Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 1/2009
Acordam no pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I - Relatório
Maria da Graça Nave, com melhor identificação nos autos, veio interpor recurso, para uniformização de jurisprudência, do Acórdão da 2.ª Subsecção do 2.º Juízo da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul de 25 de Maio de 2008, que negou provimento ao recurso por si deduzido da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, de 22 de Março de 2007, que julgou extinta a instância, por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, na acção administrativa especial que intentou contra o director do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social de Castelo Branco e o presidente do conselho de gestão do Fundo de Garantia Salarial.Invocou como fundamento da oposição o Acórdão do mesmo Tribunal de 4 de Outubro de 2007 proferido no recurso n.º 2784/07, cuja junção aos autos se ordenou.
Alegou, apresentando as seguintes conclusões:
a) O presente recurso jurisdicional para uniformização de jurisprudência vem interposto do douto acórdão de fls. ... que confirmou a decisão recorrida;
b) O Tribunal a quo errou ao não fazer correcta aplicação das normas jurídicas de que se serviu para confirmar a decisão posta em crise, pois, as mesmas deviam ter uma interpretação diversa;
c) O presente processo integra um conjunto de processos em massa no qual foi escolhido o processo 98/04 para encabeçar tal processo, tendo o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul aí julgado a incompetência dos tribunais administrativos em razão da matéria e, por isso, revogou a sentença recorrida;
d) Este processo transitou para a jurisdição do Tribunal de Trabalho da Covilhã que se considerou também incompetente em razão da matéria, sentença que foi confirmada pela Relação de Coimbra;
e) Verificando-se assim um conflito negativo de competência;
f) À data em que foi prolatada a sentença posta em crise pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que declarou a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide ainda não estava dirimido o conflito de competência que apenas ocorreu em 14 de Julho de 2007;
g) A decisão proferida pelo tribunal de conflitos, relativamente ao conflito negativo de competência, deverá ter repercussão em todos os processos apensados e, nomeadamente, no presente;
h) Só após a pronúncia de tal decisão transitada em julgado e no caso dos tribunais administrativos virem a ser declarados competentes em razão da matéria, as partes nos processos suspensos são imediatamente notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 48.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
i) Dado que o tribunal de conflitos à data da prolação da sentença ainda não se havia pronunciado, de igual forma não foi a recorrente notificada nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 48.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e, consequentemente, não tomou qualquer iniciativa processual face à inexistência de tal notificação;
j) Violou assim a decisão recorrida o artigo 48.º, n.º 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e o artigo 287.º do Código de Processo Civil. Termos em que, e nos mais de direito, deve o presente recurso jurisdicional de uniformização de jurisprudência ser admitido por se encontrarem reunidos os requisitos para tal, nos termos do n.º 1, alínea a), do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e ser julgado procedente, concedendo-lhe provimento e revogando o douto acórdão proferido nos presentes autos que negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida. Assim se fazendo a costumada justiça.
Os recorridos e o Ministério Público nada disseram.
Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre decidir.
II - Factos
Matéria de facto dada como assente no Tribunal Central Administrativo:a) Os presentes autos correram termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, segundo o regime dos processos em massa estatuído no artigo 48.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
b) No processo seleccionado, em que era A. Olga Maria Teixeira Fernandes, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco proferiu acórdão, já transitado em julgado, pelo qual foi a acção julgada improcedente;
c) Desse acórdão foi interposto recuso, para este Tribunal, pela ora recorrente e por vários outros AA. das acções cuja tramitação havia sido suspensa;
d) Neste Tribunal foi ordenado que os vários recursos fossem tramitados segundo o regime dos processos em massa estatuído no artigo 48.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, tendo sido seleccionado o processo 864/05, em que era recorrente Laurinda Maria Lopes Tanganho;
e) Nesse processo seleccionado, foi, por este Tribunal, proferido acórdão, que transitou em julgado, e onde se decidiu «declarar a incompetência dos tribunais administrativos, em razão da matéria, para apreciar a presente acção administrativa especial e em revogar a sentença recorrida»;
f) Tendo o processo referido na alínea anterior sido remetido ao Tribunal de Trabalho da Covilhã, foi por este proferida decisão a declarar-se incompetente, em razão da matéria, para dele conhecer;
g) A decisão referida na alínea anterior foi confirmada por Acórdão da Relação de Coimbra de 20 de Abril de 2006, já transitado em julgado;
h) Na sequência dos acórdãos referidos nas alíneas e) e g), o tribunal de conflitos, por Acórdão de 14 de Junho de 2007, decidiu «atribuir aos tribunais administrativos a competência para a acção»;
i) A recorrente foi notificada do acórdão aludido na alínea e) «nos termos e para os efeitos dos artigos 48.º, n.º 5, e 147.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos», através de carta registada enviada em 10 de Agosto de 2005.
