Resolução do Conselho de Ministros n.º 60-B/83
As profundas modificações técnicas e económicas relacionadas com a natureza, escassez e risco de utilização das fontes energéticas, o progresso e difusão verificados nas tecnologias de informação e de automação, a evolução verificada na qualidade industrial e o desenvolvimento da biotecnologia e da ciência dos materiais com impacte no acesso e transformação das matérias-primas estão a provocar transformações profundas na sociedade. Os Estados vêem-se na necessidade de criar condições propícias a que os respectivos países controlem o seu processo de desenvolvimento e mantenham uma personalidade própria, mesmo quando integrados em espaços económicos, alargados.
Portugal perdeu a primeira revolução industrial, participou timidamente na segunda e encontra-se agora perante a revolução pós-industrial, de natureza marcadamente tecnológica.
Por tudo isto, é urgente conhecer e desenvolver um novo sistema produtivo, devendo o Estado assumir com eficácia e decisão o papel de orientador e incentivador do desenvolvimento tecnológico com directa incidência no sistema produtivo.
Assim:
Considerando que a modernização da estrutura industrial, tendo em atenção as novas condições dos mercados internacionais, a disponibilidade das matérias-primas e as repercussões das novas tecnologias nos processos produtivos e na satisfação das necessidades de mercado, exige uma evolução dinâmica caracterizada por saltos qualitativos que contribuam para uma modificação da estrutura industrial existente;
Considerando que a ciência e a tecnologia surgem como componentes essenciais desse processo de adaptação, sendo fundamentais para o aumento da produtividade, interna e da competitividade externa da indústria nacional;
Considerando que o papel do Governo é, no essencial, o de criar as condições favoráveis à inovação industrial e à introdução de novas tecnologias, através de programas mobilizadores em áreas-chave da produção industrial, da investigação e da tecnologia, associando, designadamente, empresas, institutos de investigação e desenvolvimento e universidades;
Considerando que o Estudo Tecnológico da Indústria Transformadora Portuguesa, elaborado no âmbito do Ministério da Indústria e Energia, define um conjunto de medidas que permitirão optimizar o apoio tecnológico à indústria:
O Conselho de Ministros, reunido em 17 de Novembro de 1983, resolveu:
1 - Aprovar o Plano de Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Transformadora Portuguesa, constante do documento anexo à presente resolução e que dela faz parte integrante, o qual é constituído pelos seguintes programas principais:
a) Reforço das capacidades científicas e tecnológicas, com ênfase na investigação e desenvolvimento do sector produtivo;
b) Promoção da modernização tecnológica e inovação industrial;
c) Desenvolvimento tecnológico de sectores industriais prioritários;
d) Aquisição e demonstração de novas tecnologias associadas à formação especializada;
e) Criação de empresas de tecnologia intensiva;
f) Criação de mecanismos financeiros de apoio à inovação industrial.
2 - Desenvolver os programas referidos de acordo com duas orientações básicas:
a) Aproveitamento maximizado dos recursos naturais nacionais, optimizando o seu valor acrescentado, designadamente no que diz respeito aos programas C, D e E;
b) Promoção do desenvolvimento equilibrado de todo o País, dinamizando a criação de novas empresas, designadamente as ligadas aos recursos locais, e reestruturando e modernizando as existentes, de modo a contribuir para a diminuição das assimetrias regionais.
3 - Determinar que os Ministérios das Finanças e do Plano e da Indústria e Energia estabeleçam um calendário de implementação dos programas mencionados, de acordo com as disponibilidades e previsões orçamentais, tendo em conta a participação do Estado e da iniciativa privada.
4 - Encarregar o Ministro da Indústria e Energia de promover as acções necessárias à implementação do Plano, executando as acções constantes dos programas já aprovados, de acordo com as dotações financeiras atribuídas em 1983 e propostas para 1984.
Presidência do Conselho de Ministros. - O Primeiro-Ministro, Mário Soares.
Plano de Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Transformadora Portuguesa
I - Introdução
1 - O Plano de Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Transformadora Portuguesa assenta no estudo da realidade nacional, define objectivos para a modernização industrial e aponta programas que permitirão saltos qualitativos no desenvolvimento, aproximando-nos dos países mais desenvolvidos. Na verdade, insere-se no quadro da urgente e necessária modernização da indústria existente e da sua expansão através de um núcleo de indústrias de tecnologia intensiva, de natureza estratégica ou com vantagens comparativas para o nosso país.
A ciência e a tecnologia surgem como componentes sócio-económicas essenciais ao aumento da produtividade interna e da competitividade externa da indústria nacional e são determinantes para uma especialização adequada de gestores e técnicos, aspecto da maior relevância na solução correcta dos problemas de emprego de uma sociedade moderna. Quer dizer, a ciência e a tecnologia definem-se como instrumentos decisivos para vencer a crise actual, porquanto são capazes de contribuir para quebrar o marasmo da presente situação, participando criadoramente na recuperação e modernização da economia.
