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Assento DD74, de 8 de Novembro

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Sumário

Fixa a seguinte jurisprudência: por respeitarem a direitos indisponíveis, os factos confessados pelo pretenso pai em acção de investigação de paternidade contra ele proposta devem ser levados ao questionário e não à especificação.

Texto do documento

Assento
Acordam, em sessão plenário, no Supremo Tribunal de Justiça:
Recorre o Ministério Público, nos termos do artigo 764.º do Código de Processo Civil, do Acórdão da Relação do Porto de 18 de Maio de 1982 (processo 17279, da 2.ª secção), certificado a fls. 6 e seguintes, com fundamento em que, no domínio da mesma legislação, deu esse acórdão solução oposta à que no acórdão de 11 de Novembro de 1981, também daquele Tribunal (processo 1031, da 3.ª secção), certificado a fls. 16 e seguintes, fora adoptada relativamente à mesma questão fundamental de direito: a de saber se os factos confessados pelo pretenso pai, expressa e inequivocamente, em acção de investigação de paternidade contra ele proposta, deverão ser levados à especificação, por versarem direitos disponíveis, ou ao questionário, por respeitarem a direitos indisponíveis.

No acórdão preliminar preferido em cumprimento do disposto no artigo 766.º, n.º 1, do citado Código, foi dada como existente a oposição que serve de fundamento ao recurso.

No prosseguimento deste ofereceu o Ministério Público o parecer de fls. 29 e seguintes, no qual sugere a formulação do assento seguinte:

Em acção de investigação de paternidade proposta contra o pretenso pai pode este confessar a autoria e conteúdo de uma carta, confissão que, todavia, não constitui prova plena do direito invocado na acção.

O processo correu os vistos de todos os juízes do Tribunal e não se vêem razões que de algum modo imponham a alteração do acórdão preliminar de fl. 24.

Há que apreciar, por isso, a questão de fundo.
Qualquer dos acórdãos em oposição teve por objecto o despacho de indeferimento de reclamações deduzidas contra a especificação e o questionário em acção de investigação de paternidade (acção oficiosa) dirigida contra o pretenso pai.

Entendeu o primeiro desses acórdãos que "quanto ao pretenso pai, a sua paternidade constitui direito disponível; por conseguinte, e em princípio, a confissão do direito como de facto a ele relativo» faz prova contra o confidente (artigos 354.º e 353.º do Código Civil) desde que "a confissão seja inequívoca, em obediência à regra do artigo 357.º do Código Civil» (exclui-se a confissão resultante da falta de contestação). Assim, e porque o investigado "acentou inequivocamente que a carta junta aos autos (fl. 8) é do seu punho», mandou o referido acórdão se especificasse a autoria e o conteúdo dessa carta, deixando-se para o questionário as razões que teriam determinado o investigado a escrevê-la.

Entendeu o acórdão recorrido, por sua vez, que as acções de investigação de paternidade, "pelo manifesto interesse social que tutelam», versam direitos indisponíveis, daí concluindo que nelas não são de "considerar confessados os factos não impugnados ou mesmo constantes de escritos subscritos pelo pretenso pai e que mais não seriam que uma forma dessa confissão, mesmo quando este é, nelas, directamente demandado». Por isso considerou que nem sequer interessava especificar terem sido subscritas pelo investigado as cartas juntas aos autos.

De que lado estará a razão?
A questão resolvida pelo Tribunal da Relação foi, num e noutro caso, como se vê, não a da confissão do direito ou do pedido, meio da extinção da instância [artigo 287.º, alínea d), do Código de Processo Civil], mas a da confissão - meio de prova: "o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária» (Código Civil, artigo 352.º).

É a segunda dessas questões, portanto, a que também agora há-se ser decidida, se bem que para o efeito se não dispense a abordagem da primeira. Mas o que se disser para esta valerá igualmente para aquela, pois que, a não ser admissível a confissão do pedido, também o não deverá ser a dos factos alegados pelo autor. Caso contrário obter-se-ia por via indirecta (pela confissão dos factos, se estes fossem susceptíveis de conduzir à procedência da acção) o mesmo efeito produzido pela confissão do pedido.

A modalidade de confissão prevista naquele artigo 352.º só faz prova contra o confitente se recair sobre factos relativos a direitos disponíveis. É ineficaz na hipótese contrária: se o confitente não tiver o poder de "dispor do direito a que o facto confessado se refere» [artigos 354.º, alínea b), e 353.º, n.º 1, do Código Civil].

Trata-se, no caso em apreço, de confissão feita em juízo, espontaneamente e nos articulados (artigos 355.º, n.º 2, e 356.º, n.º 1, do mesmo diploma). Está fora de causa a confissão extrajudicial, bem como a confissão judicial provocada (artigos 356.º, n.º 2, daquele Código, e 552.º e seguintes do Código de Processo Civil).

A formulação proposta pelo Ministério Público para o assento a proferir parte da ideia (veja-se n.º 10 do seu parecer) de que, "se o interesse público é incompatível com a disponibilidade do direito, a opção» que faz "não contende com esse princípio, pois não se trata de confissão como prova plena, confissão do pedido, mas tão-só confissão de factos a apreciar livremente pelo julgador» (artigo 561.º do Código de Processo Civil).

