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Acórdão 302/2001/T, de 6 de Novembro

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Texto do documento

Acórdão 302/2001/T. Const. - Processo 15/99. - Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - 1 - No Tribunal Judicial de Castelo Branco, Sebastião Agostinho Monteiro e mulher, Maria do Céu Sarreira Tomaz Monteiro, instauraram acção declarativa na forma sumária contra J. Castanheira, Lda., pedindo a condenação da ré a despejar imediatamente a cave, o rés-do-chão e o 1.º andar do prédio urbano sito na Avenida do 1.º de Maio, 8 a 14, em Castelo Branco, de que era arrendatária. Os autores haviam adquirido o referido prédio por sucessão testamentária e por compra aos co-legatários do anterior senhorio, José Castanheira.

Como fundamentos para o pretendido despejo invocaram os senhorios:

A existência de subarrendamentos não autorizados e não comunicados, quer aos actuais senhorios, quer ao anterior;

A cobrança pela locatária de rendas, relativamente a esses subarrendamentos, em montantes superiores ao legalmente permitido:

Por fim, a existência de empréstimos ou cedências gratuitas relativamente a algumas salas do 1.º andar, nomeadamente a sala n.º 5, esta realizada já após o falecimento do anterior senhorio, igualmente não autorizadas nem comunicadas aos senhorios.

A inquilina contestou, alegando, em suma, que os subarrendamentos e ou cedências em causa, para além de se encontrarem autorizados por cláusula expressa do contrato de arrendamento, tinham também sido expressamente autorizados pelo anterior senhorio e eram do seu conhecimento. Quanto àquela sala n.º 5, a respectiva cedência teria sido comunicada ao administrador do prédio, tendo, de resto, os senhorios dela conhecimento pelo menos desde data anterior à da sua aquisição do prédio, pelo que em todo o caso caducara, à data da propositura da acção, o direito de resolução do contrato com tal fundamento.

2 - A resolução do contrato de arrendamento foi decretada por sentença de 19 de Dezembro de 1997 (fls. 151 e seguintes).

Tendo ficado provado que "o anterior senhorio, José Castanheira, autorizou os subarrendamentos e a cedência gratuita", mas que, no que à sala n.º 5 do 1.º andar diz respeito, a sua cedência gratuita foi efectuada sem que os autores a autorizassem e sem que lhes tivesse sido efectuada qualquer comunicação, a decisão considerou verificado, no caso, o fundamento constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 64.º do Regime do Arrendamento Urbano (abreviadamente designado RAU), aprovado pelo Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro, ou seja, porque aquela cedência gratuita da sala n.º 5 do 1.º andar do prédio em causa não fora autorizada pelos senhorios, nem lhes fora comunicada, nunca os mesmos tendo reconhecido o beneficiário de tal cedência, foi decretado o despejo de todo o locado. Com efeito, no tocante aos restantes fundamentos invocados, a acção foi considerada não procedente.

Inconformada, a locatária J. Castanheira, Lda., interpôs recurso dessa sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Nas suas alegações, suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 64.º do RAU, nos termos seguintes:

"No caso dos autos decretar-se a resolução do contrato de arrendamento que tem por objecto o rés-do-chão e 1.º andar afectos a fins diferentes com fundamento num incumprimento de uma obrigação que respeita tão-somente a uma sala do 1.º andar, a qual não representa uma vigésima parte do valor desse prédio, perfeitamente autonomizável, é impor ao inquilino uma sanção manifestamente excessiva e desproporcionada face à sua conduta em concreto, sendo evidente que nos deparamos com uma aplicação claramente ilegal e inconstitucional do disposto na alínea f) do artigo 64.º do RAU.

Ilegal porque a aplicação daquela norma tem que se subordinar numa perspectiva sistemática ao disposto nos artigos 292.º e 1028.º ambos do Código Civil e inconstitucional porque violadora do citado princípio da proporcionalidade.

Devendo referir-se que o artigo 64.º do RAU viola claramente aquele princípio da proporcionalidade, pois deveria estipular, em termos expressos, a possibilidade de redução de negócio jurídico sempre que a violação em concreto do contrato importasse a sua subsistência na parte em que se não verificasse qualquer vício, porque assim é temos de concluir que se trata de uma norma inconstitucional porque viola o artigo 8.º da CRP."

Os senhorios recorridos juntaram contra-alegações, em que afirmaram:

"Não faz sentido nem se entende que ao senhorio pudesse ser imposta a obrigação de manter um inquilino, que seria despejado, na tese da apelante, somente da sala emprestada ilicitamente a terceiro.

Recorde-se a diferença de tratamento que a lei impõe em caso de incumprimento do senhorio e em caso de incumprimento do inquilino.

Quanto àquele, o arrendatário pode resolver o contrato nos termos gerais do direito [...] A resolução é possível sempre que o senhorio não cumpra o contrato (incumprimento definitivo), podendo a mesma operar por mera declaração à outra parte.

Quanto à resolução por incumprimento por parte do arrendatário, a mesma tem de ser decretada judicialmente.

Acresce depois que nem todas as situações de incumprimento pelo arrendatário permitem ao senhorio resolver o contrato. O artigo 64.º é bem categórico: o senhorio só pode resolver o contrato nos casos previstos nas alíneas a) a j) do n.º 1.

[...]

Quer isto dizer, em nosso modesto parecer, que o nosso legislador teve de facto em conta o princípio da proporcionalidade quando deu corpo ao artigo 64.º do RAU."

3 - Por Acórdão de 4 de Novembro de 1998, a Relação de Coimbra negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida (fls. 182 e seguintes).

No tocante à questão de inconstitucionalidade suscitada, entendeu-se nesse aresto:

"Segundo Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, 4.ª ed., pp. 315 e segs., parece líquido que este princípio [o princípio da proporcionalidade] não é máxima constitucional axiomaticamente derivada de um sistema ou ordem de valores, mas um princípio normativo concreto da ordem constitucional portuguesa.

Tem a sua expressão no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, ao referir que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e aflora-se, por exemplo, no artigo 272.º, n.º 2, da nossa lei fundamental, quando aí refere que as medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.

Quer com isto significar a nosso ver - e salvo melhor entendimento - que este princípio terá aplicação quando se depara perante um cidadão um acto de natureza pública e não, como é o caso, em que estão em análise meras relações jurídico-privadas.

Seja como for, mesmo que assim se não entenda, não se vislumbra como é que a alínea f) do RAU [sic] pode ofender aquele princípio, pois, a levar-se ao fim o raciocínio expendido pela apelante, teríamos que, em caso de cedência (ilegal) parcial do arrendado pelo locatário, o senhorio apenas poderia obter o despejo da parte ilicitamente ocupada, mantendo-se válido no restante o convénio.

Cremos que é solução que não tem o arrimo de qualquer princípio da lei ordinária ou constitucional."

4 - É desta decisão que vem interposto o presente recurso pela ré, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da questão de incons titucionalidade da norma constante do artigo 64.º, n.º 1, alínea f), do RAU, por violação do princípio da proporcionalidade.

Já neste Tribunal, a recorrente apresentou alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

"a) O direito dos AA., com o decretamento total do despejo do locado, violou o princípio da proibição do excesso;

b) A alínea f) do n.º 1 do artigo 64.º do RAU, com referência à alínea g) do artigo 1038.º do Código Civil, ao não estabelecer uma solução que permita a manutenção de um contrato sempre que o princípio da proporcionalidade o imponha, configura-se inconstitucional;

c) Na interpretação dada à alínea f) do n.º 1 do artigo 64.º do RAU que possibilitou a resolução do contrato foram violados os artigos 3.º, 8.º e 18.º da CRP."

Os recorridos juntaram contra-alegações, concluindo pela não inconstitucionalidade da norma em causa, nos termos da fundamentação que aduziram perante o Tribunal da Relação.

Tendo havido mudança de relator, por vencimento, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II - 5 - A norma submetida à apreciação deste Tribunal dispõe:

"Artigo 64.º

Casos de resolução pelo senhorio

1 - O senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário:

[...]

f) Subarrendar ou emprestar, total ou parcialmente, o prédio arrendado, ou ceder a sua posição contratual, nos casos em que estes actos são ilícitos, inválidos por falta de forma ou ineficazes em relação ao senhorio, salvo o disposto no artigo 1049.º do Código Civil;

[...]"

A recorrente entende que a norma deste artigo 64.º, n.º 1, alínea f), do RAU, ao não permitir a redução do contrato de arrendamento, nos casos de incumprimento ou violação de apenas parte do mesmo, e ao não prever a consequente subsistência da parte ou partes não afectadas pela violação verificada, viola o princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado.