O Plano pretende, assim, ser o dinamizador de novas iniciativas e apoiar modificações estruturais da indústria portuguesa, facilitando a sua correcta integração nas comunidades europeias e permitindo uma cooperação tecnológica frutuosa com os países de expressão portuguesa. No entanto, tem-se a consciência de que a inovação tecnológica deve penetrar em todo o tecido social e económico da sociedade, seja na agricultura, na indústria, no comércio, nos serviços ou nas actividades quaternárias, abrindo novos espaços à imaginação criadora e rasgando caminhos novos de qualidade de vida para todos os cidadãos portugueses.
II - Âmbito e objectivos do Plano
2 - Âmbito. - O Plano de Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Transformadora Portuguesa consiste num conjunto de programas destinados a promover a melhoria da competitividade das empresas, contribuir para a sua progressiva autonomia tecnológica e introduzir a inovação nas técnicas de produção.
Na sua implementação intervêm a indústria, institutos de investigação e desenvolvimento públicos e privados e universidades ou outras instituições do ensino superior, numa perspectiva de mobilização nacional para enfrentar o desafio que a revolução tecnológica representa para o desenvolvimento industrial e, consequentemente, para o progresso sócio-económico. Prevê-se ainda a possibilidade de constituir uma agência de inovação tecnológica industrial (AITEC).
Essa instituição deverá conceder financiamentos a médio prazo a projectos bem definidos com componente inovadora nos produtos ou nos processos, devendo funcionar como uma sociedade de capital risco na formação de novas empresas.
O Plano exige uma permanente actualização e enriquecimento, nomeadamente através da contribuição dos parceiros sociais, de organismos profissionais e de outras entidades envolvidas na definição e execução da política industrial.
3 - Objectivos. - Os objectivos principais a atingir são a modernização dos sectores industriais já existentes, a valorização dos recursos naturais, o lançamento de um núcleo de indústrias de tecnologia intensiva e a especialização de gestores e de técnicos.
Para atingir estes objectivos são definidas as seguintes áreas programáticas de actuação:
Melhoria da capacidade tecnológica das empresas existentes;
Promoção da capacidade analítica nacional para a definição e implementação da política tecnológica com elevado grau de incidência no desenvolvimento industrial;
Estabelecimento de adequados programas de âmbito financeiro e fiscal, incentivadores do desenvolvimento tecnológico;
Apoio à introdução de novas tecnologias e à criação de novas empresas de tecnologia avançada;
Reforço das capacidades em áreas estratégicas, nomeadamente em tecnologias de informação, ciência dos materiais, biotecnologia, novas tecnologias energéticas, química fina e metrologia;
Acções de formação e especialização de pessoal científico e técnico e gestores de tecnologia.
4 - Orientações gerais. - As orientações gerais a que obedeceu a elaboração do Plano foram:
a) Dinamização e orientação, para os objectivos referidos no número anterior, das actividades da infra-estrutura tecnológica com incidência na indústria;
b) Criação de novas instituições exclusivamente quando as actuais se mostrem inadequadas, devendo nesse caso ser correctamente descentralizadas, gozar de grande flexibilidade de acção e prestar assistência eficiente à indústria. Serão prioritárias as instituições que resultem da associação dos organismos personalizados do Estado com associações industriais e ou núcleos de empresas;
c) Elaboração de programas de investigação e desenvolvimento industrial, em estreita ligação com a indústria;
d) Atribuição de uma percentagem, mais significativa do produto nacional bruto (PNB) ao I,D&D;, orientado para o desenvolvimento económico de modo a atingirem-se progressivamente valores aceitáveis a nível de padrões internacionais;
e) Lançamento de acções exemplificativas e incentivadoras que contribuam para uma nova dinâmica de desenvolvimento industrial.
III - Programas
5 - Enumeração. - O Plano compreende, de uma maneira integrada, os seguintes programas:
A - Reforço das capacidades científicas e tecnológicas com ênfase na investigação e desenvolvimento do sector produtivo;
B - Promoção da modernização tecnológica e inovação industrial;
C - Desenvolvimento tecnológico de sectores industriais prioritários;
D - Aquisição e demonstração de novas tecnologias associadas à formação especializada;
E - Criação de empresas de tecnologia intensiva;
F - Criação de mecanismos financeiros de apoio à inovação industrial.
O desenvolvimento dos programas mencionados obedece sempre à orientação básica do fomento da utilização de matérias-primas nacionais nas indústrias em reestruturação e modernização ou nas novas indústrias, de modo a reduzir a vulnerabilidade externa e, bem assim, da reciclagem de matérias-primas e recuperação de materiais, designadamente das de maior valor acrescentado.
