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Parecer 11/2002, de 4 de Novembro

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Parecer 11/2002. - Regulação e avaliação do ensino transnacional.

1 - Âmbito do parecer

O processo acelerado de globalização do ensino superior levanta problemas complexos que, de um modo geral, não foram ainda objecto de estudos suficientemente aprofundados para analisar e compreender todas as suas implicações, quer positivas quer negativas.

A internacionalização do ensino superior não é, de forma alguma, um fenómeno recente. Ela começou por se desenvolver e ser incentivada não tanto como um fim em si mesmo, mas como meio para o desenvolvimento de novas áreas do conhecimento e para a promoção da qualidade, através dos seus potenciais efeitos positivos em aspectos tão variados como o desempenho dos docentes, o desempenho individual dos estudantes e as carreiras profissionais consequentes, os processos de ensino-aprendizagem, o desenvolvimento curricular e os próprios níveis institucional e sistémico, em resultado de uma aprendizagem transcultural, de uma comparação e troca de boas práticas e, em alguns acasos, de um aumento de massa crítica. O movimento de internacionalização constituiu, ainda, instrumento decisivo para a introdução de novas linhas de investigação científica ou para fortalecer as existentes. Neste primeiro nível de internacionalização, de base casuística, a mobilidade internacional esteve relativamente limitada a grupos de elite.

A internacionalização ganhou, contudo, novos contornos com o alargamento da dimensão internacional do ensino superior, adquirindo objectivos mais amplos, com destaque para os programas europeus de mobilidade associados às preocupações com a livre circulação de pessoas e o consequente papel do ensino superior.

Por sua vez, o desenvolvimento muito rápido e descontrolado do ensino transnacional e as recentes tentativas de inclusão dos "serviços educacionais" no âmbito do General Agreement on Trade in Services (GATS) trouxeram novas facetas e problemas para a questão da internacionalização, contribuindo para a globalização crescente do ensino superior.

Esse alargamento dos objectivos da internacionalização do ensino superior, com a consequente diversificação de actividades e formas de intervenção, levanta naturais preocupações de garantia de qualidade, as quais se têm vindo a acentuar com o crescimento acelerado do ensino transnacional, que se manifesta pela multiplicidade de programas de estudos e de qualificações que atravessam as fronteiras dos sistemas oficiais de ensino superior. Na realidade, a mobilidade de pessoas alargou-se à mobilidade de programas e mesmo de instituições, através de configurações institucionais variadas, com recurso crescente a novas formas e instrumentos de ensino a distância, que acompanham a par e passo as últimas novidades nas tecnologias da informação e da comunicação.

Consciente da necessidade de o sistema nacional de avaliação estar atento aos desenvolvimentos referidos e tirar, em tempo oportuno, as devidas ilações, o Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior decidiu tomar a iniciativa do presente parecer, com o objectivo imediato de apresentar uma panorâmica do ensino transnacional, procurando compreender as razões para o seu florescimento, as formas em que se desenvolve e os principais problemas que levanta e identificar mecanismos para a sua regulação e avaliação.

2 - Caracterização do ensino transnacional

2.1 - A explosão de novos prestadores de serviços educacionais

Para se ter uma ideia do desenvolvimento muito rápido e, até certo ponto, descontrolado do ensino transnacional pode citar-se um trabalho de Ted Marchese, vice-presidente da American Association for Higher Education, em que apresenta uma extensa análise daquilo a que chama "uma mobilização explosiva de novos competidores" no ensino superior americano. O seu estudo retrata a emergência de várias tendências (Marchese, 1998), a saber:

i) Muitas das universidades e colégios existentes têm desenvolvido estratégias de descentralização física, provocando uma explosão de novas filiais dos campus iniciais;

ii) Uma percentagem crescente de instituições tem vindo a oferecer cursos de ensino a distância;

iii) Parcerias universitárias de grande dimensão estão a criar poderosas "universidades virtuais" para funcionar como entidades intermediárias dos seus cursos de ensino a distância;

iv) Redes com fins lucrativos, incluindo universidades, estão a atrair grandes investimentos da Wall Street para a oferta de ensino e formação de nível pós-secundário, num mercado que é considerado como "enorme e pronto para a colheita";

v) Universidades com fins lucrativos, bem financiadas e com ambição nacional e internacional, estão em rápida expansão;

vi) Uma multidão de novos prestadores "têm esperança de poderem vir a ser os intermediários por excelência para o enorme fluxo de oferta de cursos que atinge a Web";

vii) Grupos industriais associam-se para criar as suas próprias empresas de ensino, com a finalidade de reduzir a sua dependência das universidades existentes, devido à sua insatisfação com o ensino superior tradicional [um outro estudo recente mostra que o número de corporate universities nos Estados Unidos cresceu de 15 na década de 80 para cerca de 400 a meio da década de 90 (THES, 2002)].

A tendência para uma competição crescente a nível do ensino superior, tal como referido a propósito dos EUA, está a tornar-se global e também atingiu a Europa. Num relatório elaborado por Nikos Kokosalakis (1998) sobre o ensino superior privado na União Europeia, abrangendo nove países, verifica-se que no Sul da Europa existe um problema significativo com o crescimento rápido de prestadores de ensino não oficiais, i. e., não enquadráveis como instituição de ensino público ou de ensino privado com reconhecimento oficial: na Grécia, são referidas 130 instituições do género, com 28 000 estudantes inscritos; em Itália, são identificadas 62 instituições privadas e existe também uma grande quantidade de acordos de franchising e de intermediários educativos; em Espanha, mais de uma centena de instituições deste tipo estava em funcionamento. O fenómeno também se verifica noutros países europeus incluídos no relatório, mas em menor escala: no Reino Unido, cerca de 5% dos estudantes frequentaram, em 1992, cursos em instituições privadas de ensino superior; na Irlanda, foram listados oito colégios de natureza duvidosa (rogue colleges) e o desenvolvimento do ensino superior privado conduziu "a uma crescente preocupação pública com a necessidade de proteger os consumidores"; em França, referenciaram-se, em 1995, 42 instituições não reconhecidas que oferecem serviços de ensino superior e 654 mestrados e 282 MBA sem reconhecimento oficial.

