estando transitada a sentença que suspendeu a execução da pena, o condenado, mormente se a suspensão não foi acompanhada de deveres ou regras de conduta, já deu, no seu íntimo, o processo por encerrado, quebrando frequentemente as vias de comunicação com o defensor, designadamente por mudança de residência ou ausência prolongada, estando extinta a obrigação decorrente do artigo 196.º, n.º 3, alínea b), por força do disposto no artigo 214.º, n.º 1, alínea e), ambos do referido Código.
Assim, se na fase de execução da pena suspensa não há por norma um relacionamento normal e de efectivo acompanhamento entre o defensor e o condenado, não pode ter-se como seguro que a decisão de revogação, uma vez notificada ao primeiro, será por ele comunicada ao segundo. E esse é mais um motivo para que a notificação deva também ser feita ao próprio condenado.
E a lei não deixa de dar sinais nesse sentido. É o que acontece com a exigência de audição presencial do condenado antes da decisão em que se coloca a possibilidade de revogação da suspensão, por falta de cumprimento das obrigações impostas, prevista no artigo 495.º, n.º 2. Na verdade, essa solução de impor que o condenado se pronuncie pessoalmente na presença do juiz, e não por meio de alegação escrita do defensor, traduz um especial acautelamento do contraditório, que, relevando do interesse em jogo - a liberdade - , tem, em coerência, de estender-se à notificação da decisão, na medida em que só o conhecimento do seu conteúdo lhe possibilita a defesa.
O elemento pessoal exigido em acto preparatório da decisão, porque releva da necessidade de garantir um efectivo direito de defesa, não pode deixar de ser também querido no momento da comunicação da decisão, até por maioria de razão, uma vez que, tendo-se passado da mera possibilidade de ser determinado o cumprimento da pena de prisão à certeza, se coloca então com mais acuidade a necessidade de assegurar a defesa do condenado, designadamente o direito ao recurso, objectivo que só é cabalmente conseguido se àquele for possibilitado o conhecimento do conteúdo da decisão, o que se não pode ter como certo apenas com a notificação do defensor, pelas razões já apontadas.
O paralelismo com a sentença é, nestes casos, flagrante, visto que a decisão é precedida de actos que se aproximam de um julgamento, como a produção de prova e a presença do condenado.
Outra manifestação, ainda que em plano diferente, do paralelismo ou aproximação entre a sentença e o despacho de revogação da suspensão pode ser vista na fixação de efeito suspensivo ao recurso interposto de ambas as decisões - artigo 408.º, n.os 1, alínea a), e 2, alínea c).
É ainda significativo que, como se nota no referido Acórdão 422/2005, do Tribunal Constitucional, alguns dos actos ressalvados na segunda parte do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal são «de menor gravidade pessoal para o arguido» do que o despacho de revogação da suspensão da pena. Estão seguramente nesse caso as decisões que aplicam algumas medidas de coacção, como, por exemplo, as concretizadas em obrigações ou proibições no âmbito dos artigos 198.º e 200.º do CPP, que têm implicadas apenas suportáveis restrições da liberdade, e a decisão instrutória, que envolve um mero juízo indiciário com a simples consequência de sujeitar o arguido a julgamento.
Perante tudo quanto acabou de dizer-se, só pode concluir-se que o texto da lei, falando apenas em sentença e não em decisões com alcance similar, como o despacho de revogação da suspensão da pena, ficou aquém do pensamento legislativo, devendo, em consequência, numa interpretação extensiva, estender-se o sentido da palavra sentença de modo a abranger o despacho de revogação da suspensão da execução da pena.
Essa conclusão tem por si, desde logo, o elemento teleológico, pois as razões que conduziram à solução legislativa de impor que a sentença seja notificada tanto ao defensor como pessoalmente ao arguido justificam na mesma medida que esse regime de notificação seja estendido à notificação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena. E, embora o vocábulo sentença naquela norma tenha apenas o sentido de acto decisório que conhece a final do objecto do processo, colhe-se de outras disposições legais, como se viu, que o despacho de revogação da suspensão está abrangido no espírito da lei, pelo que, ainda que indirectamente, esta leitura tem «na letra da lei um mínimo de correspondência verbal».
Além disso, essa solução apresenta-se como a mais razoável, por ser a que assegura efectivamente o direito do condenado de recorrer de uma decisão em relação à qual, por implicar a privação da liberdade, o duplo grau de jurisdição tem de ser garantido, e na interpretação da lei deve presumir-se «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas», nos termos do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil.
É este, pois, o único resultado interpretativo a que conduzem as regras do artigo 9.º do Código Civil. Ainda que assim não fosse e devesse entender-se que a norma do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal comporta as duas possibilidades de interpretação em conflito, não poderia deixar de escolher-se a interpretação segundo a qual o despacho de revogação da suspensão tem de ser também notificado ao próprio condenado, não bastando a notificação do seu defensor, por decorrência do princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição.
Este princípio, na lição de Gomes Canotilho, significa que, comportando a norma mais que uma possibilidade de interpretação, umas compatíveis e outras incompatíveis com a Constituição, deve escolher-se uma que seja conforme às normas constitucionais, ou, estando todas elas em conformidade com a Constituição, «a melhor orientada para a Constituição» (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ª ed., pp. 1151 e 1152).
Ora, ou a referida leitura é a única compatível com a Constituição, à luz do seu artigo 32.º, n.º 1, por só ela garantir efectivamente o direito ao recurso, ou, sendo embora ambas as interpretações conformes à Constituição, aquela é a mais virada para a Constituição, por assegurar mais eficazmente o referido direito.
Como considerou o Tribunal Constitucional naquele Acórdão 422/2005, «surge como mais consentâneo com as garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido o entendimento de que se impõe a notificação da decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão ao arguido, e não apenas ao seu defensor».