Mas, como acima se diz, não foi essa a questão versada nos acórdãos em conflito. Eles não trataram de saber se o pretenso pai poderia ou não confessar, em acção de investigação de paternidade contra ele proposta, os factos articulados pelo autor. Discutiram, sim - repete-se -, a questão de saber se os factos expressa e inequivocamente confessados pelo investigado (no caso concreto a autoria e o conteúdo de cartas juntas aos autos) deveriam ser levados à especificação ou ao questionário. E é exactamente para solucionar essa mesma questão, tantas vezes debatida já, que no requerimento de fl. 2 se pede a intervenção deste Tribunal. Para ela vai, por conseguinte, a nossa atenção.

Não há dúvida de que as leis relativas ao estado das pessoas são em regra, e por natureza, de interesse e ordem pública. Mas a regra não é absoluta. O próprio artigo 299.º do Código de Processo Civil, referente à confissão do pedido, depois de referir, no n.º 1, que não é permitida confissão, desistência ou transacção que importe a afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis, logo acrescenta, no n.º 2 - identicamente ao que, no tocante à acção de divórcio, dispunha o artigo 18.º da Lei de 3 de Novembro de 1910 -, ser "livre, porém, a desistência nas acções de divórcio e de separação de pessoas e bens».

Se não fosse a falibilidade do argumento a contrario, poderia dizer-se, face àquele artigo 299.º, não ser a confissão admissível, nem nas acções aí referidas expressamente, nem em qualquer outra acção de estado, designadamente na de investigação de paternidade. Há, pois, que enveredar por outro caminho.

O Código de Processo Civil de 1939 inseria no artigo 304.º disposição de sentido equivalente ao do artigo 299.º, n.º 1, do Código actual. E perante ele sustentava Alberto dos Reis, reafirmando doutrina já anteriormente exposta (Processo Ordinário, Civil e Comercial, p. 470), que, sendo possível e válida a perfilhação espontânea, igualmente o deveria ser a confissão do pedido na acção de investigação de paternidade proposta contra o pretenso pai - solução a que, acrescentava, não constituía obstáculo o disposto nos artigos 29.º e 30.º do Decreto 2, de 25 de Dezembro de 1910, segundo os quais a perfilhação poderia ser contestada por qualquer interessado ou impugnada pelo filho menor depois de atingida a maioridade (Comentário, III, 521-522).

Manuel Andrade, por sua vez, tendo como certa a inadmissibilidade da confissão nas acções propostas contra os herdeiros do pretenso pai (posição que, hoje firmada, era também a daquele outro mestre), não dava como segura, todavia, face aos mencionados preceitos, a validade da confissão do pretenso pai, mesmo na acção directamente proposta contra ele (Lições, p. 552, e Noções Elementares, ed. de 1976, p. 165). É essa também a posição dos Profs. V. Serra, Boletim, n.º 110, p. 241, e A. Castro, Lições, p. 372.

Por qual das soluções optar? Tudo se resume nisso.
A doutrina de Alberto dos Reis seria irrecusável se o direito de perfilhação estivesse realmente, como nele se pressupõe, na inteira disponibilidade do perfilhante; se a perfilhação fosse equiparável, nos seus efeitos, à confissão homologada por sentença com trânsito em julgado. E não parece que assim seja.

Diz-se no artigo 1849.º do Código Civil, é certo, que a perfilhação é acto pessoal e livre. Mas só por isso e porque o artigo 1865.º, n.º 3, manda lavrar termo da perfilhação quando, em acção de averiguação oficiosa, o pretenso progenitor confirma a sua paternidade em relação ao menor não poderá concluir-se que o direito de perfilhar seja, como já se tem afirmado (F. Fabião, RT n.º 89, p. 248), "perfeitamente disponível». Feita por essa forma ou por qualquer das outras referidas no artigo 1853.º, a perfilhação tem sempre o mesmo valor. E a ideia que se colhe da expressão "acto pessoal e livre» é a de que a perfilhação, ao contrário do que sucede com o reconhecimento judicial, que se lhe contrapõe, é um acto espontâneo, voluntário - um acto a que não pode ser compelido o pretenso pai. Mas, sendo voluntário, não é, todavia, um acto discricionário, um acto a que dê plena eficácia, só por si, a vontade do perfilhante, um acto que legitime a assunção por este de paternidade pertencente a outrem. Que assim é resulta, desde logo, do artigo 1857.º, em que, para perfilhação de maior ou emancipado, se exige o seu consentimento; depois, e mais decisivamente (aquele argumento não releva para as acções de investigação propostas pelo maior ou emancipado, pois que aí não faltará ao pretenso pai, se quiser reconhecê-lo como filho, o necessário consentimento), do artigo 1859.º, que considera impugnável a perfilhação quando não corresponda à verdade - sinal evidente de que ela, a perfilhação, "é acto meramente declarativo e não constitutivo ou atributivo da filiação, que resulta da geração», conforme se acentua no Acórdão deste Tribunal de 16 de Julho de 1971 (Boletim n.º 209, p. 150). Daí a razão da sua impugnabilidade pelo Ministério Público ou por qualquer dos interessados, a todo o tempo e qualquer que seja (a lei não distingue) a forma a que tenha obedecido - o que indiscutivelmente deixa a sua estabilidade muito aquém da que oferece a perfilhação resultante da confissão (do pedido ou de factos de que resulte a sua procedência) sancionada por sentença com trânsito em julgado.