Deste estudo emerge, como padrão, que a Inglaterra é, de longe, o maior exportador europeu de ensino superior; a Grécia, a Espanha e a Itália são, por seu turno, os maiores importadores. A Universidade Aberta, do Reino Unido, é um dos principais prestadores de ensino nos outros países europeus e, geralmente, as universidades inglesas são parte activa nos acordos de cooperação e na oferta de MA e MBA em todos os países envolvidos no estudo. Nesses mesmos países também estão presentes universidades americanas, que são os principais prestadores de ensino de fora da Europa.

Existem também exemplos, na Europa, de acções cooperativas a nível empresarial (O'Mahony, 1998) com vista a fazer formação "à medida", como, por exemplo, a British Aerospace Virtual University, a Daimler-Benz Corporate University ou a Lufthansa Business School. Estão também a aparecer instituições internacionais, como, por exemplo, o European University Centre for Management Studies, com mais de 12 campus disseminados pela Europa.

As principais conclusões de um estudo conduzido pela Confederação dos Conselhos de Reitores da União Europeia, com o apoio da Comissão Europeia (Adam, 2001), confirmam que o ensino transnacional se encontra presente, de uma ou outra forma, em todos os Estados membros da União Europeia, e que "a variedade e as permutações de instituições e de tipos de ensino transnacional são consideráveis". Relativamente aos padrões emergentes de ensino transnacional, este está "em grande parte limitado às áreas da gestão empresarial (especialmente MBA), tecnologias da informação, ciências dos computadores e ao ensino das línguas mais faladas".

2.2 - Formas de organização institucional

Numa situação tão dinâmica e fluida como a descrita, utilizam-se por vezes termos diferentes para designar conceitos semelhantes, mas nem sempre equivalentes, pelo que é importante clarificar um conjunto básico de definições. Alguns trabalhos recentes deram contributos relevantes para o estabelecimento de uma terminologia e sistematização de conceitos (Santos, 2000 e 2002; Adam, 2001; UNESCO/ COE, 2000).

Em primeiro lugar, há que distinguir entre os conceitos, que até certo ponto se sobrepõem, de ensino superior não oficial - respeitante a actividades de ensino superior que decorrem em paralelo, mas exteriormente, ao sistema oficial de ensino superior do país hospedeiro - e de ensino transnacional, relativo a actividades de ensino superior (programas de estudo, cursos ou serviços educativos, incluindo os de ensino a distância) nas quais os estudantes se encontram num país hospedeiro diferente daquele em que está sediada a instituição que concede o grau. Note-se que os programas transnacionais podem fazer parte do sistema oficial de ensino de um Estado que não coincide com o país hospedeiro, ou podem decorrer exteriormente a qualquer sistema de ensino nacional.

O ensino transnacional implica, consequentemente, a ultrapassagem das fronteiras dos sistemas de ensino superior nacionais e, em geral, enquadra-se na categoria do ensino superior não oficial no país hospedeiro. No entanto, o ensino superior não oficial pode também incluir instituições privadas que não sejam transnacionais.

O ensino transnacional é frequentemente associado ao franchising de instituições e programas, mas pode assumir, também, outros modos de transmissão. As diferentes formas de organização institucional podem sistematizar-se do seguinte modo:

Franchising: processo pelo qual uma instituição de ensino superior (franchiser) de um determinado país concede a outra instituição (franchisee) doutro país o direito de oferecer os programas e qualificações do franchiser no país do franchisee, independentemente da proveniência dos estudantes (sejam do primeiro, do segundo ou de qualquer outro país). Em muitos casos, o franchisee oferece apenas a primeira parte do programa de ensino, que pode conduzir a uma acumulação parcial de créditos para obtenção de uma qualificação posterior no franchiser, no contexto de uma "articulação de programas". O franchisee nem sempre é reconhecido no país hospedeiro, mesmo quando os programas e qualificações do franchiser oferecidos no país de origem são reconhecidos no país hospedeiro.

Campus filial: campus estabelecido por uma instituição de ensino superior de um país noutro país (o país hospedeiro), para aí oferecer os seus programas/qualificações, independentemente da proveniência dos estudantes. O sistema é semelhante ao do franchising, mas o franchisee é um campus do franchiser.

Articulação de programas: acordos interinstitucionais pelos quais duas ou mais instituições concordam em definir conjuntamente um programa de estudos em termos de unidades de crédito e transferências de créditos, permitindo que os estudantes de uma instituição vejam os seus créditos reconhecidos pela outra e se possam transferir para prosseguir os seus estudos A articulação de programas pode tomar a forma de "geminação de programas", de "acordos de articulação", ou outra similar.

Instituição internacional: instituição que oferece programas e qualificações ditas "internacionais", as quais não pertencem a um sistema de ensino específico. Este tipo de instituições pode ter campus filiais em vários países e é raramente reconhecido pelo país hospedeiro. Algumas poderão, contudo, estar acreditadas por uma agência de acreditação dos EUA, ou ter acordos de articulação com universidades americanas ou inglesas.

Instituição offshore: instituição autónoma estabelecida no país hospedeiro mas que pertence, do ponto de vista da sua organização e conteúdos, ao sistema de ensino de outro país, embora sem ter aí um campus. Trata-se de instituições raramente reconhecidas no país hospedeiro, embora algumas sejam acreditadas por agências de acreditação nos EUA e possam ter acordos de articulação com outras instituições educativas no país a que pertencem.

Universidade empresarial: estabelecida por uma grande empresa, que organiza os seus próprios estabelecimentos de ensino superior ou programas de estudo e oferece qualificações que não pertencem a nenhum sistema nacional de ensino superior.