Neste sentido, perante o Tribunal da Relação, a recorrente argumentou que aquele princípio da proporcionalidade encontra "aplicação concreta" nas disposições dos artigos 292.º, 334.º e 1028.º do Código Civil, "que estabelecem a manutenção de um contrato ou de uma situação jurídica na parte não afectada por qualquer vício em obediência precisamente aos princípios da proporcionalidade e da boa fé", sendo certo que daí resultaria, desde logo, a necessidade da aplicação, in casu, do referido artigo 1028.º do Código Civil, decretando-se a resolução do arrendamento apenas em relação ao 1.º andar.

Dispõem os mencionados preceitos do Código Civil:

"Artigo 292.º

Redução

A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.

Artigo 334.º

Abuso do direito

É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Artigo 1028.º

Pluralidade de fins

1 - Se uma ou mais coisas forem locadas para fins diferentes, sem subordinação de uns a outros, observar-se-á, relativamente a cada um deles, o regime respectivo.

2 - As causas de nulidade, anulabilidade ou resolução que respeitem a um dos fins não afectam a parte restante da locação, excepto se do contrato ou das circunstâncias que o acompanham não resultar a discriminação das coisas ou partes da coisa correspondentes às várias finalidades, ou estas forem solidárias entre si."

Ora, o acórdão recorrido, analisando os diversos argumentos que lhe foram apresentados, afastou o ponto de vista defendido pela ora recorrente.

Quanto à questão de saber se seriam aplicáveis ao caso dos autos estas normas invocadas pela então apelante, disse o Tribunal da Relação de Coimbra:

"[...] conforme resulta inequivocamente do contrato de arrendamento de fl. 27, o referido convénio apresenta características de unicidade no sentido de que teve por objecto não só o estabelecimento comercial ou armazém como também o 1.º andar do prédio.

Não houve pois a celebração de dois convénios que tivessem como objecto, um, uma das partes do imóvel (o tal estabelecimento comercial) e, outro, o mencionado 1.º andar.

O que significa a nosso ver que, prima facie - e se não houver razões que a isso se venham a opor -, a violação de qualquer dos deveres do locatário que origine a resolução do contrato, e uma vez que este é único, é indiferente que se verifique quer a um quer a outro piso do imóvel.

Socorre-se a recorrente do estabelecido no artigo 1028.º do Código Civil.

A nosso ver sem razão, contudo, e pela simples razão que, como ressalta explicitamente do seu próprio texto, versa tal normativo as hipóteses de arrendamentos com pluralidade de fins (por exemplo para comércio e ao mesmo tempo habitação do inquilino-comerciante).

Não é manifestamente o caso dos autos, pois e como está claramente escrito (e não foi posto minimamente em causa) qualquer dos andares em causa destinou-se ao mesmo fim - 'exercício de qualquer ramo de comércio e serviços'.

Não estamos pois perante a situação descrita no aludido comando legal, caso em que então, sim, se poderia hipotisar a validade de uma das partes da locação.

Igualmente ao socorrer-se do artigo 292.º do mesmo Código, cremos que tal se deverá a manifesto lapso, já que este normativo prevê a redução, sim, mas de negócio jurídico nulo ou anulado parcialmente.

E o que aqui se trata é de resolução de contrato e não de declaração de nulidade de um qualquer negócio jurídico.

[...]

E não se vislumbra como [...] possa ocorrer [...] abuso de direito da sua parte (cf. artigo 334.º do Código Civil), pois naturalmente o facto de ser legatário de alguém que fundou uma sociedade não pode ser impeditivo de propor acção de despejo, caso a locatária viole os deveres que a lei lhe impõe, como é óbvio, pois tal actuação não fere a consciência ético-jurídico-social da comunidade.

[...]"

A propósito da violação do princípio da proporcionalidade suscitada pela ora recorrente, o Tribunal da Relação de Coimbra, começando por afirmar que tal princípio "terá aplicação, quando se depara perante um cidadão um acto de natureza pública e não, como é o caso, em que estão em análise meras relações jurídico-privadas", acrescentou que "mesmo que assim se não entenda, não se vislumbra como é que a alínea f) do n.º 1 do artigo 64.º do RAU pode ofender aquele princípio, pois, a levar-se ao fim o raciocínio expendido pela apelante, teríamos que em caso de cedência (ilegal) parcial do arrendado pelo locatário o senhorio apenas poderia obter o despejo da parte ilicitamente ocupada, mantendo-se válido no restante o convénio".

E concluiu que a solução propugnada "não tem o arrimo de qualquer princípio da lei ordinária ou constitucional".

6 - Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 153), "o princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias); (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa 'justa medida', impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos".

Entre nós, a consagração constitucional do princípio da proporcionalidade não merece contestação, pelo menos desde 1982. Com efeito, a Constituição da República Portuguesa, desde a primeira revisão constitucional, consagra no seu artigo 2.º o Estado de direito democrático, sendo certo que o princípio da proporcionalidade se encontra ínsito nesse conceito político-jurídico, do qual constitui uma necessária decorrência.

O mesmo princípio da proporcionalidade aflora, aliás, em várias disposições constitucionais relevantes: no artigo 18.º, n.º 2, relativo às restrições aos direitos, liberdades e garantias; no artigo 19.º, n.º 4, impondo expressamente o respeito pelo princípio da proporcionalidade na opção pelo estado de sítio ou pelo estado de emergência, bem como nas respectivas declaração e execução; no artigo 19.º, n.º 8, no que concerne às providências a tomar pelas autoridades com vista ao restabelecimento da normalidade constitucional; no artigo 28.º, n.º 2, relativo à prisão preventiva; no artigo 30.º, n.º 5, prevendo as limitações a direitos fundamentais que decorram das exigências próprias da execução de penas ou medidas de segurança ou inerentes ao sentido da condenação; no artigo 266.º, n.º 2, que consagra expressamente a subordinação dos órgãos e agentes administrativos ao princípio da proporcionalidade; no artigo 270.º, relativo às restrições ao exercício de direitos dos militares e agentes militarizados, bem como dos agentes dos serviços e forças de segurança; no artigo 272.º. n.º 2, referente às medidas de polícia.

De resto, o Tribunal Constitucional tem sucessivamente reconhecido o valor constitucional do princípio da proporcionalidade (cf. entre muitos outros: Acórdão 25/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2.º vol., p. 7; Acórdão 85/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º vol., p. 245: Acórdão 64/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol., p. 319; Acórdão 349/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.º vol., p. 507; Acórdão 363/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.º vol., p. 79; Acórdão 152/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.º vol., p. 323; Acórdão 634/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26.º vol., p. 205; Acórdão 370/94, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28.º vol., p. 169; Acórdão 494/94, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 28.º vol., p. 433; Acórdão 59/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º vol., p. 79; Acórdão 572/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32.º vol., p. 381; Acórdão 758/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32.º vol., p. 803; Acórdão 958/96, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 34.º vol., p. 397; Acórdão 1182/96, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35.º vol., p. 447).

É assim possível encarar o princípio da proporcionalidade como um princípio objectivo da ordem jurídica. E, se é certo que a aplicação do princípio da proporcionalidade se viu inicialmente restrita à conformação dos actos dos poderes públicos e à protecção dos direitos fundamentais, há que reconhecer que foi admitido o posterior e progressivo alargamento da relevância de tal princípio a outras realidades jurídicas, não se detectando verdadeiros obstáculos à sua actuação no domínio das relações jurídico-privadas.

Não se contesta portanto que o princípio da proporcionalidade seja princípio geral de direito, conformador não apenas dos actos do poder público mas também, pelo menos em certa medida, dos actos de entidades privadas e inspirador de soluções adoptadas pela própria lei no domínio do direito privado.

7 - Tendo em conta esta perspectiva, vejamos se a norma do artigo 64.º, n.º 1, alínea f), do RAU - ao não permitir a redução do contrato de arrendamento, nos casos de incumprimento ou violação de apenas parte do mesmo, e ao não prever a consequente subsistência da parte ou partes não afectadas pela violação verificada - constitui, como sustenta a recorrente, uma violação do princípio da proporcionalidade.

Em rigor, trata-se afinal de saber se viola o princípio da proporcionalidade a norma do artigo 64.º, n.º 1, alínea f), do RAU, na medida em que permite a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio se o arrendatário subarrendar ou emprestar parcialmente o prédio arrendado, sem autorização do senhorio.

O problema de constitucionalidade suscitado no presente processo tem de equacionar-se em função do papel desempenhado pela norma do artigo 64.º, n.º 1, alínea f), do RAU no sistema em que a mesma se insere.

Importa assim determinar o sentido e alcance da norma questionada no conjunto da ordem jurídica portuguesa e, designadamente, no contexto da legislação sobre arrendamento urbano e à luz da ideia de protecção do locatário que inspira o direito português nesta matéria.

7.1 - As regras gerais sobre a resolução dos contratos não têm aplicação no domínio do contrato de arrendamento urbano, estabelecendo a lei causas tipificadas de resolução (artigo 1093.º do Código Civil, posteriormente substituído pelos artigos 63.º e 64.º do RAU).

Ora, nos termos do artigo 51.º do RAU, o disposto neste mesmo diploma em matéria de resolução (e também em matéria de caducidade e de denúncia do arrendamento) tem natureza imperativa.

