Acordam, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório. - 1 - Em acção de impugnação de paternidade proposta por Hugo Alexandre Madaleno Monteiro contra Estela Maria do Carmo Samuel Monteiro, Cristina Reis Samuel Monteiro e Artur Godinho, suscitou-se a questão da caducidade da acção, por incumprimento do prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil. O Supremo Tribunal de Justiça, em recurso de revista, veio a formular um juízo de inconstitucionalidade relativamente à referida disposição legal, recusando a sua aplicação no caso concreto. Essa decisão foi revogada (no que à questão e constitucionalidade respeita) pelo acórdão 589/2007 deste Tribunal, que não julgou
inconstitucional a referida norma.
Reformando a decisão (n.º 2 do artigo 80.º da LTC), por acórdão de 27 de Março de 2008, o Supremo Tribunal de Justiça continuou a negar a revista, mas agora com base no entendimento de que a prova dos factos integradores do decurso do prazo preclusivo do exercício do direito de impugnação, sendo uma excepção peremptória,compete aos demandados.
Estela do Carmo Samuel Monteiro (a mãe da menor cuja paternidade é impugnada) interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, da nova decisão do Supremo Tribunal de Justiça, pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do n.º 2 do artigo 1839.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil, quando interpretadas no sentido de que o ónus da prova dos factos integradores do decurso do prazo preclusivo do exercício do direito de acção de impugnação da paternidade compete aos demandados.2. Admitido o recurso e prosseguindo para alegações, a recorrente sustenta as
seguintes conclusões:
"A) A questão fundamental colocada no presente recurso é assim a de saber se é ou não inconstitucional a norma resultante da conjugação do n.º 2 do artigo 1839.º com a al. a) do n.º 1 do artigo 1842.º ambos do C.C. quando interpretadas no sentido de que a prova dos factos integradores do decurso do prazo preclusivo do exercício do direito de acção de impugnação de paternidade é uma excepção peremptória cuja prova compete aos demandados desonerando totalmente o impugnante da paternidade de ter de alegar e de provar que exerce o seu direito de acção tempestivamente, no prazo estabelecido na al. a) do n.º 1 do artigo 1842.º do C.C.;B) Face às normas conjugadas dos artigos 298.º, n.º 2, 331.º, n.º 1, 333.º, n.º 1, 342.º, n.º 1, 343.º, n.º 2, parte final, 354.º, al. b), 353.º e 1842.º, n.º 1 al. a), todos do C.C.
terá de se reconhecer que o impugnante intentou a acção para além do prazo estabelecido no artigo 1842.º, n.º 1 al. a) do CC e de que nenhuma prova efectuou de ter instaurado a acção dentro daquele prazo;
C) Fazer impender sobre os demandados (contra lei expressa) o ónus da contraprova de factos que a lei (legitimamente) considera integrantes e condicionantes do exercício do direito do autor, sem impor ao autor/impugnante o correspectivo ónus da prova desses factos integradores (que se encontra em juízo no prazo de 2 anos a contar da data em que teve conhecimento de factos ou circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade), é subverter por completo as regras do direito vigente, subverter o princípio da segurança jurídica e impor um ónus desproporcionado e injustificado sobre os demandados, sendo por tal inconstitucional face ao artigo 18.º, n.º 2 da Constituição
da República Portuguesa;
D) Tal entendimento equivalerá a fazer entrar pela janela aquilo a que se fechou a porta, ou seja, o ónus da prova injustificadamente e desadequadamente desproporcionado assim imposto aos demandados equivale a uma confissão proibida em sede de direitos indisponíveis (artigo 354.º, al. b) do C.C.) porque o impugnante fica completamente desonerado da prova do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 1842.º do C.C.;E) Por via do entendimento do acórdão recorrido fica aberta a porta a todas e quaisquer impugnações de paternidade, mesmo aquelas que violem os interesses da segurança jurídica e da proibição da instrumentalização da acção (porque instauradas muito para lá do prazo legal e a bel-prazer), o que não é claramente o propósito da Lei nem da Constituição da República Portuguesa, criando-se assim a maior insegurança jurídica no domínio das relações pessoais de paternidade, podendo afirmar-se que o estabelecimento do prazo da al. a) do artigo 1842.º não será mais do que letra morta.
