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Acórdão Doutrinário , de 12 de Julho

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Sumário

Proferido no processo n.º 58252

Texto do documento

Acórdão doutrinário

Autos de agravo vindos da Relação do Porto. - Recorrentes para o tribunal pleno, António Pinto de Macedo e mulher. Recorrido, Banco Nacional Ultramarino.

Acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, em secções reunidas:

No agravo n.º 58252, em que foram recorrentes o Banco Nacional Ultramarino e António Pinto de Macedo e sua mulher, D. Maria Emília Cerqueira de Mesquita, e agravados os mesmos, proferido o Acórdão de 26 de Abril de 1960, a fl. 209 (Boletim n.º 96, p. 366), que concedeu provimento ao agravo do Banco e declarou, por isso, prejudicado o dos réus Macedo e mulher, pelo que dele não conheceu, e o Acórdão de 7 de Junho seguinte, a fl. 234, que incidiu sobre reclamação daquele aresto, vieram os ditos Pinto Macedo e mulher recorrer para o tribunal pleno, alegando que o Acórdão de 26 de Abril, ao decidir, como decidiu, que os prazos do artigo 70.º da lei uniforme sobre letras de câmbio são prazos de prescrição e interruptíveis nos termos do artigo 552.º do Código Civil, está em nítida oposição com o Acórdão de 22 de Abril do mesmo ano, proferido nos autos de agravo n.º 58272, que decidiu e julgou que os prazos daquele artigo 70.º são prazos de caducidade, que não podem ser interrompidos, a não ser pela apresentação da respectiva acção, nos termos do artigo 267.º do Código de Processo, sendo certo que ambos os acórdãos foram exarados no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito.

O Acórdão de 22 de Abril transitou em julgado.

A fl. 273 foi proferido o Acórdão da secção de 15 de Novembro de 1960, que decidiu ser manifesta a alegada oposição entre os dois citados arestos e mandou seguir o recurso para o tribunal pleno.

Apresentaram então os recorrentes a sua alegação, em que concluem que este tribunal deve manter, quanto a letras de câmbio e com relação ao artigo 70.º da lei uniforme, a orientação que sempre marcou, especialmente nos Acórdãos de 24 de Abril de 1951 (Boletim n.º 24, p. 354) e de 22 de Abril de 1960 (Boletim n.º 36, p. 361), concedendo inteiro provimento ao presente recurso e revogando o acórdão de fl. 209, que o de fl. 234 completa, por a respectiva acção ter sido apresentada em juízo contra os recorrentes, como endossantes, mais de um ano depois do vencimento e do protesto das letras em causa, e lavrar nos termos legais assento no sentido de que em face da lei portuguesa são de caducidade, e não de prescrição, os prazos marcados naquele artigo 70.º para a propositura das acções relativas a letras de câmbio.

O Banco combate esta tese dos recorrentes e pede, em conclusão, se mantenha o acórdão recorrido e que o assento a tirar seja no sentido de se considerarem de prescrição, e não de caducidade, os prazos em questão.

O ilustre representante do Ministério Público apresentou também as suas alegações, em que conclui que o conflito de jurisprudência deve ser solucionado declarando-se que são de prescrição das obrigações cambiárias os prazos fixados naquele preceito da lei uniforme, formulando-se para tanto o respectivo assento.

Cumpre conhecer do recurso.

O artigo 70.º da lei uniforme estabelece, conforme a posição assumida nas letras pelos respectivos firmantes, prazos curtos, que vão de seis meses a três anos, para a exigência judicial do pagamento das obrigações cambiárias.

A lei afastou-se, assim, neste ponto, das legislações anteriores sobre letras e livranças dos países signatários da Convenção, que fixavam, como o nosso Código Comercial no artigo 339.º, o prazo único de cinco anos para a exigência do pagamento da letra a qualquer dos obrigados cambiários.

Mas, ao contrário do código, que a esse respeito nada estabelecia, o artigo 71.º da lei uniforme dispõe que a interrupção da prescrição das acções relativas a letras só produz efeito em relação à pessoa para quem a interrupção foi feita.

