Acórdão
Autos de recurso para tribunal pleno, Relação de Lisboa, em que é recorrente o Ministério Público.
Acordam, em tribunal pleno, no Supremo Tribunal de Justiça:
O Exmo. Procurador da República junto da Relação de Lisboa recorreu extraordinariamente, ao abrigo do artigo 669.º do Código de Processo Penal, do Acórdão daquele tribunal de 3 de Maio de 1973 que decidiu ser o imposto de justiça devido pelo assistente no caso de perdão do procedimento criminal [artigos 175.º, n.º 1, alínea e), e 184.º, alínea e), do Código das Custas], compensável com o por ele pago anteriormente pela constituição de tal qualidade (artigo 177.º, n.º 1, do mesmo Código).
Em fundamentação do recurso, alegou o ilustre recorrente que a Relação do Porto proferira, em 24 de Maio de 1972, um outro acórdão sobre a mesma matéria de direito, mas em sentido oposto.
A secção criminal deste Supremo Tribunal de Justiça, pelo seu acórdão de fls. 29 e segs., decidiu preliminarmente verificarem-se todos os pressupostos para que o recurso pudesse ter seguimento para o efeito de, em tribunal pleno, se fixar a jurisprudência em conflito.
O Exmo. Ajudante do Procurador-Geral da República junto daquela secção criminal apresentou, oportunamente, a sua douta alegação de fls. 35 e segs., pronunciando-se no sentido de dever prevalecer a doutrina sustentada no acórdão da Relação do Porto, isto é, que o imposto pago pela constituição de assistente não é levado em conta naquele que o mesmo assistente vier a ser condenado por força do artigo 184.º, alínea e), do Código das Custas.
Recolhidos os vistos legais, cumpre decidir:
Antes, porém, de entrar na apreciação do mérito, este Tribunal, no uso do poder conferido pelo n.º 3 do artigo 766.º do Código de Processo Civil, declara que existe, efectivamente, oposição sobre o mesmo ponto fundamental de direito entre os julgados postos em confronto e atrás referenciados. Igualmente decide que não existe qualquer obstáculo legal impeditivo do conhecimento daquele mérito do recurso.
Pronunciando-se agora sobre este, ou seja sobre a aludida questão de saber se em processo penal o imposto de justiça devido pelo assistente que concede perdão é ou não compensável com o anteriormente pago pela sua constituição com o tal, este Tribunal entende que a orientação preferível é aquela que foi perfilhada pelo Acórdão da Relação do Porto de 24 de Maio de 1972, certificado nos autos (fls. 18 e segs.) e citado como fazendo oposição ao acórdão recorrido.
A questão fora já suscitada na vigência do artigo 158.º do Código das Custas de 1940, aliás de redacção idêntica à lei actual na parte que interessa considerar.
No sentido do acórdão recorrido pronunciaram-se os Acórdãos da Relação do Porto de 8 de Julho de 1964 e da Relação de Coimbra de 2 de Maio de 1969, publicados, respectivamente, na Jurisprudência das Relações, vol. X, p. 761, e vol. XV, p. 679. A favor de tal orientação é também a nota exarada a fls. 327-328 na Anotação ao Código das Custas Judiciais, dos Drs. Bernardes de Miranda e Tinoco de Almeida.
De acordo com a orientação seguida no aresto invocado neste recurso em oposição à doutrina do acórdão recorrido, podem ler-se, versando hipóteses similares ou de soluções dependentes da interpretação dos mesmos termos legais, os seguintes Acórdãos: da Relação de Lisboa de 19 de Maio de 1948, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 8, p. 183; da mesma Relação de 1 de Junho de 1960, na Jurisprudência das Relações, vol. VI, p. 499; da Relação de Coimbra de 29 de Novembro de 1949, no citado Boletim, n.º 19, p. 190, e da mesma Relação de 21 de Julho de 1961, de 9 de Março de 1962 e de 10 de Janeiro de 1964, na Jurisprudência das Relações, respectivamente nos vols. VII, p. 884, VIII, p. 405, e X, p. 212, e da Relação do Porto de 2 de Julho de 1969, a p. 775 do vol. XV da Jurisprudência das Relações. São esclarecedoras a favor da tese sustentada nestes acórdãos as considerações feitas pelo Dr. Manso Preto in Pareceres do Ministério Público, p. 111, e pelo conselheiro Arala Chaves no Código das Custas Judiciais, ed. de 1967, p. 245.
E são, na verdade, convincentes as razões que podem ser aduzidas a favor desta última orientação jurisprudencial.
Prescreve o artigo 177.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais que a constituição de assistente em acção penal dá lugar ao pagamento de imposto de justiça, que, sendo igual ao mínimo correspondente à forma de processo, é levado em conta no caso de o requerente vir a ser condenado a final em novo imposto.
Este imposto, pago inicialmente pelo assistente, sem dependência de condenação ou de decisão fixatória (o seu montante é predeterminado por via legal), é condição de constituição daquela qualidade pelo ofendido (artigos 192.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, daquele diploma legal).