F) Fazer impender unicamente sobre os demandados a prova da intempestividade da acção intentada pelo impugnante, desonerando este totalmente do ónus da alegação e prova da tempestividade do exercício do seu direito, ou presumindo mesmo essa tempestividade face à al. a) do n.º 1 do artigo 1842.º, é uma interpretação profundamente violadora dos princípios da proporcionalidade e da adequação constitucionalmente consagrados no artigo 18.º, n.º 2 da CRP conjugados com os princípios da segurança jurídica corolário do Estado de Direito nomeadamente em sede de direitos pessoais e indisponíveis e com os interesses em jogo nesta em sede, como sejam, entre outros, o da segurança jurídica, o do perigo de instrumentalização da acção, o da protecção da família conjugal, que legitimam a admissibilidade constitucional de condicionalismos aceitáveis ao direito fundamental à identidade
pessoal."
O recorrido Hugo Monteiro sustenta que "não há divergência ou inconstitucionalidade na conjugação do n.º 2 do artigo 1839.º com a al. a) do artigo 1842.º CC, já que ambos os preceitos têm que observar a regra contida no artigo 342.º, n.º s 1 e 2 CC".O Ministério Público alegou, sustentando que é manifestamente deslocada a argumentação da recorrente em torno da "presunção da tempestividade" do direito de impugnar ou da inadmissibilidade da confissão neste domínio, tendo concluído que as normas que integram o objecto do presente recurso - traduzindo aplicação da regra geral que, em sede de ónus probatório, está prevista no n.º 2 do artigo 324.º do Código Civil - , colocando a cargo dos demandados que invocam a excepção peremptória de caducidade o ónus de demonstração de que o impugnante havia adquirido o conhecimento ou a cognoscibilidade sobre os factos em que radica a sua provável não paternidade biológica mais de dois anos antes da propositura da acção não violam os princípios constitucionais da segurança jurídica e da proporcionalidade.
II - Fundamentos. - 3. Pelo Acórdão 589/07, ficou definitivamente resolvida, neste processo, a questão da constitucionalidade da norma do artigo 1842.º, n.º 1, alínea a) do Código Civil no que respeita à sujeição da acção de impugnação de paternidade por parte do marido da mãe ao prazo de caducidade aí previsto, só podendo este intentar a acção "no prazo de dois anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade". O Tribunal entendeu que o prazo definido no artigo 1842.º, n.º 1, alínea a), para a impugnação da paternidade por parte do pai presumido, contando-se a partir do conhecimento pessoal de factos que indiciem a inexistência de um vínculo real de filiação, é razoável e adequado à ponderação do interesse acerca do exercício do direito de impugnar, sendo idóneo para permitir avaliar todos os factores que podem condicionar a decisão. Controverte-se agora, por iniciativa da mãe da menor cuja paternidade é impugnada, a questão da repartição do ónus da prova no que se refere à demonstração do facto a partir do qual se inicia a
contagem desse prazo.
O Supremo considerou que incidia sobre os demandados o ónus de provar que o termo inicial de tal prazo tinha ocorrido em momento temporal tal que tornasse intempestiva a propositura da acção: estando em causa uma "excepção peremptória", a prova dos factos integradores do decurso do prazo preclusivo do exercício do direito à impugnação - extinguindo, quando demonstrado, o direito do autor - compete aosdemandados.
Este entendimento não é mais do que a aplicação ao domínio das acções de filiação do regime geral prescrito no n.º 2 do artigo 343.º do Código Civil: nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo já ter decorrido, salvo se for outra a solução especialmente consignada na lei. Considerou o Supremo que nenhum desvio a tal regra é introduzido pelos preceitos atinentes ao prazo de propositura das acções de impugnação da paternidade. Pelo contrário, refere o acórdão recorrido, o artigo 1839.º, n.º 2, ao limitar o ónus probatório do impugnante à demonstração da manifesta improbabilidade da paternidade legalmente presumida do marido da mãe, parece apontar claramente no sentido de que, também quanto ao prazo estabelecido na alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º, se aplicará o critério da repartição do ónus probatório afirmado pelo citado artigo 343.º, n.º 2.No essencial, a recorrente sustenta que, assim interpretadas, as normas da alínea a), do n.º 1 do artigo 1842.º e do n.º 2 do artigo 1839.º do Código Civil violam "os princípios da proporcionalidade e da adequação constitucionalmente consagrados no artigo 18.º, n.º 2 da CRP conjugados com os princípios da segurança jurídica corolário do Estado de Direito nomeadamente em sede de direitos pessoais e indisponíveis e com os
interesses em jogo nesta em sede".
