Resolução do Conselho de Ministros n.º 2/2006
A crise que se abateu sobre a Casa Pia de Lisboa na sequência dos dramáticos acontecimentos que marcaram a sociedade portuguesa de forma muito profunda tornaram inevitável e inadiável a aferição da correcção do modelo de funcionamento actualmente existente.
A Casa Pia de Lisboa, enquanto instituição bicentenária ao serviço da educação e da solidariedade social em Portugal, tem funcionado segundo vários modelos sucessivos ao longo do tempo, facultativos, todos eles, de importantes e conclusivas experiências no campo administrativo, social e pedagógico.
Impondo a cabal prossecução dos fins deste estabelecimento público uma constante reflexão em torno dos respectivos modelos de funcionamento, e tendo essa reflexão incidido, desta feita, sobre o actual modelo, concluiu o Governo ser necessário levar a cabo um profundo processo de reestruturação da Casa Pia que valorize o enorme património histórico, material e, sobretudo, imaterial da instituição e ofereça as condições indispensáveis à sua modernização.
Para a definição da estratégia de actuação a implementar torna-se imprescindível considerar o importante trabalho já realizado de diagnóstico e caracterização da situação da Casa Pia de Lisboa.
O relatório intitulado "Um projecto de esperança», elaborado pelo conselho técnico-científico nomeado pelo Governo em 2003, constitui um contributo de inquestionável utilidade, porquanto identifica as principais fragilidades do modelo actualmente existente e propõe orientações com vista à reestruturação da instituição e do respectivo modelo de funcionamento, as quais foram tomadas em linha de conta na presente resolução.
É opção do Governo, com base nos cenários traçados no mencionado relatório, promover uma transição sustentada, o que significa a progressiva consolidação de uma estratégia de mudança que deverá obedecer às linhas gerais de orientação fixadas na presente resolução.
Tal objectivo requer necessariamente a criação de um modelo transitório de administração da instituição que permita conciliar a gestão corrente com o estabelecimento de um novo modelo organizatório.
De igual modo, necessário se torna criar um novo quadro de gestão e alienação do património da Casa Pia, com vista a criar condições efectivas de implementação do processo de mudança e de adequação do mesmo à nova realidade que se pretende instituir.
Assim:
Nos termos da alínea d) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Estabelecer os objectivos e princípios orientadores para uma reestruturação da Casa Pia de Lisboa.
2 - Determinar que a reestruturação da Casa Pia de Lisboa obedecerá aos seguintes objectivos e princípios orientadores:
a) Recentração da Casa Pia de Lisboa nas suas missões essenciais, nomeadamente:
i) Acolher crianças e adolescentes sem meio familiar adequado;
ii) Garantir a essas crianças e esses jovens percursos educativos inclusivos, apostando numa escolaridade prolongada e num ensino profissional de qualidade e dedicando particular atenção às crianças e aos jovens com deficiência ou incapacidade;
iii) Colocar o retorno ao ambiente familiar no centro da actividade institucional;
b) Desmassificação e restituição da escala humana à instituição, nomeadamente:
i) Reduzindo a dimensão dos lares para crianças ou adolescentes;
ii) Ajudando cada criança e adolescente a desenvolver um projecto pessoal de vida;
iii) Fazendo da institucionalização uma resposta de passagem;
c) Qualificação da gestão, recrutamento de recursos humanos de qualidade e aposta na qualificação permanente dos profissionais, nomeadamente:
i) Definindo o perfil humano e técnico dos profissionais envolvidos e o modelo de compromisso a assumir na sua missão;
ii) Estabelecendo um modelo de avaliação que valorize não só a competência técnico-profissional mas também a verificação do cumprimento dos objectivos previamente assumidos;
iii) Desenhando e executando um plano de formação técnico-profissional contínua;
d) Adopção e qualificação do modelo do ensino profissional e reforço da formação em alternância, nomeadamente:
i) Renovando os planos de estudo e as áreas de formação;
ii) Qualificando os professores e os mestres, alargando as capacidades de recrutamento de profissionais com experiência empresarial;
iii) Criando uma oferta profissionalizante abrangente, do nível I ao nível IV;
iv) Reforçando o apoio dos serviços de psicologia e orientação escolar e profissional;
v) Tornando o ensino profissional da Casa Pia de Lisboa um modelo de referência;
e) Ajustamento do modelo institucional aos desafios de futuro, nomeadamente:
i) Fomentando lideranças;
ii) Garantindo uma gestão eficiente e eficaz dos recursos;
iii) Promovendo instâncias de auto-regulação.
3 - Organizar o processo de mudança determinado pela presente resolução em três fases, de forma a garantir o acerto da solução final a ser definida, quais sejam:
a) Uma 1.ª fase, que tem por objectivo principal conjugar a gestão corrente da Casa Pia de Lisboa com a preparação das soluções institucionais e pedagógicas a adoptar em termos definitivos;
b) Uma 2.ª fase, de definição legal do novo modelo institucional da Casa Pia de Lisboa, fixando a respectiva orgânica interna, bem como das prioridades e do seu modelo de desenvolvimento;
c) Uma 3.ª fase, de implementação das soluções que vierem a ser definidas em cumprimento dos objectivos e princípios orientadores enunciados no número anterior.
4 - Determinar que as 1.ª e 2.ª fases deverão ser executadas no período de vigência do regime institucional e patrimonial transitório a instituir.
5 - Determinar que a 3.ª fase deverá ser executada de acordo com o cronograma que vier a ser aprovado por despacho do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, mediante proposta da comissão instaladora referida no número anterior.
6 - Instituir, por instrumento legal adequado, um regime institucional e patrimonial transitório, designadamente através da criação de uma comissão instaladora que assegurará a gestão da Casa Pia de Lisboa.
7 - Fixar como prazo máximo de vigência do regime transitório 12 meses, admitindo-se uma única prorrogação por mais 4 meses.
Presidência do Conselho de Ministros, 15 de Dezembro de 2005. - O Primeiro-Ministro, José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.