Ensino a distância: conjunto amplo de actividades de aprendizagem em que o estudante e o professor estão fisicamente separados e que pode, ou não, estar organizado no quadro do sistema de ensino superior de um determinado país.

Universidade virtual: instituição cujo único contacto com o estudante se efectua através de meios de comunicação a distância.

Uma determinada instituição pode ajustar-se à descrição de mais de um tipo de organização institucional. Também podem surgir novas modalidades ou formas de organização, à medida que a procura do ensino superior continua a crescer e as tecnologias da comunicação se desenvolvem.

2.3 - Contributo para a diversificação da oferta de ensino superior

O ensino transnacional tem aspectos positivos, associados ao alargamento de oportunidades e formas de acesso ao ensino superior e à aproximação dos serviços educacionais aos potenciais utentes. Aliás, o crescimento explosivo de novos prestadores de ensino superior tem muito a ver com o binómio oferta-procura, quer em termos quantitativos quer qualitativos. Com efeito, a procura de ensino pós-secundário tem vindo a crescer continuamente, não apenas por parte dos estudantes tradicionais, mas também devido à emergência de novos públicos que querem uma formação superior de segunda oportunidade ou de actualização, acompanhando a evolução do conhecimento. O estabelecimento de fronteiras entre educação e formação tem, de facto, aumentado a necessidade de formação contínua e de aprendizagem ao longo da vida, através de formas mais flexíveis e dinâmicas. E, cada vez mais, são necessárias abordagens orientadas pela procura e dirigidas para os consumidores, "nas quais os estudantes podem escolher entre diversas fontes de ensino e em moldes por eles planeados" (OCDE, 1996). A necessidade de diversificação e de especializações assentes numa formação científica e cultural básica, o desemprego entre graduados e a exploração de sinergias de conhecimento contribuíram, adicionalmente, para o crescimento rápido da procura de estudos de pós-graduação.

Contudo, do ponto de vista da oferta, nem sempre os sistemas nacionais de ensino superior conseguem dar resposta adequada às necessidades de uma procura em contínua expansão, ficando frequentemente aquém do que se lhes pede (Kokosalakis, 1998). As instituições tradicionais estão, muitas vezes, organizadas sob formas rígidas e que privilegiam a oferta, faltando-lhes flexibilidade para responder atempadamente às novas necessidades em termos de conteúdos e metodologias. Consequentemente, estão criadas condições favoráveis para a emergência de prestadores alternativos, fora do campo do ensino superior tradicional, que rapidamente aproveitam as oportunidades de um mercado potencialmente lucrativo. Estes novos prestadores têm muitas vezes por alvo áreas novas, que foram negligenciadas pelas instituições tradicionais, e, frequentemente, preenchem nichos e utilizam abordagens flexíveis para se adaptarem às necessidades dos clientes.

O ensino transnacional, ao associar-se a estas novas oportunidades, pode, por conseguinte, representar um contributo para a diversificação dos programas de formação educativa e ou profissional. O ensino transnacional também é considerado como um meio para reforçar a internacionalização do ensino superior e promover a cooperação intercultural (Vlasceanu, 1999), podendo trazer benefícios às instituições de um país através de ligações com instituições estrangeiras prestigiadas (Adam, 2001).

2.4 - Problemas suscitados

Existe, porém, uma tensão crescente entre os sistemas educativos nacionais e este processo de globalização do ensino superior (Kokosalakis, 1998; Vlasceanu, 1999), sobretudo devido ao crescimento anárquico do ensino transnacional e aos problemas emergentes da necessária transparência e regulação. O aparecimento de "fábricas de diplomas" e de casos de legalidade duvidosa na concessão de graus contribui para o aumento dessas tensões e de legítimas preocupações. Num artigo arrasador do Times Higher Education Supplement (THES, 2000-b) intitulado "I'd like one doner Kebab and a PhD to take away", é referido um pequeno edifício num subúrbio de Londres que, com uma simples caixa de correio, constitui a "maior fábrica de diplomas do mundo", albergando cinco universidades, que, em dois anos, emitiram mais de 5000 diplomas. Este negócio fraudulento, em que se prometem diplomas de doutoramento, mestrado ou bacharelato em 10 dias, corrói a credibilidade do ensino superior e levanta problemas sérios de defesa do consumidor. Na realidade, algumas destas instituições fantasmas, que mudam frequentemente de nome, dispõem de sistemas sofisticados de backup para o caso de alguém pretender verificar a validade do diploma.

Existem, por outro lado, "receios, explicitados abertamente nas universidades bem estabelecidas e integradas, de que os recém-chegados [...] as possam 'desnatar', ou seja, oferecer apenas cursos de elevada procura mas de baixo custo, com margens sólidas de lucro [...], reduzindo a sua capacidade para, através dessas áreas, financiar outras de baixa procura ou de custos elevados, cuja manutenção corresponde a um interesse público legítimo" (Chipman, 1999).

3 - Bases para a regulação do ensino transnacional

Das considerações anteriores pode-se concluir que o modo como o ensino transnacional se tem desenvolvido tem implicações graves e causa alarme justificado. Kokosalakis (1998), no trabalho anteriormente referido, sublinha que os relatórios nacionais dos nove países envolvidos no seu estudo apontam "para a existência de problemas cruciais (levantados pelo ensino superior não oficial) na área da certificação, reconhecimento, paridade dos títulos, transparência, controlo e garantia de qualidade". As dificuldades são acrescidas pelo facto de o ensino transnacional se situar, frequentemente, fora do quadro oficial do ensino superior e, por isso, não ser abrangido pela supervisão formal dos padrões académicos.

Para se encontrarem formas e soluções para lidar com os problemas suscitados pelo ensino transnacional há, por conseguinte, que aprofundar as questões cruciais e interdependentes da regulação, da avaliação e do reconhecimento, tendo subjacente, como preocupação básica, a necessidade de proteger o consumidor.

