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Acórdão 361/2016, de 11 de Julho

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Sumário

Não julga inconstitucional a interpretação dos artigos 48.º, 53.º, n.º 2, alínea d), e 401.º, n.os 1, alínea a), e 2, todos do Código de Processo Penal, segundo a qual, por falta de interesse em agir, o Ministério Público não tem legitimidade para recorrer de decisão absolutória, quando nas alegações orais produzidas na audiência de julgamento se haja pronunciado no sentido da absolvição

Texto do documento

Acórdão 361/2016

Processo 884/15

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional Relatório No processo 5/05.5TELSB.L1 da 6.ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão proferido em 12 de abril de 2012, foram todos os arguidos absolvidos dos crimes que lhe eram imputados, designadamente Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro, Carlos Manuel Garcia Calvário, José Manuel de Sousa e Luís Miguel de Oliveira Horta e Costa.

O Ministério Público recorreu destas decisões absolutórias para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 25 de junho de 2015, rejeitou, por ilegitimidade, o recurso interposto na parte em impugnava as absolvições acima especificadas.

O Ministério Público interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, da LTC, com a seguinte formulação, após despacho de correção:

“…deverá constituir objeto do interposto pelo Ministério Público ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a questão de constitucionalidade das normas dos artigos 48.º, 53.º, n.º 2, alínea d) e 401.º, n.os 1, alínea a), e 2, todos do CPP, na interpretação segundo a qual, por falta de interesse em agir, o Ministério Público não tem legitimidade para recorrer de decisão absolutória, quando nas alegações orais produzidas (artigo 360.º do CPP) se pronuncie no sentido da absolvição.

Tal interpretação mostra-se violadora do artigo 219.º, n.º 1, da Constituição.

A questão da constitucionalidade foi suscitada no parecer emitido pelo Ministério Público na Relação de Lisboa, ao abrigo do artigo 416.º do CPP (ponto 1.4.).”

Apresentou alegações em que concluiu. “Assim, por todas as razões anteriormente invocadas ao longo das pre-sentes alegações, e no seguimento, muito em particular, da jurisprudência firmada no anterior Acórdão 291/02, deste Tribunal Constitucional, julga-se que este Tribunal Constitucional deverá:

a) concluir não ser materialmente inconstitucional

«

a questão de constitucionalidade das normas dos artigos 48.º, 53.º, n.º 2, alínea d) e 401.º, n.os 1, alínea a), e 2, todos do CPP, na interpretação segundo a qual, por falta de interesse em agir, o Ministério Público não tem legitimidade para recorrer de decisão absolutória, quando nas alegações orais produzidas (artigo 360.º do CPP) se pronuncie no sentido da absolvição

»;

b) conceder, nessa medida, provimento ao recurso de constitucionalidade interposto pelo digno magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Lisboa;

c) determinar, em consequência, a modificação, em conformidade, do Acórdão recorrido, de 25 de junho de 2015, do Tribunal da Relação de Lisboa.”

O arguido Luís Miguel de Oliveira Horta e Costa apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões:

“1. Tanto quanto compreende o conteúdo do parecer a que responde, no mesmo, entre outras coisas, foi escrito:

“Assim, por todas as razões anteriormente invocadas ao longo das presentes alegações, e no seguimento, muito em particular, da jurisprudência firmada no anterior Acórdão 291/02, deste Tribunal Constitucional, julga-se que este Tribunal Constitucional deverá:

a) concluir não ser materialmente inconstitucional

«

a questão de constitucionalidade das normas dos artigos 48.º, 53.º n.º 2, alínea d) e 401.º, n.os 1, alínea a), e 2, todos do CPP, na interpretação segundo a qual, por falta de interesse em agir, o Ministério Público não tem legitimidade para recorrer de decisão absolutória, quando nas alegações orais produzidas (artigo 360.º do CPP) se pronuncie no sentido da absolvição. b) conceder, nessa medida, provimento ao recurso de constitucionalidade interposto pelo digno magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Lisboa;

c) determinar, em consequência, a modificação, em conformidade, do Acórdão recorrido, de 25 de junho de 2015, do Tribunal da Relação de Lisboa.

2 - Sucede que, tanto quando o signatário entende, nesse texto, não se pede que seja declarada a constitucional idade de uma norma anteriormente declarada inconstitucional, nem se pede que seja declarada a inconstitucionalidade de uma norma que o tribunal da Relação de Lisboa tenha aplicado, apesar da autoridade Judiciária a considerar inconstitucional. Logo, não se está perante a previsão do estatuído no n.º 1 do artigo 277.º da Constituição, pelo que o presente recurso não devia ter sido admitido e não deve prosseguir, por visar um objeto que não é legal e que não se encontra prevista no citado artigo 277.º da Constituição. Objeto esse que é:

“concluir não ser materialmente inconstitucional

«

a questão de constitucionalidade das normas dos artigos 48.º, 53. n.º 2, alínea d) e 401.º, n.os 1, alínea a), e 2, todos do CPP,”

3 - Salvo melhor opinião, o Tribunal Constitucional tem por objeto decidir recursos que visem a declaração da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade de normas e não a apreciação de “questões”, como a dita “a questão de constitucionalidade das normas dos artigos 48.º, 53. n.º 2, alínea d) e 401.º, n.os 1, alínea a), e 2, todos do CPP, na interpretação segundo a qual, por falta de interesse em agir, o Ministério Público não tem legitimidade para recorrer de decisão absolutória, quando nas alegações orais produzidas (artigo 360.º do CPP) se pronuncie no sentido da absolvição.”

4 - Note-se, aliás, como no presente parecer se evidencia a dificuldade em colocar a “questão”, por não se pedir a declaração da constitucional idade de uma norma, que o tribunal se tenha recusado a aplicar. O autor do parecer viu-se obrigado a escrever:

“a questão de constitucionalidade das normas [...] na interpretação segundo a qual, por falta de interesse em agir, o Ministério Público não tem legitimidade para recorrer de decisão absolutória, quando nas alegações orais produzidas (artigo 360.º do CPP) se pronuncie no sentido da absolvição.” O que o recorrente e o parecer a que se responde pretendem é que o Tribunal Constitucional aprecie e julgue uma “questão” delimitada por uma interpretação, o que nada tem que ver com a constitucionalidade, ou inconstitucionalidade de norma.