Em face daquela omissão do código, era, porém, geralmente entendido entre aqueles que não consideravam o prazo quinquenal do artigo 339.º de caducidade que, à falta de regulamentação própria da lei mercantil, se devia recorrer às regras do Código Civil sobre a suspensão e a interrupção, por ser o direito civil subsidiário do comercial por força do determinado no artigo 3.º do Código de Comércio. Havia apenas que ressalvar o preceituado na segunda parte do artigo 339.º

É certo que Cunha Gonçalves, por exemplo, no seu Comentário ao Código Comercial, vol. II, p. 290, opinava que este artigo, pela forma como estava redigido, não permitia admitir qualquer suspensão da prescrição cambiária contra menores, incapazes e ausentes de Portugal em serviço da Nação e contra os militares em serviço activo em tempo de guerra.

Outros, porém, com Sá Carneiro (Da Letra de Câmbio na Legislação Portuguesa, p. 203), manifestavam-se pela afirmativa.

Este jurisconsulto entendia que a prescrição cambiária, salvo os casos contemplados no artigo, se suspendia ou interrompia nos termos da lei civil.

A opinião do Dr. Sá Carneiro foi revigorada com a lei uniforme sobre letras e livranças e acha-se até poderosamente reforçada com a douta argumentação do Doutor Pinto Coelho (Suplemento às Lições de Direito Comercial - As Letras, 2.ª parte, pp. 193 e seguintes).

Com efeito, este mestre de direito comercial entende que o princípio enunciado no artigo 71.º revela, em matéria cambiária, o carácter pessoal e relativo da excepção de prescrição e baseia-se precisamente no princípio da autonomia das obrigações cambiárias.

Relativamente, porém, à interrupção da prescrição da acção cambiária, aplicam-se «os demais preceitos estabelecidos sobre o assunto na legislação civil, isto é, as disposições dos artigos 552.º e seguintes do Código Civil, tanto no que respeita às causas de interrupção, como no que toca à disciplina dos seus efeitos».

Quanto à suspensão da referida prescrição, o Prof. Pinto Coelho também considera aplicáveis os princípios enunciados nos artigos 548.º e seguintes do Código Civil.

É certo que tanto o artigo 339.º do Código Comercial como o artigo 70.º da lei uniforme falam em acções relativas a letras que prescrevem nos apontados prazos, e este modo de dizer pode levar-nos a pensar que se trata de casos de caducidade, e não de prescrição, no seu verdadeiro sentido técnico.

Efectivamente, parece que não foi feliz a referência na lei uniforme a acções que prescrevam.

Já na plena vigência da matéria cambiária contida no Código Comercial a expressão em causa fora objecto de larga controvérsia.

Sá Carneiro, por exemplo (obra citada), reputava a prescrição da acção por não ser exercida dentro de certo prazo como um verdadeiro impossível jurídico, pela razão simples de que a acção, em face da moderna técnica, tem de incluir-se necessàriamente nas situações meramente objectivas, pois a acção é um mero poder legal, e como tal não pode prescrever. A prescrição limita-se a situações jurídicas subjectivas, aos direitos já exercidos.

No entanto, em seu critério, a redacção do artigo 339.º compreendia-se. O preceito derivara do artigo 189.º do Código Comercial Francês e em França dominava a corrente doutrinária que afirmava que, verificada a prescrição, subsistia um vínculo natural da obrigação.

Daqui entender-se que se apoiava nessa subsistência do vínculo natural da obrigação a doutrina de que era a acção que prescrevia.

Tal entendimento, porém, não tinha apoio no nosso direito positivo. Melhor seria dizer que a extinção da acção se operava por via imediata em razão de se ter extinguido pela prescrição o direito que ela se destinava a efectivar.

Com efeito, sabido que a prescrição extintiva é um modo de extinção dos direitos por inacção do seu titular durante o tempo determinado na lei, a própria acção para os exercer podia ser objecto da prescrição.

Segundo o nosso ordenamento jurídico, a prescrição constitui um verdadeiro modo de extinção dos direitos.

É apodítico que o direito substancial e a acção não se confundem, mas também é certo que a tutela judicial é uma nota imanente e essencial do direito. Uma vez perdida, perdido está o direito.

O problema que se põe ao tribunal - para não prolongarmos a questão - consiste em saber se os prazos fixados no artigo 70.º da lei uniforme são de prescrição ou de caducidade.

O acórdão recorrido decidiu que são de prescrição, seguindo, por isso, doutrina contrária à do indicado acórdão do Supremo que sustentou serem de caducidade.