3.1 - Regulação

O estudo conduzido pela Confederação (Adam, 2001) concluiu que, nos Estados membros da União Europeia, não existe, em geral, uma regulação específica ou mecanismos de controlo para o ensino transnacional. Pelo contrário, "na Europa, a abordagem mais comum é não regularizar os prestadores de ensino estrangeiros, a menos que estes procurem reconhecimento oficial para as suas instituições no âmbito de um sistema nacional". Quanto às qualificações, elas poderão "ser vistas de modo mais favorável se a entidade que as concede for reconhecida no seu país de origem".

No entanto, estas questões não devem ser encaradas apenas no contexto das estruturas legais e formais de regulação do ensino superior em cada país, porque as linhas de fronteira são diferentes e o que corresponde a uma qualificação oficial num país pode, noutro país, ser não oficial. Realmente, "o âmago do problema reside no âmbito do enquadramento transnacional da regulação e reconhecimento do ensino superior na União Europeia" (Kokosalakis, 1998) e qualquer medida reguladora deve ter em consideração a legislação nacional, a da União Europeia e a internacional, onde se incluem as directivas da União Europeia relativas ao mercado interno e à mobilidade, bem como as disposições do GATS.

A este respeito, é de notar que nos países que possuem quadros regulatórios abertos, i.e., onde é permitido e se encontra regulamentado o reconhecimento de novos estabelecimento e cursos de ensino superior, parece existirem menos problemas com o ensino transnacional, porque estes sistemas abertos tendem a absorver o ensino superior não oficial à medida que surge, conseguindo algum controlo sobre ele através da sua oficialização.

3.2 - Avaliação

O ensino superior não oficial levanta problemas relativamente à transparência e ao controlo da qualidade, porque se encontra fora do sistema oficial e, portanto, não está sujeito aos sistemas nacionais de avaliação do país hospedeiro. As dificuldades são agravadas pelo facto de a maioria dos novos prestadores de ensino não possuírem mecanismos internos de controlo de qualidade.

No caso de os programas oferecidos no país hospedeiro estarem integrados no sistema oficial do país da instituição que concede o grau, os problemas são em parte atenuados, porque a instituição conferente do grau se encontra, então, sujeita ao sistema de avaliação no seu país e os programas exportados em franchising são, muito provavelmente, reconhecidos no país de origem, ainda que se levante a sua adequação às circunstâncias do país hospedeiro. Aliás, as circunstâncias nem sempre são completamente claras e podem levantar-se problemas, designadamente pelas seguintes razões: a instituição conferente, mesmo que seja uma instituição pública no seu próprio país, transforma-se numa instituição privada no país hospedeiro, dependente, em termos financeiros, do pagamento de propinas; a instituição de que é parceira pode ser uma pequena organização, estabelecida recentemente e a quem falte tradição no ensino superior; o acordo de franchising pode não garantir um controlo suficiente por parte da instituição conferente no que diz respeito à supervisão do ensino e dos exames, à qualidade do pessoal e dos recursos ou à protecção dos estudantes.

De qualquer modo, a instituição que concede o grau é a principal responsável pela qualidade dos diplomas que oferece, pelo que, se os programas em franchising não mantiverem padrões de qualidade, pode ser afectada não só a própria imagem da instituição como a do sistema nacional de ensino superior em que se integra. Isto constitui, até certo ponto, um mecanismo de salvaguarda de padrões de qualidade, uma vez que o sistema nacional, através dos organismos relevantes (conferência de reitores, agência nacional de avaliação, Governo), não estará interessado em ver a sua imagem posta em causa e, portanto, tenderá a desenvolver medidas preventivas.

É compreensível, neste contexto, que os principais países exportadores de ensino superior, numa tentativa de dar resposta aos problemas da qualidade do ensino transnacional - na perspectiva da oferta - estabeleçam códigos de boas práticas que incluem recomendações às instituições que concedem o grau, com o objectivo de assegurar a qualidade do ensino e o nível das qualificações concedidas.

Ao contrário, quando a instituição que concede o grau não pertence a nenhum sistema oficial, a situação foge à regulação estabelecida pela oferta e é mais fluida e susceptível de levantar problemas. Alguns destes prestadores de ensino estão, contudo, conscientes da questão da imagem e procuram formas de legitimação para os seus cursos, por vezes através de ligações com universidades de renome. A acreditação internacional por agências privadas, em áreas temáticas, é outra possibilidade para se conseguir um rótulo de qualidade. Numa abordagem mais abrangente, a Global Alliance for Transnational Education (GATE) construiu um código de boas práticas para o ensino transnacional e um processo de certificação para as instituições que se submetem voluntariamente a processos de certificação e aderem aos princípios estabelecidos. Contudo, levantam-se críticas a este tipo de procedimento, de natureza privada.

Do ponto de vista da procura, ou seja, na perspectiva dos países receptores, podem-se identificar diversas formas de reacção na tentativa de resolver os problemas do ensino transnacional, desde a simples ilegalização de programas transnacionais até à integração desses programas no sistema oficial de ensino superior através de processos de reconhecimento.

A postura radical de manter um apertado controlo sobre o funcionamento do ensino transnacional não parece ser a mais conveniente, porque possivelmente entrará em conflito com a legislação comunitária ou internacional e, de qualquer forma, apenas servirá para adiar e não para resolver os problemas. Um exemplo recente diz respeito à Grécia, onde o ensino superior não oficial não é permitido pela Constituição e que, no decurso de uma acção do Tribunal Europeu, poderá alterar a legislação que abrange as universidades privadas, a paridade de graus, as qualificações académicas e os direitos profissionais, em harmonização com o resto da União Europeia (THES, 2000-a).

Uma abordagem mais prática e eficiente poderá ser a de instituir práticas apropriadas para conseguir algum controlo da oferta de ensino transnacional no país hospedeiro, nomeadamente pela criação de mecanismos e ou incentivos para a sua submissão a procedimentos de avaliação que se aplicam ao ensino superior oficial. Neste contexto, é importante que se protejam o título de "universidade", "instituto universitário" e "escola politécnica", bem como o poder de conferir graus e o reconhecimento público oficial.