5 - Isto é, o presente recurso foi apresentado em manifesta violação de lei e apresenta-se como sendo contrário à lei, pelo que não pode ser analisado e decidido.”

O arguido Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro apresentou contraalegações com as seguintes conclusões:

“1.ª As alegações do MP não têm conclusões, como é imposto pela aplicação dos artigos 69.º da Lei do TC e dos artigos 639.º e 641.º, n.º 2, b) do CPC; não se trata de deficiência na formulação de conclusões - o que poderia salvo por despacho de aperfeiçoamento, como sucedeu, como recordaremos de seguida, com a petição de recurso - sim de falta de conclusões o que equivale à ausência de alegações e assim há, conforme decorre daqueles normativos, lugar à rejeição das mesmas e do recurso que elas sustentam;

2.ª Cotejando o primitivo recurso interposto pelo MP e aquele outro que ele apresentou, sob o benefício de um despacho de aperfeiçoamento, é patente que se trata de um novo recurso e não de uma mera retificação do primitivo recurso pois o acervo normativo convocado é outro - com menção a outras normas de cuja inconstitucionalidade de trata - e nele se suprime, como elemento integrante do objeto do recurso o âmbito material do Acórdão de fixação de jurisprudência 2/2011, pelo que, tratando-se de recurso novo o mesmo foi apre-sentado extemporaneamente, visto o artigo 75.º da Lei do TC, o que implica a sua rejeição;

3.ª O Ministério Público não preveniu tempestivamente a questão de constitucionalidade que agora pretende seja examinada [o que implica violação do artigo 71.º, n.º 1, b) da Lei do TC], pois só o fez quando prolatou o parecer face à posição que os arguidos haviam tomado na resposta ao recurso quando tinha todos os elementos para saber que, ante a contradição da sua posição processual, o problema ia ser suscitado;

4.ª O MP, se bem que tenha indicado a norma jurídica cuja inconstitucionalidade suscita, pretende que o tribunal conheça da desconformidade com a Lei Fundamental de uma determinada interpretação dessa norma, quando, se nos é permitido entender, o Tribunal Constitucional visa sindicar da constitucionalidade de normas jurídicas e não de interpretações jurídicas dadas a normas legais [artigos 277.º e 280.º da Constituição], além de que a interpretação alcançada em sede do Acórdão de fixação de jurisprudência acima citado não pode ser sindicada porquanto foi eliminada como elemento integrante do objeto do processo;

5.ª [Salvo grave erro de perceção do signatário], o teor do artigo 55.º alínea a) das alegações, quando pretende que o TC conclua

«

não ser materialmente inconstitucional

» o acervo normativo que coloca em crise, vem sentido exatamente inverso daquele outro que foi patrocinado pelo MP quando da interposição do recurso e definição do objeto do mesmo, pois então pretendia-se que o TC considerasse, sim, serem materialmente inconstitucionais aqueles artigos naquela interpretação; e, assim, sejanos lícito concluir que, discordando totalmente da fundamentação, apoiamos tal pedido, isto é, que a constitucionalidade das normas em causa seja mantida;

6.ª O presente recurso é absolutamente inútil pois vem colocar uma questão para a qual o TC não tem competência:

é que, se bem que se possa recorrer para este Tribunal das decisões que já não admitam recurso ordinário, certo é que, o arguido beneficia de uma dupla conforme absolvição [artigo 400.º, n.º 1, alínea d) do CPP], a da primeira instância e aquelas outra que emergiu do acórdão da Relação, pelo que a mesma já não pode ser reformada [artigo 80.º, n.º 2 da Lei do Tc] na parte em que viabilize uma condenação do arguido, nomeada mas não exclusivamente se tiver ocorrido trânsito em Julgado da mesma por extemporaneidade do recurso, pelo que a questão subjacente, a valer, só o poderia ser em sede de fiscalização abstrata e não concreta;

7.ª Os artigos 48.º, 53.º, n.º 2, alínea d) e 401.º, n.os 1, alínea a) e 2, todos do CPP, não ofendem o artigo 219.º, n.º 1 da Constituição, nem quando a sua dimensão normativa concreta impedir o Ministério Público de recorrer de sentença condenatória quando assumiu em alegações orais posição formal no sentido da absolvição;

8.ª Estando adquirido que o interesse em agir consiste na necessidade de apelo aos tribunais para acautelar um direito ameaçado que necessite de tutela e só por essa via possa obtêla, radicando na utilidade e imprescindibilidade do recurso aos meios judiciários para assegurar um direito em perigo, tal conceito, aplicado no âmbito penal ao Ministério Público, em que esta magistratura atua em subrogação de interesses

«

que a lei determinar

»

[assim estatui o artigo 219.º, n.º 1 da CRP, interesses a que o artigo 3.º do Estatuto do MP se refere], se não pode significar

«

agir no interesse próprio

»

, sim agir no sentido objetivo - é a objetividade característica do Ministério Público [artigo 53.º, n.º 1 do seu Estatuto] e clausulada em lei que tanto impõe - e tanto no interesse da acusação como da defesa [ar-tigo 53.º, n.º 2, alínea d) do CPP], tem de ser entendido, em nome da Constituição, numa dimensão para a qual se convoquem os valores da congruência funcional que são, como veremos, o fundamento da segurança jurídica que a Constituição tutela, mormente em matéria penal [artigos 1.º e 27.º, n.º 1], mas como um fundamento de justiça, princípio essencial do próprio Estado de Direito [artigo 1.º da mesma Lei Fundamental], além da conceção do Ministério Público como uma magistratura [artigo 219.º, n.º 4 da Constituição];

9.ª Tal entendimento não fere antes defende o princípio da igualdade [artigo 13.º da CRP] ou da igualdade de armas [tal como referido no artigo 47.º das alegações] por não haver diferenciação discriminatória não fundada numa distinção razoável, antes é uma garantia de tratamento idêntico a situações idênticas, isto com uniformidade do regime jurídico para todos quantos vejam a sua posição processual afetada por decisões judiciais que o legislador entenda merecer a tutela de um reexame em sede de impugnação para uma outra instância e se foi necessário definila no caso para o Ministério Público e porque esta magistratura é titular de interesses vários, que convergem na sua esfera competência, na aparência antagónicos, mas relativamente aos quais ele tem de saber encontrar um vetor de equilíbrio;