O Plano tem naturalmente âmbito nacional, devendo, no entanto, ter-se sempre em conta, na implementação dos programas que o constituem, as prioridades relacionadas com o desenvolvimento regional, o qual deverá ter, além disso, incentivos próprios. Para além disso, alguns elementos-programa específicos contemplam o desenvolvimento equilibrado do País, como os centros tecnológicos, os centros de desenvolvimento industrial do interior e a rede de extensão industrial.
Os programas A, B e D correspondem a um reforço e dinamização das infra-estruturas existentes, cabendo na sua execução ao Estado e à indústria uma perspectiva de actuação descentralizada. O programa A exige uma acção mais intensa do Estado. Merece especial atenção o desenvolvimento do sector I&D; nas empresas privadas.
Os programas C e E correspondem a acções de carácter pontual ou sectorial a desenvolver essencialmente pela indústria.
O programa F deve ser concertado entre os Ministros das Finanças e do Plano e da Indústria e Energia.
A execução destes programas é compatível com o objectivo fixado da evolução dos gastos de investigação e desenvolvimento industrialmente orientados do valor actual de 0,12% do PNB para um valor de 0,40% no espaço de uma década, mesmo num cenário de desenvolvimento económico de um crescimento anual médio do PNB de 3%.
Em princípio, o financiamento global dos programas de acordo com as responsabilidades acima explicitadas corresponde a uma participação de 60% e 40%, respectivamente para o Estado e para a indústria.
6 - Descrição dos principais elementos-programa. - Os programas referidos no número anterior são constituídos por vários elementos-programa, que se sintetizam da forma seguinte:
A - Reforço das capacidades científicas e tecnológicas com ênfase na investigação e desenvolvimento do sector produtivo.
São elementos deste programa:
Desenvolvimento e reforço da capacidade nacional de promover e avaliar a evolução tecnológica na indústria, tendo em vista a elaboração da política tecnológica adaptada à política de desenvolvimento industrial;
Criação ou reforço de grupos de especialização, designadamente nas áreas das tecnologias da informação (microelectrónica industrial), ciências de materiais, biotecnologia, novas tecnologias energéticas, química fina e metrologia;
Formação e aperfeiçoamento de gestores de projectos e actividades de investigação, desenvolvimento e demonstração;
Dinamização das estruturas de ligação entre a indústria, as universidades e os institutos de investigação e desenvolvimento;
Identificação de áreas tecnológicas emergentes com relevância para o desenvolvimento industrial, promoção da transferência de tecnologias de ponta, participação em programas internacionais nestas áreas, apoio à correspondente especialização de pessoal científico e técnico e institucionalização de mecanismos financeiros e de contratos-programa que permitam a absorção expedita de oportunidades tecnológicas.
B - Promoção de modernização tecnológica e inovação industrial.
São elementos deste programa:
Promoção da capacidade nacional de design de bens e produtos, tendo em vista, especialmente, a exportação e apoio a actividades de design nas empresas industriais; criação do Instituto Nacional de Design;
Criação de uma rede de extensão industrial visando a análise sistemática de problemas técnicos e tecnológicos industriais a nível da empresa e fornecimento de serviços de informação científica e económica;
Criação de centros de desenvolvimento industrial do interior visando a promoção de uma política de industrialização das regiões menos industrializadas, com particular incidência no aproveitamento dos recursos naturais e outras potencialidades locais e na promoção e apoio técnico das empresas da área por eles abrangidas;
Assistência técnica às actividades dos inventores e suas associações;
Apoio à criação de núcleos de inovação industrial por articulação das instituições de investigação e desenvolvimento, associações industriais e associações de inventores.
C - Desenvolvimento tecnológico de sectores industriais prioritários.
Este programa tem como objectivo a estruturação e modernização tecnológica das empresas existentes e deve ser coordenado com as acções de reestruturação e modernização de sectores industriais, a serem definidas durante o ano de 1984 no âmbito dos programas nacionais de recuperação e modernização da economia. São desde já considerados sectores prioritários os referentes a:
Indústrias agro-alimentares e alimentares;
Indústrias de produtos florestais;
Indústrias de materiais de construção;
Indústria têxtil;
Indústria da cerâmica e vidro;
Indústria de curtumes e calçado;
Indústria metalúrgica e metalomecânica.
Para cada sector industrial serão definidos vários elementos-programa, de que se destacam:
Centros tecnológicos sectoriais concebidos como novas estruturas para dar assistência técnica e tecnológica às empresas de um mesmo sector industrial ou de sectores complementares ou similares;
Reforço das capacidades dos gabinetes de consultadoria e engenharia existentes e apoio à criação de núcleos de técnicos de engenharia relacionados com os sectores baseados em recursos naturais;
Apoio às actividades de controle de qualidade e promoção da inovação e formação especializada nas empresas;
Apoio selectivo ao desenvolvimento de equipamento de produção nacional para os sectores prioritários industriais.
