Parecer 7/2004. - Apreciação do Plano Nacional de Prevenção do Abandono Escolar "Eu não desisto":
Preâmbulo
No uso das competências que por lei lhe são conferidas e nos termos regimentais, após apreciação do projecto de parecer elaborado pelas conselheiras relatoras Dr.ªs Ana Teresa Penim, Paula Santos e Jacinta Paiva, o Conselho Nacional de Educação (CNE), na sua reunião plenária de 8 de Julho de 2004, deliberou aprovar o referido projecto, emitindo, assim, o seu 4.º parecer no decurso do ano de 2004.
Introdução
No passado dia 7 de Abril, o Plano Nacional de Prevenção do Abandono Escolar (PNAPAE) foi apresentado publicamente como um plano de acção da iniciativa do Governo, da responsabilidade conjunta dos Ministérios da Educação e da Segurança Social e do Trabalho.
Com particular incidência no nosso país, o abandono escolar é um problema grave e recorrente, a que é necessário e urgente fazer face e de que as sociedades democráticas não podem alhear-se. Saúda-se, pois, que tenha sido recolocado na agenda política.
No entanto, a natureza do Plano, o seu conteúdo e, em especial, o modo como foi preparado e apresentado parecem revelar uma certa precipitação. Ao privilegiar o anúncio mediático do "ataque ao problema", apresenta-se um documento não isento de ambiguidades, quer quanto à sua natureza (um relatório técnico de um grupo de trabalho interministerial, intitulado como Plano, mas sem responsáveis; um conjunto de recomendações, ao invés de compromissos claros), quer quanto às suas finalidades (combater o abandono que impede o cumprimento da actual escolaridade básica? promover a escolaridade alargada de 12 anos?), sem uma avaliação sólida das intervenções e programas já desenvolvidos entre nós e tributário de uma perspectiva centralizadora, no método e nas soluções apontadas. Esqueceu-se, sobretudo, a participação e o envolvimento prévios de actores fundamentais, sendo difícil não discernir uma reacção mais ou menos generalizada de alguma indiferença, um certo sentimento de descrença e o cepticismo com que o Plano foi recebido. Um processo de mobilização para a mudança de realidades, que persistem e parecem resistir a uma evolução que se desejaria mais rápida, como pretende este Plano, não pode deixar de considerar este contexto de impotência com matizes de lassitude (Perrenoud, 1999), sob pena de comprometer a eficácia dos objectivos visados.
Mas a seriedade do problema não autoriza ninguém a desistir e, por isso, o Conselho Nacional da Educação deseja participar neste "esforço colectivo" que o Plano pretende mobilizar e contribuir de forma positiva para o seu enriquecimento e operacionalização, aproveitando o facto de se tratar de uma "versão formatada, mas não finalizada". Assim, na linha das iniciativas já levadas a cabo pelo CNE (refira-se, em especial, a recomendação 1/98, "Abandono precoce da escolaridade obrigatória e ingresso na vida activa", o estudo "Identificação de riscos educativos no ensino básico", publicado em 2003, bem como um estudo sobre "Medidas a tomar no 1.º ciclo do ensino básico que potenciem uma diminuição da retenção e do abandono escolar precoce" actualmente em curso) e tendo em conta os contributos a este propósito emitidos pelos conselheiros, a título individual e através da reflexão empreendida pelas comissões especializadas, propomo-nos, antes de mais, contribuir para a discussão pública do problema do abandono, para uma tomada de consciência mais aprofundada e para a definição de políticas que permitam a redução progressiva do problema.
Tendo-se optado por não efectuar uma apreciação exaustiva do PNAPAE, cotejando todas as suas componentes e medidas propostas, este parecer é enunciado em torno de algumas ideias de força, a partir das quais se tecem comentários e fazem sugestões relativamente a alguns aspectos ou medidas do Plano consideradas mais pertinentes.
1 - O abandono - Um problema de desenvolvimento; um problema de política educativa
Antes de mais, uma referência à necessidade de clarificar o objecto do Plano. Se, à primeira vista, de abandono se trata, uma parte significativa das questões colocadas são-no na perspectiva da promoção da escolaridade alargada de 12 anos. Se bem que complementares e com raízes comuns, os contornos do problema, os grupos que o vivem, os actores determinantes e as estratégias que é necessário adoptar são, seguramente, específicos. No actual contexto e estado de desenvolvimento que nos caracteriza, a prevenção e a remediação do abandono precoce revestem-se de uma preocupante "gravidade social" e, portanto, de notória prioridade. Neste sentido, em nosso entender, importaria ser mais selectivo e centrar o PNAPAE, de modo mais claro, nesta última vertente.
O abandono, sem qualificações, do sistema de educação e formação, constitui um problema social multipolar e complexo, que não pode reduzir-se a um problema escolar. Trata-se de um problema de desenvolvimento que remete para expectativas, modos de conceber e valorizar o papel da escola e do trabalho e recursos sócio-económicos. E este desenvolvimento económico e social continua, hoje, com matizes territoriais significativamente distintos, a condicionar os resultados educativos, atrofiando uma componente decisiva da cidadania, de integração social e democrática, e não só de integração na vida activa ou laboral.