10.ª Também não fica posto em crise que o principio da legalidade de atuação do Ministério Público e o seu papel de defesa da mesma legalidade [artigo 219.º, n.º 1 da Constituição], pois nada obsta a que possa haver lugar a recurso quando a identidade do decidido em sentença ocorrer no mesmo sentido do proposto em alegações orais pelo Ministério Público mas, sendo a decisão recorrível, tiver ocorrido nomeadamente violação de lei na prolação do ato decisório que diferencie substancialmente ambas as situações, salvo desfavor para o arguido;

10.ª Do mesmo modo o processo justo [artigo 6.º da CEDH], com os seus corolários da igualdade de armas e da lealdade processual não fica posto em crise [contra o que se diz nos artigos 33.º e 34.º da alegação], porquanto não só, como se disse quanto àquela igualdade há uma igualdade genérica - porque extensível a todos os sujeitos processuais - apenas particularizada quanto ao Ministério Público] por uma razão substancial atinente à multiplicidade de interesses que nele convergem e que se tem de equilibrar numa lógica de objetividade, como a Ideia de lealdade sai reforçada para que não sucedam situações como esta em que o arguido é surpreendido por um ato inopinado de pedido de condenação por parte de quem peticionara a absolvição, ato concretizado com substituição pela hierarquia da magistrada titular do processo em sede de julgamento, nomeação de um outro magistrado que se comprometera na medida coativa proferida contra o arguido e deduzira a acusação e ressuscitação de um Departamento que surge a recorrer quando a sua competência legal estava finda nas fases transatas do processo;

11.ª Também a autonomia do Ministério Público [artigo 219.º, n.º 2 da Constituição] também não fica posta em causa, pois não há nem penalização nem constrangimento [ao contrário do que se afirma na página 79.º da alegação], nomeadamente por entidades extrínsecas, antes a obediência à legalidade que o Ministério Público tem de acatar pois tem de a defender.

12.ª Não pode ao Ministério Público que convergiu com o “inte-resse” do arguido em ver-se absolvido permitir-se recorrer da sentença absolutória, quando este o não poderia fazer”

O arguido Carlos Manuel Garcia Calvário apresentou contraalegações com as seguintes conclusões:

“I. O RECORRENTE, depois de indicar alguns aspetos da evolução dos presentes autos - e ainda como que em sede introdutória, mas já para fundamentar uma primeira conclusão pelo interesse em agir do Ministério Público-, (i) espraia-se em considerações sobre a legalidade da substituição da Digna Magistrada do Ministério Público que exerceu funções em julgamento e (ii) e procura fundamentar a referida conclusão na índole dos factos e crimes objeto dos presentes autos

II. Estas considerações são inaceitáveis, em si mesmas, como na conclusão que pretendem basear.

III. Quanto às questões (i) da extemporaneidade da interposição de recurso e (ii) da incompetência do Senhor Procurador que interpôs o recurso do Acórdão de 1.ª instância para o Tribunal da Relação, e cuja apreciação foi julgada prejudicada pelo Acórdão recorrido, o ora RECORRIDO mantém inteiramente quanto alegou na sua resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público.

IV. E mantém também inteiramente quanto contrapôs na sua Resposta a esse Parecer, quer no que respeita à questão da extemporaneidade da interposição do recurso; quer relativamente à questão da competência para essa interposição.

V. Sublinhando a total rebeldia à Constituição Processual Penal que significada pela interpretação (i) segundo a qual o Arguido não tem direito a ser notificado, nem a conhecer os fundamentos, nem a pronunciar-se sobre a substituição do magistrado do Ministério Público a exercer funções no processo e (ii) segundo a qual a interposição de recurso por Magistrado do Ministério Público diverso do normalmente competente se basta com a mera indicação de que recorre

«

em conformidade com instruções hierárquicas

»

.

VI. A fundamentação do interesse em agir do Ministério Público na índole dos factos e crimes objeto dos presentes autos estriba-se em enormes equívocos.

VII. O “haver interesse em agir” (em função de critérios extrajurí-dicos) para que apela não equivale nem substitui o interesse em agir como pressuposto processual que condiciona a admissibilidade do recurso e que continua a faltar no caso sub judice.

VIII. Para além disso, ele representa uma violação do princípio da legalidade estabelecido no artigo 219.º, n.º 1, da Constituição; visto que corresponde a uma margem de oportunidade que a lei não abre e para a qual também não determina qualquer critério.

IX. As surpreendentes vicissitudes dos presentes autos após a leitura do Acórdão absolutório em 1.ª Instância autorizam a hipótese de que, nas suas alegações perante este Tribunal, o Ministério Público se limita a proclamar aquilo que já se tem vindo a praticar nos presentes autos, o que não torna uma tal postura menos inadmissível porque justamente tais vicissitudes ilustram eloquentemente o enorme perigo de conduzirem em linha reta a uma seleção de casos e arguidos intrinsecamente discriminatória e violadora do princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da Constituição).

X. A tomada de posição do Ministério Público em sede de “vista” não pode alterar o objeto do recurso interposto pelo Ministério Público pois a função de delimitar o objeto do recurso cabe à motivação e, como a jurisprudência dos tribunais superiores proclama incansavelmente, a cada instante, mais exatamente, às suas conclusões.

XI. “Não pode o MP na

«

vista

»

,

«

colmatar

» deficiências do exercício da ação penal, tal e qual ela foi sustentada em la instância, e não pode suprir a omissão de um recurso, que deveria ter sido interposto, em momento próprio, pelo MP” (DAMIÃO DA CUNHA), pelo que não pode usála para suscitar ex novo qualquer questão de constitucionalidade que, por qualquer razão, omitiu na sua motivação (ou resposta) ao recurso.