Uma vez satisfeita esta condição de natureza tributária e reunidos os demais requisitos de admissibilidade, o assistente no decurso do processo pode vir a ser responsável pelo pagamento de imposto de justiça - então já a fixar pelo tribunal - nos casos indicados nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 175.º daquele citado Código.
Exigindo aquele artigo 177.º, n.º 1, como condição de compensabilidade prevista a existência de um imposto emergente de condenação final, o problema posto consiste em determinar quais os casos das referidas alíneas que podem ou não determinar uma condenação final.
Por si só, uma condenação importará um juízo sobre a responsabilidade de quem há-de pagar, e uma condenação a final suportará, logicamente e em regra, um juízo sobre o mérito do caso crime sub judice, cuja averiguação e apreciação constituem o fim último de acção penal.
Este juízo de mérito conduzirá ao decaimento ou sucumbência de uma das partes, a qual, segundo os princípios que regem a tributação judiciária, determinará a respectiva oneração.
Dentro desta linha orientadora situa-se, sem qualquer dúvida, o caso da alínea a) do n.º 1 do citado artigo 175.º, ao determinar que o assistente na acção penal pagará o imposto de justiça que o tribunal fixar se o réu for absolvido de todas ou de algumas das infracções constantes da acusação que haja deduzido.
Dependerá também de uma apreciação de mérito a responsabilidade por imposto de justiça que emane da decisão, embora de uma circunscrita parte do processado, nos casos previstos nas alíneas b) e c), mas não serão já decisões de mérito e muito menos finais aquelas que incidirem sobre os casos contemplados nas alíneas d), e) e f).
Nestes casos, a acção penal não foi levada ou acompanhada até ao seu termo, e em todos eles o assistente, ou por sua passividade negligente ou por retroacção da sua vontade inicial ou por inconsistência acusatória, deu lugar a que não fosse apreciada plenamente a responsabilidade criminal cuja procedência se propusera fazer demonstrar. Deu causa à instauração ou ao impulso de procedimento criminal que não logrou definir a imputação penal feita ao arguido e este comportamento justifica a condenação daquele assistente em imposto de justiça para além ou indiferentemente do inicial.
Como nestes casos não há uma condenação na acção penal nos termos em que, na amplitude da mesma considera a alínea a) do n.º 1 do artigo 175.º, já citado, não há compensação possível com o imposto pago inicialmente.
Excluídos de tal compensação estão, pois, os casos insertos na alínea e) daquela disposição legal: «se o assistente fizer terminar o processo por desistência, perdão ou abstenção injustificada de acusar».
As razões referidas são suficientemente poderosas para, em função de um entendimento claramente baseado na letra da lei, contrariar a interpretação que, dizendo-se fundada no seu espírito e em razões de equidade, considera condenação final aquela que, sob o aspecto puramente formal, recaia sobre o assistente que deu causa à terminação antecipada e anormal do processo.
O novo imposto (além do inicial), que a lei prescreve nestes casos, não acompanha ou tem relação com o desenvolvimento normal da acção penal, destina-se a reagir de modo autónomo contra a inconsequência da parte que tomou uma iniciativa processual e que depois, voluntariamente, abandonou, com prejuízo da actividade judiciária e com um comportamento que implica um reflexo de dúvida sobre a conduta de certo arguido que não chegou a ser esclarecido por decisão idónea para tal em razão daquele comportamento.
Por tudo o que fica exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, reunidos em tribunal pleno, em decidir o conflito de jurisprudência objecto do presente recurso com a formulação do seguinte assento:
O imposto de justiça pago, nos termos do artigo 177.º, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, pela constituição de assistente na acção penal não é levado em conta no novo imposto em que o dito assistente venha a ser condenado por ter feito terminar o processo por perdão.
Sem imposto de justiça.
Lisboa, 11 de Dezembro de 1974. - Daniel Ferreira Arala Chaves - José Joaquim Almeida Borges - Bruto da Costa - Abel de Campos - Manuel Arelo Ferreira Manso - José Montenegro - Albuquerque Bettencourt - Oliveira Carvalho - Adriano Vera Jardim - José António Fernandes - Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos (votei se firmasse doutrina no sentido de que o imposto de justiça pago pela constituição de assistente em acção penal deve ser levado em conta no imposto de justiça a aplicar ao assistente em caso de perdão, quando este produzir a extinção do procedimento criminal, uma vez que, nessa hipótese, não poderá deixar de considerar-se final a decisão que, assim, põe termo ao processo.
Acresce que não é lógico que aquele imposto seja levado em conta quando o assistente agiu conscientemente sem razão e viu o réu ser justamente absolvido, e não o seja quando, usando simultaneamente de uma faculdade legal e de um ditame moral, perdoou ao réu. Aliás, neste último caso, a actividade judicial, que o imposto tem por fim, em parte, retribuir, é, em regra, muito menor) - Eduardo Correia Guedes (vencido pelos mesmos fundamentos) - José Garcia da Fonseca (vencido pelas razões do primeiro voto de vencido) - João Moura (vencido pelos mesmos fundamentos).