A este propósito, refira-se que o documento apresentado, se bem que reconhecendo o carácter complexo e multidimensional do fenómeno, acaba por enfermar de um certo viés, de que o seu título - "Eu não desisto" - é expressão, colocando um enfoque excessivo no "aluno em risco", no aluno que desiste. A compreensão do problema e a tentativa de o solucionar não poderão deixar de ter em conta a responsabilidade individual, as concepções, opções e estratégias prosseguidas pelos que abandonam, mas não nos parece correcto o acento subjacente ao PNAPAE. "Para além das causas a que, directa ou indirectamente se reporta, o abandono é sinal de uma múltipla desistência: dos alunos, dos pais e dos empregadores no contexto de uma cultura desvalorizadora da escola e compatível com a entrada precoce no mercado de trabalho, e da escola, com a sua dificuldade de acolher e trabalhar com as franjas sociais mais refractárias" (CCRN, 1996, pp. 116).
Apesar de as causas do fenómeno não radicarem exclusivamente na escola, é possível e desejável interagir e intervir também a partir dela, considerando as restantes vertentes. O abandono é um problema de desenvolvimento, mas que em tudo diz respeito à escola e aos dispositivos de educação/formação que aqui desempenham um papel central. Exigindo actuação em muitos campos e níveis, trata-se de um problema em relação ao qual se podem encontrar algumas linhas estratégicas de intervenção a partir do contexto educativo. Não o fazer põe em risco o cumprimento dos seus próprios fins. Ao fazê-lo dever-se-á ter em devida conta as condicionantes sociais que possibilitam ou dificultam o sucesso educativo, o que passará, nomeadamente, por reforçar a intervenção pela via do apoio económico e social aos alunos e suas famílias.
2 - Conhecer melhor os problemas no seu contexto e avaliar as intervenções
Reconhecemos no diagnóstico efectuado no PNAPAE e no modo de colocar o problema um esforço louvável e globalmente pertinente, nomeadamente no que se refere à caracterização estatística recente e à revisão de literatura sobre a questão. Contudo, parece-nos que o documento não aproveita devidamente alguns estudos já realizados entre nós (não muitos, é certo ...) ou em contextos sócio-culturais mais próximos da nossa realidade e revela-se limitado na capacidade de ultrapassar um certo enunciar de questões justapostas. Valeria a pena, por isso, aprofundar a articulação e a interpretação dos factores identificados, numa síntese que se aproxime mais de um modelo conceptual capaz de orientar eficazmente a acção.
Aprofundar os factores diferenciais associados aos territórios e ao género, valorizar de forma mais adequada questões como a pobreza, a marginalidade, as deficiências e as necessidades educativas especiais, bem como clarificar a associação desistência/repetência, são algumas pistas a explorar.
Não conhecemos suficientemente o problema, há que recordar. O PNAPAE e a generalidade dos estudos realizados em Portugal sobre esta matéria chamam a atenção, antes de mais, para a fragilidade do sistema estatístico e para as limitações da recolha sistemática de dados pertinentes e fiáveis. É necessário conhecer melhor os problemas no terreno, apoiar a investigação contextualizada e os esforços de implementação de sistemas de monitorização/acompanhamento dos percursos de grupos de alunos.
Algo de semelhante faz falta, também, no que toca às intervenções e tentativas implementadas para prevenir e remediar o abandono.
Uma das limitações mais sérias deste Plano reside, exactamente, neste ponto. Apresenta-se uma resenha histórica de uma miríade de soluções, programas e diplomas, que se foram sucedendo ou que já estão previstos noutros planos em curso (PNE, PNAI, ...), alguns sem qualquer pertinência ou impacte potencial verosímil sobre a redução do abandono, sem que se realce o que resultou de positivo e negativo e sem que se perceba porque se deram por findas algumas intervenções. Este balanço qualitativo não é feito, não só porque são escassos os estudos que o permitam realizar mas também porque se desvalorizam alguns que apesar de tudo existem, como é o caso dos estudos realizados a propósito dos dois programas paradigmáticos, o PIPSE e o PEPT (Ferrão, 1992; idem, 1995), ou outros mais recentes (Ferrão e Honório, 2000). A isto não é alheia uma cultura do "curto prazo" e dos ciclos eleitorais que, convenhamos, Governos vários têm tido dificuldade em ultrapassar. Igualmente a este nível importa, pois, investir mais na avaliação regular, na identificação do que já funcionou com melhores resultados, numa aprendizagem colectiva que vá acumulando o saber e permitindo a sustentação das medidas consideradas mais eficazes.
Por outro lado, os estudos globais não dispensam, mas enquadram a análise que deve ser feita em cada escola/agrupamento/município.
3 - Aprofundar, aos diversos níveis (escola, município, país) a reflexão sobre o sentido, a utilidade e as finalidades da educação básica e secundária.
O abandono constitui-se como problema no confronto entre a realidade que temos e as finalidades que nos fixarmos.
Importa reconhecer que nos deparamos com a dificuldade de enunciar finalidades colectivas e comuns para a frequência escolar. Após apresentar dados interessantes sobre a utilidade da escola, o Plano conclui:
"O significado de estudar, e de estar na escola, não é um dado adquirido, é muito mais uma construção de cada aluno, reforçada no grupo. E essa construção é tão mais adequada e equilibrada quanto melhor situado e posicionado o aluno estiver na escola. Isto é: quanto mais útil for a percepção dos estudos; quanto mais familiar for a Escola, e quanto mais esta proporcionar a concretização das aspirações.