XII. Assim, no caso sub judice, é mais do que patente a falta do pressuposto da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, curso. exigido no artigo 70.º, n.º 1, al. b), da lei do Tribunal Constitucional. XIII. O que impede o conhecimento da questão do presente reXIV. Enquanto o Parecer do Ministério Público em 2.ª Instância suscitou a questão da constitucionalidade do “art. o 401. o do CP P [...] na interpretação que lhe é dada no Ac. de fixação de jurisprudência 2/2011” e o Acórdão recorrido se fundou direta e expressamente nesse Acórdão (insistindo, até, na inexistência de fundamentos especiais para dela se afastar nos termos exigidos na lei), o requerimento (já aperfeiçoado) de recurso tem por objeto “a questão de constitucionalidade das normas dos artigos 48.º, 53.º, n.º 2, alínea d) e 401.º, n.os 1, alínea a), e 2, todos do CPP, na interpretação segundo a qual, por falta de interesse em agir, o Ministério Público não tem legitimidade para recorrer de decisão absolutória, quando nas alegações orais produzidas (artigo 360.º do CPP) se pronuncie no sentido da absolvição”.XV. Em qualquer leitura (mesmo em chave de uma interpretação conforme à Constituição), a situação é a seguinte:

o Ministério Público, já depois de um primeiro requerimento de interposição de recurso deficiente, a suscitar um despacho de aperfeiçoamento que lhe permitiu, afinal, uma primeira formulação da questão nos termos legalmente exigidos, identificou no segundo requerimento de interposição do recurso uma norma ou interpretação normativa diferente daquela em relação à qual foi suscitada (e já de modo inadmissível) em momento anterior a questão de inconstitucionalidade e diferente daquela que foi aplicada pelo Tribunal a quo.

XVI. Só por isso não pode, portanto, o seu recurso ser conhecido. XVII. Além disso, se, como pretende o Ministério Público, a questão que suscitada não é a da constitucionalidade do Acórdão 2/2011, mas apenas a da sua aplicação às alegações orais, a decisão recorrida, na perspetiva do Ministério Público, teria aplicado a jurisprudência fixada para além dos casos nela realmente previstos - o que corresponde a uma violação de lei, na vertente de erro de aplicação.

XVIII. Assim sendo da decisão cabia - e era obrigatório para o Ministério Público - o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 446.º, n.º 2, do CPP, o que significa que não se encontravam esgotadas as vias ordinárias, nos termos artigo 70.º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional - disposição que abrange o recurso previsto no artigo 446.º do CPP.

XIX. O que constitui nova razão pela qual o presente recurso não pode ser conhecido.

XX. Por simples cautela de patrocínio, acrescente-se apenas que qualquer das alegações de inconstitucionalidade - aquela que é feita no Parecer e aquela que é objeto do presente recurso - é completamente improcedente.

XXI. A improcedência da alegação de inconstitucionalidade do artigo 401.º na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão 2/2011 é algo que o próprio RECORRENTE concede ou, até melhor, alega - sendo, no fundo, essa a explicação para a sua substituição por outra alegação para ser objeto do presente recurso.

XXII. A constitucionalidade da jurisprudência nele fixada é explicitada na sua preclara fundamentação, para a qual se remete, sendo de notar apenas que:

a) Ela decorre não só do princípio da lealdade, mas ainda dos princípios da indefetibilidade e da irretratabilidade da ação penal e da consideração do MP como magistratura;

b) Sendo o Ministério Público o órgão adrede criado para o exercício da ação penal (e que ainda hoje encontra nela a sua primária razão de ser, que lhe imprime o caráter), em caso de tensão entre tais princípios e a sua estrutura e organização, seriam estas que teriam de se adaptar àqueles (o que tem historicamente feito evoluir a instituição do Ministério Público) e não o contrário

c) A solução do Acórdão mostra-se especialmente clara e evidente - na realidade, para a maior parte da doutrina, só vale - no contexto de uma relação acusação/ defesa, e portanto, enquanto lhe preside um princípio ou dever de lealdade ou vinculação do Ministério Público face ao arguido, pelo que significará sobretudo ou exclusivamente apenas uma proibição de alteração de posição em desfavor do Arguido.

XIII. A questão em que essencialmente o Ministério Público discorda do Tribunal recorrido é a questão de saber se o Acórdão 2/2011 abrange ou não abrange as alegações orais como tomada de posição pelo Ministério Público do processo, que é sobretudo uma questão, senão de subsunção, pelo menos de interpretação do Direito ordinário e, enquanto tal, subtraída à apreciação do Tribunal Constitucional.

d) Ao alegar o caráter “imediatista” e irrefletido das alegações, aponta um problema, que, quando se levanta - o que não sucedeu no presente caso - é um problema de agendamento e não de menor densidade ou valor normativo das alegações orais, e que, a proceder, afetaria a própria sentença dado que a lei impõe o caráter imediato da própria sentença (cf. artigos 365.º, n.º 1, e 373.º, n.º 1, do CPP), ordenando mesmo que no processo sumário e abreviado seja proferida oralmente, embora documentada nos termos gerais (cf. arts. 389.º-A, n.os 1 e 3, e 391.º-F).

e) Ao alegar que “só a sentença permite aos sujeitos processuais avaliar a existência de motivos para a decisão de recurso”, usa de argumento que prova demais (pois então o Acórdão 2/2011 não teria cabimento, devendo ser invertido) e esquece que a aferição do interesse em agir se faz atendendo ao sentido final da decisão e não com base nos seus eventuais vícios, sendo essa a razão pela qual, independentemente dos vícios que a afetem, ao Arguido não tem legitimidade para recorrer de uma decisão da 1.ª instância que o absolva.

XXVI. A mesma conclusão se impõe na perspetiva de outros princípios de matriz constitucional que a questão também põe em jogo, a saber “o princípio da acusação, o princípio da indefetibilidade e da irretratabilidade da ação penal e a consideração do MP como ma-gistratura” (DAMIÃO DA CUNHA):

“Obviar, por via de recurso, a um

«

mau

» exercício da ação penal é pura e simplesmente, obliterar todo o sentido da audiência de julgamento como garantia do arguido” (DAMIÃO DA CUNHA).

XXVII. Se o artigo 219.º, n.º 1, da Constituição, como, mais geralmente, o quadro constitucional do Ministério Público, longe de impedir a doutrina do Acórdão 2/2011, a fundamenta e se não há qualquer razão - bem pelo contrário! - para diferenciar a posição assumida pelo Ministério Público nas suas alegações de qualquer outra posição por ele assumida no processo, as conclusões alcançadas relativamente ao Acórdão 2/2011 - e à sua plena constitucionalidade - valem inteira e plenamente em relação ao caso das alegações orais, como valem relativamente a todas as outras tomadas de posição do Ministério Público no processo.