No que diz respeito ao possível desenvolvimento de um quadro de referência qualitativa para o ensino transnacional, uma proposta detalhada e muito útil pode ser encontrada num relatório do projecto Borderless Education, desenvolvido no Reino Unido (CVCP, 2000):

"Sugerimos que os principais elementos de um quadro de referência qualitativa para o ensino sem fronteiras devem incluir: aceitação e segurança das qualificações; auditoria do sistema para a estruturação e aprovação dos curricula ou contratos de aprendizagem apropriados; um sistema de créditos reconhecido internacionalmente; qualificação oficial do corpo docente; segurança nos mecanismos de avaliação; uma abordagem de registo e certificação da consecução de objectivos que seja reconhecida internacionalmente; informação pública adequada e exacta sobre oportunidades de aprendizagem; sistemas aprovados de orientação e de tratamento de reclamações para os estudantes; processos transparentes de gestão da qualidade para cada agente da cadeia de formação educativa; acesso, assegurado pelo prestador, a recursos de aprendizagem adequados; publicação de orientações relevantes para as diferentes modalidades da oferta."

3.3 - Reconhecimento

O reconhecimento de instituições e de programas, para fins académicos e ou profissionais, envolve conflitos de interesses a diferentes níveis, nomeadamente entre, por um lado, a protecção de diplomas e de profissões tradicionais e, por outro, as necessidades relacionadas com a mobilidade e o mercado de emprego. Este assunto relaciona-se muito directamente com as questões do reconhecimento do interesse público das instituições de ensino superior e do registo de cursos, que são objecto de um outro parecer do CNAVES.

A questão do reconhecimento de diplomas e profissões é central ao processo de construção da União Europeia, pela sua interligação directa com o direito legítimo de estabelecimento do cidadão. Efectivamente, o direito que os cidadãos da União Europeia têm de circular livremente entre os Estados-Membros só terá conteúdo real e efectivo se, associada à mobilidade das pessoas, coexistir a portabilidade das suas habilitações académicas e qualificações profissionais, seja para prosseguimento de estudos, numa perspectiva de formação ao longo da vida, seja para garantir o potencial de empregabilidade em termos equivalentes aos do País em que as habilitações/qualificações foram adquiridas. Esta problemática tem merecido atenção ao mais alto nível político, sendo nomeadamente de apontar a Convenção de Lisboa sobre Reconhecimento de Qualificações (Conselho da Europa, 1997) e a criação da rede ENIC (European Network of Information Centres) no âmbito da UNESCO e Conselho da Europa e dos Centros NARIC (National Academic Recognition Information Centre), em Estados membros da União Europeia, centros estes também articulados em rede entre si e com a rede ENIC. A rede global NARICs/ENIC tem desenvolvido um trabalho importante, adquirindo experiência valiosa quanto ao reconhecimento de qualificações sob os auspícios da Convenção de Lisboa.

A problemática do reconhecimento é, porém, mais complexa no que respeita ao ensino transnacional. A Convenção de Lisboa fornece, na realidade, um alargado quadro de referência normativa e metodológica para lidar, em termos gerais, com o reconhecimento de qualificações concedidas no âmbito de acordos de colaboração transnacionais, particularmente no que diz respeito à mobilidade de estudantes. Contudo, a Convenção aplica-se apenas a qualificações emitidas no interior de um sistema de ensino superior reconhecido por um dos Estados signatários da Convenção, e não se refere às questões específicas do reconhecimento ligadas à educação transnacional. Neste contexto, é particularmente relevante o Código de Boas Práticas na Oferta de Ensino Transnacional (UNESCO/COE, 2001), que foi recentemente adoptado pelo Comité da Convenção de Reconhecimento de Lisboa. Este código tem como objectivo estabelecer um quadro de referência normativa, estruturado de forma a apresentar as perspectivas quer dos países exportadores quer dos países receptores de ensino transnacional. Apresenta um conjunto de princípios, na forma de declarações com valor normativo, com o objectivo de se constituir como fonte de referência para a garantia da qualidade e avaliação de programas, contribuir, numa lógica de protecção ao consumidor, para protecção de estudantes, empregadores e outros parceiros e, finalmente, facilitar o reconhecimento de qualificações.

Um outro aspecto importante diz respeito à transparência da certificação, que pode ser melhorada pelo uso sistemático do suplemento ao diploma desenvolvido numa iniciativa conjunta da Comissão Europeia, do Conselho da Europa e da UNESCO/CEPES. O suplemento ao diploma é um documento a ser passado conjuntamente com o diploma normal correspondente a qualquer dos graus do ensino superior, contendo, de forma estandardizada para todos os países, uma descrição do sistema nacional de ensino superior, a designação e estatuto da instituição que confere o grau, o nível da qualificação, duração oficial do programa de estudos e requisitos de acesso, o regime de estudos e conteúdos do curso frequentado, o historial de desempenho do estudante e ainda informações sobre a função da qualificação em termos de acesso a nível posterior de estudos e de estatuto profissional, quando aplicável. A sua finalidade é fornecer informação credível e comparável, permitindo às entidades de reconhecimento de habilitações, aos empregadores e às próprias instituições de ensino superior (para efeitos de admissão a prosseguimento de estudos) uma melhor apreciação do enquadramento e valor das qualificações obtidas. Se a emissão do suplemento ao diploma se tornar regra, dificilmente poderá ser evitado por instituições de ensino superior não oficiais e a informação adicional que contém dará um contributo valioso para se ajuizar do valor das qualificações emitidas.