D - Aquisição e demonstração de novas tecnologias associadas à formação especializada.
O objectivo deste programa é a identificação de subsectores industriais relacionados com novas tecnologias com interesse para o País e a promoção de acções necessárias numa oportuna aplicação industrial.
Consideram-se, nomeadamente, as áreas estratégicas ligadas ao progresso tecnológico as que possibilitem um aproveitamento maximizado dos recursos naturais e as que ofereçam vantagens comparativas, seleccionando-se, desde já, as seguintes:
Microelectrónica;
Fibras ópticas;
Biotecnologia;
Cerâmica técnica;
Fermentação;
Novas tecnologias energéticas (fotovoltaico e conservação de energia);
Recursos oceânicos;
Transformação das algas.
Os elementos-programa mais relevantes são os seguintes:
Acções concertadas e programas de demonstração inter-institucionais nas áreas referidas, de modo a potencializar a capacidade nacional em aplicações industriais, de vanguarda;
Especialização de cientistas e engenheiros nas tecnologias emergentes de maior relevância para o desenvolvimento industrial e relacionadas com programas anteriores;
Criação de empresas de investigação e desenvolvimento nas áreas de tecnologias de informação, biotecnologia, novas tecnologias energéticas e recursos oceânicos, as quais devem fornecer serviços de inovação competitivos e, designadamente, produzir protótipos comercializáveis.
E - Criação de empresas de tecnologia intensiva.
É objectivo deste programa o apoio e incentivo à criação de novas empresas para desenvolver e comercializar novos produtos e processos, tendo em vista diversificar a base industrial nacional e criar um grupo de novos empresários e novas oportunidades de emprego.
Entre os elementos-programa prevê-se:
A criação de um parque tecnológico e de espaços de incubação orientados para indústrias de tecnologia intensiva, capazes de propiciar as condições para o desenvolvimento e atracção deste tipo de indústrias;
O desenvolvimento de meios técnicos nas empresas que permitam a apropriação, desenvolvimento e aplicação das tecnologias envolvidas.
F - Criação de mecanismos financeiros de apoio à inovação industrial.
Com o objectivo de apoiar a criação de novas empresas e as acções que visem a melhoria tecnológica e a promoção da inovação nas empresas existentes serão concedidos financiamentos a médio prazo a projectos bem definidos com componente inovadora nos produtos ou nos processos.
IV - Implementação do Plano
7 - Condicionantes financeiras. - A implementação do Plano depende de uma acção concertada entre os Ministérios das Finanças e do Plano e da Indústria e Energia.
Esta implementação será faseada de acordo com as disponibilidades orçamentais do País, com as comparticipações da indústria e com a capacidade de recurso ao crédito externo, devidamente seleccionado.
Em particular, tal implementação terá presente, para o ano de 1984, a situação vigente derivada do Programa Conjuntural de Emergência Financeira, sem prejuízo do lançamento de iniciativas com vista aos programas de recuperação e modernização da economia.
Os períodos de recuperação e de modernização a decorrer nos próximos anos permitirão a mobilização de recursos financeiros capazes de criar as condições para o seu integral cumprimento.
8 - Faseamento e planificação. - Sem prejuízo das condicionantes financeiras referidas no número anterior, compete aos Ministérios das Finanças e do Plano e da Indústria e Energia:
a) Elaborar um calendário de implementação do Plano, em conformidade com as prioridades definidas e as disponibilidades em meios humanos e financeiros;
b) Preparar a implementação dos programas, em articulação com entidades públicas e privadas, de acordo com as respectivas áreas de competência;
c) Proceder ao estudo dos meios financeiros necessários à execução dos programas;
d) Propor as medidas legislativas complementares necessárias, em especial no que se refere ao apoio à inovação e ao desenvolvimento tecnológico.
A implementação do Plano deverá ser articulada com os programas de actividades das entidades, públicas ou privadas, no âmbito das respectivas competências.
9 - Estruturas. - Serão criadas as estruturas mencionadas nos números anteriores necessárias à implementação efectiva do Plano, sempre que possível fora da Administração Pública, e que possibilitem uma revisão e actualização dos programas no contexto da evolução económica e social, nacional e internacional.
Deverá ser assegurada a representação permanente das entidades públicas e privadas mais directamente envolvidas na execução do Plano.
O Ministro das Finanças e do Plano, Ernâni Rodrigues Lopes. - O Ministro da Indústria e Energia, José Veiga Simão.