A resolução disciplinada no RAU é, em princípio, a resolução fundada em incumprimento do contrato.

Mas, ao passo que, no caso de incumprimento por parte do senhorio, "o arrendatário pode resolver o contrato nos termos gerais de direito" (n.º 1 do artigo 63.º), a resolução do contrato fundada na falta de cumprimento do arrendatário "tem de ser decretada pelo tribunal" (n.º 2 do mesmo artigo).

Além disso, nem todas as situações de incumprimento por parte do arrendatário permitem ao senhorio resolver o contrato.

O artigo 64.º do RAU - correspondente ao artigo 1093.º do Código Civil - é categórico ao determinar que "o senhorio só pode resolver o contrato" nos casos previstos nas alíneas a) a j) do n.º 1.

Estes aspectos do regime da resolução do contrato de arrendamento - assim como, aliás, o regime estabelecido para as outras modalidades de cessação do contrato (máxime, para a denúncia por iniciativa do senhorio), sem esquecer o princípio da prorrogação automática do contrato, as regras sobre actualização das rendas, ou os regimes da transmissão do direito ao arrendamento - revelam a preocupação da lei em assegurar a protecção do arrendatário, atenta a função económico-social do arrendamento, ainda quando não tenha fins habitacionais.

Todavia, um dos objectivos afirmados pela legislação sobre o arrendamento urbano consiste em "encontrar o equilíbrio socialmente justo, sem defender qualquer das partes, mas por forma a garantir as melhores condições para o cumprimento de um preceito constitucional - o direito à habitação" (cf. preâmbulo do Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro, que aprovou o RAU).

Como afirmava Baptista Machado, "Resolução do contrato de arrendamento - prazo para propositura de acção", em João Baptista Machado - Obra Dispersa, vol. I, Braga, 1991, pp. 3 e segs. (ainda a propósito do regime consagrado no Código Civil):

"[...]

Se, por força da renovação imposta (artigo 1095.º), o arrendatário goza de uma posição de privilégio - em detrimento do interesse do senhorio -, bem se compreende que, em contrapartida, sobre ele impenda um mais estrito dever de cumprir rigorosamente, ponto por ponto, as suas obrigações contratuais [...]

E é assim que nós vemos postas como fundamentos legais do arrendamento certas infracções contratuais que, nos quadros do regime comum da resolução legal, não seriam suficientes para a justificar [em nota: efectivamente, em inúmeras hipóteses, particularmente fora dos grandes centros, os factos previstos nas alíneas a), e), f), g) e i), segunda parte, do artigo 1093.º, n.º 1, atendendo ao interesse do credor terão 'escassa importância'. Representam, contudo, formas de inadimplemento e o senhorio não tem outro meio de reagir contra elas que não seja a acção de resolução] [...]

Sintetizando, deve pois dizer-se que, em princípio, só ao arrendatário cumpridor a lei pretende conferir tutela especial do regime proteccionista dos arrendamentos urbanos; e que, por isso, contra o arrendatário que é mau cumpridor ele põe um meio fácil de reacção, facultando-lhe amplamente o exercício do despejo imediato, ou seja, o direito de resolução.

[...]"

Isto é, dentro de um objectivo de protecção do arrendatário, como parte contratual institucionalmente mais fraca, e em atenção ao direito à habitação, a lei procura, pelo menos em abstracto, assegurar o equilíbrio entre os interesses das partes quando esteja em causa o incumprimento de certas obrigações por parte do arrendatário.

7.2 - Ora, o fundamento do direito de resolução previsto no artigo 64.º, n.º 1, alínea f), do RAU [que reproduz o antigo artigo 1093.º, n.º 1, alínea f), do Código Civil] deve antes de mais relacionar-se com a norma contida no artigo 1038.º, alínea f), do Código Civil.

O artigo 1038.º do Código Civil, integrado na disciplina geral da locação, enuncia as obrigações do locatário; na mencionada alínea f), estabelece-se a obrigação de o locatário não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa locada, através de cessão gratuita ou onerosa, excepto nos casos permitidos por lei ou autorizados pelo locador.

Alguma doutrina tem admitido que a disposição contida no artigo 1038.º, alínea f), do Código Civil "deve interpretar-se no sentido de que a enumeração que nela se faz dos actos relativos ao gozo da coisa locada que ao locatário é vedado praticar não reveste carácter taxativo", podendo portanto abranger qualquer situação jurídica criada sem o consentimento do senhorio e em tudo equiparável às que expressamente se mencionam no preceito (M. Henrique Mesquita, anotação ao Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30 de Março de 1993, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 126.º, n.º 3836, pp. 342 e segs.).

Seja como for, num sistema de resolução do contrato de arrendamento por iniciativa do senhorio caracterizado pela existência de causas tipificadas, e num sistema em que a resolução do contrato fundada no incumprimento por parte do arrendatário tem necessariamente de ser decretada pelo tribunal, não se afigura desrazoável, arbitrário nem excessivo que o incumprimento traduzido em cedência do imóvel pelo arrendatário, sem autorização do senhorio, constitua fundamento de resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio, ainda que se trate de mera cedência parcial.

Na verdade, a situação prevista no artigo 64.º, n.º 1, alínea f), do RAU como fundamento do direito de resolução pelo senhorio é "reveladora de uma abdicação do locatário ao uso e fruição do arrendado" (Brandão Proença, "A sublocação como fundamento de despejo", Revista da Ordem dos Advogados, ano 43.º, Janeiro-Abril, 1983, pp. 179 e segs., p. 187).

A solução consagrada na lei traduz afinal um meio de reacção colocado à disposição do senhorio contra o incumprimento das obrigações a que o arrendatário se encontra adstrito e constitui, de certo modo, uma medida de compensação atribuída ao senhorio perante numerosos pontos do regime que têm primariamente em conta a protecção do arrendatário.

Conclui-se assim que a norma constante do artigo 64.º, n.º 1, alínea f), do RAU, ao permitir a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio se o arrendatário subarrendar ou emprestar parcialmente o prédio arrendado, sem autorização do senhorio, não contraria o princípio da proporcionalidade.

8 - Saber se, no caso dos autos, o tribunal a quo poderia ou deveria ter recorrido ao princípio contido no artigo 802.º, n.º 2, do Código Civil, não decretando a resolução do contrato, por considerar o incumprimento "de escassa importância" (como, de resto, tem sido admitido por alguma jurisprudência - assim, como ratio decidendi: Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão de 3 de Julho de 1997, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 469, pp. 486 e segs.; em obter dictum: Tribunal da Relação do Porto, Acórdão de 27 de Maio de 1993, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 126.º, n.º 3831, pp. 173 e segs.), é questão que já se não inclui no âmbito de competência do Tribunal Constitucional.

O mesmo se diga quanto às questões de saber se, no caso, seria de atender ao instituto do abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil) ou ao regime contido no artigo 1028.º do Código Civil - soluções que, aliás, foram expressamente afastadas pelo acórdão recorrido -, sendo certo que, quanto a este último aspecto, o Tribunal da Relação de Coimbra qualificou o contrato de arrendamento discutido no processo como "único", porque destinado ao mesmo fim, o "exercício de qualquer ramo de comércio e serviços".

Com efeito, não são questões de constitucionalidade normativa susceptíveis de constituir objecto de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, nem a apreciação de um eventual erro de julgamento nem a apreciação de uma errada qualificação da matéria de facto (cf. entre outros, os Acórdãos deste Tribunal, n.os 353/86 e 45/88, publicados no Diário da República, 2.ª série, respectivamente, n.º 83, de 9 de Abril de 1987, p. 4573, e n.º 107, de 9 de Maio de 1988, p. 4188).

III - 9 - Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:

a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 64.º, n.º 1, alínea f), do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro;

b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que diz respeito à questão de constitucionalidade.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.

Lisboa, 27 de Junho de 2001. - Maria Helena Brito - Artur Maurício - Vítor Nunes de Almeida - Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos de declaração de voto junta) - José Manuel Cardoso da Costa.

Declaração de voto. - Votei vencido, tendo sustentado, como primitivo relator, a solução conducente ao provimento do presente recurso de constitucionalidade, com base na fundamentação que seguidamente reproduzo.

1 - A norma submetida à apreciação deste Tribunal dispõe:

"Artigo 64.º

Casos de resolução pelo senhorio

1 - O senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário:

[...]

f) Subarrendar ou emprestar, total ou parcialmente, o prédio arrendado, ou ceder a sua posição contratual, nos casos em que estes actos são ilícitos, inválidos por falta de forma ou ineficazes em relação ao senhorio, salvo o disposto no artigo 1049.º do Código Civil;"

Esta norma corresponde ao artigo 1038.º, alínea f), do Código Civil, que estabelece a obrigação de o locatário não proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa locada, através de cessão gratuita ou onerosa, excepto nos casos permitidos por lei ou autorizados pelo locador.