Pelo contrário, os alunos mal posicionados, com retenções, com dificuldades académicas e ou disciplinares, não perspectivam a escola como útil, sentem que esta lhes impõe uma barreira e que não vai de forma nenhuma ao encontro daquilo que gostam." (P. 26.)
Como pode então a escola ter sentido para todos? O relatório avança pouco nessa reflexão. É necessário e é possível ir mais além.
Na realidade, a escola e as instituições de formação vêem-se confrontadas com os seus limites seja pela evolução da família, que oferece oportunidades de crescimento e de acompanhamento muito desiguais, seja pelas mudanças no mundo das profissões e dos empregos, que puseram em crise a relação directa entre o nível de escolaridade e o nível do posto de trabalho acessível. Nos horizontes de crescimento das crianças e dos jovens de hoje desenha-se um futuro muito incerto.
As representações sociais sobre a escola, designadamente as expressas nos media, são múltiplas e contraditórias. A sociedade confronta os adolescentes com mensagens desencontradas e desconexas, sendo necessário acompanhá-los no seu esforço de decifração e integração. Esta multiplicidade de ideias e a disparidade de interesses são expressões do pluralismo e da diversidade, o que deve ser valorizado positivamente.
A aplicação prática dos princípios gerais de declarações universais e de definições constitucionais como base de referência não implica, necessariamente, uma escola igualitária. Temos uma população heterogénea que exige uma escola diversa, estratégias de educação e de relação pedagógica diferenciadas.
É importante não iludir a questão política (no seu sentido mais amplo e nobre da construção da cidade), reafirmando os princípios políticos de organização do Estado democrático e de uma escola inclusiva. Que lições práticas de democracia e de justiça dão as nossas escolas com o insucesso e o abandono? A emergência do insucesso escolar como problema social sucede, perto de meio século mais tarde, "uma outra configuração ideológica: ao mesmo tempo, menos resistência ao princípio da educação para todos e maior cepticismo em relação às hipóteses de lá chegar" (Perrenoud, 1999).
Há, de facto, demasiada conformação com o insucesso e o abandono nas escolas, demasiado espartilhamento de responsabilidades, demasiados entraves a soluções inovadoras, demasiada inércia organizativa, falta de apoio. A questão estará nas políticas e na dotação de meios para concretizar os princípios, mas não esqueçamos que, como sustenta Neil Postman (2002, p. 33): "A questão essencial não se encontra nos computadores, nos exames, na avaliação dos professores, na dimensão das turmas ou noutros aspectos da gestão das escolas. A questão reside em dois pontos: a existência de narrativas partilhadas e a capacidade destas narrativas para darem um sentido inspirador à educação".
O modelo europeu e o "Programa de trabalho sobre objectivos futuros dos sistemas de educação e formação 2010", concebido na sequência da definição da Estratégia de Lisboa (CE, 2002), a reflexão proposta pela UNESCO no âmbito da resolução "Educação para todos" (UNESCO, 1999) poderão ser quadros de referência globais a ter em conta.
Esclarecer, debater e formar consensos, definir objectivos claros para cada ciclo de estudos são condições essenciais se quisermos ir para além de ratificar dificuldades ou introduzir exames, sem que saibamos bem o que é suposto adquirir e avaliar. Para que estes consensos sejam bem sucedidos importa conseguir que o debate seja esclarecido e generalizado, implicando e fazendo intervir activamente os vários interlocutores (escola, famílias, empresas, associações, autarquias, Administração). Nesse sentido, a par da importante e necessária realização de campanhas de sensibilização e promoção da escolaridade de 12 anos e de valorização do ensino profissionalizante, com recurso aos meios de comunicação social que o PNAPAE prevê, importa que estas iniciativas não se limitem a acções pontuais, como habitualmente acontece, encontrando-se formas continuadas, diversificadas e renovadas de debater e manter a questão na "agenda social", numa dinâmica de compromisso colectivo para e na acção.
4 - Desafiar, apoiar e responsabilizar as escolas
As escolas são as instituições que estão tanto no epicentro do fenómeno do acolhimento social de cada cidadão, como no epicentro do abandono, no que se refere à sua detecção e até à sua remediação. Precisando as escolas de se dotar desta preocupação nuclear, precisam também de poder afectar os recursos necessários para enfrentar o problema, sendo incentivadas a integrar-se em redes sociais locais devidamente articuladas. É preciso por isso enriquecer muito as escolas, tornando-as responsáveis primeiras pela prevenção do abandono e pela detecção das suas causas, apostando na qualidade dos seus profissionais para, localmente, se encontrarem as melhores soluções para cada caso.
