Processo 34693 - Recurso para tribunal pleno, Relação de Lisboa, em que é recorrente o Ministério Público e recorrido o juiz a quo.
O representante do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, invocando o artigo 669.º do Código de Processo Penal, recorre do Acórdão de 13 de Outubro de 1976, alegando oposição entre ele e o de 21 de Julho de 1976, ambos daquele Tribunal, dado que os mesmos não admitem recurso ordinário e foram proferidos no domínio da mesma legislação.
Baseia a oposição no facto de o segundo acórdão haver decidido ser o efeito do recurso interposto do despacho que converte a multa em prisão meramente devolutivo e ter o primeiro julgado em sentido oposto, ou seja, que o efeito de tal recurso é suspensivo.
A secção, pelo seu acórdão a fl. 17, já se pronunciou sobre a existência da oposição, decidindo no sentido da sua verificação.
O tribunal pleno não está, no entanto, vinculado àquela decisão - n.º 3 do artigo 766.º do Código de Processo Civil, razão pela qual deve examinar preliminarmente tal questão.
Ora, não pode pôr-se dúvida sobre a existência da oposição, que é evidente, bastando, para tal concluir, o enunciado da questão.
Sendo assim, e porque estão verificados os demais pressupostos, deve o tribunal pleno examinar e decidir, proferindo assento, tal questão, ou seja, fixar o efeito do recurso a que se fez referência.
Em direito processual penal, como, aliás, em direito processual civil, a interposição e recebimento de um recurso pode ter, como é sabido, dois efeitos: ou suspende a execução da decisão impugnada ou tem, como diz a lei - artigo 660.º do Código de Processo Penal -, efeito meramente devolutivo. Esta disposição refere, porém, que os recursos não mencionados nos artigos 658.º e 659.º, onde se fixa e efeito suspensivo, têm efeito meramente devolutivo, o que parece, desde logo, significar que só têm efeito suspensivo os recursos a que se referem aquelas duas disposições. Nestes termos decidiu o Acórdão da Relação de 21 de Julho de 1976.
Pelo contrário, o Acórdão de 13 de Outubro decidiu ser o efeito suspensivo por considerar que o despacho que converte a multa em prisão constitui decisão complementar da sentença condenatória, pelo que o respectivo recurso deve estar sujeito ao regime do recurso de tal sentença, que se encontra estabelecido no artigo 658.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
Quanto ao primeiro acórdão, decidiu ele cingindo-se à letra da lei, donde se conclui que só admite o efeito suspensivo nos casos expressamente previstos; relativamente ao segundo, o argumento empregado não nos parece decisivo, pois ainda que se admita que o despacho posterior à sentença que converte a pena de multa decretada nesta em pena de prisão é complementar da sentença, nem só por isso se pode afirmar que o efeito do recurso há-de, necessariamente, ser o mesmo do da sentença.
O efeito do recurso, suspensivo ou meramente devolutivo, tem, naturalmente, que ver com os interesses em jogo e, portanto, com a natureza da decisão impugnada, sendo muito claro que, em direito processual criminal, a lei, ao fixar o efeito, teve em consideração tanto aqueles como esta, o que, aliás, resulta do disposto no artigo 658.º do Código de Processo Penal, vendo-se dele que das decisões penais condenatórias contidas em sentença ou acórdão o recurso tem efeito suspensivo, e isto porque tais decisões não devem ser executadas sem que transitem em julgado.
Aliás, este princípio está presentemente enunciado no artigo 115.º do Código Penal - o que tem conduzido este Tribunal a considerar suspensivo o recurso para o tribunal pleno, contrariamente ao que se dispõe no n.º 1 do artigo 765.º do Código de Processo Civil, que não pode ter aplicação em processo criminal.
Se isto já indicia que a lei teve em consideração, ao fixar o efeito do recurso, a situação penal do arguido, o que, de resto, também sucede no que se refere à pronúncia.
Aliás, a terminologia do Código de Processo Penal no que se refere ao efeito do recurso não é muito precisa, devendo notar-se que a linha traçada na lei processual civil não tem nela o mesmo rigor ou, sequer, a mesma expressão, como se pode ver dos artigos 658.º, 659.º e 660.º do Código de Processo Penal e dos artigos 734.º e seguintes do Código de Processo Civil.
Aquele, efectivamente, estabeleceu - artigo 660.º - o efeito devolutivo como regra, depois de fixar os casos em que o recurso tem efeito suspensivo do processo.