4 - Deve começar por referir-se que não cabe na competência do Tribunal Constitucional apreciar a alegada violação de disposições de direito ordinário que a recorrente afirma decorrer da sujeição das acções de impugnação de paternidade intentadas pelo presumido pai à regra de que cabe aos réus a prova de que o autor tinha conhecimento há mais de dois anos de circunstâncias de que pudesse concluir-se a sua não paternidade (vid. conclusão "B)" das suas alegações de recurso).Aliás, é manifestamente deslocada a argumentação da recorrente de que isso equivale a admitir a confissão no domínio de direitos indisponíveis ou a considerar que existe uma "presunção de tempestividade" no exercício do direito de impugnar por parte do marido da mãe, porque nem uma coisa nem outra foram afirmadas pelo acórdão recorrido ou são necessariamente implicadas pela solução nele contida. E são realidades jurídicas diversas a confissão (artigo 352.º do Código Civil) ou a admissão de factos por não terem sido impugnados (artigo 484.º do Código de Processo Civil) e a decisão da causa (ou de uma questão nela controvertida) segundo as regras do ónus da prova. Por aqueles meios adquirem-se factos relevantes; por este retiram-se as consequências jurídicas dos factos que se consideram adquiridos.
Saliente-se, apenas, que ao aplicar a regra cuja constitucionalidade a recorrente impugna, o acórdão recorrido não está, sequer, a dizer que a caducidade não seja de conhecimento oficioso neste domínio. Limita-se a conceber o decurso deste prazo como excepção material (facto extintivo do direito em causa), em vez de conceber a sua observância como pressuposto positivo do direito de impugnar a paternidade, e a aplicar a correspondente regra geral perante a iliquidez do facto pertinente, fazendo recair a decisão desfavorável do litígio sobre quem pretende paralisar o direito
exercido.
5. A distribuição do ónus da prova, isto é, centrando-nos no momento da decisão judicial, saber sobre quem deve recair a solução desfavorável do litígio (ou de determinada questão ou aspecto do litígio) na hipótese de ficar ilíquido o facto que integra determinada hipótese normativa (ónus de prova objectivo), é fulcral na tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos pela via judicial.Parece evidente que não pode pesar sobre quem exerce judicialmente um direito o ónus da prova de todos os factos integradores da hipótese de todas as normas que podem concorrer para as diversas alternativas congemináveis. Na maioria dos casos não poderia o autor conseguir a efectivação da sua pretensão, frustrando-se a realização objectiva do Direito se, além dos factos que são pressuposto da norma em que essa pretensão se funda, sobre si impendesse o ónus de demonstrar a inexistência de qualquer facto que invalidasse ou tornasse ineficaz o direito exercido, isto é, se além dos factos constitutivos tivesse de provar a inexistência de factos impeditivos, modificativos ou extintivos. Daí que a regra geral seja a de que, em caso de dúvida, terão estes factos de haver-se como inexistentes para os efeitos previstos na norma impeditiva ou extintiva, em paridade com o que sucede, em igual circunstância, quanto aos factos que constituem pressuposto da norma fundamentadora do direito.
O problema da distribuição do ónus da prova traduz-se, assim, em determinar quais os elementos verdadeiramente constitutivos da norma fundamentadora do direito invocado em juízo e os que, já fora dela, constituem elemento de uma norma que se lhe oponha (contra-norma impeditiva, modificativa ou extintiva) decidindo contra a parte a quem interesse no processo a aplicação da norma constitutiva do direito ou da contra-norma (Cf. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil, III, p. 352).