Só num quadro de autonomia e de liberdade é que as escolas e a inteligência técnico-pedagógica que as povoa podem analisar os problemas e remediar os potenciais abandonos, em cooperação com a comunidade. Ora, não são 10 ou 20 medidas concebidas fora das escolas e dos seus recursos, deixando-as na margem das soluções, longe do que localmente se passa, que vão ter a eficácia social esperada, até 2010. Esta é uma questão que o documento omite, mas que é nuclear. Grande parte das medidas que os professores querem adoptar nas escolas, face aos problemas de abandono iminente, medidas por si construídas num quadro de autonomia e de responsabilidade, nem sempre encontram o melhor acolhimento, sendo muitas vezes inviabilizadas pela administração educativa.
Para além disso, um plano de combate ao abandono escolar, de promoção da integração na escola, da atribuição de sentido de utilidade e de vocação à escola, de valorização social da escola e da escolaridade deverá, antes do mais, incentivar os estabelecimentos de ensino a enfrentarem e a introduzirem mudanças profundas naquilo que é mais crucial ao seu funcionamento: as suas práticas pedagógicas e a sua organização interna (por exemplo, questionando as opções habituais de afectação de recursos - os professores mais experientes para as turmas com mais dificuldades na formação de turmas, na organização dos espaços e dos tempos).
A este respeito o PNAPAE é muito pouco incisivo, debruçando-se sobre um conjunto de recomendações que não chegam a tocar o coração da escola, e que correm o risco de não atacar o cerne do problema. Por outro lado, esta orientação desperdiça também a oportunidade de incentivar a escola a reforçar a sua autonomia, a reinventar e a refrescar as suas formas de trabalhar e a sua organização.
Mais que determinar, por decreto, um conjunto de medidas que "todas" as escolas devem concretizar, faz sentido desafiá-las a tomar consciência dos contornos do problema, a definir estratégias, a identificar os meios e recursos necessários à sua superação e a pedir apoio para a concretização dos projectos, nomeadamente candidatando-se a instrumentos de financiamento disponíveis ou a disponibilizar.
Assim, as escolas deveriam ser desafiadas a formular projectos educativos que fossem além do copiar das generalidades dos preâmbulos das leis, sem alcançarem uma aplicação desses princípios à sua realidade. Para além de estar subordinado aos princípios de uma educação inclusiva, o projecto educativo de cada escola ou agrupamento deverá prever: uma componente explícita de prevenção do abandono, que integrasse o diagnóstico (dados de referência); as questões essenciais, estratégicas; a definição das metas para a escola; a mobilização da escola e dos pais, na procura de respostas e de apoios na comunidade.
Ao emergir da reflexão desenvolvida no seio da escola, o projecto educativo assume um sentido próprio, facilitando a identificação e coesão de toda a comunidade educativa em torno da sua identidade institucional, da sua visão, missão, valores, cultura e prática organizacional.
Neste sentido, é necessário apoiar as escolas e estimular a emergência de competências científicas necessárias a uma melhor compreensão dos problemas e mais adequada identificação das acções a empreender. Regra geral, as escolas precisam de investigar e aprender mais sobre o meio onde estão inseridas, sobretudo o meio sócio-económico-cultural que os alunos transportam consigo, sobre as dificuldades na aprendizagem, sobre as metodologias mais adequadas.
Tendo esta perspectiva como pano de fundo e de referência, vale a pena considerar, mais concretamente, algumas medidas preconizadas pelo PNAPAE e mais directamente associadas à intervenção das escolas.
É importante cuidar das condições físicas e organizacionais que proporcionam uma escola acolhedora e integradora, nomeadamente apostando no acompanhamento dos alunos. A opção pela "criação" da figura do tutor escolar, poderá ter vertentes positivas, mas pode significar também uma especialização de preocupações e de ocupações que devem ser de todos. Mais vantagem veríamos na "recriação" da figura do director de turma, enquanto orientador educativo (já existente em tantos projectos educativos) que assumisse de forma clara este "mandato", com condições efectivas para o desempenhar. Nos termos propostos, corre-se o risco de desmotivar quem tem desempenhado esta função, de conflituar com outras figuras (psicólogo, director de turma) e dispositivos previstos (PETI, CASES), de ser encarada pela comunidade escolar como uma medida desligada do dia-a-dia e, em especial, de se tornar fonte de estigmatização dos alunos "problemáticos" ou em risco que é suposto acompanhar.
Como se alude adiante, o desenvolvimento de um programa de formação de professores, centrado nas temáticas da educação para o risco, do abandono escolar e da gestão comportamental da sala de aula parece colocar a atribuição causal do problema no jovem. Seria interessante e adequado evidenciar a responsabilidade da escola, dos seus colaboradores docentes e não docentes relativamente à obrigação de, partindo de um projecto educativo consistente, criarem uma escola acolhedora, uma equipa coesa em termos de atitude dentro e fora da sala de aula, capaz de dinamizar aulas mobilizadoras, estratégias flexíveis e personalizadas caso a caso, entre outras. Existem, aliás, projectos educativos assentes em pressupostos pedagógicos e práticas coerentes que mostram que, ao contrário do que se diz no PNAPAE, a aprendizagem acontece com sucesso na coexistência em espaços físicos de alunos com diferenças etárias, "expostos" a conteúdos diferenciados. No entanto, para que tal seja possível, é preciso a escola querer e saber trabalhar e organizar-se de forma não tradicional.