XXVIII. Aliás, do prisma de vista institucional, mostrar-se-ia incompreensível que, depois dos cuidados em assegurar a vinculação das posições assumidas em audiência (que têm a expressão máxima e culminante nas alegações orais) aos resultados da audiência, se degradassem depois as alegações orais a uma mera opinião pessoal sem consistência ou densidade normativa.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, o recurso interposto pelo Ministério Público:

a) Não deve ser conhecido;

b) Caso assim se não entenda, deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra o douto Acórdão recorrido”.

O Ministério Público foi notificado para se pronunciar sobre a parte das contraalegações em que os recorridos se pronunciaram no sentido do recurso não ser conhecido, tendo apresentado requerimento em que sustentou o conhecimento do mérito do recurso.

Fundamentação

1 - Do conhecimento do recurso Os Recorridos que contraalegaram invocaram diversas razões no sentido do presente recurso não poder ser conhecido.

Alguns dos Recorridos salientaram a contradição constante da alínea a), do artigo 55.º, das alegações apresentadas pelo Ministério Pú-blico em que este concluía “não ser materialmente inconstitucional” a interpretação normativa que integrava o objeto do recurso.

O Ministério Público veio retificar o lapso de escrita que constava dessa alínea, requerendo que se passasse a ler “ser materialmente incons-titucional” onde se escreveu “não ser materialmente inconstitucional”. Sendo esta retificação admissível, dado que o lapso evidente era relevado pelo contexto da declaração (artigo 249.º do C. Civil), fica prejudicada a apreciação de qualquer questão relacionada com a expressão retificada.

Cumpre analisar os restantes fundamentos aduzidos pelos recorridos para o recurso não ser conhecido.

1.1 - Da ausência de conclusões O Recorrido Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro denunciou que as alegações de recurso não culminavam com conclusões, o que deveria conduzir à rejeição do recurso.

Apesar de nas alegações de recurso entregues pelo Recorrente não se encontrar uma indicação que individualize graficamente uma parte referente às conclusões do recurso, facilmente se constata, pela sua formulação, que estas constam do artigo 55.º das alegações, pelo que não se verifica uma situação de ausência de conclusões, improcedendo, por isso, este fundamento do não conhecimento do recurso.

1.2 - Da inutilidade do recurso O Recorrente Abel Saturnino da Silva de Mora Pinheiro alega que o recurso para o Tribunal Constitucional é inútil porque tendo-se verificado uma dupla absolvição, a decisão da Relação já não pode ser reformada na parte em que viabilize uma condenação do arguido, se tiver ocorrido trânsito em julgado da mesma, por extemporaneidade do recurso.

Relativamente a este argumento, embora não seja facilmente percetível o raciocínio do Recorrente, sempre se dirá que o recurso para o Tribunal Constitucional impede o trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal da Relação, pelo que se o Tribunal Constitucional se vier a pronunciar pela inconstitucionalidade de uma norma que integrou a ratio decidendi desse Acórdão, este terá que ser reformado em conformidade com esse julgamento de inconstitucionalidade, o que poderá determinar o conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público para o Tribunal da Relação, ficando o desfecho deste recurso em aberto.

Daí que não se vislumbre que a razão invocada possa determinar a inutilidade do conhecimento do recurso.

1.3 - Do conteúdo normativo do objeto do recurso Os Recorridos Luís Miguel de Oliveira Horta e Costa e Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro alegaram que o recurso deduzido pelo Recorrente não tinha por objeto a inconstitucionalidade de uma norma, recaindo antes sobre uma determinada interpretação efetuada pelo tribunal recorrido no caso concreto, o que escapa às competências do Tribunal Constitucional Efetivamente, no sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas.

O Recorrente pede que o Tribunal Constitucional fiscalize a constitucionalidade das normas dos artigos 48.º, 53.º, n.º 2, alínea d) e 401.º, n.os 1, alínea a), e 2, todos do CPP, na interpretação segundo a qual, por falta de interesse em agir, o Ministério Público não tem legitimidade para recorrer de decisão absolutória, quando nas alegações orais produzidas (artigo 360.º do CPP) se pronuncie no sentido da absolvição.

Apesar do objeto do pedido não corresponder ao conteúdo literal de um determinado preceito legal, mas sim a uma interpretação resultante da leitura conjugada de diversos preceitos do Código de Processo Penal, isso não significa que essa interpretação não tenha um conteúdo normativo. Consubstanciando-se tal interpretação num critério geral e abstrato vocacionado para uma aplicação potencialmente genérica, não deixamos de estar perante uma norma cuja constitucionalidade pode ser apreciada pelo Tribunal Constitucional.

1.4 - Da alteração do objeto de recurso O Recorrido Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro alega que o Recorrente, na peça apresentada na sequência do convite para corrigir o requerimento inicial de interposição de recurso, alterou o conteúdo da norma cuja constitucionalidade inicialmente impugnou.

Contudo, verifica-se que uma das insuficiências do requerimento de interposição de recurso inicialmente apresentado era precisamente a de não indicar qual a norma cuja constitucionalidade o Recorrente pretendia ver apreciada, pelo que o requerimento apresentado na sequência do convite de aperfeiçoamento efetuado nos termos previstos no artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, supriu essa insuficiência, passando a conter aquela indicação, não se tendo, por isso, verificado qualquer alteração do objeto do recurso.

A alteração alegada pelo Recorrido referia-se, certamente, ao que constava das alegações apresentadas extemporaneamente pelo Recorrente, mas estas não podem ser consideradas, uma vez que o local onde o Recorrente deve delimitar o objeto do recurso é no requerimento em que o interpõe, tendo este só ficado completo com a resposta ao convite que o tribunal lhe dirigiu.

Por esta razão improcede também este argumento de não conheci-1.5 - Da adequação da suscitação da questão de constituciomento do recurso. nalidade Os recorridos Abel Saturnino da Silva de Moura Pinheiro e Carlos Manuel Garcia Calvário alegam, em primeiro lugar, que não é adequado suscitar-se a questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido (o Tribunal da Relação) no parecer entregue nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal.