4 - Implicações do GATS

Tem vindo a desenvolver-se um movimento forte no sentido de uma maior liberalização no comércio de serviços educacionais, conduzido essencialmente a partir dos Estados Unidos da América por interesses comerciais e corporativos no domínio da educação pós-secundária que contam com o apoio explícito da Administração Federal. Num encontro recente em Washington, D. C. (OECDIUS Forum ou Trade in Educational Services, 23 e 24 de Maio de 2002), que contou com cerca de 250 delegados de 28 países, embora com grande predomínio de delegados americanos, representantes seniores da Administração Bush exprimiram o desapontamento americano pelo facto de os compromissos existentes relativos à inclusão da educação e formação no GATS serem ainda reduzidos e não esconderam os esforços dos Estados Unidos "para obterem mais compromissos por parte de nações co-participantes da WTO", no sentido de garantir competição internacional em serviços educacionais com um mínimo de intervenção governamental. A motivação de impulsionar a balança comercial dos Estados Unidos da América foi explicitamente assumida.

Os defensores da liberalização do comércio no ensino superior argumentam que a inclusão no GATS ajudaria a eliminar barreiras existentes, como sejam: os quadros jurídicos que reconhecem a educação pós-secundária como um produto público e não uma "função proprietária"; as políticas que restringem o acesso ao mercado de serviços educacionais por parte de fornecedores estrangeiros; restrições à posse de universidades por entidades estrangeiras; e legislação que impede ou limita a acreditação de fornecedores estrangeiros.

Estas tendências para a liberalização desregulada do ensino superior levanta sérias reservas por parte de entidades ligadas ao ensino superior e de governos em muitos países, que contrapõem o facto de o ensino superior não se poder reduzir a um mero produto comercial, governado pelas forças do mercado. De entre as posições assumidas a nível regional, inter-regional e global salientam-se, pela sua representatividade: a declaração conjunta subscrita em Setembro de 2001 pela European University Association (EUA), o American Council on Education (ACE), a Association of Universities and Colleges of Canada (AUCC) e o Council for Higher Education Accreditation (CHEA); a declaração conjunta assinada em Março de 2002 pela EUA e pela ESIB (The National Unions of Students in Europe); o memorando The Bologna Process and the GATS Negotiations adoptado pela EUA em Junho de 2002; e o comunicado da International Association of University Presidents (IAUP) emitido em Dezembro de 2001.

Todas essa posições incidem sobre, e salientam, um conjunto de princípios a ter em consideração, que se poderão sumariar do seguinte modo:

A educação constitui um direito humano fundamental, não podendo ser encarado como uma mercadoria sujeita a forças não reguladas e incontroladas do mercado;

O ensino superior é um bem público, ao serviço do desenvolvimento dos indivíduos e do desenvolvimento sustentado da sociedade como um todo;

Consequentemente, o ensino superior constitui uma responsabilidade pública, devendo continuar a ser regulado pelas autoridades públicas legítimas;

Obstáculos à internacionalização do ensino superior devem ser removidos, por forma a estimular uma competição promotora da qualidade do ensino superior, mas esses objectivos devem ser atingidos através de um novo quadro legal de regulação para o reconhecimento académico, a garantia de qualidade e a acreditação, quadro esse a ser desenvolvido pelas instâncias académicas com o suporte de autoridades públicas nacionais e regionais;

Por sua vez, serviços educacionais de natureza pública e privada devem coexistir e cooperar para a satisfação das necessidades educacionais da sociedade, respondendo, público e privado, aos mesmos critérios de acesso, garantia de qualidade e acreditação;

O regime do GATS não poderá, consequentemente, ser aplicado indiscriminadamente ao ensino superior sem uma clara compreensão da natureza deste nível de ensino e sem o envolvimento completo do sector académico e das autoridades públicas nacionais nas negociações sobre a comercialização de serviços educacionais, devendo quaisquer regras que venham a ser adoptadas ser consistentes, transparentes e públicas;

A aplicação do GATS pode asfixiar os sistemas nacionais de ensino superior em países em vias de desenvolvimento.

Sendo de subscrever todas as preocupações apontadas, o CNAVES chama em particular a atenção para este último ponto, relativo aos países em desenvolvimento. Efectivamente, a simples consulta do último relatório do desenvolvimento humano do PNUD (2002) é bem elucidativa das gritantes assimetrias nos quadros de indicadores relativos ao índice de desenvolvimento humano entre os países de desenvolvimento elevado, médio e baixo, nomeadamente no que respeita às taxas de escolaridade e ao índice de educação. É por demais óbvio o papel que, neste contexto, deverá ser desempenhado pelos sistemas nacionais de ensino superior, devidamente contextualizados face às realidades social, cultural e económica, num ambiente em que a cooperação internacional se baseie fortemente no princípio da solidariedade. Esses sistemas, de um modo geral frágeis, não conseguiriam sobreviver a uma concorrência desregulada do ensino transnacional sob regras do GATS, nomeadamente pelas limitações que essas regras introduziriam ao financiamento público selectivo das instituições nacionais.

As implicações negativas de uma liberalização desregrada do ensino superior não se limitam, porém, aos países em desenvolvimento. Uma questão crucial que, efectivamente, se levanta em relação ao ensino transnacional é o da ameaça de valores universitários tradicionais face às alterações profundas no modo como é ministrado o ensino transnacional. A comercialização do ensino superior, num ambiente de competição que raia o selvagem, levanta, na realidade, conflitos sérios com o ethos universitário de reflexão e procura desinteressada do conhecimento: os prestadores alternativos de serviços educacionais não produzem necessariamente novos conhecimentos, preocupam-se mais com a transmissão do conhecimento existente e "podem estar a basear o seu negócio sobre um dos mitos mais destrutivos do nosso tempo, a ideia de que o desenvolvimento do intelecto, a compreensão profunda e aptidões valiosas podem ser transmitidas através de oferta a distância", como foi notado pelo Presidente da Associação dos Colégios e Universidades Americanas (Schneider, 1998).