VI - Fundamentação (I)
No caso, a mudança de relator, na sessão 4 de Fevereiro de 2010, não teve a ver com o sentido essencial da decisão de uniformização proposta («Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como [...] ao condenado»), no que se não notaram divergências de monta entre a maioria substancial dos juízes intervenientes, nem mesmo nos seus principais fundamentos:a) «A sentença que condenou em pena de prisão com a execução suspensa não dispensa uma posterior decisão sobre a pena, decisão que, podendo ou não ser antecedida de outra proferida no âmbito do artigo 55.º do Código Penal, será de extinção da pena (artigo 57.º, n.º 1) ou de revogação da suspensão, com o consequente 'cumprimento da pena fixada na sentença' (artigo 56.º). Neste último caso, que é o que aqui importa, a decisão representa o afastamento da pena de substituição da pena de prisão aplicada na sentença e a reposição da pena substituída. Pode, assim, dizer-se que o despacho de revogação da suspensão da pena é complementar da sentença, traduzindo, nas expressivas palavras do Acórdão 422/2005, do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Setembro de 2005, a cuja argumentação o acórdão recorrido aderiu, 'uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação', 'tendo como efeito directo a privação da liberdade do condenado'. As suas consequências aproximam-se muito das da sentença que condena em pena de prisão. Tendo esse alcance, a decisão de revogação da suspensão, que implica sempre um juízo de ponderação, pois a revogação não é consequência automática da verificação de um qualquer facto objectivo, deve estar colocada no mesmo plano da sentença condenatória no que se refere ao modo de ser levada ao conhecimento do condenado»;
b) «As razões em que encontra fundamento a exigência de notificação da sentença tanto ao arguido como ao seu defensor - necessidade de garantir um efectivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele em ordem a disponibilizar-lhe todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se a impugna ou não - são transponíveis para a notificação do despacho de revogação da suspensão, em vista das consequências nele implicadas para o condenado»;
c) «Note-se ainda que na fase em que se coloca a possibilidade de revogação da suspensão - a fase da execução da pena, regulada nos artigos 492.º a 495.º do Código de Processo Penal - a ligação entre o condenado e o seu defensor, seja constituído ou nomeado, mas principalmente neste caso, é em regra mais frouxa que na altura da sentença, pois aqui está-se no culminar do processo, no seu momento mais importante, ao passo que além [...], o condenado, mormente se a suspensão não foi acompanhada de deveres ou regras de conduta, já deu, no seu íntimo, o processo por encerrado, quebrando frequentemente as vias de comunicação com o defensor [...]»;
d) «Assim, se na fase de execução da pena suspensa não há por norma um relacionamento normal e de efectivo acompanhamento entre o defensor e o condenado, não pode ter-se como seguro que a decisão de revogação, uma vez notificada ao primeiro, será por ele comunicada ao segundo. E esse é mais um motivo para que a notificação deva também ser feita ao próprio condenado»;
e) «E a lei não deixa de dar sinais nesse sentido. É o que acontece com a exigência de audição presencial do condenado antes da decisão em que se coloca a possibilidade de revogação da suspensão, por falta de cumprimento das obrigações impostas, prevista no artigo 495.º, n.º 2. Na verdade, essa solução de impor que o condenado se pronuncie pessoalmente na presença do juiz, e não por meio de alegação escrita do defensor, traduz um especial acautelamento do contraditório, que, relevando do interesse em jogo - a liberdade - , tem, em coerência, de estender-se à notificação da decisão, na medida em que só o conhecimento do seu conteúdo lhe possibilita a defesa. O elemento pessoal exigido em acto preparatório da decisão, porque releva da necessidade de garantir um efectivo direito de defesa, não pode deixar de ser também querido no momento da comunicação da decisão, até por maioria de razão, uma vez que, tendo-se passado da mera possibilidade de ser determinado o cumprimento da pena de prisão à certeza, se coloca então com mais acuidade a necessidade de assegurar a defesa do condenado, designadamente o direito ao recurso, objectivo que só é cabalmente conseguido se àquele for possibilitado o conhecimento do conteúdo da decisão, o que se não pode ter como certo apenas com a notificação do defensor, pelas razões já apontadas»;
f) «O paralelismo com a sentença é, nestes casos, flagrante, visto que a decisão é precedida de actos que se aproximam de um julgamento, como a produção de prova e a presença do condenado. Outra manifestação, ainda que em plano diferente, do paralelismo ou aproximação entre a sentença e o despacho de revogação da suspensão pode ser vista na fixação de efeito suspensivo ao recurso interposto de ambas as decisões - artigo 408.º, n.os 1, alínea a), e 2, alínea c). É ainda significativo que, como se nota no referido Acórdão 422/2005, do Tribunal Constitucional, alguns dos actos ressalvados na segunda parte do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal são 'de menor gravidade pessoal para o arguido' do que o despacho de revogação da suspensão da pena. Estão seguramente nesse caso as decisões que aplicam algumas medidas de coacção, como, por exemplo, as concretizadas em obrigações ou proibições no âmbito dos artigos 198.º e 200.º do CPP, que têm implicadas apenas suportáveis restrições da liberdade, e a decisão instrutória, que envolve um mero juízo indiciário com a simples consequência de sujeitar o arguido a julgamento. Perante tudo quanto acabou de dizer-se, só pode concluir-se que o texto da lei, falando apenas em sentença e não em decisões com alcance similar, como o despacho de revogação da suspensão da pena, ficou aquém do pensamento legislativo, devendo, em consequência, numa interpretação extensiva, estender-se o sentido da palavra sentença de modo a abranger o despacho de revogação da suspensão da execução da pena»;
g) «Essa conclusão tem por si, desde logo, o elemento teleológico, pois as razões que conduziram à solução legislativa de impor que a sentença seja notificada tanto ao defensor como pessoalmente ao arguido justificam na mesma medida que esse regime de notificação seja estendido à notificação do despacho de revogação da suspensão da execução da pena. E, embora o vocábulo sentença naquela norma tenha apenas o sentido de acto decisório que conhece a final do objecto do processo, colhe-se de outras disposições legais, como se viu, que o despacho de revogação da suspensão está abrangido no espírito da lei, pelo que, ainda que indirectamente, esta leitura tem 'na letra da lei um mínimo de correspondência verbal'. Além disso, essa solução apresenta-se como a mais razoável, por ser a que assegura efectivamente o direito do condenado de recorrer de uma decisão em relação à qual, por implicar a privação da liberdade, o duplo grau de jurisdição tem de ser garantido, e na interpretação da lei deve presumir-se 'que o legislador consagrou as soluções mais acertadas', nos termos do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil. É este, pois, o único resultado interpretativo a que conduzem as regras do artigo 9.º do Código Civil»;
h) «Ainda que assim não fosse e devesse entender-se que a norma do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal comporta as duas possibilidades de interpretação em conflito, não poderia deixar de escolher-se a interpretação segundo a qual o despacho de revogação da suspensão tem de ser também notificado ao próprio condenado, não bastando a notificação do seu defensor, por decorrência do princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição. Este princípio, na lição de Gomes Canotilho, significa que, comportando a norma mais que uma possibilidade de interpretação, umas compatíveis e outras incompatíveis com a Constituição, deve escolher-se uma que seja conforme às normas constitucionais, ou, estando todas elas em conformidade com a Constituição, 'a melhor orientada para a Constituição' (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ª ed., pp. 1151 e 1152). Ora, ou a referida leitura é a única compatível com a Constituição, à luz do seu artigo 32.º, n.º 1, por só ela garantir efectivamente o direito ao recurso, ou, sendo embora ambas as interpretações conformes à Constituição, aquela é a mais virada para a Constituição, por assegurar mais eficazmente o referido direito. Como considerou o Tribunal Constitucional naquele Acórdão 422/2005, 'surge como mais consentâneo com as garantias de defesa constitucionalmente asseguradas ao arguido o entendimento de que se impõe a notificação da decisão revogatória da suspensão da execução da pena de prisão ao arguido, e não apenas ao seu defensor'».
