Acordam, em pleno, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça:
The Wellcome Foundation e F. Hoffmann-La Roche & Cie recorrem, para tribunal pleno, do acórdão, certificado a fl. 12, proferido por este Supremo Tribunal em 9 de Março de 1976, com o fundamento de que ele está em oposição, relativamente à solução dada à mesma questão fundamental de direito com o acórdão deste Tribunal de 24 de Junho de 1975, constante da fotocópia de fl. 26.
Por acórdão da 2.ª Secção Cível deste Tribunal, de fl. 37, foi reconhecida a existência da oposição invocada e mandado prosseguir o recurso.
Alegaram as partes e o ilustre representante do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seu douto parecer, de fls. 145 e seguintes.
O processo correu os vistos legais, estando em condições de se apreciar do recurso.
Tudo visto:
Em primeiro lugar, e por aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 766.º do Código de Processo Civil, cumpre-nos reexaminar a questão de saber se, no caso dos autos, se verifica a oposição de julgados que, traduzindo conflito de jurisprudência, justifica o recurso para tribunal pleno.
Como se sabe, essa oposição verifica-se quando o Supremo, em decisões proferidas em processos diferentes, dá à mesma questão essencial de direito, no domínio da mesma legislação, soluções opostas.
No caso sub judice foram propostas pelas ora recorrentes duas acções: uma contra a firma Pires & Mourato Vermelho, Lda., no qual foi proferido o acórdão recorrido; outra contra a Euro-Labor-Laboratórios de Síntese Química e Especialidades Farmacêuticas, S. A. R. L., onde foi proferido o Acórdão, dito em oposição, de 24 de Junho de 1975.
Em ambas as acções as ora recorrentes demandavam sociedades comerciais pedindo a condenação destas a absterem-se de fabricar, manipular ou vender em Portugal produtos farmacêuticos que identificavam ou quaisquer outros que contivessem a ingrediente activo Trimetoprim, cujo processo de invenção consta das patentes portuguesas n.os 44870 e 46641, e a pagar às autoras indemnizações a liquidar em execução de sentença.
Na primeira acção decidiu-se que a ré, ao «importar, comprando, Trimetoprim, para com ele produzir um produto diferente, não lesou os titulares das patentes do fabrico daquele produto, pois tais actos não contendem com o processo de fabrico para que foram concedidas as patentes; estas asseguram apenas o exclusivo da exploração e fabrico do Trimetoprim».
Na acção em que foi proferido o acórdão dito em oposição decidiu-se, por sua vez:
Desde que as autoras depositaram em Portugal as patentes que se referem à invenção do processo de preparação do Trimetoprim, ficou-lhes assegurado o direito exclusivo de explorarem em Portugal esse processo técnico, produzindo ou fabricando o dito produto ou qualquer outro que contenha aquele ingrediente activo.
Parece que qualquer destas decisões encarou a mesma questão de direito, que é a de saber se o exclusivo, proveniente do registo das patentes, abrange só a fabricação do mesmo produto ou se abrangerá também a fabricação e manipulação de quaisquer produtos que contenham «princípios activos» obtidos pelo processo patenteado.
É questão que se põe essencialmente em face do artigo 8.º do Código da Propriedade Industrial.
O acórdão recorrido adoptou a primeira daquelas alternativas; o acórdão de 1975 adoptara a segunda.
Soluções opostas sobre a mesma questão de direito.
A circunstância de os recursos em que tais decisões foram proferidas não serem da mesma natureza, sendo um deles uma revista e outro um agravo, não parece afastar a oposição invocada, já que ela não se manifesta quanto à solução final dos recursos, mas tão-só quanto àquela questão essencial de direito, cuja resolução ditou a decisão final em ambos os casos. Finalmente, não pode dizer-se que a questão do âmbito do exclusivo assegurado pela patente não foi expressamente suscitada pelas partes no processo em que foi proferido o acórdão de 1975, bastando para isso ter em conta o pedido formulado nessa acção, o que motivou o tribunal a apreciar tal questão, para definir o regime jurídico a que se encontrava subordinada a pretensão das autoras.