O reforço dos complementos educativos, promovidos através da elaboração de planos para os problemas (que agora se conhecem), externaliza mais uma vez as respostas pedagógicas para os enfrentar, sem que haja qualquer referência à necessidade dos grupos disciplinares repensarem as suas estratégias pedagógicas ou recorrerem à interdisciplinaridade.
A criação e dinamização de um Programa Depois das Aulas, numa perspectiva de actividades extra-curriculares, como se faz questão de referir, deverá ser acompanhado do estímulo à necessidade da escola se focar na aprendizagem e não no ensino, promovendo práticas pedagógicas activas e diferenciadas. Se isso não acontecer, com a aplicação de um Programa Depois das Aulas, desligado das actividades escolares, apesar de ter as suas vantagens, nomeadamente em termos de "ocupação saudável" do tempo, de tomada de contacto com actividades diversas ou de socialização, correr-se-á o risco dos alunos reforçarem a ideia de que apenas o que se passa fora das "aulas normais" é motivador e de que a escola funciona dividida em duas realidades desligadas: aulas versus actividades extra-curriculares. Esta questão é tão mais pertinente, quanto sabemos que o abandono está directamente ligado ao insucesso escolar.
A diminuição do número de professores por turma, nos 2.º e 3.º ciclos do actual ensino básico, "como forma de melhorar a relação professor-aluno e como meio para facilitar a adaptação e a integração do aluno" constitui uma medida importante, mas não suficiente. De facto, para além da redução do número de professores, a articulação pedagógica entre os mesmos, num trabalho de equipa que ultrapasse a tradicional tendência para os grupos disciplinares trabalharem de forma isolada, deve ser incentivada e concretizada, tendo em vista a percepção pelos alunos da interdisciplinaridade com que a vida os confronta.
5 - Mobilizar e responsabilizar as comunidades locais
A experiência mostra-nos que o sucesso em educação é uma realidade complexa, em que intervêm variáveis e actores de natureza diversa. Sendo o combate ao abandono escolar um problema político, em que são necessários compromissos sociais concretos, verificamos que o sucesso escolar está associado a determinados contextos sócio-educativos.
De facto, ao analisarmos as situações concretas que se escondem por detrás das estatísticas, constatamos que, em Portugal, o sucesso escolar acontece quando, para além das políticas (ou apesar das políticas), o tecido social é mobilizado e a comunidade está organizada para agir em rede face a cada situação concreta com que se depara.
Diversos estudos sobre a realidade portuguesa têm-no evidenciado, relatando exemplos de sucesso de escolas públicas ou privadas, tal como acontece com a generalidade das escolas profissionais, como o PNAPAE reconhece. Estas situações não são abstractas, sendo em grande explicadas pelo facto de se estar na presença de projectos educativos autónomos, flexíveis, profundamente articulados com a realidade social, cultural e empresarial que os envolve.
Neste sentido, o combate eficaz do abandono não se consegue apenas a partir da definição de medidas específicas e de âmbito local estabelecidas centralmente, exigindo antes a capacidade política de fazer que as comunidades locais e educativas sejam levadas a detectar cada caso concreto, promovendo-se o seu apoio na adopção das medidas mais convenientes à sua resolução específica.
Estamos, assim, perante uma obrigação política de generalizar o combate ao abandono escolar, através da responsabilização e motivação das comunidades e organismos locais para a personalização da resposta a dar a cada caso concreto, acompanhada da consequente apresentação de resultados e prestação de contas.
Esta estratégia implicará a necessidade de as políticas serem definidas e contratualizadas a partir do terreno, o que é um caminho seguramente mais difícil e exigente para a administração educativa, não só porque não é essa a tradição portuguesa como também pela necessidade de reorganização da acção a que essa estratégia obrigaria. "Concretamente, nesta perspectiva, cada escola ou agrupamento de escolas/comunidade local deveria ser incumbida de apresentar um programa de prevenção do abandono e promoção da escolaridade de 12 anos para, a partir daí, se promover a necessária contratualização com a administração educativa, a quem incumbiria contribuir com critérios de análise, sugestões e dados estatísticos nacionais, regionais e locais, formação nas vertentes prioritárias, recursos, enquadramentos legais imprescindíveis, acompanhamento e avaliação" (Azevedo, 2004). Não se tratando de um caminho fácil é, em nosso entender, a forma mais séria e consistente de se promoverem resultados efectivos, numa base de continuidade temporal, atribuindo-se responsabilidades e recompensando quem se envolve, disseminando as práticas de sucesso e promovendo-se, assim, uma sã concorrência para o desenvolvimento pessoal e profissional de todos os portugueses.
O PNAPAE revelar-se-á uma iniciativa útil se for capaz de assegurar um efectivo compromisso político, a articulação das políticas de prevenção do abandono (em vez da implementação de um conjunto de medidas avulsas) e o envolvimento real de cada escola e de cada comunidade local.
O PNAPAE "determina", sistematicamente, a intervenção de diferentes organismos, entidades e figuras. No entanto, uma análise das recomendações do PNAPAE revela, claramente, que para o sucesso efectivo no terreno será necessário e urgente clarificar, para além da mera calendarização das medidas, que tipo de compromisso e implicação foram conseguidos desses parceiros, em que condições, com que recursos, liderados e avaliados por quem, etc.