VII - Fundamentação (II)
No entanto, o projecto exigia que fosse pessoal (isto é, nos termos do artigo 113.º, n.º 1, do CPP: «Contacto pessoal com o notificando») a notificação ao condenado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, enquanto que a maioria dos juízes intervenientes na sessão consideraram bastante a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alínea c] (12).Objectou o autor do projecto que esta via só é legalmente admissível «nos casos expressamente previstos» e, na hipótese, a lei não a prevê expressamente.
No entanto, estando a maioria de acordo em que o despacho que revoga a suspensão é «complementar da sentença», não se entenderia facilmente a diversidade de tratamento.
Haveria, todavia, uma razão de texto que justificaria essa diversidade. Pois que, enquanto ao tempo da sentença, permaneceriam para o arguido as obrigações decorrentes do termo de identidade e residência (entre as quais a «de que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento»: artigo 196.º, n.os 2 e 3, alínea c), do CPP) (13), já o mesmo não aconteceria, mercê do disposto no artigo 214.º, n.º 1, do CPP («As medidas de coacção extinguem-se de imediato: [...] e) Com o trânsito em julgado da sentença condenatória»), no momento da eventual revogação da suspensão.
Porém, durante a discussão do projecto, a maioria dos juízes do pleno da secção entendeu que seria disfuncional (porque frequentemente impraticável) a exigência do «contacto pessoal» na notificação do condenado não só para intervir ele próprio na discussão do pedido de revogação (artigo 495.º, n.º 2, do CPP: «ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão») como, depois, na notificação do eventual despacho revogatório da suspensão.
Um dos conselheiros presentes (14) apresentou mesmo, a este respeito, o seguinte memorandum:
«O que está em causa, na sua essência, é a forma de possibilitar o conhecimento pelo arguido da decisão que afecta os seus direitos por forma a possibilitar o exercício do seu direito de defesa.
Aqui chegados três possibilidades se perfilam: a notificação pessoal - artigo 113.º, n.º 1, alínea a); a notificação por via postal - artigos 113.º, n.º 1, alínea c), e 196.º, n.º 2, e a notificação por intermédio do respectivo advogado - artigo 113.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal. [...] Admitamos que se fixa o entendimento de que o arguido deve ser notificado da revogação da suspensão de execução.
Para uma parte substancial da jurisprudência da 2.ª instância não é possível a notificação por via postal uma vez que tal constitui uma violação dos artigos 113.º, n.º 3, 196.º, n.os 2 e 3, alínea c), 495.º, n.º 2, alínea c), e 214.º, alínea e), do Código de Processo Penal.
Nessa perspectiva, as aludidas disposições legais deverão ser interpretadas no sentido de que o termo de identidade e residência é uma medida de coacção.
Como tal, extinguiu-se após o trânsito em julgado da sentença, deixando o arguido de se encontrar sujeito às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência, pelo que a notificação por via postal simples é neste caso inadmissível - cf. artigo 214.º, alínea e), do Código de Processo Penal.
Na sequência lógica de tal entendimento temos a necessidade da notificação pessoal.
Sucede que a esmagadora maioria dos arguidos que não estão dispostos a cumprir os deveres que condicionam a suspensão de execução da pena também não estão na disposição de se deixarem notificar, o que irá ter por consequência a submersão dos tribunais, e dos órgãos de policia criminal, em sucessivas e infindáveis diligências de averiguação do paradeiro de indivíduos que, mesmo após terem assumido a obrigação de informar da mudança de domicílio, e não obstante terem sido condenados em pena de multa que sabem ser seu dever pagar, votam o processo criminal aos mais absoluto desprezo.
Nem sequer já nos atrevemos a citar Locke ou Hobes e afirmar que todos nós somos outorgantes de um contrato social pelo qual assumimos direito e deveres e que o compromisso de lealdade para com o Estado, o qual deve estar inscrito em cada cidadão. Porém, mais prosaicamente, diremos que o arguido que deu a sua residência no processo cumpriu, também, uma obrigação de informação a que o Estado vai corresponder informando-o, no mesmo local indicado, de toda a decisão que possa afectar os seus interesses.
Se o arguido, sabendo que foi condicionado numa pena cuja execução foi suspensa e depois de ter sido notificado para esclarecer do não cumprimento das condições olimpicamente se ausenta do local que indicou é problema que o afecta a si única e exclusivamente como cidadão relapso.
A condenação em pena suspensa não constitui uma 'carta de alforria' que permite ao arguido proclamar que nenhum dever lhe assiste na sua relação com o Estado nem sequer a obrigação de o manter informado sob sua residência.» Na sequência do que se chegou a sugerir (no mesmo memorandum) que o termo de identidade e residência se houvesse de conservar activo após o trânsito da condenação em pena de prisão suspensa:
«Aliás, a ideia de que o arguido condenado constitui um tertium genus livre de obrigações e em relação ao qual o Estado tem de, mais uma vez, assumir uma tutela cuidada não está de acordo com aquela que é a melhor interpretação da lei.
Na verdade, a transposição automática para o termo de identidade e residência das causas de extinção das medidas de coacção previstas no artigo 214.º do Código de Processo Penal parece perder de vista a teleologia deste último preceito. Isto porquanto a compreensibilidade do mesmo se acha indexada aos pressupostos plasmados no artigo 204.º do mesmo diploma a título de exigências cautelares indispensáveis para o decretamento de qualquer outra medida de coacção que não o TIR. Efectivamente, sabemos bem que 'nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada em concreto se não se verificar' um dos perigos descritos nas diversas alíneas do artigo 204.º do Código de Processo Penal.
É, pois, por essa razão que a ocorrência de uma das decisões elencadas no n.º 1 do artigo 214.º do mesmo diploma e, designadamente, o trânsito em julgado da sentença condenatória importa a extinção imediata da mesma medida.