A recorrente entende que a norma daquele artigo 64.º, n.º 1, alínea f), do RAU ao não permitir a redução do contrato de arrendamento, nos casos de incumprimento ou violação de apenas parte do mesmo, e a consequente subsistência da parte ou partes não afectadas pela violação constatada, viola o princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado.

Neste sentido, perante o Tribunal da Relação, a recorrente argumentou que aquele princípio da proporcionalidade encontra "aplicação concreta" nas disposições dos artigos 292.º, 334.º e 1028.º do Código Civil, "que estabelecem a manutenção de um contrato ou de uma situação jurídica na parte não afectada por qualquer vício em obediência precisamente aos princípios da proporcionalidade e da boa fé", sendo certo que daí resultaria, desde logo, a necessidade da aplicação, in casu, do referido artigo 1028.º do Código Civil, decretando-se a resolução do arrendamento apenas em relação ao primeiro andar.

Dispõem os mencionados normativos do Código Civil:

"Artigo 292.º

Redução

A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.

Artigo 334.º

Abuso do direito

É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

Artigo 1028.º

Pluralidade de fins

1 - Se uma ou mais coisas forem locadas para fins diferentes, sem subordinação de uns a outros, observar-se-á, relativamente a cada um deles, o regime respectivo.

2 - As causas de nulidade, anulabilidade ou resolução que respeitem a um dos fins não afectam a parte restante da locação, excepto se do contrato ou das circunstâncias que o acompanham não resultar a discriminação das coisas ou partes da coisa correspondentes às várias finalidades, ou estas forem solidárias entre si."

No entanto, o acórdão recorrido afastou a aplicação do princípio da proporcionalidade por entender que o mesmo não se aplica às relações jurídicas privadas, mas tão-só "quando se depara perante o cidadão um acto de natureza pública"; e considerou-se também, nesse aresto, que o artigo 292.º do Código Civil apenas é aplicável aos casos de nulidade e não aos de resolução do contrato.

2 - Segundo Vitalino Canas ["Princípio da proporcionalidade", Dicionário Jurídico da Administração Pública (separata do VI vol.), p. 3], o princípio da proporcionalidade é o "princípio geral de direito, constitucionalmente consagrado, conformador dos actos do poder público e, em certa medida, de entidades privadas, de acordo com o qual a limitação instrumental de bens, interesses ou valores subjectivamente radicáveis se deve revelar idónea e necessária para atingir os fins legítimos concretos que cada um daqueles actos visam, bem como axiologicamente tolerável quando confrontada com esses fins".

Como é sabido, entre nós, a consagração constitucional do princípio da proporcionalidade não merece contestação, pelo menos desde 1982. Com efeito, a Constituição da República Portuguesa, desde a primeira revisão constitucional, consagra no seu artigo 2.º o Estado de direito democrático, sendo certo que o princípio da proporcionalidade se encontra ínsito nesse conceito político-jurídico, do qual constitui uma necessária decorrência.

O mesmo princípio da proporcionalidade aflora, aliás, em várias disposições constitucionais relevantes: o artigo 18.º, n.º 2, relativo às restrições aos direitos, liberdades e garantias; o artigo 19.º, n.º 4, impondo expressamente o respeito pelo princípio da proporcionalidade na opção pelo estado de sítio ou pelo estado de emergência, bem como nas respectivas declaração e execução; o artigo 19.º, n.º 8, no que concerne às providências a tomar pelas autoridades com vista ao restabelecimento da normalidade constitucional; o artigo 28.º, n.º 2, relativo à prisão preventiva; o artigo 30.º, n.º 5, prevendo as limitações a direitos fundamentais que decorram das exigências próprias da execução de penas ou medidas de segurança ou inerentes ao sentido da condenação; o artigo 266.º, n.º 2, que consagra expressamente a subordinação dos órgãos e agentes administrativos ao princípio da proporcionalidade; o artigo 270.º, relativo às restrições ao exercício de direitos dos militares e agentes militarizados, bem como dos agentes dos serviços e forças de segurança; e, por fim, o artigo 272.º, n.º 2, referente às medidas de polícia.

De resto, o Tribunal Constitucional tem sucessivamente reconhecido o valor constitucional do princípio da proporcionalidade (cf., entre muitos outros, o Acórdão 25/84, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2.º vol., p. 7, o Acórdão 85/85, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5.º vol., p. 245, o Acórdão 64/88, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol., p. 319, Acórdão 349/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.º vol., p. 507, o Acórdão 363/91, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19.º vol., p. 79, o Acórdão 152/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.º vol., p. 323, o Acórdão 634/93, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 26.º vol., p. 205, o Acórdão 370/94, Diário da República, 2.ª série, de 7 de Setembro de 1994, o Acórdão 494/94, Diário da República, 2.ª série, de 17 de Dezembro de 1994, o Acórdão 59/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30.º vol., p. 79, o Acórdão 572/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32.º vol., p. 381, o Acórdão 758/95, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32.º vol., p. 803, o Acórdão 958/96, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 34.º vol., p. 397, e o Acórdão 1182/96, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35.º vol., p. 447).

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 19, p. 53), "o princípio da proporcionalidade (também chamado 'princípio da proibição do excesso') desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias); (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa 'justa medida', impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos".

Sublinhe-se, ainda, que o princípio da proporcionalidade deve ser visto como um princípio objectivo da ordem jurídica.

3 - Com efeito, se é certo que a aplicação do princípio da proporcionalidade se viu inicialmente restrita à conformação dos actos dos poderes públicos, a verdade é que se há-de reconhecer o seu posterior e progressivo alargamento a outras realidades jurídicas, não se detectando verdadeiros obstáculos à sua actuação no domínio das relações jurídico-privadas (cf. v. g., o caso apontado por Rui Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, Coimbra, 2000, p. 195).

Assim, a protecção dos direitos fundamentais assume-se como área privilegiada de actuação do princípio da proporcionalidade, mas este não se esgota aí, como salienta Vitalino Canas (ob. cit., pp. 47-48):

"À partida, a garantia institucional da autonomia privada, recolhida constitucionalmente e vinculada aos valores da liberdade e da igualdade e ao princípio democrático goza de uma primazia que torna muitas das relações privadas opacas à refracção do princípio da proporcionalidade nesse domínio. No entanto, esta impostação não pode ser recolhida em termos absolutos. A Constituição aderiu claramente ao desafio de vincular as relações privadas aos direitos fundamentais (artigo 18.º, n.º 1, parte final), pelo que o princípio da proporcionalidade, sem o qual aqueles não atingem estabilidade plena, inevitavelmente terá de funcionar como limite a opções que, numa primeira impressão, dependeriam exclusivamente do jogo da autonomia privada.

[...]

O princípio da proporcionalidade vigora na arbitragem da relação entre interesses públicos, gerais e particulares, interesses grupais e interesses privados, nas várias posições relativas que podem assumir entre si. O Estado contemporâneo, na medida em que normaliza, compõe ou arbitra interesses divergentes de grupos ou de instituições, não pode deixar de se guiar por uma ideia, mais ou menos exigente ou estrita, da proporcionalidade.

Isto sem embargo de se poder aceitar uma diferente graduação da capacidade limitativa do princípio consoante o tipo de interesses envolvidos. Essa capacidade atingirá o seu nível máximo quando estiverem em conflito direitos, liberdades e garantias inscritos num núcleo intangível (como bens sacrificados) e interesses públicos (como bens prosseguidos), exigindo-se aí o que se designou anteriormente de proporcionalidade máxima ou teste máximo de nacionalidade entre meios e fins. Mas poderá ser mais reduzida nas situações em que haja recurso ao teste mais modesto de proporcionalidade-razoabilidade, isto é, naquelas em que não esteja em causa a limitação de direitos, liberdades e garantias.

A facilidade de contaminação sucessiva de domínios materiais mais extensos permitiu que o princípio da proporcionalidade abandonasse a sua função localizada de princípio sectorial, para assumir a natureza de princípio geral de direito, a que nenhuma área do direito interno, nem nenhum acto (legislativo, regulamentar, judicial, administrativo, político stricto sensu, porventura até de revisão constitucional) estão imunes."