O artigo 342.º do Código Civil, impondo o ónus da prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado àquele contra quem a invocação do direito é feita, aproxima-se do critério da normalidade. Quem invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram; quem se oponha a essa pretensão terá de provar os factos anormais, que impedem ou excluem a eficácia dos
elementos constitutivos.
Um caso particular de aplicação deste sistema geral de repartição do ónus da prova, cuja expressa previsão é explicado por preocupações de certeza e segurança solucionando um problema controverso, é o do n.º 2 do artigo 343.º do Código Civil, em que se estabelece que "nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmenteconsignada na lei".
Com efeito, neste tipo de acções poderia ser duvidoso se é o exercício do direito potestativo dentro do prazo que constitui facto constitutivo (pressuposto da norma que confere o direito) da pretensão do autor, ou se é o não exercício deste direito dentro do prazo que se apresenta como facto extintivo. Tendo isso presente e considerando a dificuldade da prova dos factos negativos, o legislador optou por impor ao réu, como regra, o ónus da prova de que o autor teve conhecimento do facto há mais tempo do que o que corresponde ao prazo legal. O prazo de propositura da acção éperspectivado como um facto extintivo.
Assim, o que o acórdão recorrido fez foi, afinal, interpretar a alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º e o n.º 2 do artigo 1839.º como não consagrando solução especial com a consequente sujeição do juízo de caducidade destas acções à regra geral do ónus daprova dos factos extintivos do direito.
6. O Tribunal já foi chamado a apreciar normas relativas à caducidade das acções de impugnação de paternidade, além do acórdão 589/2007, nos acórdãos n.º 609/2007 e n.º 279/2008. Nesses casos, o Tribunal deparou-se com pretensões de inconstitucionalização dos prazos de propositura dessas acções por confronto com o direito à identidade pessoal (artigo 26.º, n.º 1, da CRP), enquanto direito a conhecer a verdade sobre si próprio, incluindo a sua origem ou continuação genética, e a poder representá-la perante os outros, no espaço juridicamente conformado. Pretendia-se que o decurso do tempo não precludisse o estabelecimento da conformidade entre a realidade biológica e a representação jurídica.O Tribunal é agora confrontado com uma pretensão que, não sendo a inversa daquelas porque não versa propriamente sobre o prazo (a sua existência, duração, termo inicial ou final, modo de contagem) mas sobre a demonstração dos factos que o desencadeiam, tem um móbil ou interesse determinante oposto. Pretende-se, na prática, preservar a conformação jurídica da relação (triangular) de filiação decorrente da presunção pater is est ..., dificultando a averiguação da sua desconformidade com a realidade biológica. Portanto, não há que chamar o direito à identidade pessoal para resolução da questão de constitucionalidade agora submetida a apreciação.
7 - Deste modo, apenas importa saber se a aplicação, à contagem do prazo de caducidade das acções de impugnação de paternidade, do regime geral, de que incumbe aos réus a prova de que decorreu o prazo que a lei estabelece para a propositura da acção, ou seja, de que o marido da mãe (o pai presumido) conhecia há mais de dois anos circunstâncias de que pudesse concluir pela sua não paternidade, viola os princípios constitucionais da segurança jurídica ou da proporcionalidade.
Princípios estes que a recorrente invoca, diga-se, sem uma argumentação consistente como problema de direito constitucional. Designadamente, não identifica um direito, liberdade ou garantia ou um direito fundamental análogo relativamente ao qual o ónus em causa possa ser configurado como medida restritiva.
Como a questão se apresenta, a solução legislativa em exame só poderia merecer censura de inconstitucionalidade se não respeitasse o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público que pode ancorar-se no princípio geral do Estado de Direito, impondo limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado (também o Estado-legislador) adequar a sua acção aos fins pretendidos, e não estatuir soluções desnecessárias ou excessivamente onerosas ou restritivas.