É que a sanção definitiva a proferir no processo, porque ajustada às finalidades de prevenção geral e especial, absorve e dá satisfação, nesse seguimento, às exigências cautelares que concretamente se faziam sentir. Com o que a condenação efectiva acaba por substituir, na sua essência e enquanto obstaculização dos riscos acautelados no artigo 204.º do Código de Processo Penal, as medidas anteriormente aplicadas. Já no que se reporta ao termo de identidade e residência, o mesmo acha-se tão-somente condicionado à existência da qualidade de arguido.
Neste sentido, havendo arguido, deverá o mesmo estar obrigatoriamente sujeito ao referido termo.
Considera-se, todavia, no aludido acórdão da Relação de Lisboa de 4 de Junho de 2008 que a qualidade de arguido é incompatível com a de condenado, utilizando para tanto a argumentação de que o Código de Processo Penal utilize o termo 'arguido' apenas até ao trânsito em julgado da decisão que põe termo ao processo, passando, a partir desse momento, a utilizar a expressão 'condenado'. Com o que decairia o único requisito legalmente estatuído para o termo de identidade e residência.
Tendemos, no entanto, a considerar que a qualidade de condenado não é incompatível com a de arguido. Efectivamente, parece-nos ser a lei clara quando acresce a qualidade de condenado, derivada da prolação definitiva de uma sanção, à qualidade de arguido própria da tramitação de um processo criminal.
É que o argumento acolhido no já referido acórdão de 4 de Junho não se afigura definitivo para concluir pela descrita incompatibilidade, parecendo-nos antes que se deverá indagar da viabilidade da cumulação de tais qualidades junto do próprio regime disciplinador da figura do arguido previsto nos artigos 57.º e seguintes do Código de Processo Penal. E, quanto a este título, é o n.º 2 do mesmo preceito explícito e inequívoco ao estatuir que 'a qualidade de arguido conserva-se durante todo o processo'. Ou seja, resulta claramente da lei que i) a qualidade de arguido mantém-se mesmo após a prolação de sentença transitada em julgado (artigo 57.º, n.º 2, do Código de Processo Penal) e que ii) todo aquele que é arguido acha-se forçosamente sujeito a termo de identidade e residência (artigo 196.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
É, por igual forma, em face do próprio teor das regras positivadas no Código de Processo Penal - e sem necessidade do recurso a qualquer argumento de analogia - que podemos concluir que o condenado se mantém sujeito, 'em qualquer fase do processo', aos direitos e deveres processuais plasmados no artigo 61.º do Código de Processo Penal.
Diga-se, além do mais, que uma última razão de ordem prática se poderá avançar para a consolidação da posição avançada e que se acha ínsita no próprio corolário ou princípio da lealdade processual que se impõe à totalidade dos sujeitos processuais.
Assim, [...] no entendimento de que é necessária a notificação do arguido, deverá tal notificação ser postal, sob pena de se criar mais uma situação conducente a bloqueios e morosidade processuais e a uma imensidão de esforços sem qualquer resultado prático.» Ora, este discurso encontra especial reflexo na condenação em pena de prisão suspensa, que, verdadeiramente, se traduz em duas condenações: a condenação - imediata - em pena substitutiva de «suspensão da pena de prisão» (artigos 50.º e seguintes do Código Penal) e a condenação, mediata e eventual, em pena de prisão (condicionalmente substituída).
Assim perspectivada a condenação em pena de prisão suspensa, poderá afirmar-se, então, que, na ausência de recurso ou no seu insucesso, dela transitará tão-somente a condenação imediata do arguido na pena (substitutiva) de «suspensão da pena de prisão», ficando por transitar - já que dependente de um futuro despacho prévio de revogação da suspensão - a condenação (condicional) em pena de prisão.
Assim sendo, a aplicação do artigo 214.º do CPP, «Extinção das medidas de coacção», à condenação em pena de prisão suspensa apenas teria reflexos na condenação imediata (suspensão da pena de prisão), mas já não na condenação mediata (pena de prisão suspensa).
Daí que o termo de identidade e residência e as obrigações dele decorrentes se houvessem de manter relativamente à condenação (condicionalmente substituída) em pena de prisão (até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída).
O artigo 61.º do CPP elenca os «Direitos e deveres processuais» do arguido «em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei» (n.º 1), entre eles os direitos «a) Estar presente aos actos processuais que directamente lhe disserem respeito», «b) Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte», «f) Ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar [...]», «h) Ser informado, pela autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a comparecer, dos direitos que lhe assistem, «i) Recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis.
E, «em especial os deveres de: «a) Comparecer perante o juiz, o Ministério Público ou os órgãos de polícia criminal sempre que a lei o exigir e para tal tiver sido devidamente convocado» e «c) Prestar termo de identidade e residência logo que assuma a qualidade de arguido».
Reduzido a escrito e subscrito o termo de residência, o arguido (artigo 196.º, n.º 2), «Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha», devendo dele constar haver-lhe sido «dado conhecimento: a) da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado; b) da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado» e c) «De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento».
Não fosse a exigência imposta pelo artigo 50.º, n.º 4, do CP quanto à especificação na sentença, para além dos fundamentos, das suas próprias «condições», não repugnaria considerar estas obrigações - mesmo para quem entenda que o trânsito da condenação condicional extingue as medidas de coacção (incluindo as decorrentes, como integrantes do condicionamento genérico da suspensão). Mas, por assim não ser, é que se torna sustentável o alargamento das obrigações decorrentes do termo de identidade, para além do trânsito da condenação condicional (em «suspensão»), até à definição («trânsito», neste sentido) da pena de prisão suspensa.
A este propósito, durante a discussão do projecto, o conselheiro Arménio Sottomayor, entendendo embora justificável «o prolongamento do TIR» («A opção pela notificação postal ao arguido da decisão de revogação da suspensão da execução da pena, que me parece a correcta, cria, sem dúvida, a necessidade de ter prolongar o dever do arguido de comunicar a alteração da residência ou do lugar onde deva ser notificado, constante do termo de identidade e residência»), realçou, no entanto, o inconveniente de manter em vigor o dever do arguido/condenado de «não poder ausentar-se por mais de 5 dias da sua residência, sem prévia comunicação ao tribunal do lugar onde pode ser encontrado».