Este "alargamento" da extensão do princípio da proporcionalidade tem, na verdade, pontos de contacto com a questão mais vasta da eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares ou eficácia horizontal dos mesmos (Drittwirkung). Analisando os pressupostos dessa eficácia horizontal, nomeadamente o alcance institucional dos direitos fundamentais, Pedro Cruz Villalón (La curiosidad del jurista persa, y otros estudios sobre la Constitución, Madrid, 1999, pp. 217-232) salienta como, hoje em dia, os direitos fundamentais não surgem apenas ou tão-só como direitos públicos subjectivos, mas antes como verdadeiros princípios conformadores da ordem política e social, "como princípios chamados a influenciar e regular o ordenamento jurídico da comunidade ou a res publica no seu conjunto, numa visão que tende a apagar a antiga contraposição Estado-sociedade". E, procedendo à análise histórica da evolução da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, e reconhecendo que a concepção actualmente dominante é de uma eficácia mediata ou indirecta, na qual a jurisdição constitucional assume um papel relevante, conclui assim a sua análise:

"[...] a Drittwirkung deve ser obra do legislador. Com efeito, o legislador é chamado a determinar, na medida do possível, quais são as consequências que para os particulares advêm do facto de a Constituição reconhecer como direitos fundamentais, por exemplo, a liberdade de expressão, o direito à intimidade ou o princípio da igualdade. Certamente, como em qualquer âmbito do ordenamento jurídico, ao juiz caberá sempre uma importante função que é a de realizar a concretização última desta eficácia horizontal, e é inclusive possível que nesta matéria a indefinição venha a ser sempre algo superior à que reina noutras matérias. Mas não se pode negar que na actual situação de claro protagonismo da jurisdição na concretização da Drittwirkung existe um elemento de anormalidade. Consoante o legislador assuma a sua função de concretização da eficácia horizontal ou Drittwirkung assim diminuirá a presença do Tribunal Constitucional no controlo da adequação do direito privado à Constituição realizada pelos tribunais ordinários. Assim, o Tribunal Constitucional poderá centrar a sua actuação, também nesta matéria, naquilo que é sem dúvida a sua missão mais característica, o controlo do legislador."

Estamos, pois, no domínio do problema da denominada dimensão objectiva dos direitos fundamentais. Refere Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, t. IV, Direitos Fundamentais, 3.ª ed., pp. 323 a 325):

"Não é, porém, um problema de equacionamento simples, por vários motivos: 1.º porque se apresenta irredutível a diferença de posições e de modos de agir das entidades públcas e das entidades privadas; 2.º porque é um dado da experiência, não é mero conceitualismo, recortar os direitos fundamentais como direitos essencialmente colocados frente ao Estado; 3.º porque a eficácia horizontal dos direitos, liberdades e garantias se repercute necessariamente no terreno do direito privado e exige uma análise interdisciplinar; 4.º porque, se o princípio da autonomia privada, fundamental nos sistemas jurídicos romanísticos (e também nos de common law), pode e deve ser limitado, em contrapartida - sob pena de ser vulnerado no seu contúdo essencial - vai condicionar em larga medida a aplicação dos direitos, liberdades e garantias nas relações privadas; 5.º porque, do mesmo passo, se importa garantir os direitos fundamentais das pessoas do interior de instituições e grupos privados, também importa preservar a autonomia dessas instituições perante o Estado.

Afora uma atitude (dificilmente sustentável) a favor da irrelevância dos direitos, liberdades e garantias, são duas as teses de carácter geral que se deparam: a da relevância mediata e a da relevância imediata. Para a primeira, somente através da sua modelação ou transformação em normas de direito civil podem os preceitos constitucionais sobre direitos, liberdades e garantias obrigar as pessoas nas suas vidas jurídico-privadas e só através da sua irradiação sobre os conceitos indeterminados ou sobre as cláusulas gerais privatísticas podem os correspondentes conceitos tornar-se operativos. Para a segunda tese, não há que fazer cisões na ordem jurídica e tudo se reconduz à dialéctica liberdade-poder: se, em vez de ser poder político, for um poder de grupo ou de uma entidade privada dominante, os direitos, liberdades e garantias deverão valer de modo absoluto, enquanto tais; nos restantes casos, poderá haver graus de vinculatividade.

Pressentem-se as marcas de diversas preocupações e de diferentes premissas de fundo. Contudo, em algumas variantes significativas mostram-se atenuadas as divergências e os resultados práticos, por imperativo até de senso comum, acabam por se aproximar."

Independentemente da determinação de todo o seu sentido e alcance (cf. J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, p. 262; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed. rev., Coimbra, 1993, nota III ao artigo 18.º, p. 146; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 1151; José João Nunes Abrantes, A Vinculação das Entidades Privadas aos Direitos Fundamentais, AAFDL, 1990; Vasco Pereira da Silva, "A vinculação das entidades privadas pelos direitos, liberdades e garantias", separata da RDES, 2.ª série, n.º 2, 1987; Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª ed., 1983, pp. 72 e seguins.), o artigo 18.º, n.º 1, da Constituição consagra, entre nós, a eficácia horizontal dos direitos, liberdades e garantias, eficácia essa que se há-de necessariamente estender a certos princípios gerais de natureza garantística, que produzem "reflexos directos na questão dos direitos fundamentais", como o princípio da igualdade (Vasco Pereira da Silva, cit., p. 262) ou o princípio da proporcionalidade, pelo menos, através da intermediação do legislador.

Essa actuação conformadora dos princípios fundamentais, de resto não limitada ao princípio da proporcionalidade, tem sido reconhecida por este Tribunal, nomeadamente no Acórdão 259/98 (Diário da República, 11 Série, de 7 de Novembro de 1998), onde se escreveu, aliás, a propósito de matéria atinente à regulação do arrendamento:

"As normas sob controvérsia - a do artigo 107.º, n.º 1, alínea b), do RAU e a do artigo 2.º, n.º 1, alínea d), da Lei 55/79, de 15 de Setembro - são normas de ordenação da autonomia privada. Entram, pois, no sistema de direito civil, dirigem 'relações entre iguais'. Mas o sistema de direito civil é influenciado jusfundamentalmente como os demais âmbitos do direito. Isso é uma consequência do efeito de irradiação dos direitos fundamentais e da sua 'propriedade como direito constitucional objectivo vinculante' (H. C. Nipperdey). As nor mas sobre direitos fundamentais, enquanto princípios objectivos, valem para todos os âmbitos do direito. 'O Estado está obrigado a tê-las em conta na legislação civil' (Alexy). E todos os princípios materiais relevantes para a 'fundamentação jusfundamental' têm este poder de irradiação: o princípio do Estado de direito, a ideia de justiça, a máxima da proporcionalidade são capazes de abarcar positivamente as normas reguladoras de competências privadas."

Não assiste pois, nessa parte, razão ao acórdão recorrido, da Relação de Coimbra, quando afasta a aplicação do princípio da proporcionalidade às relações jurídicas privadas. Pelo menos, ele vincula necessariamente o legislador quando procede à regulação dessas mesmas relações jurídicas, na medida em que a aplicabilidade mediata dos direitos fundamentais há-de significar que os preceitos de direito privado "se encontram impregnados do conteúdo dos preceitos constitucionais" (Vasco Pereira da Silva, cit., p. 267).

Como salienta o mesmo Vasco Pereira da Silva. "o processo de aplicação dos direitos fundamentais às relações interprivadas" pode efectuar-se do seguinte modo (cit., p. 267):

"A lei ordinária estabelece cláusulas gerais e conceitos indeterminados cujo conteúdo é preenchido, também, pelos valores constitucionais. Neste caso, encontramo-nos, de novo, ante uma aplicação directa da lei ordinária e uma aplicação indirecta da Constituição."

Ou seja, as normas de direito privado, quando interpretadas de forma a não tomarem em consideração as cláusulas gerais que traduzem valores constitucionais, nomeadamente os vertidos em princípios fundamentais da Constituição, são passíveis, por isso mesmo, de um juízo de inconstitucionalidade.

4 - Desta forma, o princípio da proporcionalidade impõe-se ao legislador, conformando a sua actuação, também quando estabelece o regime atinente aos negócios jurídicos e ao exercício da autonomia privada.

É sabido que, em prossecução ou defesa de interesses de ordem pública constitucionalmente relevantes, o legislador estabelece normas imperativas ou injuntivas que se sobrepõem à vontade das partes, proibindo ou impondo determinados conteúdos aos negócios jurídicos, perante os quais a liberdade contratual e a autonomia da vontade hão-de necessariamente ceder.

Tal acontece, designadamente, quando o legislador procura assegurar o equilíbrio do exercício dos direitos ou da actuação entre as partes, corrigindo desequilíbrios ou desproporcionalidades resultantes desse exercício (cf. Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, II vol., Coimbra, 1984, pp. 853-860, Tratado de Direito Civil Português, vol. I, t. I, pp. 189-190, 211-213). Estas normas imperativas ou injuntivas - a maioria das quais fundada na prossecução do princípio da boa-fé - constituem sempre um limite ao exercício da autonomia privada, tutelando interesses considerados superiores e assim subtraídos à livre disponibilidade das partes, interesses esses que, em última análise, se confundem quase sempre com a tutela dos princípios constitucionais da confiança e da proporcionalidade.

Quanto à forma de actuação ou modalidades das normas imperativas ou injuntivas, é possível distinguir duas formas principais dessa actuação.

Assim, em primeiro lugar, podemos encontrar aquele tipo de normas que actuam através da substituição de determinados conteúdos ou disposições do negócio por outros considerados como os mais conformes ou adequados à prossecução dos interesses visados. Pretende assim o legislador obter um equilíbrio entre as partes, substituindo a disposição negocial ou contratual excessiva por outra que regulamente a situação da forma mais equilibrada e evitando uma situação de "vazio" que se pudesse revelar injusta ou desproporcionadamente favorável (ou desfavorável) para uma das partes.