No que diz respeito, por exemplo, ao "aperfeiçoamento dos mecanismos de informação sobre o aluno e de sinalização do risco de abandono escolar", o PNAPAE refere também um conjunto de intenções políticas que só chegarão a ser operacionalizadas se se conseguir a efectiva implicação e intervenção de um conjunto de organismos e actores locais, sob pena de continuarmos, sistematicamente, com projectos inoperacionalizáveis nos prazos politicamente estabelecidos. "A acção concertada de serviços e técnicos que exercem funções nos domínios da saúde, segurança e acção social, é uma dimensão fundamental da mobilização, participação e solidariedade da comunidade local organizada" (Barroso, 2003, p. 34).
Trabalhar na estimulação das comunidades para que estas construam ou aprendam a construir o seu próprio projecto, partindo e reforçando a consciência dos problemas com que se deparam, apontando caminhos, recursos e formas de os avaliar, permitirá alicerçar a acção em bases mais sólidas e em estratégias mais responsabilizadoras e eficazes.
Promova-se a aprovação de projectos, disponibilizem-se os meios para a sua concretização, acompanhamento e apoio, bem como para a consequente avaliação, reformulação e disseminação.
Importará também relevar o papel dos conselhos municipais de educação na mobilização e concertação dos actores locais para um compromisso social pela educação e pela qualificação, para a construção de compromissos concretos, no plano local, entre empresários, autarquias e associações de desenvolvimento, para a concepção de sistemas de informação de base local que permitam conhecer melhor a realidade e planear os investimentos e canalizar os esforços de actuação. A este propósito, valeria a pena rever a sua composição, de forma a possibilitar a representação dos agrupamentos e dos estabelecimentos de educação e formação.
Urge, neste contexto, clarificar o nível adequado de intervenção dos municípios, ultrapassar dificuldades criadas pela indefinição do quadro político-administrativo subjacente à atribuição de competências entre a administração central, regional e local no domínio da educação.
6 - Reorientar a administração educativa e da formação
Há que repensar questões centrais das políticas de educação e formação que mais directamente condicionam a génese e a resolução do problema do abandono.
Tal como noutros domínios, importa quebrar um círculo vicioso em que as escolas e demais agentes aguardam, para quase tudo, as orientações da administração educativa que, por seu lado, naqueles não confia nem responsabiliza, optando por um modo de organização e relação excessivamente centralizado e normativo.
A diversidade dos problemas, antes de mais, mas, sobretudo, a eficácia e a equidade dos resultados não se compadecem com tais perspectivas uniformes, iguais para todos e com igual intensidade. Os princípios da subsidiariedade e da boa gestão aconselhariam a que, neste âmbito, a administração se encarregasse, fundamentalmente, da definição de objectivos e metas, centrando a sua intervenção em eixos mais estratégicos, selectivos e prioritários, assumindo compromissos claros no que toca às matérias que lhe cabe regular e avaliar, incentivando a acção das comunidades locais e das escolas, disponibilizando meios técnicos e financeiros, assegurando a coerência global, a avaliação a posteriori e a sustentação das dinâmicas desenvolvidas.
Comece-se pelos objectivos e metas apresentados, que deveriam ser mais precisos e avaliáveis, para cada uma das principais dimensões e grupos afectados [os jovens dos 10-15 anos que abandonam a escola/formação sem concluir o 9.º ano; os que têm 18-24 anos e o fizeram sem cumprir a mesma etapa; os que tendo esta idade saíram sem concluir o 12.º ano ou equivalente (respectivamente, nos termos do estudo e conceitos apresentados, os indicadores de abandono escolar, saída antecipada e saída precoce)], bem como para diferentes territórios, não se ficando apenas por enunciar médias nacionais ("reduzir para menos de metade as taxas de abandono escolar e de saída precoce até 2010"). Provavelmente, uma análise mais detalhada levar-nos-ia a concluir que, se para cumprir algumas metas mais não seria preciso que aguardar, por inércia, a chegada de 2010, outras se revelam demasiado ambiciosas.
