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Sumário

Proferido no processo n.º 32076.

Texto do documento

Assento de 7 de Junho de 1967

Processo 32076 - Assento de 7 de Junho de 1967

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em tribunal pleno:

De harmonia com o disposto no artigo 669.º do Código de Processo Penal, o representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa recorreu extraordinàriamente para o tribunal pleno do Acórdão de 5 de Janeiro de 1966, da mesma Relação, alegando que não admitia recurso ordinário para este Supremo Tribunal e que está em oposição com o da mesma Relação proferido em 26 de Março de 1965.

Admitido o recurso, o ilustre ajudante do procurador-geral da República, cumprindo o disposto no n.º 3 do artigo 765.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do que prescrevem o § único do artigo 669.º e o § único do artigo 668.º do Código de Processo Penal, apresentou a alegação a fls. 2 e 3, tendente a demonstrar que existe a invocada oposição entre os dois acórdãos, juntos, por certidão, a fls. 4 e 9.

A secção criminal decidiu que se verificam os pressupostos legais relativos ao prosseguimento do recurso e o consequente conhecimento pelo tribunal pleno (acórdão a fls. 17-19).

Seguidamente o magistrado do Ministério Público apresentou a alegação junta a fls.

22-27.

Desenvolve outra argumentação para convencer que deve firmar-se «assento» que fixe a jurisprudência no sentido decidido pelo acórdão recorrido, nos termos que formula.

Obtidos os vistos legais, cumpre decidir.

I) Certo que o tribunal pleno não deve considerar definitivamente resolvida a questão preliminar relativa à existência da oposição que serve de fundamento ao recurso (artigo 766.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), temos de começar pela solução deste problema.

Vejamos pois:

A admissibilidade do recurso extraordinário regulado no citado artigo 669.º depende da existência de acórdão de uma Relação de que não possa interpor-se recurso ordinário para este Supremo e que esteja em oposição com outro, transitado em julgado, da mesma ou diversa relação, sobre a mesma matéria de direito, desde que apreciada no domínio da mesma legislação.

Ora, o acórdão recorrido foi proferido no dia 5 de Janeiro de 1966 sobre recurso interposto em processo de polícia correccional e, por isso, não admitia recurso ordinário (artigo 646.º, n.º 6.º, do Código de Processo Penal).

O acórdão anterior foi proferido em 26 de Março de 1965 sobre recurso interposto em processo crime ainda não classificado, mas em que procurou verificar-se a existência de uma infracção que deveria ser julgada em processo de polícia correccional.

Temos de considerar este acórdão transitado em julgado, uma vez, que não houve qualquer oposição (artigo 763.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).

Em ambos os acórdãos se interpretou o § único do artigo 481.º do Código Penal, que não sofreu qualquer alteração desde que, no uso da autorização concedida pelo n.º 5.º da Carta de Lei de 14 de Junho de 1884, que aprovou a reforma do Código Penal de 1852, foi integrado na «nova publicação oficial do Código Penal», determinada pelo Decreto de 16 de Setembro de 1886.

O Acórdão de 1966 decidiu que o citado § único do artigo 481.º se refere a todas as agravantes do artigo 34.º do Código Penal, pelo que «compreende tanto as de carácter real, como pessoal, entre as quais a de sucessão de crimes», que militava contra o arguido.

Consequentemente, reconheceu legitimidade ao Ministério Público para acusar.

O Acórdão de 1965 reconheceu que se ajusta «mais à letra da lei e ao seu sentido» a jurisprudência que considera abrangida por aquele parágrafo sòmente as «agravantes reais», isto é, as que concorrem no facto e não no agente.

Por isso decidiu que o Ministério Público não tinha legitimidade para acusar um réu a quem imputou um crime do artigo 481.º do Código Penal, cometido apenas com «uma agravante de natureza pessoal (sucessão)».

Basta o enunciado das duas decisões para evidenciar que existe a oposição invocada pelo recorrente.

Temos, portanto, de apreciar e decidir o conflito de jurisprudência em causa.

II) A necessidade, que ninguém contesta, de garantir ao direito criminal, mais do que a nenhum outro, a maior segurança possível, levou o legislador a criar moldes ou tipos de crimes que circunscrevem a conduta humana susceptível de cair no domínio daquele direito.

Assim surgiu o princípio nullum crimen sine lege que o nosso Código Penal não esqueceu (artigo 15.º) e que até alcançou força constitucional (artigo 8.º, n.º 9.º, da Constituição Política).

É pois, no tipo ou molde legal que havemos de encontrar todos os elementos que concorrem num facto para que ele constitua infracção penal.

Só de expressos termos da lei podemos extrair a ilicitude do facto e a culpabilidade que dele deriva.

Mas aos elementos essenciais, sem os quais não há crime, podem acrescer circunstâncias que, sem afectar a existência do crime, têm por efeito aumentar ou diminuir a sua gravidade (artigo 30.º do Código Penal).

As que aumentam a gravidade do crime cometido - únicas que aqui interessam - estão enumeradas no artigo 34.º do Código Penal com índole taxativa, o que, todavia, não exclui a possibilidade da existência de outras, desde que também designadas pela lei.

Recorda-se, por exemplo, a estabelecida no artigo 191.º daquele Código.

A lei enumera-as, mas não as classifica. Apenas indica que umas são inerentes ao agente, pelo que contribuem para aumentar a culpabilidade (artigo 31.º), e que outras são relativas ao facto, pelo que influem no aspecto da ilicitude do dano resultante do facto sobre que recai a reprovação da ordem jurídica (artigo 32.º).