Estas disposições são manifestações claras da actuação do princípio da proporcionalidade, numa vertente "correctiva" ou integradora do negócio jurídico, que Luís Carvalho Fernandes (A Conversão dos Negócios Jurídicos, Lisboa, 1993, p. 538) apelida de eficácia mediata da norma imperativa ou injuntiva.

Exemplos desta forma de actuação mediata ou correctiva encontram-se naquelas normas que, impondo limites máximos ao conteúdo do negócio (relativamente a aspectos temporais ou quantitativos do mesmo, nomeadamente), determinam por essa via a substituição das cláusulas ou disposições negociais inválidas ou excessivas (sobre este aspecto, cf. Luís Carvalho Fernandes, ob. cit., pp. 539 e segs). Assim, nesses casos, o legislador não se limita a determinar a amputação da disposição contratual considerada inválida, antes impõe um determinado conteúdo para preencher esse "vazio". É o caso, por exemplo, da norma do artigo 21.º, n.º 1, do RAU, ao não permitir a estipulação de antecipação da renda superior a um mês, "ficando reduzida a esses limites sempre que os exceda"; ou da norma do artigo 1025.º do Código Civil, que reduz ao limite máximo de 30 anos a duração do contrato de locação; ou, ainda, de outras disposições da mesma natureza, que se encontram dispersas no Código Civil, como acontece com o artigo 693.º, n.º 2 (que limita os juros abrangidos pela hipoteca a um período de três anos), com o artigo 928.º, n.º 2 (que limita a obrigação de restituição, na hipótese de resolução da venda a retro, ao montante equivalente ao preço, proibindo o excesso), ou com o artigo 1146.º (que reduz a taxa de juros ou o montante da indemnização fixada, no contrato de mútuo, aos máximos legalmente previstos na mesma cláusula).

Por outro lado, podemos encontrar outras normas imperativas, cuja forma de actuação, consoante também a relevância ou importância dos interesses tutelados ou visados, consiste na pura supressão das cláusulas negociais consideradas injustas, desproporcionadas ou, de um modo geral, violadoras do direito. Aí, não prevê nem regulamenta o legislador um conteúdo substitutivo, antes eliminando as cláusulas proibidas, actuando assim de uma forma meramente negativa, limitando-se a amputar as disposições tidas por ofensivas de interesses que pretende tutelar.

Expressão dessa forma de actuação é a que consta do artigo 292.º do Código Civil, ao determinar a possibilidade de redução do negócio jurídico, amputando-o da parte inválida ou viciada. Esta figura da redução propriamente dita é assim diferente daqueles casos de redução legal a certos limites, em que opera uma substituição do conteúdo das cláusulas negociais, mas nem por isso deixa igualmente de constituir manifestação do princípio da proporcionalidade.

5 - A figura da redução comum é fundamentalmente associada à da invalidade parcial do negócio jurídico, ainda que nem todos os casos de subsistência parcial dos negócios a ela sejam recondutíveis (cf. Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, Lisboa, 1996, pp. 403-404).

Manifestação clara do brocardo utile per mutile non viciatur, este instituto satisfaz e cumpre os princípios da proporcionalidade e da conservação e manutenção dos negócios jurídicos ao limitar a invalidade às cláusulas efectivamente inquinadas, procurando salvaguardar, sempre que possível, os contratos celebrados, assegurando a respectiva estabilidade e manutenção. Embora limitando o âmbito de actuação da autonomia privada, o referido instituto da redução comum não impõe um conteúdo determinado para certos aspectos do negócio, não substitui a cláusula inválida, apenas a suprime (cf. Carvalho Fernandes, ob. cit., p. 557; José de Oliveira Ascensão, Direito Civil - Teoria Geral, vol. II, Coimbra, 1999, p. 356).

No entanto, para além dos casos de invalidade, tem sido igualmente defendida de forma expressa a aplicabilidade do instituto da redução aos casos de resolução dos contratos, por analogia com o disposto no artigo 292.º do Código Civil. E, designadamente, no sentido da sua aplicabilidade aos contratos de arrendamento - pelo menos, no tocante aos contratos mistos - se pronunciou Ferrer Correia (anotação ao Acórdão de 22 de Novembro de 1960, da Relação de Coimbra, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 93.º, n.º 3185, pp. 329 e segs.), nos termos seguintes:

"Efectivamente, o problema da amplitude do despejo põe-se como um verdadeiro problema de redução de um contrato.

[...]

Com efeito, a questão que se põe - tanto na hipótese de nulidade do contrato como na hipótese de dissolução da relação jurídica (despejo, se o caso for de arrendamento) é sempre a mesma e é a de saber se o negócio pode subsistir depois de amputado de uma das suas partes; se pode subsistir, já se vê, reduzido à parte restante, à parte sã. Uma só coisa varia: a natureza da causa que força à amputação. Umas vezes, trata-se de um vício originário do contrato (nulidade), outras, de circunstância superveniente (infracção contratual determinante de despejo). Mas tal circunstância é manifestamente irrelevante, sob o ponto de vista da subsistência ou insubsistência do negócio jurídico.

Queremos dizer que os critérios válidos para a redução stricto sensu (nulidade), válidos hão-de ser também para as hipóteses - evidentemente afins - da rescisão ou dissolução (despejo)."

Segundo este autor, o contrato de arrendamento deverá, então, ser reduzido sempre que se demonstre que essa é a "solução correspondente à vontade dos contraentes", atendendo-se para esse efeito à vontade "conjectural, presumível, hipotética" das partes: "não aquilo que os contraentes hajam querido, mas aquilo que provavelmente eles teriam querido, se previssem, quando da celebração do contrato, a possibilidade de este ser parcialmente nulo - ou a possibilidade de, num caso de arrendamento misto, este vir a ser infringido pelo arrendatário, mas só no concernente à parte destinada a habitação ou à parte destinada ao exercício do comércio".

Também Vaz Serra, apreciando a questão do "tratamento jurídico a dar aos arrendamentos de vários prédios ou de várias unidades locativas autónomas, cada uma destinada a certo fim, mas só por uma renda", em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 1962 (Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 96.º, n.º 3248, pp. 171 e segs.), se debruçou sobre a temática atinente à causa de rescisão relativa a uma das partes do contrato de arrendamento e respectiva influência sobre a "subsistência ou não subsistência das restantes partes". Entendeu aí o seguinte:

"A solução depende, conforme se disse, de haver ou não, entre as várias partes do contrato, uma conexão que revele não ser possível a subsistência de uma sem a outra.

Pode, assim, a solução coincidir com a que se dá ao problema da redução de negócios jurídicos e que, como é sabido, consiste em o negócio, no caso de nulidade ou ineficácia parcial, ser totalmente nulo ou ineficaz ou só o ser na parte atingida directamente pela causa de nulidade ou ineficácia, consoante o que corresponder à vontade conjectural, hipotética, das partes.

Considera-se, além disso, poder a redução ter lugar, embora não resulte da vontade conjectural das partes, quando for imposta pela boa-fé.

Assim, para este autor, a figura da redução é igualmente passível de aplicação à resolução dos contratos de arrendamento, pelo menos desde que no locado seja possível diferenciar ou nele existam diversas unidades autónomas, podendo em certos casos tal aplicação ser mesmo imposta pela boa-fé.

6 - A resolução do contrato, consistindo na destruição do vínculo contratual, por actuação de uma das partes e fundada na violação ou incumprimento, pela outra, dos respectivos deveres contratuais, encontra-se prevista, em geral, nos artigos 432.º e seguintes do Código Civil. O artigo 64.º do RAU elenca, de forma taxativa, as causas ou fundamentos que legitimam ou conferem ao senhorio o direito a pedir a resolução do contrato de arrendamento. A não ser naquilo que é expressamente previsto pelo próprio RAU (assim, a necessidade de a resolução e consequente despejo serem apreciadas e decretadas pelo tribunal - artigo 63.º), o respectivo regime encontra-se, no mais, sujeito às disposições gerais do Código Civil. Assim, a resolução do contrato, como dispõe o artigo 433.º, é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade e tem eficácia retroactiva (artigo 434.º, n.º 1).

Da mesma forma, o contrato de arrendamento está sujeito, no respectivo cumprimento pelas partes, ao princípio da boa-fé, nos termos do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil. Assim, este mesmo princípio geral há-de conformar a actuação das partes e do próprio julgador na apreciação das causas de resolução do contrato.