E, por isso, preferiu - apesar de lhe parecerem algo artificiosas as respectivas «linhas argumentativas», tanto a que acabou por obter vencimento («que obriga ao artificio de ter de se considerar a sentença, quanto à questão essencial que é a da aplicação da pena, em parte transitada e em parte não transitada») como a outra («que, partindo de que, por força do trânsito em julgado da decisão condenatória, fica extinta a medida de coacção de termo de identidade e residência, prolonga, todavia, com algum artifício, até ao final do processo, uma das obrigações que constam daquela medida de coacção: a de informar o tribunal, no caso de alteração da residência ou do lugar onde deva ser notificado») - a formulação alternativa do conselheiro Souto de Moura, que no memorandum que ofereceu à discussão (por lhe parecer «extremamente complicado cindir a sentença em parte transitada e parte não transitada e sobretudo defender que, em relação a esta, a medida de coacção não se extinguiu e o termo de identidade - todo ele - persiste»), opinou no sentido de se ver «na disciplina do actual artigo 196.º, ao lado da estipulação de obrigações, simples informações: obrigação de indicação do local para onde o arguido pode ser notificado por via postal simples, obrigação de comparecimento por parte do mesmo, bem como de se manter à disposição da autoridade, obrigação de não mudar de residência nem de dela se ausentar por mais de 5 dias, sem comunicação à autoridade [n.os 2 e 3, alíneas a) e b), do artigo 196.º do CPP], informação do local para onde serão feitas a partir daí as notificações por via postal simples, e das consequências do incumprimento das obrigações impostas [alíneas c) e d) do n.º 3 do artigo 196.º do CPP]»; ora, sendo «o TIR uma medida de coacção enquanto fonte de restrições à liberdade do arguido, ao desaparecer enquanto medida de coacção com o trânsito em julgado da condenação, o que desaparecem são aquelas restrições à liberdade, mas não necessariamente o resto; a partir do momento em que alguém assumiu a condição de arguido, enquanto ela se mantiver (como arguido indiciado, acusado, pronunciado ou condenado), ou seja até ao fim do processo (15), ele sabe que as notificações serão para a última morada que indicou exactamente com esse propósito; daí ser perfeitamente possível sustentar que a última morada (não modificada) constante do TIR, continua a ser aquela para onde deve ser notificado, mesmo que, aquilo que de medida de coação existia no TIR, se tivesse extinto; e porque a revogação da suspensão da execução da pena se integra ainda, apesar de tudo, num procedimento de notificação da sentença, é para aí que o arguido deve ser notificado e por via postal simples».
VIII - Decisão
Em face do exposto, os juízes do pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça decidem:a) Fixar jurisprudência no sentido de que:
«I - Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado.
II - O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de 'as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada').
III - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de 'contacto pessoal' como a 'via postal registada, por meio de carta ou aviso registados' (16) ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP).» b) Determinar que a Relação, alterando parcialmente a decisão recorrida, admita - se tal notificação pessoal ainda se não tiver verificado - que a notificação do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão possa assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a de «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» como, mesmo, a de «via postal simples, por meio de carta ou aviso».
(1) «As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado.» (2) «Se o recurso prosseguir, os sujeitos processuais interessados são notificados para apresentarem, por escrito, no prazo de 15 dias, as suas alegações.» (3):
Artigo 56.º
Revogação da suspensão
1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2 - A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado.
(4):
Artigo 492.º
Modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostos
1 - A modificação dos deveres, regras de conduta e outras obrigações impostos ao condenado na sentença que tiver decretado a suspensão da execução da prisão é decidida por despacho [...].
2 - O despacho é precedido de parecer do Ministério Público e de audição do condenado, e ainda dos serviços de reinserção social no caso de a suspensão ter sido acompanhada de regime de prova.
(5):
Artigo 406.º
Subida nos autos e em separado
1 - Sobem nos próprios autos os recursos interpostos de decisões que ponham termo à causa e os que com aqueles deverem subir.2 - Sobem em separado os recursos não referidos no número anterior que deverem subir imediatamente.
Artigo 407.º
Momento da subida
1 - Sobem imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.2 - Também sobem imediatamente os recursos interpostos:
a) De decisões que ponham termo à causa;
b) De decisões posteriores às referidas na alínea anterior;
.......................................................................
Artigo 408.
Recurso com efeito suspensivo
1 - Têm efeito suspensivo do processo:a) Os recursos interpostos de decisões finais condenatórias, sem prejuízo do disposto no artigo 214.º;
.......................................................................
2 - Suspendem os efeitos da decisão recorrida:
.......................................................................
c) O recurso de despacho que ordene a execução da prisão, em caso de não cumprimento de pena não privativa da liberdade;
.......................................................................
(6):
Artigo 113.º
Regras gerais sobre notificações
1 - As notificações efectuam-se mediante:a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;
b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos;
ou d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.
.......................................................................
(7):
Artigo 214.º
Extinção das medidas
1 - As medidas de coacção extinguem-se de imediato:.......................................................................
e) Com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
.......................................................................
(8) Texto aproveitado, com a devida vénia, do projecto - do conselheiro Manuel Joaquim Braz - não integralmente aprovado na sessão de 4 de Fevereiro de 2010.
(9) Idem.
(10) Todos disponíveis em www.dgsi.pt.
(11) Idem.
(12) Um dos conselheiros intervenientes (o conselheiro Pires da Graça), no memorandum que apresentou, sustentou uma terceira via: a notificação do arguido por carta registada quando inviável a notificação por contacto pessoal:
«Pelo exposto, considero que o despacho decisório, que revoga a pena substitutiva (in casu suspensão da execução) de prisão, aplicando, por sua vez, a pena efectiva de prisão, corresponde ou equivale, analogicamente, em termos práticos, de relevância jurídica, à determinação de uma sentença, sendo, por conseguinte, aplicável também a notificação pessoal do condenado e se esta não for possível - por ser desconhecido o seu paradeiro, ou sendo conhecido, aí não ser encontrado - é que deverá seguir-se, para todos os efeitos legais a notificação do condenado por via postal registada, por meio de carta ou aviso registados, no uso do determinado pelas alíneas a) e b) do n.º 1 e n.º 9 do artigo 113.º do CPP, sem prejuízo da notificação do advogado ou defensor nomeado.» (13):
Artigo 196.º
Termo de identidade e residência
1 - A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º 2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.º (14) O conselheiro Santos Cabral.
(15) CPP:
Artigo 57.º
Qualidade de arguido
.......................................................................2 - A qualidade de arguido conserva-se durante todo o decurso do processo.
.......................................................................
(16) Esta alternativa depara-se no entanto com um (aparente) óbice: o n.º 1, alínea b), do artigo 113.º do CPP (que, no entanto, não se auto-restringe aos «aos casos expressamente previstos») poderá entender-se aplicável, tão-somente, às notificações ao advogado ou ao defensor nomeado: «10 - As notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 1, ou por telecópia».