No entanto, o efeito meramente devolutivo, quer dizer, que não suspende o andamento do processo, não pode entender-se aplicável aos casos em que a decisão impugnada implica com a liberdade - situação que foi prevista no artigo 658.º, mas não de maneira completa.
Efectivamente, quando se impugna uma decisão judicial por via de recurso, tem-se em vista um certo efeito útil, que se traduz, em primeira linha, na fiscalização da decisão pelo Tribunal superior e, em segunda, na modificação dela.
Ora, no caso em apreciação, o efeito útil do recurso, na hipótese de modificação da decisão, só tem interesse se o efeito do recurso for suspensivo, tal como nos casos do artigo 658.º, pois, de contrário, ou seja, se tal efeito for meramente devolutivo, pode vir a perder qualquer interesse, pois o arguido pode já ter cumprido a pena de prisão que resulta da conversão da pena de multa.
É claro que esta situação, que é a de verificação mais provável, é em si mesma contrária à obtenção do fim útil do recurso e, por outro lado, conduz à criação de um resultado manifestamente contrário ao interesse da pessoa, interesse que se traduz na existência do bem da liberdade, a que corresponde o respectivo direito de personalidade.
Por isso se disse anteriormente que a qualificação do regime de subida do recurso tem que ver com os interesses em jogo. Ora se o interesse é aquele e a fiscalização do Tribunal superior conduz à definição de uma situação que interfere com a liberdade da pessoa, é então claro que o efeito do recurso há-de ser de forma a obstar à ofensa de tal interesse, o que quer dizer que, tal como nos casos do artigo 658.º, o efeito do recurso deve ser suspensivo.
Na verdade, só assim se evita que ao proferir-se a decisão no Tribunal de recurso esta seja inútil por se haver já verificado o cumprimento total ou parcial da pena de prisão resultante da substituição da pena de multa.
Além destas considerações, procedem as contidas na alegação do Exmo. Representante do Ministério Público, que conduzem, embora, em parte, por outra via, à mesma conclusão.
Em face do que vem de ser exposto, acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça em decidir, formulando assento, que o recurso interposto da decisão que converte em prisão a pena de multa aplicada tem sempre efeito suspensivo.
Não é devido imposto de justiça.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 1978. - Adriano Vera Jardim - João Moura - Francisco Bruto da Costa - Rodrigues Bastos - Daniel Ferreira - Abel de Campos - Santos Victor - José Montenegro - Eduardo Botelho de Sousa - Avelino da Costa Ferreira Júnior - Costa Soares - Oliveira Carvalho - Artur Moreira da Fonseca - Hernâni de Lencastre - Aníbal Aquilino Ribeiro - Alberto Alves Pinto - Amândio dos Santos Cruz - Octávio Dias Garcia - António Viana Correia Guedes - Ruy de Matos Corte Real [vencido, pois continuo a entender, como decidi várias vezes na Relação, em acórdãos por mim relatados, que o efeito a atribuir a este recurso é o meramente devolutivo.
Na verdade, estamos perante um despacho proferido em execução de sentença - artigos 118.º e seguintes do Código Penal e 625.º e seguintes do Código de Processo Penal -, não sendo, por conseguinte, nem complemento desta, nem a de equiparável, para efeito do artigo 658.º, n.º 1, desse Código, e, como despacho que é em execução de sentença - artigo 628.º do Código de Processo Penal -, o efeito que lhe compete é o meramente devolutivo, como expressamente resulta do artigo 630.º desse Código, não referido no douto acórdão.
E, não é aqui aplicável o disposto no artigo 740.º, n.os 2, alínea d), e 3 do Código de Processo Civil, porque o efeito do recurso está expressamente previsto, como vimos, no citado artigo 630.º do Código de Processo Penal, e, como se comanda no artigo 649.º deste Código, só se aplicam as disposições relativas aos agravos cíveis quando não haja disposições em contrário no Código de Processo Penal, o que se verifica no caso presente.
As razões que se invocam para defender o efeito suspensivo, mormente a de o réu poder ter de cumprir a pena de prisão, resultante da conversão, antes de o recurso ser julgado, são de atender de jure constituendo para uma futura alteração da lei, mas não tem valor para, de jure constituto, revogar esta].
Está conforme.
Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 23 de Fevereiro de 1978. - O Secretário, Manuel Fernandes Júnior.