Não é difícil relacionar essa ofensiva com uma tentativa, com origem em forças antidemocráticas, empenhadas numa operação de neutralização de medidas de reconstrução nacional tomadas e anunciadas pelo Governo, de desgaste deste e do Primeiro-Ministro na véspera da sua importante viagem às capitais da Europa, em digressão diplomática com vista à integração do nosso país no Mercado Comum Europeu.
A conclusão impõe-se: os que conscientemente promovem essa campanha de desestabilização e descrédito servem os inimigos da admissão de Portugal na CEE e os inimigos da democracia. Este facto deve ser vigorosamente denunciado.
O Governo não pode assistir passivamente a qualquer tentativa de destruição das instituições democráticas, ainda que a pretexto do exercício de direitos, como o de greve, que desapareceriam no dia em que triunfassem aquelas tentativas.
O Governo reconhece e respeita o direito de greve como suprema forma de luta pela defesa dos legítimos interesses dos trabalhadores. Não o compreende nem aceita como forma de manipulação de trabalhadores e de pressão política com vista à criação de poderes paralelos.
São exemplos, entre outros:
a) A greve dos trabalhadores têxteis anunciada para amanhã, depois de o Governo ter marcado uma reunião de conciliação para quinta-feira;
b) A greve dos pescadores, marinha, por alguns sectores da marinha de comércio, que pretendem controlar totalmente as escalas de embarque e a inscrição marítima, disputando à Administração a intervenção legítima neste domínio;
c) Mais grave é, porém, a anunciada greve da função pública contra a aprovação, pela Assembleia da República do aumento uniforme de vencimentos de 15%.
O Governo considera e declara que, a verificar-se, se trata de uma paralisação ilegítima de trabalho, com as normais e legais consequências, visto que:
1 - O direito à greve dos funcionários públicos se não encontra directamente reconhecido pela Constituição, na medida em que reconhece o direito à greve aos trabalhadores, enquanto claramente refere os servidores do Estado como «funcionários e agentes», aliás com disposições para o regime da função pública.
2 - Sem prejuízo de o Governo entender que, na ausência de proibição constitucional expressa, pode ser reconhecido aquele direito aos funcionários e agentes do Estado, em termos a regulamentar e a compatibilizar com o facto de, segundo a Constituição, se encontrarem «exclusivamente ao serviço do interesse público», nunca esta paralisação de trabalho poderia ser considerada legítima. Anunciada como forma de luta contra uma lei que foi aprovada pela Assembleia da República, ou seja, pelos legítimos representantes do povo em geral e dos trabalhadores portugueses em especial, constitui um atentado contra as instituições democráticas, com as legais consequências. O Governo alerta os funcionários e agentes do Estado para a gravidade das responsabilidades que assumem se persistirem em promover a anunciada paralisação de trabalho ou nela participarem.
Coerentemente com esta posição de intransigente defesa do interesse público e do respeito devido às leis da Assembleia da República, o Conselho de Ministros, reunido em 8 de Fevereiro de 1977, resolveu:
1 - Que sejam consideradas injustificadas as faltas dadas no decurso e em resultado da anunciada paralisação de serviço público, ainda que esta revista a forma de simples redução de trabalho.
2 - Que seja garantido aos funcionários e agentes do Estado que desejem trabalhar o livre acesso aos locais de trabalho, sendo pois ilegais quaisquer piquetes ou grupos que se constituam para impedir ou dificultar aquele acesso.
3 - Que em nenhum caso seja pago o tempo de paralisação ou redução de trabalho.
4 - Que sejam processados disciplinarmente os funcionários e agentes do Estado que a propósito ou durante a paralisação do trabalho incorram em responsabilidade disciplinar.
5 - Não deliberar sobre as propostas de lei relativas à função pública, que se limitou a discutir, enquanto se mantiver a referida ameaça de paralisação, fiel ao princípio de se recusar a deliberar sob qualquer forma de pressão exercida, ou sequer anunciada, por sectores interessados nas deliberações que toma.
O Conselho de Ministros resolveu, igualmente, perante a situação criada nos sectores das pescas e da marinha do comércio, e depois de terem sido postos em evidência os graves problemas de abastecimento alimentar e energético que resultarão da continuidade desta greve, advertir os trabalhadores do sector de que serão tomadas as medidas que se mostrarem indispensáveis e adequadas, se dentro de quarenta e oito horas a situação não se normalizar.
Presidência do Conselho de Ministros, 8 de Fevereiro de 1977. - O Primeiro-Ministro, Mário Soares.