de 21 de Maio
No âmbito de uma evolução personalista, ligada ao direito ao desenvolvimento da personalidade, a Constituição da República dispõe no n.º 2 do artigo 72.º que a política de terceira idade engloba medidas de carácter económico, social e cultural tendentes a proporcionar às pessoas idosas oportunidades de realização pessoal, através de uma participação activa na vida da comunidade.Esta participação activa pode traduzir-se em variadas manifestações, sendo hoje reconhecido que o trabalho voluntário se assume como um dos modos privilegiados de participação da sociedade civil nos mais diversos domínios da actividade, promovendo o nível de consciência e de participação cívica num contexto caracterizado pela prevalência de valores de solidariedade nas relações humanas.
Ora, no contexto da realidade escolar e não obstante a genérica habilitação legal conferida para o domínio da educação pelo regime jurídico do voluntariado hoje constante da Lei 71/98, de 3 de Novembro, e do Decreto-Lei 389/99, de 30 de Setembro, a verdade é que não existe ainda um regime regulamentador específico que dê o devido enquadramento às intervenções de voluntariado no âmbito das escolas e, com particular ênfase, naquelas em que muitos professores aposentados manifestam a sua disponibilidade para prestar a sua colaboração em variadas actividades.
É o caso de actividades de apoio à formação de professores e pessoal não docente, de planeamento e realização de acções de formação para encarregados de educação, de apoio a professores na programação e na construção de materiais didácticos, de acompanhamento a alunos nas salas de estudo, de integração de alunos imigrantes complementando o trabalho levado a cabo pelas escolas, nomeadamente através do reforço no ensino da língua portuguesa ou na ajuda ao estudo das disciplinas, de ajuda ao funcionamento das bibliotecas escolares e centros de recursos educativos, entre outras.
Neste sentido, tendo presente a qualificação e a experiência dos professores aposentados que possuam aptidão para partilhar com o quadro docente em efectividade de funções os seus conhecimentos e saberes acumulados, com respeito da cultura própria e dos objectivos e condicionantes específicas da escola, a que acresce o seu conhecimento privilegiado da realidade escolar e uma consciência global baseada numa visão multidimensional dessa realidade, evidencia-se agora oportuna a criação de um regime enquadrador que permita aproveitar o potencial contributo positivo dali decorrente, naturalmente observados os parâmetros definidos pelo regime geral do voluntariado.
Assim, a colaboração dos docentes aposentados constituir-se-á como uma actividade assente no reconhecimento das suas competências científicas, pedagógicas e cívicas, sendo exercida de livre vontade e não remunerada, numa prática privilegiada de realização pessoal e social.
Neste, como noutros domínios, prevalecerá a garantia do princípio da autonomia da escola, na medida em que a eventual intervenção dos voluntários apenas poderá decorrer de uma explícita manifestação de vontade por parte do estabelecimento de ensino interessado, consubstanciada na aprovação de um programa de voluntariado, cabendo ao seu órgão executivo a eventual selecção do candidato que considere reunir o perfil adequado para as funções em causa por reporte à apresentação das disponibilidades.
Por último, estabelece-se como imperativo o pressuposto nos termos do qual o desenvolvimento das actividades de voluntariado em apreço não poderá em caso algum importar a substituição dos recursos humanos considerados necessários à prossecução das actividades da escola.
Assim:
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 1.º
Objecto
O presente decreto-lei estabelece o regime jurídico do trabalho voluntário nas escolas realizado por pessoal docente aposentado.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
O trabalho voluntário previsto no presente decreto-lei é desenvolvido no âmbito dos estabelecimentos de educação e ensino não superior públicos, por pessoal docente aposentado tendo em consideração as respectivas competências científicas, pedagógicas e cívicas, em conformidade com os princípios enquadradores estabelecidos no n.º 1 do artigo 6.º da Lei 71/98, de 3 de Novembro.
Artigo 3.º
Autonomia
O trabalho voluntário realizado por pessoal docente aposentado apenas pode ocorrer mediante a expressa manifestação de vontade por parte da escola, consubstanciada na aprovação de um programa de voluntariado.
Artigo 4.º
Iniciativa
Caso entenda manifestar o seu interesse em projectos de voluntariado, o agrupamento de escolas ou escola não agrupada adopta para o efeito os seguintes procedimentos:a) Publicita a oferta pelos meios que considere adequados;
b) Selecciona e procede ao recrutamento dos voluntários, através dos respectivos órgãos de gestão, de acordo com as necessidades;
c) Estabelece com os candidatos os respectivos programas de voluntariado;
d) Disponibiliza aos voluntários os instrumentos de autonomia em que se enquadra e desenvolve o trabalho, nomeadamente, projecto educativo, regulamento interno, plano de actividades;
e) Avalia periodicamente as prestações dos voluntários.