Consistindo a competência do Tribunal Constitucional, no domínio da fiscalização concreta, na faculdade de revisão, em via de recurso, de decisões judiciais, compreende-se que a questão de constitucionalidade deva, em princípio, ter sido colocada ao tribunal a quo, além de que permitir o acesso a este Tribunal com base numa invocação da inconstitucionalidade unicamente após a prolação da decisão recorrida, abriria o indesejável caminho à sua utilização como expediente dilatório. Daí que só tenha legitimidade para pedir ao Tribunal Constitucional a fiscalização de constitucionalidade de uma norma quem tenha suscitado previamente essa questão ao tribunal recorrido, em termos de o vincular à sua apreciação, face às normas procedimentais que regem o processo em que se enxerta o recurso constitucional.

Se é verdade que no parecer apresentado nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal não é admissível ampliar o objeto do recurso interposto pelo Ministério Público, colocando ao tribunal de recurso questões novas, há que ter em consideração que nos feitos submetidos a julgamento os tribunais estão sujeitos à obrigação de não aplicar normas que infrinjam a Constituição (artigo 204.º da Constituição), pelo que não poderão deixar de ponderar a valia de uma questão de inconstitucionalidade, mesmo que apenas tenha sido invocada no referido parecer.

Daí que o Tribunal Constitucional tenha vindo a afirmar, recorrentemente, que o Parecer previsto no artigo 416.º do Código de Processo Penal é ainda momento adequado para suscitar perante o tribunal de recurso uma questão de constitucionalidade de norma que é previsível que venha a ser aplicada por esse tribunal, o mesmo sucedendo com a resposta a esse Parecer.

E, apesar de ter sido possível ao Ministério Público prever que a questão da sua legitimidade para interpor recurso para o Tribunal da Relação se iria colocar face ao decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 2/2011, podendo ter antecipado esta questão, desde logo, nas alegações de recurso apresentadas no Tribunal da Relação, isso não retira eficácia à suscitação efetuada no Parecer posteriormente apresentado, nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, uma vez que este é necessariamente junto antes da prolação do Acórdão do Tribunal da Relação, o que permite que este aprecie a invocação da inconstitucionalidade de norma que entenda aplicável ao caso.

Mas o arguido Carlos Manuel Garcia Calvário também alegou que a questão colocada no Parecer do Ministério Público não é uma verdadeira questão de constitucionalidade, mas sim de subsunção do caso ao decidido no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 2/2011, além de que, mesmo que se entenda que se suscitou uma questão de constitucionalidade, esta não corresponde à que foi colocada no recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

Ora, da leitura do Parecer do Ministério Público apresentado no Tribunal da Relação constata-se, com facilidade, que este além de ter questionado que a situação sub iudicio fosse abrangida pela doutrina do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 2/2011, invocou a inconstitucionalidade da interpretação que viesse a considerar que o decidido nesse Acórdão abrangia os casos em que a posição contrária do Ministério Público resultasse das alegações orais em audiência de julgamento, o que é coincidente com a inconstitucionalidade arguida no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional corrigido. Quer neste requerimento, quer no Parecer apresentado nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público invocou a inconstitucionalidade dos artigos 48.º, 53.º e 401.º, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, o Ministério Público não tem legitimidade para recorrer de decisão absolutória, quando nas alegações orais produzidas na audiência de julgamento se pronuncie no sentido da absolvição.

Daí que improcedam estes argumentos em prol do não conhecimento

1.6 - Da integração da interpretação impugnada na ratio da do recurso. decisão recorrida O Recorrido Carlos Manuel Garcia Calvário também invoca que a interpretação normativa que o Recorrente alega ser inconstitucional não integrou a ratio decidendi do Acórdão recorrido, uma vez que este apenas se limitou a fundamentar a sua decisão de não admissão do recurso interposto pelo Ministério Público com o teor do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 2/2011.

Na verdade, considerando o caráter ou função instrumental dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade face ao processobase, exige-se, para que o recurso tenha efeito útil, que haja ocorrido efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade é sindicada. É necessário, pois, que esse critério normativo tenha constituído ratio decidendi do acórdão recorrido, pois, só assim, um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá determinar uma reformulação dessa decisão.

Se é verdade que a decisão recorrida invocou o decidido nesse acórdão uniformizador para não admitir o recurso, fêlo porque considerou incluído no âmbito daquele as situações em que a posição contrária do Ministério Público era expressa em alegações orais na audiência de julgamento, pelo que não deixou de subscrever como motivo para a decisão tomada a interpretação normativa cuja constitucionalidade o Recorrente questiona.

Por esse motivo improcede a alegação do Recorrido. 1.7 - Da exaustão das instâncias O Recorrido Carlos Manuel Garcia Calvário argumenta ainda que a decisão não é recorrível para o Tribunal Constitucional, uma vez que o Acórdão da Relação de Lisboa ainda era recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 446.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Os recursos para o Tribunal Constitucional previstos na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, só cabem das decisões que não admitem recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados à uniformização de jurisprudência (artigo 70.º, n.º 2, da LTC).

O recurso que o Recorrido entendia que o Ministério Público ainda podia ter interposto do Acórdão da Relação de Lisboa é o previsto no artigo 446.º do Código de Processo Penal, o qual tem por objeto as decisões que contrariem jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, devendo esse recurso ser interposto para este tribunal no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida.

Apesar deste tipo de recursos ter precedência sobre o recurso para o Tribunal Constitucional, não é possível considerar-se que a decisão aqui recorrida foi proferida contra jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. O Acórdão da Relação de Lisboa, pelo contrário, invocou jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça para decidir como decidiu, e o facto do Ministério Público ter alegado que o presente caso não estava abrangido por essa jurisprudência, pelo que a mesma não era convocável, não equivale a considerar-se que se proferiu um julgamento contra jurisprudência fixada.

Daí que não se possa afirmar que o Ministério Público ainda tinha uma instância de recurso que não utilizou, sendo certo que o Tribunal Constitucional tem entendido que, sendo controvertida a impugnabilidade de uma determinada decisão na ordem jurisdicional respetiva, não é de impor ao recorrente o ónus de exaustão dos recursos ordinários hipoteticamente existentes, podendo logo interpor-se recurso de constitucionalidade, fundado na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.

1.8 - Conclusão Não existem, pois, razões para que o recurso interposto pelo Ministério Público não seja conhecido.