Neste sentido, a doutrina e a jurisprudência têm considerado aplicáveis ao contrato de arrendamento disposições gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações, com fundamento na boa-fé, e, ao abrigo ou decorrente desta, na proporcionalidade das prestações em causa. Tal é o caso, nomeadamente, do artigo 334.º do Código Civil, relativo ao abuso do direito, do artigo 437.º do mesmo diploma, que se refere à alteração de circunstâncias, ou do artigo 802.º, n.º 2, que impossibilita o exercício do direito a resolver o contrato pelo credor no caso de o incumprimento parcial ter "escassa importância".

Quanto a esta última disposição, designadamente, o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 3 de Julho de 1997 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 469 pp. 486 e segs.), em recurso relativo a acção de despejo com fundamento em comodato parcial do locado - isto é, em recurso em que se discutia questão similar dos presentes autos - afirmou que "o direito do senhorio resolver o contrato de arrendamento nas hipóteses previstas no artigo 64.º do Regime do Arrendamento Urbano conhece o limite negativo estabelecido no artigo 802.º, n.º 2, do Código Civil". Pode-se ler nesse aresto:

"O disposto no artigo 64.º do Regime do Arrendamento Urbano conhece um limite negativo, nos termos do artigo 802.º, n.º 2, do Código Civil [...] na medida em que encerra um princípio geral de resolução que o artigo 1093.º do Código Civil (a que corresponde o artigo 64.º do Regime do Arrendamento Urbano) não deve ter querido afastar, conforme sublinha Lobo Xavier, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 116.º, p. 180, e notas 30, 31 e 32.

Daqui a necessidade de apreciar o âmbito de aplicação do artigo 802.º, n.º 2, do Código Civil.

[...]

Quando poderá dizer-se ser 'insignificante' o não cumprimento do negócio, de sorte a que o juiz não aceite o pedido de resolução do mesmo? Por outras palavras, quando deve considerar-se resolutivamente relevante o incumprimento por parte do devedor?

A resposta será encontrada através da adopção do critério (subjectivo ou objectivo) adoptado pelo legislador para a valoração da importância do incumprimento para o exercício do direito de resolução.

Que critério foi adoptado pelo legislador? Brandão Proença aponta que a leitura das normas dos artigos 792.º, n.º 2, 793.º n.º 2, 801.º, n.º 2, 802.º, n.º 2, e 808.º n.º 2, que mostram claramente que o nosso legislador importou (da doutrina e jurisprudência italianas) o critério objectivo: a gravidade do incumprimento resultará, grosso modo, da projecção do concreto inadimplemento (da sua natureza e da sua extensão) no interesse actual do credor, ou seja, será 'aferido' pelas utilidades concretas que a prestação lhe proporciona ou proporcionaria.

E acrescenta:

A projecção referida apresenta um manifesto 'conteúdo ético', pois que tudo se traduz numa apreciação da importância do incumprimento segundo um princípio de boa fé, concretizado pelo juiz na acção resolutiva ou na acção de apreciação de declarada resolução - A Resolução do Contrato no Direito Civil, 1982, p. 142.

Neste sentido, a jurisprudência recente deste Supremo Tribunal: Acórdão de 23 de Março de 1995, na revista n.º 86 699, 2.ª Secção.

Resulta do preceituado no n.º 2 do artigo 802.º do Código Civil, conjugado como está com o disposto nos artigos 762.º, n.º 2, e 334.º, que o direito de resolução conhece como limite o incumprimento parcial, atendendo ao interesse do credor, apreciado através de 'critério objectivo', ser de escassa importância, de tal sorte que aquela gravosa consequência, a da resolução do contrato, face aos ditames da boa-fé, deixa de encontrar justificação.

O artigo 64.º do Regime do Arrendamento Urbano ao tipificar os fundamentos da resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio revela ser a resolução a última sanção, como razão extrema excluída para infracções mínimas, as de escassa importância, as que de modo algum frustram o plano contratual ou afectam a base de confiança própria de um contrato intuitus personae como é o arrendamento [...]

Ora a factualidade provada [...] traduz um incumprimento da ré de 'escassa importância' atendendo ao interesse dos senhorios, de tal sorte que, à luz da boa-fé, isto é, da lisura e da correcção, não se justifica, ou melhor, resulta injustificada, clamorosa e manifestamente desproporcionada a aplicação da sanção da resolução do contrato."

Na doutrina, Lobo Xavier, no artigo citado no acórdão transcrito, admite efectivamente a exclusão da resolução do contrato de arrendamento, se a violação em causa "tiver um relevo insignificante [...] dado o disposto no artigo 802.º, n.º 2, do Código Civil (o qual encerra um princípio geral da resolução dos contratos que o primeiro preceito [artigo 1093.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil] não deve ter querido afastar".

Também Henrique Mesquita entende que não "há razão para não aplicar à relação locativa o princípio geral que, em matéria de não cumprimento das obrigações, se encontra consagrado no n.º 2 do artigo 802.º do Código Civil" [Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 126.º, n.os 3832 a 3834, p. 282, nota (2), e p. 283]. Este autor admite, assim, a possibilidade de oposição do locatário à resolução do contrato pelo senhorio, nos casos de o incumprimento assumir aquela "escassa importância".

7 - Ainda que essencialmente fundamentadas na boa-fé, a verdade é que em todos estes raciocínios e posições se descortina, de forma inequívoca, a actuação do princípio da proporcionalidade, quer na vertente da exigibilidade (os fins visados pela lei hão-de ser alcançados pelos meios menos onerosos), quer na vertente da proporcionalidade em sentido estrito (deve encontrar-se uma justa medida entre os meios e os fins, postergando-se as medidas excessivas).

É, pois, inegável a actuação conformadora do princípio da proporcionalidade no âmbito do direito civil e das relações jurídico-privadas, designadamente no que se refere ao contrato de arrendamento, actuação manifestada, de resto, naquelas disposições normativas citadas, além de outras.

Resta, pois, apurar se a norma em causa nos presentes autos constante do artigo 64.º, n.º 1, alínea f), do RAU, interpretada como o foi pelo acórdão recorrido, no sentido de não permitir a redução do contrato de arrendamento, nos casos de incumprimento ou violação apenas parcial do contrato resistirá ao confronto com o princípio da proporcionalidade, nomeadamente com os fundamentos relativos figura da redução comum.

8 - O direito de resolver o contrato de arrendamento nas situações aí taxativamente enunciadas, conferido ao senhorio pelo artigo 64.º do RAU, liga-se indissoluvelmente com a consideração de que tais comportamentos comprometem de forma irremediável a subsistência do contrato; ou seja, a violação contratual que esses comportamentos consubstanciam importa tal gravidade que deixa de ser exigível ao senhorio a manutenção do contrato quando ocorra tal violação.

Com efeito, como refere J. Baptista Machado ("Pressupostos da resolução por incumprimento", in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, II, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1979, pp. 343 e segs.), "a resolução, em si mesma, não tem, como a indemnização, o carácter de uma sanção dirigida contra o inadimplente, mas, antes, o carácter de um remédio ou expediente facultado ao credor que, em último termo, tem a sua raiz no carácter sinalagmático da relação contratual em causa". Salientando que a culpa ou juízo de responsabilidade não tem, assim, o carácter de um pressuposto essencial do direito de resolução do contrato, este autor reconhece, todavia, que "isto não quer dizer que a mesma culpa não possa ter, em concreto, uma relevância decisiva", podendo por vezes afastar o direito de resolução (nos termos do disposto no artigo 802.º, n.º 2, do Código Civil, nomeadamente, ou seja, por o incumprimento em causa revestir "escassa importância").

Sublinha o mesmo autor que "não basta qualquer inadimplemento para fundar um direito de resolução", pelo que "importa depois averiguar se o inadimplemento tem suficiente gravidade (importância) para desencadear tal efeito", sendo o critério a utilizar para aferir da gravidade ou importância do incumprimento para efeitos de resolução do contrato o do interesse do credor.

Ora, o contrato de arrendamento é um contrato de natureza bilateral ou sinalagmático, dado o vínculo de reciprocidade existente entre os deveres ou obrigações das partes.

Assim, entre os interesses do senhorio que merecem protecção encontram-se aqueles relativos à pessoa com quem celebrou o contrato, na medida em que tal identidade não é irrelevante nem secundária, antes podendo ser mesmo uma das razões determinantes da celebração do contrato. Ao senhorio poderá não ser, como aliás, regra geral, não o será, indiferente saber quem é o seu locatário ou quem ocupa ou usa o locado.

Nesse contexto, o princípio da boa-fé impõe ao locatário a observância, nomeadamente, de deveres de lealdade, correcção e honestidade no cumprimento do contrato. Deveres estes que determinam a obrigação de obter a autorização do senhorio para qualquer sublocação ou cedência do locado, bem como a dar-lhe conhecimento de tais sublocação ou cedência, quando autorizadas.

Daqui decorre a conclusão segura de que a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 64.º do RAU, ao consagrar o direito de resolução do contrato pelo senhorio quando ocorra aquela falta de autorização ou de comunicação, derivada directamente do carácter sinalagmático do contrato, se fundamenta no mesmo princípio da boa-fé de que decorrem aqueles deveres para o locatário.