Concluiu-se, assim, pela existência da invocada oposição e, em consequência, pela admissibilidade do recurso.
E posto isto, entremos na apreciação do seu objecto.
No caso dos autos as recorrentes propuseram acção com processo ordinário contra Pires & Mourato Vermelho, Lda., para conseguirem a condenação desta sociedade a abster-se de fabricar, manipular, vender ou pôr à venda o produto farmacêutico Primazol, ou sob qualquer outra designação, e pagar às autoras a indemnização de perdas e danos que se liquidar em execução de sentença, alegando para tal que têm as patentes da produção e fabrico do produto Trirnetoprim registadas em Portugal e que com base nesse produto têm à venda os produtos Bactrim, da Wellcome, e Septrim, de La Roche, e que a ré tem utilizado o Trimetopriin para a composição do Primazol, que vende, trazendo com isso prejuízo às autoras.
A acção foi julgada improcedente, no despacho saneador, com o fundamento de que a ré utiliza o Trimetoprim, que importa, para preparar o seu produto Primazol, que vende no mercado, não constituindo tal facto violação de qualquer direito das autoras, designadamente como titulares das patentes de fabrico daquele produto, pois estas asseguram apenas o exclusivo da sua exploração e fabrico, com os quais não contende a descrita actividade da ré. Esta decisão foi confirmada, em recurso, na 2.ª instância, e depois, neste Supremo Tribunal, pelo acórdão recorrido.
A solução para o problema posto implica a necessidade de definir o conteúdo do direito do titular da patente.
A concessão da patente - diz o artigo 8.º do Código da Propriedade Industrial - dá o direito exclusivo de explorar o invento em qualquer parte do território português e de aí produzir ou fabricar os objectos que constituem o dito invento ou em que este se manifeste.
Este preceito compreende tanto as patentes de produto como as patentes de processo, mas não nos esclarece devidamente quanto ao conteúdo do direito ao exclusivo, embora o emprego da expressão genérica «explorar» nos indique já que o legislador pensou em proteger mais do que a simples fabricação dos bens, indo até defender todas as formas de uso da fabricação do produto, ou do emprego do processo para sua obtenção.
Aliás, isso se vê, com relativa clareza, do artigo 214.º do mesmo diploma, onde se impõem sanções a quem, durante o exclusivo da invenção, lesar o titular de uma patente por qualquer dos modos seguintes:
1.º Fabricando, sem licença dele, os artefactos ou produtos que forem objecto da patente;
2.º Empregando, sem a mesma licença, os meios ou processos ou fazendo as novas aplicações de meios ou processos que forem objecto da patente;
3.º Importando, vendendo, pondo à venda ou em circulação ou ocultando, de má fé, produtos obtidos por qualquer dos referidos modos.
Do n.º 3.º desta norma resulta à evidência que todo aquele que, importando, puser à venda qualquer produto obtido por um processo já patenteado lesa o titular da respectiva patente.
E não é só este preceito a afirmá-lo.
Como se sabe, paralelamente ao desenvolvimento das legislações nacionais, nos fins do século XIX acentuou-se, no campo internacional, a tendência para a unificação da disciplina do direito sobre invenções. Este movimento, iniciado por ocasião da Exposição Internacional de Viena de 1873, continuou, aquando da Exposição Internacional de Paris de 1878, até se chegar à Convenção da União de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, de 20 de Março de 1883. Esta Convenção, assinada inicialmente por dez Estados, foi, sucessivamente, modificada em Bruxelas, a 14 de Dezembro de 1900, em Washington, a 2 de Junho de 1911, na Haia, a 6 de Novembro de 1925, em Londres, a 2 de Junho de 1934, em Lisboa, a 31 de Outubro de 1958, e em Estocolmo, a 14 de Julho de 1967. Portugal aprovou, para ratificação, o Acto de Estocolmo pelo Decreto 22/75, de 22 de Janeiro, constituindo, assim, tal Convenção, na sua forma actual, direito interno português (Constituição da República, artigo 8.º).
