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Acórdão Doutrinário , de 29 de Janeiro

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Sumário

Proferido no processo n.º 58561, em que eram recorrentes Alfredo Felner Garcês Palha e outros e recorridos Rui Felner Garcês Palha e mulher

Texto do documento

Acórdão doutrinário

Processo 58561. - Autos de recurso para tribunal pleno. Recorrentes, Alfredo Felner Garcês Palha e outros. Recorridos, Rui Felner Garcês Palha e mulher.

Acordam, em sessão plena, no Supremo Tribunal de Justiça:

Alfredo Felner Garcês Palha e outros recorrem para o tribunal pleno do Acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Novembro de 1961, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 111, p. 479, e do que desatendeu as respectivas nulidades, com o fundamento de que eles assentam, relativamente às mesmas questões de direito, sobre soluções opostas às sustentadas no Acórdão, também do Supremo, de 21 de Maio de 1940, certificado a fl. 424 e sumariado no Jornal do Foro, anos 5.º e 6.º, parte 2.ª, p. 138.

E tendo a secção ordenado o prosseguimento do recurso, por reputar verificados os pressupostos legais, alegaram depois as partes.

Os recorrentes pretendem que se lavre assento sobre os dois pontos prejudiciais suscitados na sua resposta inicial e no sentido de que:

1.º A opoente Maria Luísa não era parte legítima para se opor ao inventário, dado que, facultada essa oposição pelo artigo 1374.º do Código de 1939 apenas aos nele «interessados», nestes se não inclui o cônjuge meeiro de herdeiro;

2.º Se o fosse, não teria capacidade judiciária para exercer a oposição, visto o que se dispõe no artigo 18.º do mesmo código.

E os recorridos, insistindo na inexistência do conflito, entendem que, a tirar-se assento, deverá sê-lo nos termos do acórdão recorrido.

Estão elas de acordo em que os artigos 1326.º, 1329.º e 1332.º do actual Código de Processo Civil, já então em vigor, tornaram líquido que o cônjuge meeiro de herdeiro tem legitimidade para se opor ao inventário. Mas, enquanto os recorrentes pretendem que são de natureza inovadora, os recorridos opõem que têm feição interpretativa. No que são estes secundados pelo douto magistrado do Ministério Público junto do Supremo Tribunal, quando opina que o acórdão recorrido julgou em inteira harmonia com a posição doutrinal e jurisprudencial então «dominante e quase pacífica» e que hoje «indiscutível» é à luz das disposições conjugadas daqueles três artigos.

Acrescenta o mesmo magistrado que, quando tais preceitos fossem de carácter inovador, «seriam de aplicação imediata (ao caso em litígio, subentende-se), por virtude de serem normas processuais». E termina por propor que se formule assento no sentido de que «no processo de inventário, os cônjuges meeiros dos herdeiros são partes principais, gozando dos poderes processuais mencionados no artigo 1332.º do Código de Processo Civil».

O que tudo examinado:

Determinando-se no artigo 766.º, n.º 3, do código vigente que, a despeito de o acórdão da secção haver reconhecido a existência da oposição, isto não impede que o tribunal pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrário - é de dizer que, relativamente ao segundo ponto (faltar capacidade judiciária à opoente), não se verifica a requerida contradição entre os arestos apontados como opostos, pelo que se julga findo o recurso nessa parte.

Com efeito:

A hipótese do Acórdão de 1910 sintetiza-se assim:

Em Abril de 1939, quando, não publicado ainda o Código de Processo desse ano, vigorava, quanto à capacidade judiciária activa de mulher casada, o artigo 44.º do Decreto 1 de 1910, que permitia a esta estar em juízo sem outorga nem autorização do marido, nos mesmos casos e termos em que este o podia fazer sem outorga nem autorização da consorte - uma mulher, cujo casamento fora contraído sob o regime de comunhão de bens, requereu, com base naquele preceito, que fosse admitida a intervir como interessada no inventário por óbito do sogro, no mesmo pé de igualdade que seu marido - contra quem tinha a correr uma acção de divórcio - e, por isso, nos mesmos casos em que este o podia fazer sem sua outorga ou autorização.

Indeferida a pretensão, a consorte agravou do respectivo despacho, pedindo que, em deferimento dela, fossem «ipso facto anuladas a conferência e licitação marcadas no despacho recorrido para o dia 26 de Abril de 1939 e neste dia realizadas sem a intervenção da agravante».

A Relação negou provimento ao recurso. E o seu acórdão foi confirmado pelo Supremo por estes fundamentos.