A ter-se como válida a confissão em qualquer dessas modalidades viria a obter-se indirectamente, por via dela, um efeito que a vontade do perfilhante não seria susceptível de produzir: o reconhecimento estável de alegada paternidade. Além de que, e ao mesmo tempo, não sendo a sentença definitiva passível de recurso de revisão ou de oposição de terceiro, ficaria coarctado o direito de livre impugnação estabelecido no citado artigo 1859.º (Cf. A. Castro, Lições III, 372, e os Acórdãos deste Tribunal de 29 de Setembro de 1972 e 19 de Janeiro de 1973, Boletim n.º 215, p. 257, e n.º 223, p. 232, nos quais se adoptou doutrina idêntica à que ora se propugna).

De concluir, depois disto, não ser disponível o direito de paternidade. E sendo assim, nas acções de investigação, mesmo quando proposta contra o pretenso pai, a confissão de factos feita por ele, ainda que expressamente, não produz o efeito referido no artigo 358.º do Código Civil - não faz prova plena desses factos -, valendo apenas como elemento probatório a apreciar livremente pelo Tribunal, nos termos do artigo 361.º do mesmo diploma.

O artigo 511.º do Código Civil manda especificar apenas os factos que o juiz julgue assentes por virtude de confissão, acordo das partes ou prova documental - como explica Alberto dos Reis, os factos sobre os quais haja prova plena. E então, se os factos confessados pelo pretenso pai constituem simples elementos probatórios a apreciar livremente pelo julgador, deverão constar do questionário, não da especificação.

Face ao exposto, confirma-se o acórdão recorrido e formula-se o seguinte assento:

Por respeitarem a direitos indisponíveis, os factos confessados pelo pretenso pai em acção de investigação de paternidade contra ele proposta devem ser levados ao questionário e não à especificação.

Sem custas.
Lisboa, 16 de Outubro de 1984. - Amaral Aguiar - Santos Carvalho - Dias da Fonseca - Flamino Martins - Magalhães Baião - Leite de Campos - Almeida Ribeiro - Alves Cortez - Corte Real - Moreira da Silva - Melo Franco - Joaquim Figueiredo - Campos Costa (com a declaração de voto que se junta) - Lima Cluny [vencido. Tal como expressamente se refere no relatório do presente acórdão, o que estava em causa era a questão de saber se o escrito do pai - "cartas juntas aos autos» em que inequivocamente se reconheça a paternidade, deve ser levado à especificação ou ao questionário. Ora, estando-se em pleno domínio do regime sobre prova documental e não sendo impugnada por ele a autoria de tal documento, parece-nos evidente que ele teria de ser levado à especificação, tanto mais que nos precisos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 1871.º do Código Civil o reconhecimento nele contido constitui mera presunção de paternidade necessariamente elidível. Salvo o devido respeito, no presente acórdão confundiu-se a "confissão da autoria de um documento» com "confissão de paternidade»] - Silvino Villa Nova (vencido pelas razões constantes do voto do Exmo. Conselheiro Cluny) - Antero Pereira Leitão (vencido por idêntica razão) - Miguel Caeiro (vencido porque, estando em causa apenas a autoria de um documento, reconhecida ou confirmada nos autos pelo seu próprio autor, deve tal facto ser naturalmente levado à especificação, para, conjugado com os demais elementos de prova, se concluir quanto à veracidade das afirmações nele contidas e, consequentemente, quanto à paternidade) - Solano Viana (vencido pelos fundamentos indicados pelo Exmo. Conselheiro Miguel Caeiro) - Quesada Pastor (vencido pelos mesmos fundamentos) - Vasconcelos de Carvalho (vencido pelos fundamentos constantes do voto do Exmo. Conselheiro Miguel Caeiro) - José Luís Pereira (vencido pelos mesmos fundamentos - o da declaração do juiz conselheiro Miguel Caeiro).


Declaração de voto
1 - Acabei por dar voto favorável à verificação dos requisitos legais do recurso para o tribunal pleno, sem embargo de reconhecer que, num plano de muito rigor, outra poderia ser a solução. Efectivamente, desde que o artigo 764.º, do Código de Processo Civil teve por base a ideia de se deverem estender os benefícios da uniformização obrigatória da jurisprudência a certas matérias que, apreciadas embora pela relação, não podem pela sua natureza ser submetidas, em via de recurso, ao conhecimento do Supremo, é seguro que, em normal recurso de revista, o Supremo sempre teria possibilidades de firmar doutrina acerca do valor da alegação de factos desfavoráveis pelo pretenso pai em acção de investigação conta ele proposta.

2 - No mais subscrevi a doutrina do assento, mas discordei de alguns aspectos de pormenor da respectiva fundamentação. - Campos Costa.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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