15 de Abril de 2010. - Os Juízes Conselheiros: José António Carmona da Mota (relator por vencimento) - António Pereira Madeira - José Vaz dos Santos Carvalho (vencido, de acordo com a declaração do Exmo. Conselheiro Manuel Braz) - António Silva Henriques Gaspar (vencido, de acordo com a declaração do Exmo. Conselheiro Manuel Braz) - António Artur Rodrigues da Costa (vencido, de acordo com a declaração do Exmo. Conselheiro Manuel Braz) - Armindo dos Santos Monteiro - Arménio Augusto Malheiro de Castro Sottomayor - António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes - José Adriano Machado Souto de Moura - Eduardo Maia Figueira da Costa - António Pires Henriques da Graça (vencido quanto aos pontos ii e parcialmente quanto ao ponto iii, conforme declaração anexa) - Raul Eduardo do Vale Raposo Borges - Jorge Henrique Soares Ramos (vencido consoante declaração anexa) - Fernando Manuel Cerejo Fróis - Isabel Celeste Alves Pais Martins (vencida, subscrevendo a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Manuel Braz) - Manuel Joaquim Braz (vencido em parte, conforme declaração junta) - Luís António Noronha Nascimento (presidente do Supremo Tribunal de Justiça).
Tem voto de conformidade do Exmo. Conselheiro Santos Cabral, que não votou tão-só por não estar presente.
O Presidente, Luís António Noronha Nascimento.
Declaração de voto
1 - As notificações são os meios de comunicação dos actos do processo aos sujeitos processuais.O artigo 113.º do CPP define as regras gerais sobre notificações, que se efectuam mediante as modalidades enumeradas no n.º 1 e respectivas alíneas, impondo a primeira alínea - alínea a): Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado.
Depois desta se seguem as demais:
b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registado;
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previsto;
ou d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.
2 - Por sua vez, o n.º 9 do mesmo artigo 113.º refere:
«As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações, respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.» 3:
A - Na interpretação da lei processual penal, de harmonia com a estrutura da norma legal e função que lhe é imanente, há que valorar os comportamentos processuais em termos de admissibilidade ou inadmissibilidade e na área da valoração dos admissíveis proceder à sua determinação.
Poderá questionar-se se esta função de determinação «cumprindo-se através da concessão de direitos e da atribuição de deveres processuais» não deverá ser toda deferida à «situação jurídica substantiva», ficando a pertencer à norma processual penal uma função única de valoração.
Porém, nunca pode o intérprete olvidar as finalidades do processo e a necessidade de ter em conta o princípio da interpretação conforme a Constituição (Direito Processual Penal - Lições do Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, coligidas por Maria João Antunes, Secção de Textos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra 1988-1989,pp. 65 e 66.).
B - Por outro lado, sendo certo que o artigo 1.º do CP submetido ao princípio da legalidade, proíbe a analogia, já porém a analogia é permitida pelo artigo 4.º do CPP, sem prejuízo do princípio da legalidade, pois o que se pretende, além do mais, é a existência de um processo justo, que não menospreze as respectivas finalidades, nomeadamente as garantias de defesa.
Na verdade, mesmo para quem defenda a extensão ao processo penal do princípio da legalidade, pelo seu «conteúdo de sentido», o recurso à analogia «não fica completamente vedado em direito processual penal, mas só que ele fica vedado na medida imposta pelo conteúdo de sentido do princípio da legalidade e, portanto, sempre que o recurso venha a traduzir-se num enfraquecimento da posição ou numa diminuição dos direitos processuais do arguido» (desfavorecimento do arguido, analogia in malam partem). - (idem, ibidem, pp. 68 e 69).
C - Ora, como ensina Jorge de Figueiredo Dias, (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §494, «as penas de substituição são verdadeiras penas autónomas» e, mais adiante (§508) «A pena de suspensão de execução da prisão constitui entre nós a mais importante das penas de substituição [...]. E a mais importante, por outro lado, por ser de longe aquela que os tribunais portugueses aplicam com maior frequência».
D - Como se refere no sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal, de 13 de Janeiro de 2010, processo 2569/01.3TBGMR-D.G1.S1 - 3.ª Secção:
«A suspensão da execução da pena de prisão pode ser revogada, como prevê o artigo 56.º do CP, mas tal eventualidade não lhe retira a natureza de pena de substituição, de pena 'não privativa da liberdade', como, de resto, a qualifica o CPP ao integrar no título iii do seu livro x, sob a epígrafe 'Da execução das penas não privativas da liberdade', a execução da pena suspensa. As vicissitudes da execução de uma pena não alteram a sua natureza.» E - A aplicação/execução de pena efectiva de prisão por despacho que modificou a a estrutura exequível da pena, transformando ou modificando a pena autónoma de suspensão, em pena concreta ou efectiva, da prisão, representa na economia doutrinal e legal do sistema jurídico-penal português, uma modificação in pejus da pena substitutiva, não detentiva, aplicada na sentença.
4 - Se o condenado deve ser ouvido para eventuais efeitos da revogação da suspensão da execução da pena - que não é automática - por maioria de razão, deve ter conhecimento directo, pessoal, da decisão final subsequente, por contender efectivamente com a sua (eventual privação de) liberdade, sendo certo que do conhecimento pessoal dessa decisão emerge ainda, directa e imediatamente, para o seu destinatário, o interesse ou não em agir na impugnação da mesma decisão.
5 - O modo de notificação constante do artigo 196.º n.º 3 alínea c), do CPP, justifica-se apenas enquanto subsistirem as medidas de coacção - artigo 196.º n.º 4 - , sendo que estas, por sua vez, subsistem enquanto a decisão condenatória não transitar em julgado.
A - Na verdade, conforme artigo 677.º do CPC (v. artigo 4.º do CPP): A decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário, ou de reclamação, nos termos dos artigos 668.º e 669.º Assim, a decisão final condenatória em pena de prisão, mas suspensa na execução, que não foi tempestivamente impugnada, ou sendo-o, esgotou as vias de recurso ou reclamação, transita em julgado.
B - Transitando em julgado, faz extinguir de imediato as medidas de coacção que nesses autos tenham sido aplicadas, pois que as medidas de coacção extinguem-se de imediato, nas situações indicadas nas alíneas do n.º 1 do artigo 214.º do CPP, entre as quais: «e) Com o trânsito em julgado da sentença condenatória.».
C - Nas palavras de Manuel Lopes Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, Legislação Complementar, 17.ª ed., 2009, p. 518, «Ficou agora bem esclarecido que a condenação condicional, ou seja em pena cuja execução ficou suspensa, dá lugar à extinção das medidas de coacção.».
Apenas se ressalva a situação especifica quanto à caução, prevista no n.º 4 do preceito, pois que: se a medida de coacção for a de caução e o arguido vier a ser condenado em prisão, aquela só se extingue com o início da execução da pena.