2 - Do mérito do recurso O Recorrente invoca que a interpretação dos artigos 48.º, 53.º, n.º 2, alínea d), e 401.º, n.os 1, alínea a), e 2, todos do Código de Processo Penal, segundo a qual, por falta de interesse em agir, o Ministério Público não tem legitimidade para recorrer de decisão absolutória, quando nas alegações orais produzidas na audiência de julgamento se haja pronunciado no sentido da absolvição, viola o artigo 219.º, n.º 1, da Constituição.

Esta interpretação foi sustentada pelo acórdão recorrido, apoiando-se no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2011, de 16 de dezembro de 2010, o qual, ao abrigo do disposto no artigo 446.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, procedeu ao reexame da jurisprudência constante do Acórdão de fixação de jurisprudência 5/94, de 27 de outubro de 1994, decidindo que “em face das disposições conjugadas dos artigos 48.º a 53.º e 401.º do Código de Processo Penal, o Ministério Público não tem interesse em agir para recorrer de decisões concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo”.

Esse Acórdão 5/94 do Supremo Tribunal de Justiça havia fixado jurisprudência com sentido oposto, afirmando que “em face das disposições conjugadas dos artigos 48.º a 52.º e 401.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal e atentas a origem, a natureza e a estrutura, bem como o enquadramento constitucional e legal do Ministério Público, tem este legitimidade e interesse para recorrer de quaisquer decisões mesmo que lhe sejam favoráveis e assim concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo”.

Este último aresto foi objeto de crítica por parte de Figueiredo Dias (em anotação ao referido Acórdão uniformizador, na R.L.J., Ano 128.º, pág. 344 e seg.) que recordou que “aliado ao dever de legalidade e de objetividade que o Ministério Público tem em cada instante de assumir no processo penal, deriva para ele um estrito dever de lealdade, de fair play do seu comportamento processual”, defendendo que “sempre que o Ministério Público tenha tomado em um processo penal uma posição jurídica que determina, direta ou indiretamente, a inculpabilidade do arguido e essa sua posição venha a merecer a concordância plena do tribunal, o caso configura em toda a linha, para efeito de recurso, uma constelação paradigmática e particularmente impressiva da falta de interesse em agir.”

E foi nesta posição crítica de Figueiredo Dias que se apoiou o Acórdão de Uniformização n.º 2/2011 para, procedendo ao reexame do anterior Acórdão de Uniformização n.º 5/94, alterar a orientação aí definida.

Entretanto o Tribunal Constitucional no Acórdão 291/02 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt) havia sustentado a constitucionalidade da interpretação definida pelo Acórdão Uniformizador n.º 5/94, num outro processo em que essa interpretação foi aplicada, tendo julgado não inconstitucional a norma do artigo 401.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretada em termos de o Ministério Público ter legitimidade para recorrer de decisões concordantes com posição anteriormente assumida no processo, após confronto desta norma com o disposto no artigo 219.º, n.º 1, da Constituição, e o princípio da igualdade de armas em processo penal.

Contudo, este acórdão não deixou de salvaguardar que “a questão a resolver no presente recurso, não é a de saber se, no plano do direito ordinário e sem ofensa da Constituição, se pode defender que o Ministério Público carece de legitimidade para recorrer de decisões que acolhem as suas promoções ou pareceres, mas a de apurar se solução contrária ofende a Constituição. Por outras palavras, não se trata de saber se a Constituição dá abertura à tese da ilegitimidade do Ministério Público, mas se a Constituição a impõe, em termos tais que a solução oposta seria inconstitucional”. Dizendo, mais à frente, que essa outra questão “se deixa em aberto”.

Ora, neste recurso, é precisamente a questão da constitucionalidade da ilegitimidade do Ministério Público recorrer de uma decisão de absolvição do arguido que acolheu a sua opinião nesse sentido, expressa em alegações orais na audiência de julgamento, que está em jogo.

Como fez notar o anterior Acórdão 291/02, a questão de constitucionalidade por ele julgada teve um objeto distinto, pelo que, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, o julgamento aí proferido não constitui um precedente a tomar em consideração no julgamento a proferir neste recurso.

É hoje pacífico o entendimento segundo o qual o Ministério Público intervém no processo penal como um órgão de administração da justiça, cuja função é a de colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo a sua ação no processo penal a critérios de estrita legalidade e objetividade. Como se diz no artigo 219.º, n.º 1, da Constituição, ao Ministério Público compete exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade.

Se esta perspetiva constitucional do Ministério Público lhe impõe a obediência, em todas as intervenções processuais, a critérios de estrita objetividade, o que justifica que tenha legitimidade para interpor recursos no exclusivo interesse da defesa (artigo 55.º, n.º 2, d), do Código de Processo Penal), abandonando a posição que anteriormente havia assumido na acusação, compreende-se que a possibilidade de alterar a sua posição no decurso do processo seja uma faculdade essencial ao cumprimento do referido dever de objetividade.

A visão da verdade dos factos e a justiça que se lhe deve aplicar, durante o processo, pode alterar-se, assim como a perspetiva que dela têm os diferentes intervenientes processuais, pelo que o estrito cumprimento da lei e um posicionamento obrigatoriamente objetivo obriga a que, àquela alteração dos dados a apreciar ou do juízo de apreciação, corresponda também uma modificação da posição anteriormente assumida no processo. Daí que, a possibilidade de alteração de posição será para o Ministério Público um importante instrumento para esta magistratura poder funcionar como órgão de administração da justiça e não como parte num espaço de conflito. Só assim se poderá dizer que o Ministério Público “estará interessado no resultado do processo enquanto tal resultado corresponder à realização da justiça, e não forçosamente porque se tenha realizado a sua pretensão” (Souto de Moura em “Inquérito e Instrução”, in “Jornadas de Direito Processual Penal, p. 107, ed. 1988, Almedina).

Contudo, esta faculdade do Ministério Público mudar de opinião no processo, como instrumento da sua função constitucional de defesa da legalidade, segundo critérios de objetividade, não tem de ser absoluta. Outros interesses de igual ou maior valia poderão justificar, em determinadas situações, limitações à possibilidade do Ministério Público mudar de opinião no processo, designadamente recorrendo de decisão que foi proferida em concordância com promoção sua anterior.

Como tem sido recorrentemente afirmado, a busca da verdade e a realização da justiça em processo penal não pode ser obtida a todo o preço, existindo barreiras, muitas delas intransponíveis, à prossecução de tais finalidades.