Quanto à 34.ª do artigo 34.º - acumulação -, pode objectar-se que não constitui, em rigor, uma circunstância agravante, visto que cada crime mantém a sua autonomia e, por isso, nenhum é elemento acidental de qualquer outro.

Contudo, a doutrina esclarece que a sua inclusão na série das agravantes se explica por a pluralidade das infracções poder determinar a aplicação de uma só pena, agravada em atenção a essa pluralidade.

III) O artigo 481.º do Código Penal, depois de descrever um tipo de crime de dano punido com prisão até seis meses e multa até um mês, diz-nos no seu § único:

Não concorrendo circunstância agravante, a pena será de multa até um mês, a qual será imposta acusando o ofendido, e salva a pena de contravenção, se houver lugar.

Quer dizer: na falta de «circunstância agravante» - circunstância acidental que não seja elemento essencial do crime, mas que, relacionando-se com ele, aumente a sua gravidade -, ao crime cometido será aplicável uma pena menor do que a já estabelecida e o Ministério Público não poderá exercer livremente o direito de acção, apesar de este ser sempre destinado a submeter à apreciação jurisdicional «a pretensão punitiva do Estado» (expressão de Cavaleiro Ferreira).

IV) O actual texto do transcrito parágrafo é a repetição de § 2.º do artigo 484.º do Código Penal de 1852, com a eliminação da palavra «alguma» e a substituição da expressão «multa de três a trinta dias» por «multa até um mês».

Como com acerto observa o magistrado do Ministério Público, a supressão do adjectivo indefinido alguma, «para além de representar nítida melhoria de forma, em nada alterou o sentido da disposição do Código de 1852. Simplesmente, no domínio desse Código, vincava-se bem que toda e qualquer agravante, fosse de que natureza fosse, tinha virtualidade para tornar o crime público.

Em idêntico entendimento, já em 1888 O Direito, ano 20.º, p. 275, sustentou que nos crimes de dano intervém o Ministério Público sempre que se verifique «qualquer circunstância agravante».

No ano imediato, a Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 21.º, p. 452, pronunciou-se sobre o problema em termos que reflectem a opinião de que o § único do artigo 481.º abrange todas as agravantes do artigo 34.º E o Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ano II, 1915-1916, p.

192, publicou o sumário de um despacho em que se decidiu que o «Ministério Público tem legitimidade para perseguir os crimes de dano previstos e punidos no artigo 481.º do Código Penal, desde que concorra alguma circunstância agravante, embora esta circunstância consista na acumulação de um crime de natureza particular».

Todavia, a partir do Acórdão da Relação do Porto de 23 de Janeiro de 1908 - Revista dos Tribunais, ano 26.º, p. 208 - foram proferidas algumas decisões que, como a de 1965 agora chamada à causa, só às agravantes relativas ao facto atribuíram o mérito de tornar público o crime descrito no corpo do artigo 481.º Pensamos que não perfilharam a melhor doutrina.

V) O § único daquele artigo 481.º prevê o caso de não concorrer «circunstância agravante».

Ora uma circunstância concorre quando acresce ao crime, que existirá mesmo sem ela.

É o sentido que claramente deriva do disposto no artigo 30.º e no artigo 95.º (99.º antes da reforma de 1954) - Luís Osório, vol. 4.º, 2.ª edição, p. 423 - e que melhor se ajusta ao conceito doutrinário de «circunstâncias».

E a expressão «circunstância agravante» encerra uma designação genérica que por si afasta qualquer discriminação ou distinção.

Acresce: a acção penal, com a sua plena índole de acção pública, exerce-se para reprimir e prevenir (prevenção especial e prevenção geral) o perigo que à ordem jurídica oferece todo aquele de cuja conduta resulta um ilícito penal.

Ora a frequência de criminalidade que configura a agravante da reincidência ou da sucessão de crimes indicia perigo, na quase totalidade dos casos superior ao que revela qualquer das agravantes relativas ao facto.

E assim a interpretação que perfilhou o Acórdão de 1965, além de impor uma distinção que a letra da lei não favorece, conduz a uma solução que serve mal os fins da acção penal.

O relativo poder de disponibilidade que a lei confere a alguns ofendidos sobre o exercício da acção (crimes particulares) tem nítido carácter excepcional e, por isso, não deve exceder o exacto limite que a lei marca (artigo 11.º do Código Civil).

O Estado, como único titular do direito de punir, não deve suportar restrições à efectivação desse direito que ele próprio não tenha especificado claramente por meio da sua função legislativa.

VI) Nestes termos, negam provimento ao recurso e formulam o seguinte assento:

O § único do artigo 481.º do Código Penal prevê o concurso de circunstância agravante de qualquer natureza.

Sem imposto de justiça.

Lisboa, 7 de Junho de 1967. - H. Dias Freire - Fernando Bernardes de Miranda - Francisco Soares - Adriano Vera Jardim - J. Santos Carvalho Júnior - António Teixeira de Andrade - José Cabral Ribeiro de Almeida - Gonçalves Pereira - Albuquerque Rocha - Oliveira Carvalho (vencido por entender que só a agravante que respeita ao próprio crime e não à pessoa do agente tem a virtualidade de modificar a natureza jurídica do acto delituoso - Eduardo Correia Guedes (vencido pelas razões do voto antecendente) - Lopes Cardoso (vencido pelas mesmas razões) - Torres Paulo (vencido pelas mesmas razões) - Ludovico da Costa (vencido pelos mesmos fundamentos - Joaquim de Melo (vencido pelos mesmos fundamentos).

Está conforme.

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Junho de 1967. - O Secretário, Joaquim Múrias de Freitas.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1967/07/03/plain-252749.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/252749.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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