6 - Nesta ordem de ideias, bem se compreende face ao regime da medida de coacção termo de identidade e residência, que «para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha» - artigo 196.º, n.º 2. do CPP.
O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 17/2010, de 12 de Janeiro de 2010, no processo 498/2009, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 36, de 22 de Fevereiro de 2010, decidiu no sentido de que «Não julga inconstitucionais as normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9, e 313.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o arguido não tem de ser notificado por contacto pessoal do despacho que designa data para a audiência de julgamento, podendo essa notificação ser efectuada por via postal simples para a morada indicada pelo arguido no termo de identidade e residência».
7 - Todavia, em caso de inexistência da referida medida de coacção, por ter ficado extinta, extintos ficam os efeitos dela decorrentes, entre os quais a notificação por via postal simples - por meio de carta ou aviso - por esta modalidade de notificação apenas ser possível ou válida, «nos casos expressamente previstos» - artigo 113.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
Inexistindo «caso expressamente previsto», a notificação assume os termos do artigo 113.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPP (v., por exemplo, n.º 3 do artigo 113.º e, em idêntico sentido, o disposto no n.º 4, alínea a), do artigo 277.º e n.º 6 do artigo 283.º , todos do CPP).
8 - Ainda que o valor do caso julgado de decisão condenatória em pena de prisão suspensa na sua execução, possa considerar-se rebus sic stantibus, enquanto a pena não for considerada extinta nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do CP (dependendo da verificação ou não do cumprimento das condições da suspensão da execução da pena, no período da suspensão, atento o disposto nos artigos 55.º e 56.º do CP), não se me afigura, todavia, convincente, afirmar-se, como consta do presente acórdão, que, «na ausência de recurso ou no seu insucesso, dela transitará tão-somente a condenação imediata do arguido na pena (substitutiva) de 'suspensão da pena de prisão', ficando por transitar - já que dependente de um futuro despacho prévio de revogação da suspensão - a condenação (condicional) em pena de prisão) e que «a aplicação do artigo 214.º do CPP (Extinção das medidas de coacção) à condenação em pena de prisão suspensa apenas teria reflexos na condenação imediata (suspensão da pena de prisão, mas já não na condenação mediata (pena de prisão suspensa)».
É que, com o devido respeito por tal entendimento, parece-me que, para efeitos de extinção de medidas de coacção, o que releva é o caso julgado, seja formal ou, material, da única decisão condenatória, a que julgou o pleito (thema decidendum), que embora suspendendo a execução da prisão, não representa nem equivale a duas decisões.
9 - Ainda que a mesma decisão final condenatória englobasse duas condenações, sendo uma delas condicional, não significa que as mesmas justificassem casos julgados diferenciados, sobre a mesma decisão, ou que, neologisticamente, se apelasse, porventura, a um caso julgado condicional ou diferido, tanto mais que a exequibilidade dessa segunda condenação só seria possível, válida e eficaz, mediante uma posterior e especifica decisão judicial, autónoma, sobre a (in)validade e (in)eficácia da primeira, após o respectivo trânsito em julgado, que não se identifica, porque é outro, com o trânsito em julgado da primeira condenação (v. referidos artigos 55.º e 56.º do CP).
10 - Por conseguinte, seria inviabilizar a eficácia do caso julgado e a natureza cautelar das medidas de coacção, se a extinção das medidas de coacção imposta por lei, com o transito em julgado da decisão condenatória, não produzisse de imediato os respectivos efeitos e se mantivessem esses efeitos enquanto decorresse o prazo da suspensão da execução da pena de prisão, pela possibilidade de poder haver posteriormente um eventual despacho de revogação dessa suspensão.
11 - O artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) não se limita a determinar que o processo criminal assegura garantias de defesa, incluindo o recurso, mas sim que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso (sublinhado meu).
«Em 'todas as garantias de defesa' englobam-se indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição [...].
Este preceito pode, portanto, ser fonte autónoma de garantias de defesa.» (J. J.
Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. i, Coimbra Editora, p. 516).
12 - Cessando os efeitos da medida de coacção, termo de identidade e residência, em consequência do caso julgado da decisão final condenatória, cessa a admissibilidade legal da notificação do condenado por via postal simples (anteriormente admitida, decorrente do regime legal do termo de identidade e residência) por essa modalidade de notificação deixar de ser «caso expressamente previsto».
13 - Pelo exposto, considero que o despacho decisório, que revoga a pena substitutiva (in casu suspensão da execução) de prisão, aplicando, por sua vez, a pena efectiva de prisão, corresponde ou equivale, analogicamente, em termos práticos, de relevância jurídica, à determinação de uma sentença, sendo, por conseguinte, além da notificação do advogado ou defensor nomeado, aplicável também a notificação pessoal do condenado. Se esta não for possível, por ser desconhecido o seu paradeiro, valerá para todos os efeitos legais a notificação do advogado ou defensor nomeado, nos termos do n.º 9 do referido artigo 113.º; se for conhecido o paradeiro e aí não for encontrado deverá seguir-se então a notificação do condenado por via postal registada, por meio de carta ou aviso registados, no uso do determinado pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do mesmo preceito.
14 - Por isso, ordenaria a reformulação do acórdão recorrido, de harmonia com a seguinte jurisprudência que fixaria:
«A decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada ao advogado ou defensor nomeado e pessoalmente ao condenado, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 113.º do CPP, salvo se a notificação pessoal se revelar inviável, por ser desconhecido o seu paradeiro ou sendo conhecido, aí não vier a ser encontrado, em que valerá, respectivamente, para todos os efeitos legais, a notificação feita ao advogado ou defensor nomeado e a notificação por via postal registada, por meio de carta ou aviso registados - artigo 113.º, n.os 1, alínea b), e 9, do CPP».
António Pires Henriques da Graça.
Declaração de voto
Incontornável, quanto a mim, a extinção referida no artigo 214.º, n.º 1, alínea e), do CPP, abrangendo o TIR, não me parece que a leitura da norma em causa - artigo 113.º, n.º 9 - compreendida em termos de não exigência, já, de qualquer tipo de notificação ao próprio condenado, tal é a rigidez da sua textura literal, possa vir a constituir, em condições normais, factor de surpresa para o mesmo, desde que previamente notificado o seu mandatário ou o defensor oficioso que o tenha vindo a acompanhar, não desconsiderado o exercício dessa função, pois que tanto garantirá - apesar do já oposto pelo TC, nos limites materiais estritos da sua competência, ou não - o pleno exercício do direito de defesa. - Jorge Soares Ramos.Declaração de voto Concordo que a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada também ao condenado, não bastando a notificação do seu defensor. Como primeiro relator, apresentei à conferência projecto nesse sentido. Mas não me parece correcto o entendimento de que a notificação daquele pode ser efectuada por via postal, simples ou registada.