III - Direito
1 - De acordo com o preceituado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência são os seguintes: a) que exista contradição entre acórdão do Tribunal Central Administrativo e outro acórdão anterior, do mesmo Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo ou entre acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo; b) que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito; c) que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão impugnado e do acórdão fundamento; d) que a orientação perfilhada no acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada no Supremo Tribunal Administrativo. Por outro lado, mantêm-se os princípios que vinham da jurisprudência anterior (da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos) segundo os quais: i) para cada questão relativamente à qual se pretenda ocorrer oposição deve o recorrente eleger um e só um acórdão fundamento; ii) só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; iii) é pressuposto da oposição de julgados que as soluções jurídicas perfilhadas em ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - respeitem à mesma questão fundamental de direito, devendo igualmente pressupor a mesma situação fáctica; iv) só releva a oposição entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos ou argumentos de outro.2 - Pretende a recorrente que os arestos em confronto - ambos transitados em julgado - decidiram de forma oposta a seguinte questão: qual o momento em que deve cumprir-se o disposto no n.º 5 do artigo 48.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos? Como aí se diz:
«Quando, no processo seleccionado, seja emitida pronúncia transitada em julgado e seja de entender que a mesma solução pode ser aplicada aos processos que tenham ficado suspensos, por estes não apresentarem qualquer especificidade em relação àquele, as partes nos processos suspensos são imediatamente notificadas da sentença, podendo o autor nesses processos optar, no prazo de 30 dias, por:
a) Desistir do seu próprio processo;
b) Requerer ao Tribunal a extensão ao seu caso dos efeitos da sentença proferida, deduzindo qualquer das pretensões enunciadas nos n.os 3, 4 e 5 do artigo 176.º;
c) Requerer a continuação do seu próprio processo;
d) Recorrer da sentença, se ela tiver sido proferida em 1.ª instância.» A situação de facto subjacente a ambos os arestos é idêntica e assenta nos seguintes factos, que se alinham pela sua ordem cronológica:
i) Qualquer dos processos correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, segundo o regime dos processos em massa estatuído no artigo 48.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
ii) No processo seleccionado, em que era autora Olga Maria Teixeira Fernandes, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco proferiu acórdão, transitado em julgado, no qual a acção foi julgada improcedente;
iii) Desse acórdão foi interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo, por ambas as recorrentes e por vários outros autores das acções cuja tramitação havia sido suspensa por força do regime jurídico dos processos em massa;
iv) Nesse Tribunal foi ordenado, igualmente, que os vários recursos fossem tramitados segundo o regime dos processos em massa, estatuído no artigo 48.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, tendo sido seleccionado o processo 864/05 em que era recorrente Laurinda Maria Lopes Tanganho;
v) Nesse processo foi proferido acórdão, em 13 de Julho de 2005 (fls.... dos autos), que transitou em julgado, e onde se decidiu «declarar a incompetência dos tribunais administrativos, em razão da matéria, para apreciar a presente acção administrativa especial e em revogar a sentença recorrida»;
vi) Ambas as recorrentes foram notificadas desse aresto, em Agosto de 2005 (fls....), nos seguintes termos: «Fica por este meio notificada V. Ex.ª de todo o conteúdo do acórdão de que junto se envia cópia e, ainda, nos termos e para os efeitos dos artigos 48.º, n.º 5, e 147.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos» (fls....);
vii) Na sequência dessa notificação e por que as autoras não tivessem reagido nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado foram emitidas sentenças, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, Tribunal para onde haviam sido, entretanto, remetidos os respectivos processos, a declarar extintas as instâncias, por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, pelo facto de nenhuma delas ter reagido na sequência daquela notificação;
viii) Delas foi interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, Tribunal que se pronunciou nos termos do acórdão recorrido e do acórdão fundamento;
ix) Tendo o processo referido na alínea v), o chamado, até então, processo seleccionado, sido remetido ao Tribunal do Trabalho da Covilhã, foi aí proferida decisão, em 12 de Outubro de 2005 (fls....), a declarar-se incompetente em razão da matéria para dele conhecer;
x) Tal decisão foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20 de Abril de 2006 (fls....), também transitado em julgado;
xi) Na sequência dos acórdãos referidos nos pontos v) e x), o tribunal de conflitos, por Acórdão de 14 de Junho de 2007, decidiu «atribuir aos tribunais administrativos a competência para a acção»;
xii) Não se conhece nem o momento nem as circunstâncias em que o recurso para esse tribunal foi interposto.