No que toca aos eixos centrais das políticas, cuja especial responsabilidade deve ser assumida pela administração, o PNAPAE refere alguns que merecem o nosso acordo, designadamente:
A formação inicial e contínua de professores não predominantemente orientada para identificar e aprender a lidar com alunos em risco mas, sobretudo, para estimular e capacitar os professores em geral, os directores de turma e os responsáveis pelos órgãos de direcção e gestão, em particular, a desempenhar um acompanhamento próximo de todos os alunos e pela criação de condições e climas organizacionais que revelem um maior cuidado e responsabilização pelos alunos;
O desenvolvimento de condições para a generalização da educação pré-escolar. Pena é que a esta intenção não tenha correspondido o necessário investimento, que os meios afectos nem sempre tenham sido devidamente aproveitados e não se avance de forma mais decidida na definição da sua obrigatoriedade para as crianças de cinco anos. Relembre-se, a este propósito, que muitas famílias pagam, hoje, pela frequência da educação pré-escolar mais do que despendem pela frequência do ensino superior;
A melhoria da qualidade das instalações, da alimentação, da saúde, dos transportes e da acção social nas escolas, tendo como pressupostos o reordenamento da rede escolar e a generalização dos agrupamentos de escolas. Neste âmbito, importaria reforçar a importância que deve ser atribuída à melhoria das condições de aprendizagem e de promoção do sucesso educativo no 1.º ciclo. Se a expressão dos problemas de abandono neste ciclo parece já ser diminuta, as manifestações posteriores não lhe serão seguramente alheias (o "retrato" é tirado mais tarde [...] nem significa isto que se deva descurar a intervenção a este nível. Falta avaliar devidamente as mudanças ocorridas neste âmbito nas últimas décadas, mas, ainda que de modo intuitivo, é difícil não constatar que este continua a ser um ciclo "mal-amado", apesar da importância proclamada;
A organização de percursos educativos e formativos diversificados, envolvendo alguma flexibilidade na mobilidade;
A referência à necessidade de continuar a desenvolver as iniciativas de informação profissional, orientação e aconselhamento e ligação escola-empresa; a este propósito, refira-se o importante papel que os serviços de psicologia e orientação têm desempenhado ao nível do apoio sócio-educativo e da informação e orientação vocacional (ainda que insuficiente, tendo em conta o elevado número de escolas ainda sem este apoio e o reduzido número destes técnicos face às necessidades das escolas onde já existem). Nada se concretizando no PNAPAE quanto à forma de operacionalização deste objectivo, retomamos o comentário já emitido pelo CNE na sua apreciação sobre o anteprojecto de decreto-lei da reforma da educação especial e do apoio sócio-educativo (18 de Fevereiro de 2004), onde se referia que "discordamos da descaracterização dos SPO, alguns deles integrando psicólogos escolares com 20 anos de ligação às escolas. As actividades de orientação e aconselhamento e os programas de apoio psico-pedagógico dirigidos aos alunos, o apoio aos órgãos de direcção e gestão e aos professores, ou o trabalho com as famílias e a comunidade, não são aqui suficientemente tomados em consideração. Os SPO têm uma actividade que não se limita às necessidades educativas especiais e ao apoio sócio-educativo, pelo que a sua relação com os CASE terá de ser devidamente ponderada. Entendemos que uma eventual integração dos serviços de psicologia nos CASE poderá ter efeitos opostos: se for feita correctamente, poderá criar sinergias; a ser feita atabalhoadamente, poderá prejudicar consideravelmente a sua acção. Mais do que uma simples integração, importaria clarificar a intervenção dos psicólogos, tanto no âmbito do ensino especial como do apoio sócio-educativo, numa lógica de cooperação dos SPO com os CASE".
Por outro lado, há outras medidas que o documento não assinala ou relativamente às quais não dá mostras de as querer enfrentar de forma mais decidida. É o caso do modelo de recrutamento dos docentes, bem como os tempos e modos de exercício da profissão (que medidas para que os professores tenham condições para o ser a tempo inteiro na escola?), a organização do tempo e espaço escolar (que não passa necessariamente por uma diminuição da carga horária dos alunos mais tempo educativo pode não significar mais pressão), a questão dos exames, o percurso escolar dos alunos (por exemplo, acabar com as repetências, como fizeram países como a Finlândia, que obtém os melhores resultados no PISA), as indefinições face ao processo de descentralização/autonomia das escolas e de transferência de competências para as autarquias, a questão curricular, etc. À semelhança destes, também a integração de toda a oferta de formação inicial fica muito aquém do que seria desejável, assumindo-se a rede de escolas de referência "EDUTEC" como um tímido ensaio.
Refira-se, ainda, que o PNAPAE não contempla devidamente um conjunto de propostas que permitam remediar as consequências dos que já abandonaram o sistema educativo. A este propósito, é necessário abrir cada vez mais a escola e os centros de formação a estes cidadãos, repensando o seu acolhimento nestes contextos e promovendo as respostas formativas mais adequadas à sua realidade específica.
De um modo geral, atravessa toda a enunciação das medidas uma insuficiente operacionalização. Tratando-se de questões genéricas da maior relevância, será essencial assegurar a sua concretização, especificando responsáveis e parceiros, estratégias e meios que se afectarão para efectivar muitas das propostas que só de modo vago estão enunciadas. É necessário identificar compromissos claros da administração educativa e assegurar a coerência global das intervenções.
A este propósito, a manifesta incoerência entre algumas das medidas propostas e o que tem vindo a ser feito justificam alguma preocupação por parte do CNE: para além dos exemplos atrás referidos, são os casos da revisão curricular do ensino secundário que, estando prevista para entrar em funcionamento em 2004/2005, só tardiamente viu emitidas as necessárias orientações sobre os cursos tecnológicos; da reorganização do currículo do actual 3.º ciclo sem a devida avaliação; a dissonância da intenção de reforçar a participação dos pais e as condições previstas no Código do Trabalho; o programa Depois das aulas ou de desenvolvimento do desporto escolar e dos recentes cortes nos créditos para a realização deste tipo de actividades; da proclamada aposta no ensino profissional e dos constrangimentos actualmente impostos ao financiamento das escolas profissionais e à sua autonomia pedagógica (não permitindo que os alunos frequentem estas escolas em igualdade de circunstâncias com os alunos que optam pelas outras escolas de ensino secundário, interferindo a administração directamente nos critérios de admissão destes alunos, com graves consequências em termos de orientação vocacional, de sucesso e de abandono escolar), bem como da imposição de numerus clausus, com graves consequências na capacidade destas escolas acolherem muita da procura não satisfeita e de responderem às necessidades prementes e crescentes do mercado de trabalho.