A notificação por via postal simples só tem lugar nos casos expressamente previstos, como estabelece o artigo 113.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
Segundo a posição que fez vencimento, a notificação do condenado por via postal simples é aqui consentida pelo artigo 196.º do mesmo diploma legal, visto o condenado continuar sujeito às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência.
Mas o termo de identidade e residência é uma verdadeira medida de coacção. A lei enumera-o como a primeira das «das medidas (de coacção) admissíveis» no artigo 196.º-E, como diz Germano Marques da Silva, «o termo de identidade e residência é uma medida de coacção enquanto a sujeição a esta medida implica deveres para o arguido limitadores da sua liberdade» (Curso de Processo Penal, II, 4.ª ed., p. 324).
E as medidas de coacção extinguem-se «de imediato» nos termos previstos no artigo 214.º, designadamente com o trânsito em julgado da sentença condenatória, categoria em que se inclui sem dúvida a sentença que condena em pena de prisão suspensa, visto esta ser uma pena, uma pena de substituição. A condenação é uma só, em pena substitutiva da prisão. Não há qualquer condenação (condicional) em pena de prisão, que não transita. A decisão sobre eventual retorno à pena substituída tem momento e ritual próprios.
A lei não excepciona aqui qualquer medida de coacção. O texto legal comporta apenas um sentido: o de que as medidas de coacção, sem excepção, se extinguem com o trânsito em julgado da sentença condenatória. E não existem outras normas que autorizem a conclusão de que a redacção da lei atraiçoou o pensamento legislativo, dizendo mais do que aquilo que se pretendia dizer, a permitir concluir por «um mínimo de correspondência verbal», como exige o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.
A razão de ser da introdução da modalidade de notificação do arguido por via postal simples para a morada indicada no termo de identidade e residência aponta até no sentido contrário, pois essa introdução, que teve lugar através do Decreto-Lei 320-C/2000, de 15 de Dezembro, visou essencialmente combater a demora na realização das audiências de julgamento, cujos sucessivos adiamentos, em resultado da dificuldade de notificar para o acto o arguido, mediante contacto pessoal, como era então exigido, constituíam motivo de enorme preocupação, com constante eco nos meios de comunicação social. É essa preocupação que se surpreende no texto do preâmbulo do diploma.
Não há, assim, fundamento para uma interpretação restritiva do artigo 214.º, que considere o termo de identidade e residência não extinto nos momentos processuais ali previstos.
De resto, existe um largo consenso no sentido de que o regime desse preceito se aplica a todas as medidas de coacção, termo de identidade incluído.
Pronunciam-se nesse sentido, por exemplo, Germano Marques da Silva, na obra citada, p. 353 («relativamente às outras medidas de coacção, termo de identidade e residência e caução, não há prazos máximos de duração. Estas medidas vigoram até que se opere a sua extinção, nos termos do artigo 214.º»), Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª ed., actualizada, p.
557, Fernando Gonçalves e João Alves, em A Prisão Preventiva e as Restantes Medidas de Coacção, Almedina, p. 149, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, em Código de Processo Penal, Comentários e Notas Práticas, p.
568, Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal Anotado, vol. I, 3.ª ed., pp. 1353 e 1354, e Maia Gonçalves, em Código de Processo Penal Anotado, 17.ª ed., p. 530.
Aliás, se as regras do artigo 214.º do CPP não se aplicarem ao termo de identidade e residência, quando é que este se deve considerar extinto em cada uma das hipóteses que se podem colocar? A verdade é que não há resposta para essa pergunta, visto que nenhuma outra norma regula o tema. E a consequência será a insegurança e, necessariamente, o arbítrio, numa matéria onde é de exigir a certeza, por estarem em causa importantes restrições à liberdade pessoal.
E se a lei classifica o termo de identidade e residência como medida de coacção, o que é por todos aceite, e se, por isso mesmo, pelo menos aparentemente, afirma a sua extinção com o trânsito em julgado da sentença que condena em pena de prisão suspensa, como é que se pode exigir ao condenado que, depois desse trânsito, se considere ainda vinculado à obrigação da alínea b) do n.º 3 do artigo 196.º e alertado para o facto de que as notificações de decisões proferidas na fase de execução da pena lhe serão feitas pela via prevista na alínea c)? Certamente não se dirá que o presente acórdão de fixação de jurisprudência é alerta bastante, uma vez que, para além de não cobrir situações anteriores, fora deste processo, os seus destinatários são os tribunais judiciais e não os cidadãos em geral.
E o Tribunal Constitucional, através do Acórdão 422/2005, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de Setembro de 2005, julgou inconstitucional a norma do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, interpretada «no sentido de que o prazo de interposição de recurso pelo condenado de decisão que revogou a suspensão da execução de pena de prisão se conta a partir da data em que se considera efectuada a sua notificação dessa decisão por via postal simples», na consideração de que o termo de identidade e residência se extinguiu com o trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do artigo 214.º, n.º 1, alínea e):
«A partir deste trânsito, deixou o condenado de estar juridicamente sujeito às obrigações decorrentes da aplicação dessa medida de coacção, designadamente a de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar, ao tribunal, a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado.» No acórdão, admitem-se como formas de notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão o contacto pessoal, a via postal registada e a via postal simples. Há nisso alguma incongruência. De facto, se se considera legítima a notificação por via postal simples, por se manter actuante o termo de identidade e residência, não há espaço para a notificação mediante contacto pessoal ou por via postal registada, visto que, de acordo com disposto no artigo 196.º, n.º 3, alínea c), «as posteriores notificações serão feitas por via postal simples». Nos casos cobertos por essa norma, a notificação por via postal simples não é apenas uma das modalidades de notificação possíveis; é a escolhida pela lei.
De todo o modo, considero que a utilização da via postal registada não é adequada para notificar o condenado do despacho de revogação da suspensão da pena.
As razões que impõem a notificação do próprio condenado, e não apenas do seu defensor - necessidade de garantir àquele um efectivo conhecimento do conteúdo dessa decisão «em ordem a disponibilizar-lhe todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se a impugna ou não», como se reconhece no acórdão - , exigem também que a notificação se realize mediante contacto pessoal.
Só esse meio assegura o efectivo conhecimento da decisão; não a comunicação pela via postal registada, que representa apenas uma presunção de notificação. - Manuel Joaquim Braz.