1.º Ainda que a mulher meeira de herdeiro seja interessada no inventário do sogro, não tem ela o direito da se opor aos actos do marido que a possam prejudicar, visto como essa oposição se traduziria em transgressão ao preceituado no artigo 1189.º do Código Civil, que, sem restrições, confere a este a administração de todos os bens do casal;

2.º Mas não o é, porque, conforme já se entendia no domínio do Código de 1876, resolvido se acha no artigo 1369.º do vigente que «a palavra interessado abrange tão-sòmente o herdeiro, o meeiro do inventariado e as pessoas contempladas com o usufruto ...».

Por sua vez, o acórdão recorrido decidiu que:

a) A mulher de um herdeiro, casada com comunhão de bens, tem legitimidade para se opor ao respectivo inventário, com fundamento de a herança caber exclusivamente ao marido;

b) O artigo 18.º do Código de 1939 não priva a mulher da capacidade judiciária para defesa do património comum e, por isso, para se opor ao inventário com aquele fundamento, mormente em caso da inércia do marido.

E agora, revertendo à incapacidade judiciária:

É sabido que para haver lugar a um assento necessário é que à mesma disposição legal - no caso o predito artigo 18.º - tenham sido dadas interpretações opostas.

E daí ser pressuposto da obrigatória uniformização jurisprudencial que «em hipóteses idênticas se haja decidido de forma diferente», como tem sido orientação do Supremo, segundo as referências no Boletim n.º 119, p. 335.

Ora, em primeiro lugar, enquanto no aresto de 1940 se firmou a ilicitude da intervenção de mulher casada num pleito quando seja para se opor aos actos do marido nesse mesmo pleito, portanto contra a vontade deste, no acórdão de 1961 versada foi uma actuação diferente: de prévio e inteiro acordo com o marido, que, com a sua expressa intervenção, anterior e posterior, mas sempre no mesmo sentido, veio afinal autorizar ou ratificar a actuação da mulher.

Por outro lado, o julgado de 1940 nem explícita nem implìcitamente curou de interpretar o já citado artigo 18.º do Código de 1939. Antes, e conforme se deduz do seu relatório, considerou apenas o já referido artigo 44.º da lei de 1910, embora com as repercussões do preceito substantivo do predito artigo 1189.º, visto que o facto processual em debate ocorrera antes da vigência daquele artigo 18.º, que, por manifestamente divergente, era inovador.

Quanto à outra questão - ilegitimidade do cônjuge meeiro de herdeiro -, é manifesta, como se viu, a oposição entre os julgados.

Mas, ante a divergência suscitada sobre a feição dos já nomeados preceitos do actual Código de Processo em correspondência com as disposições dos artigos 1369.º, § 2.º, 1371.º, § 1.º, e 1374.º do previgente Código de 1939, há que afirmar, em questão prévia ou intermediária, se no tocante ao cônjuge meeiro de herdeiro, serão inovadores aqueles preceitos.

Se o forem, não poderão ser aplicados retroactivamente a facto processual ocorrido no domínio do código anterior, que é o caso da oposição vertente, pois exercida foi em 1959.

É que, conforme lição comummente aceite e consagrada até num recente acórdão deste Supremo, o princípio da aplicação imediata de uma nova lei processual significa que esta «estenda o seu império a tudo quanto se passa a partir do momento em que entra em vigor; mas os actos que se praticaram e os efeitos que se produziram enquanto a lei anterior subsistiu têm de ficar sujeitos ao domínio desta». Sendo, assim, necessário que o facto processual se realize no domínio da lei nova, para que esta lhe possa ser aplicada (Revista de Legislação e Jurisprudência 76, p. 5, e Boletim n.º 140, p. 475).

E conhecendo da questão intermediária:

Bem sabido é que só tem feição interpretativa a lei que «ou por declaração expressa, ou pela sua intenção de outro modo exteriorizada, se propõe determinar o sentido de uma lei precedente, para esta ser aplicada em conformidade».

Vincando isto, acrescenta o eminente Prof. Ferrava:

Observe-se que tal escopo da lei interpretativa é essencial, porque nem toda a decisão legal de uma controvérsia preexistente há-de considerar-se como interpretação autêntica, bem podendo suceder que o legislador tenha querido sòmente afastar dúvidas para o futuro, sem pretender que a nova lei se considere como conteúdo de uma lei passada - Interpretação e Aplicação das Leis, p. 26.