Artigo 5.º
Desenvolvimento dos procedimentos
Os procedimentos referidos no artigo anterior concretizam-se tendo em conta os seguintes aspectos:a) No início de cada ano lectivo, publicita as suas necessidades, estabelecendo o perfil dos candidatos a recrutar;
b) O período de recrutamento pode, no entanto, face a razões excepcionais devidamente justificadas, ocorrer em qualquer outra altura do ano;
c) Apresentadas as candidaturas, selecciona os candidatos e aprova os respectivos programas de voluntariado, dando, na sequência, conhecimento das áreas de intervenção e respectivos voluntários à direcção regional de educação.
Artigo 6.º
Programa de voluntariado
1 - O programa de voluntariado tem a duração de um ano lectivo, sendo renovável por iguais períodos.2 - A prestação do professor voluntário é realizada por um número de horas mínimo, a definir pelo órgão de gestão do agrupamento ou escola não agrupada, em função do projecto a desenvolver.
3 - O trabalho do voluntário pode ser dado por terminado, por iniciativa do próprio ou sempre que o órgão de gestão do agrupamento ou escola não agrupada entenda que deixaram de existir as razões subjacentes à elaboração do programa de voluntariado, mediante aviso prévio, devidamente fundamentado, com antecedência mínima de 30 dias.
4 - No que respeita a despesas decorrentes do cumprimento do programa de voluntariado, designadamente quanto à utilização de transportes públicos, é aplicável o disposto no artigo 19.º do Decreto-Lei 389/99, de 30 de Setembro.
Artigo 7.º
Professores voluntários
1 - O professor voluntário abrangido pelo presente decreto-lei, a quem no desempenho da actividade é reconhecida a sua dignidade docente, tem acesso, com observância das disposições legais e regulamentares aplicáveis, aos documentos que sirvam de referência e se tornem imprescindíveis à sua acção.2 - O professor voluntário, no desempenho da sua actividade, respeita e age em conformidade com a cultura da escola, observando os respectivos projecto educativo, regulamento interno e plano de actividades.
3 - O professor voluntário elabora um relatório anual da actividade que deve integrar uma auto-avaliação do trabalho desenvolvido.
Artigo 8.º
Acompanhamento
As direcções regionais de educação acompanham a actividade desenvolvida no âmbito dos programas de voluntariado, produzindo sobre a mesma um relatório anual.
Artigo 9.º
Domínios de actividade
Consideram-se áreas de eventual intervenção do professor voluntário, designadamente, as constantes do anexo ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante.
Artigo 10.º
Disposição subsidiária
Em tudo o que não esteja previsto no presente decreto-lei, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto na Lei 71/98, de 3 de Novembro, e no Decreto-Lei 389/99, de 30 de Setembro.Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 19 de Março de 2009. - José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa - José António Fonseca Vieira da Silva - Maria de Lurdes Reis Rodrigues.
Promulgado em 8 de Maio de 2009.
Publique-se.O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendado em 12 de Maio de 2009.
O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
ANEXO
(a que se refere o artigo 9.º)
Áreas de eventual intervenção do professor voluntário
Apoio à formação de professores e pessoal não docente;
Planeamento e realização de acções de formação para encarregados de educação;
Apoio a professores - na programação, na construção de materiais didácticos;
Apoio a alunos nas salas de estudo;
Apoio e integração de alunos imigrantes - complementando o trabalho levado a cabo pelas escolas, nomeadamente através do reforço no ensino da língua portuguesa ou na ajuda ao estudo das disciplinas;
Ajuda ao funcionamento das bibliotecas escolares/centros de recursos educativos - através de projectos de leitura recreativa, ajuda à pesquisa bibliográfica ou electrónica, elaboração de trabalhos;
Apoio aos projectos curriculares de turma - através, nomeadamente, do apoio à interdisciplinaridade (análise e concertação de programas);
Acompanhamento dos percursos escolares dos alunos;
Apoio a visitas de estudo;
Apoio à avaliação interna da escola;
Dinamização do binómio escola/família - através da ajuda na mediação escolar ou na recolha, criação e divulgação de materiais sobre temas de interesse dos encarregados de educação;
Articulação vertical e horizontal dos currículos, privilegiando o contacto com as escolas e a programação vertical (ou horizontal) dos programas e de outros projectos visando o sucesso educativo dos alunos;
Articulação de projectos internos ou escola/autarquias/empresas visando a angariação de recursos e ou integração profissional de alunos;
Dinamização de projectos de aproximação da escola ao meio buscando o envolvimento da comunidade nas actividades escolares tendo em vista a consecução de objectivos específicos;
Apoio e dinamização de actividades extracurriculares com a criação e ou ajuda na dinamização de clubes de tempos livres;
Participação no observatório de qualidade da escola/agrupamento de escolas;
Elaboração da biografia da escola/agrupamento de escolas;
Criação e dinamização de um espaço de informação para professores sobre congressos, efemérides, projectos escolares, projectos sociais, publicações, boas práticas...;
Apoios específicos em áreas de formação académica dos candidatos;
Envolvimento em Projectos de melhoria da sociedade local;
Desempenho de funções de tutoria;
Apoio a programas de investigação e estudos.