Assim, estando esta opção normativa do legislador, como começamos por pôr em evidência, em perfeita harmonia com arquitectura geral do sistema jurídico no que concerne ao ónus da prova dos factos extintivos, para que a resposta a esta questão fosse positiva seria necessário concluir que, pelas especialidades da realidade que subjaz ao pressuposto dessa norma extintiva, os interessados são colocados numa situação de quase absoluta impossibilidade prática de convencerem o tribunal de que o pretenso progenitor já há muito tinha adquirido o conhecimento - ou fora colocado perante uma situação de cognoscibilidade - de que provavelmente não era o pai biológico da criança cuja paternidade lhe é atribuída pela regra do artigo 1826.º do Código Civil (pater is est quem nuptiae demonstrant).
Ora, é manifesto que tal situação não se verifica nas hipóteses do género daquela que
no presente processo se debate.
Desde logo, o que releva, o esforço probatório que fica a cargo dos demandados, não é a demonstração positiva da íntima convicção pelo autor de que não é pai, mas o conhecimento por este de factos que tornem cognoscível a impossibilidade de uma paternidade biológica. Trata-se, na maior parte dos casos, de situações de vivência familiar e de vicissitudes sofridas por esta, não sendo particularmente difícil a demonstração, v.g., de que a ruptura da comunidade conjugal ou situações de confronto entre os cônjuges, ocorrida em momento facilmente determinável, tiveram na sua base, precisamente, as "dúvidas fundadas" sobre a paternidade biológica por parte do marido. A demonstração dessas situações ou episódios críticos não constitui, no comum das situações deste tipo, a imposição aos demandados de um ónus probatório pesadíssimo e de extrema dificuldade prática, contribuindo seguramente a proximidade familiar entre todos os intervenientes na acção (o pai, a mãe e o filho) para facilitar a invocação e demonstração, em termos naturalmente razoáveis e adequados, do conhecimento pelo impugnante de factos susceptíveis de gerar dúvidas fundadas acerca da sua paternidade, em período temporal determinável com razoável grau deaproximação.
É, afinal, sempre mais fácil, comprometendo menos a realização do direito e consequentemente a efectividade da tutela judicial, para o réu fazer a prova da data em que o presumido pai teve conhecimento dos factos que infirmam a sua paternidade, do que a este fazer a prova de não ter tido conhecimento desses factos até certa data.Por outro lado, estando em causa o apuramento da existência de um vínculo biológico, naturalmente relevante em termos de definição das relações familiares - e se é certo que, como se decidiu no anterior acórdão, tal relevância do vínculo biológico não é suficiente para eliminar a figura da caducidade do direito em causa - , compreende-se que deva incumbir aos demandados a infirmação da tempestividade do exercício do direito de impugnar. Essa solução ainda é compatível com a defesa contra o principal risco que derivaria da adopção de um regime de total imprescritibilidade da acção: o indefinido prolongamento da situação de indefinição acerca da paternidade, com a possibilidade patológica de uso abusivo susceptível de atingir a identidade social estabilizada do filho. Nestes casos, de utilização manifestamente abusiva e injustificadamente tardia do direito de impugnar a paternidade, não será seguramente difícil aos demandados trazer ao processo elementos fácticos que indiciem que, em termos de normalidade, há muito que o autor tinha adquirido o conhecimento da sua
provável não paternidade biológica.
Em conclusão, trata-se de uma solução normativa que não é desrazoável ou excessiva relativamente à defesa dos direitos de que cada uma das partes no processo é portadora, pelo que não infringe os princípios do Estado de direito e da proporcionalidade. A alternativa, de ser o impugnante a demonstrar, em termos sustentáveis em juízo, que não tivera conhecimento, há mais de dois anos, de factos que revelassem a ocorrência de situações que tornavam improvável a sua paternidade é que seria desadequada por comportar, em último termo, a difícil prova de factos negativos, podendo comprometer em grau intolerável e injusto o direito de impugnar apaternidade.
Consequentemente, o recurso improcede, não se julgando inconstitucional as normas do n.º 2 do artigo 1839.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 1842.º do Código Civil, quando conjugadamente interpretadas no sentido de que o ónus da prova dos factos integradores do decurso do prazo preclusivo do exercício do direito de acção de impugnação da paternidade compete aos demandados.III - Decisão. - Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) UCs, sem prejuízo
do benefício de apoio judiciário.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009. - Vítor Gomes - Carlos Fernandes Cadilha - Ana Maria Guerra Martins - Maria Lúcia Amaral - Gil Galvão.