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Acórdão Doutrinário , de 28 de Dezembro

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Sumário

Proferido no processo n.º 58856, em que eram recorrentes António Fernandes dos Santos e outros e recorridos Manuel Fernandes dos Santos e mulher

Texto do documento

Acórdão doutrinário

Processo 58856. - Autos de recurso para tribunal pleno, em que são recorrentes António Fernandes dos Santos e outros. Recorridos, Manuel Fernandes dos Santos e mulher.

António Fernandes dos Santos e outros recorrem para o tribunal pleno do Acórdão do Supremo de 16 de Janeiro de 1962, por estar em oposição com o de 21 de Julho de 1959, publicado no Boletim n.º 89, p. 526, e alegam que ambos foram proferidos no domínio da mesma legislação, e, interpretando o § 5.º do artigo 2107.º do Código Civil, decidiram, aquele, que a actualização nele prescrita deveria fazer-se em função dos números-índices publicados mensalmente pelo Instituto Nacional de Estatística, e este, com base na libra-ouro.

A secção julgou verificados estes pressupostos e o decidido é de acatar.

Com efeito, ambos os acórdãos foram proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça e recaíram sobre a interpretação da mesma norma, dando-lhe soluções opostas em processos diferentes.

Pugnam os recorrentes pela segunda solução e os recorridos e o Ministério Público pela primeira.

Dispõe o § 5.º do artigo 2107.º do Código Civil:

As entradas, em dinheiro, feitas pelo donatário, o pagamento de dívidas do doador ou de encargos a favor de terceiros, incluindo o pagamento a quaisquer co-herdeiros por conta da sua parte no valor dos bens doados, serão actualizados em atenção ao coeficiente de valorização ou desvalorização da nossa moeda entre a data desses pagamentos e a da abertura da herança. O mesmo se observará com relação à colação e doações em dinheiro.

Como determinar este coeficiente?

De entre as funções da moeda, é de destacar a de ser a medida comum de todos os valores.

A moeda é o padrão do valor, como o metro é o padrão do comprimento ou o quilograma o do peso, mas, enquanto estes são fixos e imutáveis, por se reportarem a qualidades físicas permanentes, aquele é, por sua natureza, variável no tempo e no espaço.

A valorização ou desvalorização da moeda afere-se pelo seu maior ou menor poder de compra.

Durante o largo período em que a libra-ouro foi medida pràticamente invariável e de curso legal no País, compreende-se que a ela se recorresse como meio fácil, cómodo e adequado para obter o coeficiente de valorização ou desvalorização da nossa moeda.

Há mais de 30 anos, porém, que a libra-ouro deixou de circular, passando a ser uma mercadoria sujeita às flutuações que lhe são próprias.

Quando, em 1931, o Banco de Inglaterra, alarmado com a diminuição da sua reserva, deixou de trocar notas por ouro, a libra chegou a ter, em 1935, uma desvalorização de 40 por cento sem elevação dos preços no mercado interno.

O mesmo aconteceu em Portugal.

A libra, cotada a 110$00 em 1931, valia 185$00 aproximadamente em 1939, e, apesar disso, o poder de aquisição do escudo manteve-se pràticamente estável.

Este desequilíbrio ainda hoje se mantém.

Da verificação desta incontestável realidade resulta que a libra-ouro não é medida apropriada para determinar o grau de valorização ou desvalorização da nossa moeda.

Este fenómeno traduz-se com a possível exactidão pelos números-índices publicados pelo Instituto Nacional de Estatística.

Todavia, os números-índices têm uma existência inferior a meio século, e, por isso, é de admitir, ainda durante alguns anos, a impossibilidade de obter, por este modo, um dos termos de comparação.

Neste caso, o mais razoável é dar aos tribunais a faculdade de recolher os elementos de prova necessários para o efeito.

Nega-se, pois, provimento ao recurso, condenam-se os recorrentes nas custas e fixa-se o seguinte assento:

Quando a lei permita a actualização das prestações pecuniárias sem declarar como ela deve ser feita, o coeficiente de valorização da nossa moeda determina-se pelos números-índices publicados periòdicamente pelo Instituto Nacional de Estatística; na falta deles, o tribunal pode socorrer-se de quaisquer outros elementos de prova.

Lisboa, 4 de Dezembro de 1964. - Simões de Carvalho - Eduardo Tovar de Lemos - Gonçalves Pereira - Lopes Cardoso (vencido; votei que o assento se limitasse à hipótese do § 5.º do artigo 2107.º do Código Civil, por ser esse o único objecto do pedido, e votei que a actualização devia ser feita com base em todos os elementos de prova que se coligissem, não com base única ou principal nos números-índices) - Albuquerque Rocha (vencido. O § 5.º do artigo 2107.º do Código Civil estabelece apenas um princípio geral, simples critério de orientação a aplicar segundo a presente apreciação do julgador, atentas as circunstâncias particulares de cada caso.

Até porque, integrado entre as regras da colação, visa à igualação da partilha. Presume, pois, uma universalidade patrimonial que, por orientada a um fim determinado, deveria ter estado sujeita a um critério que unificaria a sua administração e aproveitamento.

Trata-se, enfim, de uma norma indeterminada, o que, aliás, é reconhecido pelo assento na parte em que manda decidir conforme as circunstâncias de cada caso.

Porém, impondo o recurso aos números-índices - havendo-os -, como critério único e irremovível, o assento tornou rígido e inflexível um preceito que o legislador quis fosse maleável.

O assento modificou a lei; não a interpretou e só isto competia ao tribunal.

Solução cómoda, por simplista, sem dúvida.

Mas tais soluções conduzem, por vezes, a iniquidades, como o seria, no caso presente, o recurso aos valores da libra-ouro, embora este critério durante muitos anos gozasse do favor da confiança e assegurasse uma certeza que o presente acórdão não reconhece aos números-índices) - Torres Paulo (vencido pelas razões do voto do Exmo. Conselheiro Lopes Cardoso. Tem voto de conformidade dos Exmos. Colegas Abrantes Tinoco, Toscano Pessoa Teixeira Botelho, João Caldeira, Fragoso de Almeida, Gomes de Almeida e Alberto Toscano e de vencido dos Exmos. Colegas Barbosa Viana e Ludovico da Costa) - Simões de Carvalho.

Está conforme.

Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Dezembro de 1964. - O Secretário, Joaquim Múrias de Freitas.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2469076.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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