Ora, como tal feição não vem expressamente atribuída no código ou no seu relatório preambular, haverá algo nos respectivos trabalhos preparatórios a convencer que os preceitos em referência, nomeadamente os dois últimos, tenham aquela índole?

Responde-se negativamente, porquanto:

Do único trabalho que sobre a matéria é do nosso conhecimento (Boletim n.º 113, pp. 56, 104 e 146), só é lícito concluir que o conflito jurisprudencial que existia foi resolvido pelo código actual no sentido do acórdão recorrido: o cônjuge meeiro de herdeiro pode opor-se ao inventário. Mas:

Facultando essa oposição a «qualquer dos citados» e ordenando a citação também de cônjuge casado com separação absoluta de bens, são inovadores os artigos 1329.º e 1332.º: aquele na parte em que amplia o âmbito dos cônjuges a citar e este enquanto investe igualmente os legatários naquela faculdade ou poder processual.

Até por isto, nada de seguro existe a revelar que, na parte tocante ao cônjuge meeiro de herdeiro, tenha havido «tal escopo».

Sendo, pois, forçoso concluir pela outra feição - a modificativa, que em lei nova se presume -, passemos ao fundo, ou seja, à solução do conflito.

Comerçar-se-á por notar que este não se traduz no definir se é ou não taxativa a especificação que se contém no § 2.º do artigo 1369.º

E assim porque, formando esse parágrafo um todo único com o corpo do artigo cujo sentido visa a precisar, tal especificação só interessa para o efeito de se saber quem pode requerer o inventário e em que casos é este obrigatório (Prof. Reis, in Processos Especiais, vol. II, p. 360). E nada disto está em causa.

Outro é o alcance do conflito que nos ocupa: requerido o inventário e ordenado o seu prosseguimento com a consequente citação do cônjuge meeiro de herdeiro, tem ou não esse cônjuge qualidade para se opor a tal prosseguimento?

E conhecendo:

É sabido que o código preceituou, primeiro, que para os termos do inventário fossem citados, além de outros, os cônjuges dos herdeiros, salvo se casados com separação absoluta de bens, sujeitando a falta de citação deles ao «regime da falta de citação do réu» (artigo 1371.º e § 1.º).

Só depois curou, no artigo 1374.º, de vários poderes processuais, entre os quais o de oposição ao inventário, que, no decêndio posterior à citação, facultou a «qualquer dos interessados».

Ora, sendo o código uma sistematização cientìficamente ordenada, e tendo a palavra interessado «um sentido pouco preciso, tudo dependendo do objecto do interesse e da própria qualidade deste», pelo que importa, antes de mais, a «localização» daquela palavra para se lhe esclarecer o sentido (citado Boletim n.º 113, p. 57), pergunta-se:

Terá ela o significado que lhe vem assinalado no já referido § 2.º do artigo 1369.º?

Se assim fosse, teríamos o absurdo de se inutilizar inteiramente o preceituado, no artigo 1371.º, sobre as citações: nenhum interesse haveria no chamamento dos cônjuges de herdeiros para os termos do inventário.

Sem necessidade, pois, de relembrar o âmbito daquele § 2.º, basta esse absurdo para se rejeitar liminarmente tal interpretação, dado que na lei não há palavras nem, muito menos, artigos inúteis.

É que, como judiciosamente se observa na decisão recorrida (fl. 374 v.º), desde que a lei reconheceu a necessidade da intervenção do cônjuge de herdeiro no inventário, isso só pode significar que ele tem interesses a fazer valer no decurso do litígio.

Portanto, a interpretação lógica, quanto à extensão do significado de «interessados» rio artigo 1374.º, é a que resulta da coordenação deste com os precedentes artigos 1369.º e 1371.º - são, além do requerente do inventário e do respectivo cabeça-de-casal, todos os que para ele sejam citados como parte principal.

E nestas condições se encontra irrecusàvelmente o cônjuge meeiro de herdeiro, como resulta do predito § 1.º do artigo 1371.º e era doutrina pacífica. (Prof. Reis, ibidem, e Revista de Legislação e Jurisprudência, vol. 75.º, p. 89).

É, pois, a citação que o coloca nessa posição.

Sendo também líquido e bem sabido que é atributo de parte principal, ou seja, qualidade própria e inerente dela, gozar da plenitude dos poderes processuais. O que vale dizer que toda a pessoa que no processo ocupe essa posição primacial fica, ipso facto, investida em tal plenitude.

Ser ou não o cônjuge, meeiro de herdeiro parte principal no processo de inventário, eis o cerne da «questão fundamental» em conflito nos acórdãos. O resto, como se viu, promana daí, pouco importando, por isso, que na hipótese de 1940 estivessem em causa poderes diferentes do de oposição ao inventário.