Resulta desses arestos que, perante a mesma base factual, foram emitidas pronúncias antagónicas: uma, a do acórdão recorrido, no sentido de que, na sequência do acórdão do Tribunal Central Administrativo supra-referido, e da notificação que para os efeitos do artigo 48.º, n.º 5, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos foi dirigida à autora, devido à sua inacção a instância se extinguira, outra, a do acórdão fundamento, no sentido de que a decisão que ordenara a notificação era nula uma vez que o momento para a efectivar só começaria a correr, não naquela altura, mas somente após a pronúncia do tribunal de conflitos para onde fora interposto recurso, para resolução do conflito negativo, no processo a que todos os outros estavam agregados de acordo com o regime dos processos em massa.
3 - Vejamos então. O artigo 48.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos veio introduzir no contencioso administrativo uma forma processual específica para tratar um conjunto alargado de processos (mais de 20), nos termos e condições ali previstos. No essencial, visa-se tramitar um único processo em condições especiais ficando os restantes a aguardar o seu desfecho podendo os respectivos titulares, posteriormente, seguir um dos diversos caminhos previstos no seu n.º 5. Trata-se, portanto, de um expediente processual novo, a operar exclusivamente no âmbito do contencioso administrativo, determinado pelo presidente do tribunal para imprimir maior celeridade (segue o regime dos processos urgentes) e uniformidade na decisão (intervêm na decisão todos os juízes do tribunal), em processos autónomos mas instaurados com objectivos substancialmente idênticos. Este conjunto de características deixa-nos perceber, desde já, que o recurso não pode obter provimento. Com efeito, evidencia-se, claramente, que sendo este «processos em massa» uma via processual específica do contencioso administrativo essa via terá de ficar inoperacional com o passamento em julgado do aresto que decide pela incompetência dos tribunais administrativos em razão da matéria. Por outras palavras, com o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Central Administrativo a declarar a incompetência dos tribunais administrativos, a teia processual constituída com a instituição do regime dos «processos em massa» desfaz-se, definitivamente, uma vez que a instância na jurisdição administrativa finda. Quando o processo seleccionado, aquele em que efectivamente se declarou a incompetência, foi remetido ao Tribunal do Trabalho da Covilhã (em tempo e circunstâncias que não são conhecidos), já não existe essa modalidade processual, e, portanto, cada um dos processos desapensados só poderia seguir impulsionado pelo respectivo autor, optando por uma das possibilidades contempladas no n.º 5 do referido artigo 48.º Assim, tendo em consideração o sentido desse acórdão do Tribunal Central Administrativo, perante a notificação, cada uma das autoras só poderia tomar uma destas opções: desistir do seu processo [alínea a)], requerer a extensão ao seu caso dos efeitos do aresto [alínea b)] requerendo, de seguida, a remessa ao Tribunal do Trabalho e imprimindo-lhe, posteriormente, os impulsos processuais necessários para conseguir uma decisão que decidisse, definitivamente, qual o tribunal competente, ou, finalmente, nada fazer, como efectivamente sucedeu, deixando extinguir a instância.
De resto, a solução seria precisamente a mesma, e até já operou nestes autos, se a decisão passada em julgado pressupusesse a competência dos tribunais administrativos. Sempre com base na regra de que a tramitação dos «processos em massa» só ocorre até à emissão de decisão firme - ainda que proferida em 1.ª instância. Foi justamente com base neste entendimento que se deixou de seguir o regime dos «processos em massa» com o trânsito em julgado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal proferida no processo em que era autora Olga Maria Teixeira Fernandes [alíneas b) e c) dos factos provados]. Observe-se que qualquer das autoras, do acórdão recorrido e do fundamento, recorreram autonomamente no processo a que os seus estavam adstritos [utilizando o direito de recorrer conferido pela alínea d) do n.º 5 do artigo 48.º], uma vez que a autora desse processo não impugnou a decisão que julgou improcedente a acção.
Ainda poderia figurar-se, em abstracto, uma brecha nesta construção jurídica: na hipótese de os autores dos processos suspensos requererem, nos respectivos processos, a suspensão da instância [artigos 276.º, n.º 1, alínea c), e 279.º do Código de Processo Civil) até que a questão da competência viesse a ser definitivamente decidida no processo seleccionado (e vissem esse pedido deferido). Tal, todavia, não sucedeu.
III - Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em negar provimento ao recurso, e, em consequência, em confirmar o acórdão recorrido.Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 unidades de conta.
Publique-se (artigo 152.º, n.º 4, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Lisboa, 27 de Novembro de 2008. - Rui Manuel Pires Ferreira Botelho (relator) - José Manuel Silva Santos Botelho - Rosendo Dias José - Maria Angelina Domingues - João Manuel Belchior - Jorge Manuel Lopes de Sousa - Alberto Acácio de Sá Costa Reis - Adérito da Conceição Salvador dos Santos - Jorge Artur Madeira dos Santos - António Bento São Pedro - António Políbio Ferreira Henriques - Fernanda Martins Xavier e Nunes - José António de Freitas Carvalho - Edmundo António Vasco Moscoso.