Este velho problema, na verdade, há muito que carecia de ser definitivamente solucionado, pois as consequências resultantes da adopção ora de um ora de outro critério em casos idênticos eram de suma importância.

Não obstante o instituto da prescrição se relacionar estreitamente com o da caducidade ou decadência de direito, que têm lugar quando a lei ou a vontade dos particulares fixam um termo para a duração de um direito, de tal modo que decorrido esse termo já o direito não pode ser exercido, são profundas as diferenças entre os dois institutos.

A doutrina assinala a estas duas formas de extinção de direitos - caducidade e prescrição - características próprias.

Assim, enquanto a caducidade pode proceder de um acto jurídico privado ou da lei, a prescrição tem sempre a sua origem na lei.

Além disso, a finalidade da prescrição é dar por extinto um direito que, por não ter sido exercido pelo seu titular, se pode presumir que ele o abandonou. Na caducidade, a finalidade do instituto é fixar de antemão o tempo durante o qual um direito pode ser exercido ùtilmente.

Por isso, enquanto na prescrição se toma em consideração a razão subjectiva do não exercício do direito, isto é, a negligência real ou suposta do titular, na caducidade atende-se só ao facto objectivo da falta de exercício dentro do termo prefixado.

Daqui se infere que a prescrição extingue acções e direitos através de uma excepção, enquanto a decadência ou perempção opera a extinção de uma maneira directa e automática.

Isto significa, em última análise, que, se determinado prazo for de caducidade, o juiz há-de tê-lo forçosamente em conta [artigo 474.º, alínea c), do Código de Processo Civil].

Se, porém, esse prazo for de prescrição, então só o demandado o pode invocar, e invocando-o é que o juiz o terá em atenção para julgar extinto o direito que o autor se arrogou.

Outras características - e bem importantes elas são - a doutrina assinala os dois institutos.

Assim, na prescrição admitem-se causas de suspensão e interrupção, ao invés do que acontece na decadência, em que essas causas não têm influência precisamente porque em princípio o efeito extintivo é radical e automático, como resulta, v. g., dos artigos 145.º a 147.º do Código de Processo.

Em suma, os ensinamentos colhidos na doutrina levam-nos a concluir que não são aplicáveis à caducidade as regras da prescrição, nem directamente nem mesmo por via analógica.

Posto isto, vejamos se efectivamente o artigo 70.º se refere a prazos de prescrição ou de caducidade.

A controvérsia estabelecida no Supremo Tribunal tem sido grande.

Há arestos que têm decidido num e noutro sentido.

O acórdão recorrido entendeu que esses prazos são de prescrição, enfileirando, assim, na corrente doutrinária perfilhada também, por exemplo, no Acórdão de 7 de Outubro do mesmo ano (Boletim n.º 100, p. 577).

Mas o Acórdão de 22 de Abril de 1960 (Boletim n.º 96, p. 361), seguindo na esteira, por exemplo do de 24 de Abril de 1951 (Boletim n.º 24, p. 354), decidiu que os prazos do citado artigo 70.º são de caducidade.

A recente inclinação do Supremo para a doutrina da prescrição mostra-nos, na verdade, o melhor caminho para a solução definitiva do dissídio.

É certo que a lei fala, como vimos, em prescrição de acções relativas a letras, e este modo de dizer tem algumas vezes perturbado os julgadores.

No entanto, numa nova revisão do problema, somos forçados à conclusão de que a melhor doutrina é a do acórdão recorrido.

Como muito bem se frisa na Revista dos Tribunais, ano 78.º, p. 277, é hoje pacífico que os prazos para a propositura das acções são de caducidade.

Mas a questão é outra, no caso sub judice.

«O problema levantado pelo artigo 70.º da lei uniforme - diz a revista - é o de saber se ele, ao estabelecer a prescrição das acções, quis referir-se à prescrição das obrigações cambiárias.

Ora o artigo 71.º impõe a afirmativa ao dispor que a interrupção da prescrição só produz efeitos em relação à pessoa para quem a interrupção foi feita».

Já vimos que os prazos de caducidade não são susceptíveis de suspensão ou interrupção. Como diz a Revista dos Tribunais, o artigo 71.º basta para impor a afirmativa de que os prazos do artigo 70.º são verdadeiros prazos prescricionais, cujo decurso importa a extinção da própria relação jurídica cambiária, pelo que são aplicáveis tanto os princípios da lei geral como os da própria lei uniforme sobre a interrupção da prescrição.

A Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 93.º, p. 301, pela pena do seu ilustre colaborador Doutor Pinto Coelho, aplaude a corrente jurisprudencial que perfilha a tese da prescrição - tese que o dito professor considera fundada nos artigos 70.º e 71.º da lei e também no artigo 17.º do anexo II, onde se prescreve, além do mais, que a cada uma das altas partes contratantes compete determinar na sua legislação nacional as causas de interrupção e de suspensão da prescrição das acções relativas a letras que os seus tribunais são chamados a conhecer.

Ora o nosso país não promulgou nenhumas disposições internas a tal respeito porque a regulamentação da interrupção e da suspensão da prescrição já se achava feita no nosso Código Civil, artigos 552.º e seguintes e 548.º e seguintes.

De resto, a interpretação lógica dos citados artigos conjugada com o que se passou sobre o assunto na Conferência de Genebra não pode conduzir a outra solução.

No Acórdão de 26 de Abril de 1960 considerou-se - e, a nosso ver, bem - que os artigos 70.º e 71.º, como regras que são de uma convenção internacional, só devem sujeição aos critérios da nossa lei interna naquilo que essa convenção não tenha regulado especialmente e na medida em que tenha remetido para as nossas leis internas.

O que interessa, pois, saber não são - como se diz naquele Acórdão de 26 de Abril - as regras particulares do direito português que sirvam a distinção entre caducidade e prescrição extintiva, mas sim os princípios, critérios e regras da lei uniforme que Portugal se obrigou a adoptar como signatário da Convenção de Genebra.

A propósito do verdadeiro significado e alcance dos citados preceitos daquela lei e do artigo 17.º do anexo II são bastante elucidativos os n.os 145.º e 146.º do relatório da comissão de redacção, que dizem o seguinte:

N.º 145.º Variando segundo as legislações as causas de interrupção e de suspensão da prescrição, tinha-se proposto, para evitar conflitos de leis nesta matéria, substituir os prazos de prescrição por prazos de caducidade (déchéance), mas não sendo as mesmas nas diversas legislações as diferenças entre a prescrição e a caducidade objectou-se que as consequências desta substituição não seriam claras e que a questão reclamaria exame mais profundo.

A Conferência decidiu assim ater-se à noção de prescrição.

N.º 146.º Por outro lado adoptou-se uma reserva no artigo 17.º do anexo II.

Do que fica exposto se mostra, pois, que a lei, quando se refere à prescrição das acções, quer, em conclusão, dizer na sua tradicional expressão - e dissemos tradicional porque já era adoptada pelo artigo 339.º, preceito que tinha as suas raízes no Código Comercial Francês e mesmo em outras legislações estrangeiras, como o Código Italiano - que a prescrição da acção envolve a prescrição da obrigação cambiária.

Como elucida ainda o Prof. Pinto Coelho, «a palavra prescrição é empregada no seu sentido técnico, e se se alude à prescrição da acção, isso deriva ùnicamente de que, extinta pela prescrição a obrigação, prejudicada fica a acção que é simples meio de exigir o seu cumprimento».

A doutrina que fica defendida tem também o aplauso do Prof. Doutor Vaz Serra, como pode ver-se no seu magistral trabalho «Prescrição extintiva e caducidade», publicado no Boletim, n.os 105 a 107, onde trata especialmente do assunto em causa a p. 234 do n.º 106.

Por todos estes fundamentos se nega provimento ao recurso, se confirma o acórdão recorrido e se firma o seguinte assento:

Os prazos fixados no artigo 70.º da lei uniforme sobre letras de câmbio são de prescrição, sujeitos a interrupção nos termos do artigo 552.º do Código Civil.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 12 de Junho de 1962. - Ricardo Lopes - Amorim Girão - Amílcar Ribeiro - Bravo Serra - Alfredo José da Fonseca - Eduardo Coimbra - Fernando Toscano Pessoa - José Osório - Gonçalves Pereira - Cura Mariano - Alberto Toscano - Arlindo Martins - José Meneses - Barbosa Viana - Lopes Cardoso (votei apenas a doutrina do assento pròpriamente dito).

Está conforme.

Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 30 de Junho de 1962. - O Secretário, Joaquim Múrias de Freitas.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2468188.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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