É essencial que a tradicional universidade de investigação disponha de condições para poder manter a sua dedicação ao estudo desinteressado, de que se orgulha, e à criação de um ambiente de aprendizagem adequado à socialização e à formação do carácter dos estudantes, num equilíbrio judicioso com a resposta às necessidades que emergem de expectativas sociais novas e mais abrangentes. Acima de tudo, a universidade moderna, tal como as antigas academias gregas, deve valorizar como ponto essencial da sua missão institucional a questão do tipo de cidadãos que ela pretende que os seus graduados venham a ser.

A aplicação incondicional do GATS poderia vir a dar razão àqueles analistas que prognosticam que, dentro de 25 anos, a universidade, tal como a conhecemos, deixará de existir, sendo substituída por enormes conglomerados e corporações excepto, talvez, no que respeita a umas poucas universidades regionais de grande prestígio (Thorne, 1999). Um tal ponto de vista não pode, obviamente, ser aceite. Mudanças enormes vão certamente ocorrer, como consequência das cada vez maiores expectativas que a sociedade coloca no ensino superior, mas o valor intrínseco da "vida no campus" - o valor acrescentado da interacção face-a-face - deverá permanecer como elemento essencial para a aquisição das capacidades e competências transferíveis que se revestem de uma importância crucial para os mercados de trabalho de hoje e de amanhã.

5 - Conclusões e recomendações

A internacionalização do ensino superior, no contexto da sua acelerada globalização, levanta questões de âmbito institucional e sistémico a merecer uma atenção cuidada.

No plano institucional, a resposta aos desafios da internacionalização não é já compatível com abordagens casuísticas e fragmentadas, devendo antes passar pela definição de políticas institucionais para a internacionalização, onde se definam e priorizem objectivos e metas, num processo selectivo de escolha de parcerias estratégicas para articulações bilaterais e em rede. A este respeito, são de notar as parcerias e consórcios que se têm vindo a desenvolver para a oferta de cursos de graduação ou pós-graduação conjuntamente por diversas instituições de vários países, cujos diplomas são automaticamente reconhecidos por todas as instituições participantes e, consequentemente, são válidos em todos os países envolvidos, e em que os estudantes podem obter os créditos necessários à obtenção do grau em uma ou várias das instituições da parceria, na medida em que as componentes curriculares obtidas numa das instituições são automaticamente reconhecidas pelas restantes. Programas desta natureza aparecem, por vezes, referidos como "programas europeus". A participação de universidades portuguesas neste tipo de programas tem vantagens óbvias de prestígio, aquisição de experiência e massa crítica, experimentação com novas metodologias de aprendizagem e com processos de transferência e de acumulação de créditos que poderão ser de grande valor na organização de programas de formação ao longo da vida.

Na formulação das políticas institucionais para a internacionalização, a cooperação com os países de expressão portuguesa deverá, naturalmente, merecer uma atenção específica.

No plano sistémico, o ensino transnacional traz para o campo do ensino superior uma situação de fluidez e competição que altera completamente o enquadramento deste nível de ensino, podendo mesmo colocar em risco os conceitos de universidade ou de escola politécnica, instituições estas que não podem ser reduzidas a meros estabelecimentos "fornecedores de serviços" a "clientes" (entre os quais se encontram os estudantes que concluíram o ensino secundário). Por sua vez, tanto a dimensão nacional como a europeia do problema devem estar presentes quando se estabelecem medidas destinadas a reforçar os aspectos benéficos do ensino transnacional, no que diz respeito às oportunidades de aprendizagem, e para resolver ou reduzir as dificuldades relacionadas com a qualidade e os padrões das qualificações concedidas.

Uma questão inicial e básica é a da clarificação e transparência. Uma melhor compreensão da base normativa do ensino transnacional, das suas práticas e dos seus efeitos é essencial como forma de o tornar aceitável quer para os sistemas receptores quer para os emissores. A transparência nos mecanismos de regulação, na formulação de acordos transnacionais, na sua monitorização e avaliação e no reconhecimento e certificação das qualificações é um pré-requisito fundamental para atenuar os problemas.

Com vista à operacionalização desses objectivos, avançam-se algumas recomendações, sob a forma de linhas de actuação que exigem um grau de intervenção significativo a nível nacional.

1) Informação sobre o ensino transnacional

É responsabilidade das instituições de ensino superior, dos governos e das entidades internacionais aumentar o conhecimento público sobre os diversos elementos a ter em conta nos serviços de ensino transnacional, tais como o estatuto das instituições, a sua acreditação e o reconhecimento dos seus programas de estudo. As autoridades nacionais também devem providenciar informação actualizada sobre as instituições e os diplomas reconhecidos oficialmente, como forma de desmascarar as actividades de falsas instituições. O banco de dados nacional que se encontra previsto desde o início do funcionamento do sistema nacional de avaliação assume, neste contexto, uma importância acrescida e não pode continuar a ser adiado.

2) Quadro normativo de regulação

O quadro legal para a regulação do ensino superior precisa de ser seriamente ponderado em cada país, de forma a ser desenvolvida uma abordagem mais abrangente, diversificada e elaborada, tendo sempre presente que os sistemas abertos de regulação se adaptam mais facilmente às formas novas e não oficiais de oferta de ensino superior. Devem-se encorajar, portanto, medidas que ajudem os novos prestadores de ensino superior a obter reconhecimento oficial, desde que satisfaçam condicionalismos rigorosos de qualidade. É particularmente necessária uma acção a nível nacional para protecção de títulos e diplomas e para aperfeiçoar a legislação respeitante ao marketing, descrição e distribuição de serviços educativos, como forma de denunciar instituições e actividades de ensino superior duvidosas ou fraudulentas.

A definição clara e rigorosa dos requisitos necessários para o reconhecimento oficial de instituições de ensino superior e para o registo de cursos em Portugal é, por conseguinte, uma prioridade incontestável, o CNAVES, em parecer autónomo, apresenta uma reflexão e recomendações sobre esta matéria.