Ora no artigo 5.º, quater daquela Convenção, dispõe-se que, quando um produto for introduzido num país da União no qual exista uma patente protegendo um processo de fabrico desse produto, o titular da patente terá, em relação ao produto introduzido, todos os direitos que a legislação do país de importação lhe conceder, em virtude da patente desse processo, relativamente aos produtos fabricados no próprio país.
Temos, assim, que a lei equipara expressamente a importação de um produto obtido por um processo de fabrico patenteado em Portugal à fabricação entre nós, desse mesmo produto, declarando igualmente lesivo para o direito do titular da patente qualquer daqueles procedimentos.
Deste modo, todo aquele que, importando, puser à venda quaisquer produtos obtidos por um processo já patenteado lesa o titular da respectiva patente.
Quer dizer: se a ré, neste processo, importar Trimetoprim fabricado no estrangeiro pelo processo patenteado pelas autoras, e a puser à venda em Portugal, não pode haver qualquer dúvida de que esse procedimento é lesivo do respectivo exclusivo de invenção, de que estas são titulares.
Mas, se, fazendo essa importação, a ré previamente associar o Trimetoprim a qualquer outra substância, talvez um placebo, e o puser à venda em Portugal, com outro nome, não lesará o direito daquelas? A simples enunciação do problema induz a uma resposta afirmativa.
Com efeito, seria julgar contra o direito admitir que, por essa via indirecta, se fraudasse tão claramente os preceitos a que se acaba de fazer referência, tornando, por essa forma, completamente inútil o exclusivo resultante do registo da patente.
Assim como, se um terceiro, desprovido de autorização ou licença, fabricar em Portugal um certo produto, devidamente patenteado, pelo processo objecto da patente, o empregar na preparação de um medicamento que se vende ao público, ofende o direito de exclusivo do titular da patente, a mesma reacção legal deve provocar aquele que, para atingir os mesmos fins, em vez de fabricar no país, importa do estrangeiro o produto obtido pelo processo patenteado. A contravenção é, em todos os seus termos, precisamente a mesma; os interesses que a lei quer proteger tanto são violados de uma forma como da outra.
Por estes fundamentos concedem provimento ao recurso, para que na 1.ª instância se profira novo despacho saneador de harmonia com os princípios expostos, sem prejuízo do conhecimento de todas as outras questões que ali devem ser apreciadas.
Custas pela recorrida.
Para resolução do conflito de jurisprudência lavra-se o seguinte assento:
O direito exclusivo de explorar o invento que pertence ao titular da patente de processo, nos termos do artigo 8.º do Código da Propriedade Industrial, é ofendido pela fabricação, manipulação ou venda por terceiro em Portugal de outro produto que contenha, ainda que importado, um princípio activo obtido pelo processo industrial a
Lisboa, 14 de Março de 1979. - Rodrigues Bastos - Daniel Ferreira - Abel de Campos (vencido quanto à oposição, votei o assento) - Santos Victor - Eduardo Botelho de Sousa Ferreira da Costa - Avelino Ferreira - Costa Soares - Hernâni de Lencastre (vencido quanto à questão da oposição) - Alberto Alves Pinto - Octávio Dias Garcia (sem prejuízo da questão levantada na secção por mim, concordo com o assento) - Ruy de Matos Corte Real (vencido quanto à questão prévia e votei o assento) - Oliveira Carvalho - Adriano Vera Jardim - João Moura (vencido quanto à oposição) - Bruto da Costa - António Furtado dos Santos - Augusto Azevedo Ferreira - Miguel Caeiro (vencido quanto à questão prévia, votei o assento) - João Ferreira do Vale - Manuel Alves Peixoto - Henrique da Rocha Ferreira - Artur Moura da Fonseca - Aquilino Ribeiro (vencido quanto à questão prévia e ao assento pelas razões constantes do acórdão recorrido, merecendo a minha concordância).