Por último, deixa-se a sugestão de que se zele pela qualidade do sistema estatístico e se providenciem apoios ao estudo e investigação do fenómeno do abandono e dos mecanismos que o podem dificultar ou potenciar, complementados por um estudo prospectivo sobre as condições para assegurar o cumprimento da escolaridade alargada de 12 anos.
7 - Conclusões e propostas
Como referimos, nesta apreciação do Plano Nacional de Prevenção do Abandono Escolar propusemo-nos, antes de mais, contribuir para a discussão pública do problema do abandono, para uma tomada de consciência mais aprofundada e para a sua resolução. Sem pretender efectuar uma apreciação exaustiva de todas as componentes e medidas propostas, faz-se uma apreciação geral e propõem-se algu mas pistas de aperfeiçoamento da estratégia e da forma de a implementar.
Como ideias de força, retemos que:
O abandono é um problema de desenvolvimento e também um problema de política educativa;
Não sabemos ainda, em profundidade, os contornos e factores condicionantes, pelo que se torna fundamental conhecer melhor o seu contexto, e avaliar as intervenções que têm vindo a ser implementadas ao longo dos últimos anos;
A tentativa de minorar este problema remete para e exige, necessariamente, um aprofundamento da reflexão sobre o sentido, a utilidade e as finalidades da educação básica e secundária;
Urge desafiar, apoiar e responsabilizar as escolas e instituições de formação;
É indispensável a mobilização e responsabilização das comunidades locais;
É necessário reorientar, simultaneamente, as prioridades, o modo de organização e de actuação da administração educativa.
Globalmente, somos de opinião que o PNAPAE apresenta uma perspectiva que não atende suficientemente à diversidade de situações e que tende a centrar no jovem a responsabilidade do abandono, a par de algumas questões centrais que não refere e de uma panóplia de ideias, sugestões, intenções, relativamente às quais restam dúvidas, sobretudo no que diz respeito à sua articulação e operacionalização efectiva.
Numa sociedade cada vez mais escolarizada, o abandono precoce reveste-se de uma maior "gravidade social" e a sua prevenção e remediação constituem uma prioridade. Sendo um problema complexo que exige actuação em muitos campos e níveis, pode e deve ser feito muito a partir do contexto educativo, tendo em devida conta as condicionantes sociais do sucesso educativo e reforçando a intervenção pela via do apoio económico e social aos alunos e suas famílias. Diminuir o abandono precoce, em primeira instância, e alcançar uma escolarização bem sucedida para cada jovem até aos 18 anos, implica muito mais do que a obrigação legal de permanecer na escola, requer trabalho em rede, integração de recursos e de políticas, integração de dispositivos de acção, atenção das comunidades locais e das suas instituições de apoio social, autonomia e responsabilização dos professores e dos órgãos das escolas. Não necessariamente centrada no sistema educativo e de formação, também a remediação das consequências dos que já abandonaram exige um conjunto de propostas de actuação mais consistentes.
Na perspectiva de contribuir de forma positiva para a resolução do problema do abandono escolar, que se revela crítico para o desenvolvimento do País e que a todos diz respeito, consideramos que os próximos passos de aperfeiçoamento do Plano devem passar por:
1) Rever os objectivos e metas definidos.
2) Centrar a estratégia, o método e o essencial dos esforços na mobilização, apoio e responsabilização das escolas e comunidades locais;
3) Delimitar o núcleo central de linhas prioritárias de actuação, nomeadamente apostando decisivamente:
Na generalização da educação pré-escolar;
Na melhoria da qualidade do 1.º ciclo;
No reforço dos dispositivos de apoio social e económico às famílias (alimentação, transportes, etc.);
Na criação de condições estruturais que permitam melhorar o ambiente educativo, pela via da organização dos espaços, dos tempos, do trabalho de equipa e interdisciplinar no seio das escolas;
No aperfeiçoamento da formação inicial e contínua de professores (em especial dos directores de turma e de responsáveis pela direcção e gestão das escolas), nomeadamente no sentido de os capacitar para um mais efectivo acompanhamento e responsabilização pelos alunos, bem como para implementar estratégias educativas diferenciadas;
Na diversificação dos percursos de formação, designadamente no ensino secundário;
No investimento efectivo nas vias profissionalizantes;
No apoio à investigação sobre o abandono, no acompanhamento das medidas para esse fim adoptadas e na avaliação dos seus resultados;
4) Definir, para cada medida, as metas e os resultados esperados, os responsáveis e actores a envolver, os recursos a mobilizar e a calendarização mais realista.
O Conselho Nacional de Educação estará disponível para continuar a colaborar neste desafio que é de todos - administração educativa, famílias, comunidades locais, escolas, parceiros sociais, organizações sócio-profissionais -, nomeadamente através da reflexão e emissão de propostas por parte das suas comissões especializadas, bem como de outras iniciativas que se julguem pertinentes.
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8 de Julho de 2004. - O Presidente, Manuel Carlos Lopes Porto.