9 - Mas, por outro lado, também a observância do mesmo princípio da boa-fé, embora tendo sempre em vista o critério do interesse do credor, leva a que aquele direito de resolução do contrato se possa ver impedido de actuar, nomeadamente em virtude do disposto no artigo 802.º, n.º 2, do Código Civil, o incumprimento revestir "escassa importância"; e se, desde logo, nada obsta a que essa disposição seja aplicável ao contrato de arrendamento, como o têm entendido a doutrina e a jurisprudência, em certos casos, tal aplicação poderá ser mesmo imposta por aquele princípio da boa fé, enquanto expressão do princípio da proporcionalidade.

O que quer dizer que, perante um incumprimento do contrato considerado "escasso", aquele interesse do senhorio deverá ceder perante o interesse do inquilino na manutenção do contrato, ou seja, na permanência no locado. É que também este interesse merece protecção e ponderação perante as circunstâncias e o eventual grau de incumprimento (ou de responsabilidade ou de culpabilidade) efectivamente verificado, pois que, e como se afirmou no citado Acórdão 295/98, "na relação contratual, o direito do arrendatário a permanecer no local arrendado ancora-se no postulado da segurança jurídica que se deriva do princípio do Estado de direito democrático". O que significa que a atribuição do direito de resolução do contrato de arrendamento ao senhorio não pode deixar de levar em conta e apreciar aquele outro interesse do locatário que consiste na permanência do mesmo no local arrendado. Ponderação essa que só in casu poderá ser efectuada pelo julgador, sob a alçada conformadora dos princípios da boa-fé e da proporcionalidade, tendo em conta a justa medida entre os meios e os fins, postergando, se for caso disso, o despejo, enquanto medida tida por excessiva, face à escassa importância do incumprimento.

10 - Por sua vez, a figura da redução comum, prevista no artigo 292.º do Código Civil, tem como fundamentos duas ideias ou argumentos principais: por um lado, aquele princípio de proporcionalidade, segundo o qual, e desde logo, se apenas uma parte do negócio é inválida, apenas essa deve ser anulada; e, por outro lado, uma ideia de conservação ou manutenção dos negócios jurídicos, que determina a preservação, pela ordem jurídica, sempre que possível, dos valores e situações por ela criados ou validados, tratando os negócios jurídicos no sentido da sua validade ou aproveitamento. Este sentido de aproveitamento dos negócios jurídicos, aliás, justifica ainda a aplicação da redução comum aos casos de invalidade, ineficácia ou resolução dos negócios jurídicos, para além dos de nulidade ou anulabilidade dos mesmos.

Já vimos que a ideia de observância do princípio da boa-fé justifica as posições que defendem a possibilidade de aplicação da redução comum aos casos de resolução do contrato de arrendamento.

Ora, a possibilidade de aplicação do instituto da redução do negócio jurídico, nos termos do artigo 292.º do Código Civil, aos casos de resolução do contrato de arrendamento, também ela, poderá ser mesmo determinada ou imposta pelos princípios da boa-fé e da proporcionalidade.

A este aspecto se refere J. A. Domingues Damas (A redução do negócio jurídico", Revista da Ordem dos Advogados, ano 45.º, Dezembro de 1985, pp. 743 746):

"Também a existência de normas legais de protecção de uma parte sobre a outra conduz a que a redução do negócio tenha lugar mesmo que a vontade hipotética fosse no sentido da invalidade total. Esta situação verifica-se quando uma norma proibitiva ou um preceito imperativo visam em geral proteger uma das partes considerada em termos jurídicos como contratante débil. A conservação do negócio torna-se imprescindível como modo de evitar a fraude às leis de protecção que assumem uma especial relevância social. Trata-se, neste caso, de uma redução 'teleológica' determinada pela necessidade de atingir a finalidade pretendida pela norma imperativa. Se as vantagens estabelecidas pelas normas de protecção pudessem ser postas em causa pela inclusão de uma cláusula ilícita, frustrar-se-ia a finalidade da norma, se fosse possível à parte mais forte terminar a relação contratual quando conseguisse demonstrar que sem essa cláusula não teria concluído o negócio. Neste domínio, assumem particular relevância as normas reguladoras do contrato de trabalho e do contrato de arrendamento, em que um dos sujeitos da relação contratual é juridicamente considerado como contratante débil."

O que significa que aquela interpretação da norma do artigo 64.º, n.º 1, alínea f), do RAU, acolhida pela decisão recorrida, no sentido de não admitir, em caso algum, a aplicação do instituto da redução aos casos de resolução do contrato de arrendamento, quando esta se fundamenta numa violação ou incumprimento parcial do contrato, não se mostra conforme à Constituição. É que o princípio da proporcionalidade impõe que, sempre que tal se mostre possível, se utilize o meio menos oneroso, isto é, in casu, o despejo parcial, por via da redução do contrato de arrendamento.

11 - Poder-se-á dizer que a observância e aplicação do princípio da proporcionalidade impõe que a aplicação do instituto da redução à resolução do contrato de arrendamento esteja sempre condicionada à verificação, em cada caso, da existência dos pressupostos ou requisitos necessários para que se verifique a sua actuação. Requisitos ou pressupostos esses que, como tal uniformemente considerados pela doutrina, são o carácter unitário do negócio, jurídico, a divisibilidade material do negócio e a vontade hipotética ou conjectural das partes (cf., entre outros, Karl Larenz, Derecho Civil, Parte General, ed. Edersa, Madrid, 1978, pp. 627-635, Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1996, pp. 409-411, Carlos Alberto Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1976, pp. 626-630, Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Coimbra, 1974, 4.ª reimpressão, pp. 427-432, J. A. Domingues Damas, ob. cit., pp. 709 e segs.).

Só que a verificação da ocorrência de tais pressupostos ou requisitos, no caso concreto, já não constitui tarefa da competência deste Tribunal. Tal avaliação das circunstâncias e condicionalismos do caso, que assim poderão - ou não - legitimar a actuação da redução na hipótese dos autos, só poderá ser efectuada pelo tribunal a quo, tendo, porém, presente que tal redução, em abstracto, é ainda possível relativamente aos casos de resolução do contrato de arrendamento.

Nestes termos, ao Tribunal Constitucional caberia julgar inconstitucional a norma constante do artigo 64.º, n.º 1, alínea i), do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro, quando interpretada no sentido de não permitir a redução do contrato de arrendamento. - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1950038.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1979-09-15 - Lei 55/79 - Assembleia da República

    Altera o regime de denúncia do arrendamento urbano pelo senhorio, facultado pela alínea a), do nº 1, do artigo 1096º do Código Civil.

  • Tem documento Em vigor 1988-04-18 - Acórdão 64/88 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral - por violação do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 56.º da Constituição -, da norma do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, enquanto ele, ao remeter para o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro, faz aplicar às associações sindicais o disposto no n.º 4 do artigo 175.º do Código Civil.

  • Tem documento Em vigor 1990-10-15 - Decreto-Lei 321-B/90 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    Aprova o regime do arrendamento urbano.

  • Tem documento Em vigor 1991-09-03 - Acórdão 363/91 - Tribunal Constitucional

    NAO SE PRONUNCIA PELA INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS DA ALÍNEA B) DO NUMERO 1 DO ARTIGO 14, DO NUMERO 2 DO MESMO ARTIGO, DO NUMERO 2 DO ARTIGO 33 E DO ARTIGO 37 DO DECRETO 335/V DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA E PRONUNCIA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DA ALÍNEA A) DO NUMERO 1 DO ARTIGO 14, NA PARTE EM QUE ABRANGE CRIMES COMETIDOS POR NEGLIGÊNCIA, E AINDA CRIMES COMETIDOS COM DOLO CUJOS COMPORTAMENTOS CRIMINOSOS NAO TRADUZAM OU NAO PRESSUPONHAM UMA INTENÇÃO CONTRARIA A CONVICCAO DE CONSCIENCIA ANTERIORMENTE MAN (...)

  • Tem documento Em vigor 1995-03-10 - Acórdão 59/95 - Tribunal Constitucional

    PRONUNCIA-SE PELA INCONSTITUCIONALIDADE DAS SEGUINTES NORMAS CONSTANTES DO DECRETO 185/VI DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, SOBRE O CONTROLO PÚBLICO DE RENDIMENTOS E PATRIMÓNIO DOS TITULARES DE CARGOS PÚBLICOS: - NUMERO 2 DO ARTIGO 5, NA PARTE EM QUE SE REFERE AOS JUIZES DO TRIBUNAL DE CONTAS (EXCLUINDO-OS DA PREVISÃO DE APLICAÇÃO DE SANÇÃO, QUALIFICADA DISCIPLINARMENTE, COMO GRAVE DESINTERESSE PELO CUMPRIMENTO DO DEVER PROFISSIONAL), POR VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 18, NUMERO 2 , E 13 DA CONSTITUICAO, - NUMERO 1 DO ART (...)

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