Logo, só aquele cerne deve constituir a doutrina a assentar, que, assim, se adaptará a todo e qualquer poder processual que a lei faculte.

Especificar os poderes com referência aos que se contenham no artigo 1374.º ou noutro do respectivo capítulo seria dar ao assento uma formulação acanhada, quando da lei resulta precisamente o contrário: que eleve ter toda a amplitude que a questão de direito, em conflito, comporte.

É, pois, inconveniente tal especificação e inútil uma referência, mesmo ampla, a poderes processuais.

Por tudo o exposto, nega-se provimento ao recurso, condenam-se os recorrentes nas custas e fixa-se o seguinte assento:

No domínio do Código de Processo Civil de 1939, o cônjuge meeiro de herdeiro é também parte principal no processo de inventário.

Lisboa, 12 de Janeiro de 1965. - Ludovico da Costa [vencido, quanto à decisão intermediária, pois votei que os já citados artigos do actual Código de Processo têm, no tocante ao cônjuge meeiro de herdeiro, feição interpretativa das correspondentes, e também citadas, disposições do Código de 1939.

Certo que, na falta de declaração expressa, não se pode considerar interpretativa lei que não tenha o já mencionado escopo. Mas certo também que, não havendo, como houve quando da reforma de 1930 do Código Civil, uma oficiosa explicação especificada, embora sumária, dos preceitos concernentes, a «intenção de outro modo exteriorizada» será a que resultar da situação existente à data da publicação da lei nova, nos termos que, definidos na Revista de Legislação e Jurisprudência, vol. 64.º, p. 3, a propósito daquela reforma e apoiados pelo Prof. Reis (cit. op., vol. I, p. 222), se resumem assim: havendo acerca de uma determinada questão mais do que uma corrente jurisprudencial que tornava incerto o direito, ou melhor, o sentido da lei previgente, é interpretativa a lei nova que consagre uma das interpretações sustentadas anteriormente. Sendo-o também quando, havendo triunfado à data da lei nova uma daquelas correntes, a norma actual seja conforme à interpretação anteriormente dominante.

Certo, finalmente, que, como observou o autor do projecto daquela reforma, «há, até relativamente ao mesmo artigo, alterações de índole interpretativa e outras de natureza modificativa». Mas então, importa distinguir a parte aclarativa daquela que, resolvendo uma controvérsia, estatui uma norma que faltava na lei anterior e que constitui um jus novum (Coviello, citado por Cunha Gonçalves, no Tratado, vol. I, p. 480). E nenhuma dúvida há de que no Código de 1961 existem disposições «novas» ao lado de outras que simplesmente interpretaram, aclararam ou reproduziram os correspondentes preceitos do Código de 1939 (artigo 2.º da lei preambular e n.os 4 e 30 do respectivo relatório).

Como, pois, determinar quais as interpretativas, senão pelo critério aqui indicado?

Posto isto, e indiscutível, como é, que nenhuma das correntes jurisprudenciais em conflito conseguira triunfar, e daí o desinteresse em apurar se qualquer delas seria então dominante - basta confrontar o que consta do acórdão recorrido com o que se expõe nos dois livros em que ele se apoia (pp. 47, 50 e 340 das Partilhas e 110 de Processos Sucessórios) para se certificar que aquele reproduziu a doutrina contida nesses passos e ainda na citada página do ano 75.º da Revista, doutrina essa que, na sua conclusão, veio a ser corporizada nos textos actuais.

Para tanto, resta acrescentar (ao que já se disse) que se substituiu a especificação do artigo 1369.º pela fórmula genérica e abstracta «pessoas directamente interessadas na partilha» (artigo 1326.º), a sancionar a versão explicativa daquele artigo: o cônjuge meeiro de herdeiro, por equiparado a este, é também directamente interessado na partilha] - Albino Resende Gomes de Almeida - Alberto Toscano - Albuquerque Rocha - Abrantes Tinoco - (Tem voto de conformidade dos Exmos. Colegas Gonçalves Pereira, Barbosa Viana, Teixeira Botelho, João Caldeira, Fragoso de Almeida, Toscano Pessoa e Eduardo Tovar de Lemos e de vencido do Exmo. Colega Torres Paulo, os quais não assinam por não estarem presentes - Ludovico da Costa).

Está conforme.

Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 25 Janeiro de 1965. - O Secretário, Joaquim Múrias de Freitas.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2469102.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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