3) Papel das agências nacionais de avaliação

As agências nacionais de avaliação deverão incluir, no seu âmbito de actuação, o ensino transnacional, acompanhando a sua evolução e fornecendo ao público aconselhamento e informação adequados, sendo conveniente que, para o efeito, se articulem com as respectivas agências NARIC. No plano da cooperação entre as agências nacionais, a European Network for Quality Assurance in Higher Education (ENQA) poderá assumir um papel central no acompanhamento e na troca de informação relativas à qualidade e à transparência na oferta de ensino transnacional. Para este efeito, deverá seguir de perto a forma como os sistemas nacionais de garantia da qualidade lidam com a avaliação do ensino superior não oficial, tendo como objectivo a disseminação de exemplos de boas práticas. Assim, a ENQA poderá estabelecer-se como um fórum de acompanhamento da dimensão de garantia da qualidade do ensino transnacional e ajudar as autoridades nacionais e agências de avaliação a desenvolver acções apropriadas. Deve-se enfatizar, contudo, que a rede não é - nem se pretende que seja - uma agência europeia de acreditação, pois que as competências para a avaliação e a acreditação de instituições e ou cursos são, e deverão continuar a ser, uma competência nacional, exercida de forma devidamente contextualizada e salvaguardando a diversidade cultural que é uma das grandes riquezas da Europa.

Transferindo estas considerações para o caso português, preconizam-se, nomeadamente, as seguintes medidas:

A inclusão de parcerias institucionais nos elementos a serem objecto de avaliação, aproveitando para o efeito a adaptação dos guiões de auto-avaliação e de avaliação externa ao conceito de "avaliação por área funcional";

A abertura dos conselhos de avaliação a eventuais solicitações de instituições de ensino superior de natureza transnacional para a avaliação de programas educacionais que leccionem em Portugal;

Uma articulação entre o CNAVES e a agência NARIC portuguesa, com vista à recolha e troca de informações;

Um papel activo dos representantes nacionais na ENQA, com vista aos objectivos atrás referidos.

4) Internacionalização da avaliação

A declaração de Bolonha apela à promoção da cooperação europeia no domínio da avaliação, por forma a serem desenvolvidos critérios e metodologias comparáveis. Por sua vez, o comunicado da Cimeira Ministerial de Praga reconhece o papel vital dos sistemas de avaliação na garantia de standards de qualidade e como meio para facilitar a comparabilidade de qualificações na Europa, enfatizando a necessidade de uma cooperação estreita e de confiança mútua entre os sistemas nacionais de avaliação e encorajando a cooperação entre as redes de avaliação e de reconhecimento de graus.

A internacionalização da avaliação, que tem passado, nas instituições de ensino superior portuguesas, por uma participação activa em exercícios voluntários de avaliação supranacional, deverá, pois, ser incentivada no sentido de dar aos processos de avaliação desenvolvidos no âmbito das agências nacionais de avaliação uma dimensão europeia/internacional com a finalidade de corresponder aos objectivos acima expressos e, em última análise, permitir o caminhar para processos de reconhecimento mútuo entre as agências membros da ENQA.

Para o efeito, os conselhos de avaliação em Portugal, para além de uma participação activa nas realizações da ENQA, deverão nomeadamente promover a internacionalização das equipas de avaliação, seleccionando os avaliadores estrangeiros preferencialmente por via institucional através das agências de avaliação dos respectivos países, por forma a sistematizar mecanismos de aprofundamento do conhecimento mútuo entre agências e sistemas nacionais e, por essa via, construir um clima de confiança mútua.

Um outro aspecto a considerar, para esse esforço de internacionalização, diz respeito à grande conveniência em se definir em Portugal um "código de boas práticas" que, por um lado, oriente as instituições nacionais ou as instituições transnacionais que operem em Portugal e, por outro, sirva para que as agências de avaliação dos outros países possam concluir e formular juízos de valor sobre os critérios, metodologias e standards do processo nacional de avaliação.

5) Transparência na certificação

Tal como mencionado anteriormente, é importante generalizar o uso do suplemento ao diploma como uma forma de introduzir mais transparência na certificação de qualificações e oferecer melhor informação para a protecção do consumidor e para os procedimentos de reconhecimento. Uma questão essencial à certificação, como forma de expor instituições não reconhecidas oficialmente, é o estatuto da instituição de ensino superior que concede o grau, aspecto este incluído no suplemento ao diploma. Recomenda-se, por conseguinte, que a emissão do suplemento ao diploma passe a constituir um acto obrigatório, por iniciativa de auto-regulação conjunta assumida pelos órgãos de coordenação dos subsistemas (CRUP, CCISP e APESP) ou, se tal se revelar impraticável, por iniciativa legislativa. Entretanto, como acção de natureza pedagógica, os relatórios de avaliação externa deverão passar a assinalar, como aspecto positivo, os casos em que a emissão do suplemento ao diploma é já uma realidade.

6) Posição portuguesa perante o GATS

A posição dos Estados membros da União Europeia em relação à inclusão de serviços educacionais no GATS não é uniforme, registando-se casos de discordância frontal (Bélgica e França) e, por outro lado, indicações de interesse no GATS para a educação (Alemanha, Holanda, Noruega, Reino Unido). O CNAVES recomenda que o Governo Português defina a sua posição sobre esta matéria em consonância com as preocupações anteriormente expressas e em estreita articulação com as instituições de ensino superior e as suas entidades representativas.

Ao tomar a iniciativa deste parecer e emitir as recomendações atrás expressas, o CNAVES assume, para si próprio, uma responsabilidade e um compromisso, no sentido de acompanhar de perto a evolução, previsivelmente estonteante, do ensino transnacional e dar o contributo que lhe compete para a defesa dos consumidores de serviços educacionais em Portugal.

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Aprovado, por unanimidade, em 1 de Outubro de 2002, na 43.ª reunião plenária do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior.

O Presidente, Adriano Moreira.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/2064829.dre.pdf .

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