Um desses limites consiste na necessidade dos órgãos estaduais, na tarefa de apurar a verdade e realizar a justiça no caso concreto, atuarem de acordo com os princípios de um Estado de direito, de modo a evitar que a importante tarefa de restauração da paz jurídica, na sua aplicação, redunde precisamente no contrário. Recorrendo às palavras de Has-semer, trata-se de evitar que “o Estado se inflija a si próprio a perda de dignidade, distanciação e superioridade…que encurta a diferença ética entre a perseguição do crime e o próprio crime”(citado por Costa Andrade, em “Sobre as proibições de prova em processo penal”, pág. 120, ed. de 1992, Coimbra Editora), ou às de Eberhard Scmidt, segundo o qual, “representado pelos órgãos de perseguição penal, o Estado tem de demonstrar face ao arguido a correção humana e, por isso, aquela superioridade porque Radbruch sempre se bateu”(citado por Figueiredo Dias, na R.L.J., Ano 128, pág. 351).

E um dos valores, reveladores dessa superioridade, que deve estar presente na atuação dos órgãos de administração da justiça, onde se inclui o Ministério Público, é o da lealdade ou do fair play no procedimento processual penal. Também no processo penal, onde participam diversos sujeitos, a confiança, desempenha um papel que não deve ser menosprezado, não podendo deixar de ser tutelada a confiança legítima baseada no comportamento processual dos órgãos a quem incumbe administrar a justiça. A tomada de determinadas posições por estes pode implicar uma exigência de fidelidade à pretensão que lhes é inerente, na medida em que cria nos outros sujeitos processuais expectativas legítimas quanto a uma conduta processual futura, importando respeitar essa autovinculação.

Como escreveu Figueiredo Dias (loc. cit. pág. 352):

“Se o Ministério Público quer - e deve querer incondicionalmente - ser considerado pela opinião pública jurídica e, sobretudo, pela comunidade dos cidadãos como instância acima de qualquer suspeita, de defesa e proteção dos seus direitos, não pode admitir a si próprio condutas processuais ziguezagueantes, equívocas ou contraditórias, ditadas pelo que, a cada momento seja, mesmo na mais reta das consciências, o melhor juízo de cada um dos seus representantes”.

Analisando a situação sobre a qual rege a norma sob julgamento, o Ministério Público ao pedir nas alegações orais produzidas na audiência de julgamento a absolvição do arguido cria neste a expectativa, senão mesmo a convicção, que, se o tribunal atender à posição expressa pelo Ministério Público, este não deixará de concordar com a decisão proferida no sentido por ele propugnado e, por isso, não irá interpor recurso da mesma, independentemente do conteúdo da sua fundamentação, o que poderá influenciar a estratégia de defesa do arguido.

É nas alegações orais em audiência de julgamento que o representante do Ministério Público, em cumprimento de um dever funcional e adotando critérios de objetividade, deve pronunciar-se expressamente sobre a absolvição ou a condenação do arguido e, eventualmente, sobre a medida da pena a aplicar. E a posição de cada representante do Ministério Público em processo penal, no exercício de competência própria, no momento e no lugar processual adequado, reflete a posição definitiva do Ministério Público, atento o caráter monocromático, uno e indivisível desta magistratura (Figueiredo Dias, loc. cit., pág. 350).

Ora, quando a posição sustentada pelo Ministério Público nas alegações apresentadas na audiência de julgamento é no sentido da absolvição dos arguidos e esta posição faz vencimento, sendo proferida uma sentença absolutória, a interposição de recurso pelo Ministério Público desta decisão, pugnando pela condenação dos arguidos, mesmo que subscrita por representante diferente do autor das alegações, objetivamente viola o dever de lealdade ou de fair play no processo penal que incide sobre os órgãos de administração de justiça, uma vez que se traduz numa conduta processual típica do venire contra factum próprio.

Por isso, em defesa de um due process of law, o legislador ordinário, ou o intérprete na falta de uma indicação expressa daquele, têm legitimidade para, nestas situações, impedir que o Ministério Público possa atuar de forma discordante com a posição anteriormente assumida, mesmo que essa limitação possa, eventualmente, prejudicar um posicionamento objetivo.

Daí que uma interpretação dos artigos 48.º, 53.º, n.º 2, alínea d), e 401.º, n.os 1, alínea a), e 2, todos do Código de Processo Penal, segundo a qual, por falta de interesse em agir, o Ministério Público não tem legitimidade para recorrer de decisão absolutória, quando nas alegações orais produzidas na audiência de julgamento se haja pronunciado no sentido da absolvição, não viola o artigo 219.º, n.º 1, da Constituição, constituindo uma limitação, no mínimo admissível, à possibilidade do Ministério Público mudar de opinião ao longo do processo penal, como instrumento da imposição constitucional de que a atuação do Ministério Público se paute por critérios de legalidade.

Decisão Nestes termos, decide-se:

a) não julgar inconstitucional a interpretação dos artigos 48.º, 53.º, n.º 2, alínea d), e 401.º, n.os 1, alínea a), e 2, todos do Código de Processo Penal, segundo a qual, por falta de interesse em agir, o Ministério Público não tem legitimidade para recorrer de decisão absolutória, quando nas alegações orais produzidas na audiência de julgamento se haja pronunciado no sentido da absolvição. e, em consequência, b) julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Pú-blico.

Sem custas. 8 de junho de 2016. - João Cura Mariano - Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro.

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Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2660208.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1994-12-16 - Acórdão 5/94 - Supremo Tribunal de Justiça

    EM FACE DAS DISPOSIÇÕES CONJUGADAS DOS ARTIGOS 48 A 52 E 401, NUMERO 1, ALÍNEA A), DO CODIGO DE PROCESSO PENAL (APROVADO PELO DECRETO LEI NUMERO 78/87, DE 17 DE FEVEREIRO), E ATENTAS A ORIGEM, NATUREZA E ESTRUTURA, BEM COMO O ENQUADRAMENTO CONSTITUCIONAL E LEGAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, TEM ESTE LEGITIMIDADE E INTERESSE PARA RECORRER DE QUAISQUER DECISÕES MESMO QUE LHE SEJAM FAVORÁVEIS E ASSIM CONCORDANTES COM A SUA POSIÇÃO ANTERIORMENTE ASSUMIDA NO PROCESSO. (PROC. NUMERO 46444)

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