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Acórdão 71/2000/T, de 23 de Outubro

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Texto do documento

Acórdão 71/2000/T. Const. - Processo 421/99. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Jorge Humberto Berardo Nogueira vem, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, recorrer do Acórdão, da Relação de Lisboa, de 27 de Abril de 1999, que, com fundamento em manifesta improcedência, rejeitou o recurso por si interposto do despacho de 24 de Dezembro de 1998 do juiz do Tribunal Judicial de Torres Vedras, que indeferiu um requerimento seu em que arguira a nulidade da instrução, fundado em que haviam sido violadas as regras de competência territorial.

Tal indeferimento fundou-se na extemporaneidade do requerimento, apresentado para além do prazo legal, que era até ao início do debate instrutório.

Pretende o recorrente que este Tribunal aprecie a constitucionalidade dos artigos 19.º, 23.º, 32.º e 119.º, alínea e), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que, nesses preceitos, "se incluía a situação de ser o próprio ofendido a proceder à instrução", "equiparando a situação de o ofendido ser um magistrado à de o ofendido ser o Tribunal", "observando, portanto, o mesmo regime no que respeita à incompetência daí recorrente".

Neste Tribunal, o recorrente concluiu como segue a sua alegação:

A) O arguido foi acusado da prática de um crime de difamação agravada, em virtude de o alegado ofendido queixoso ser um magistrado e, além disso, de um crime de ofensa a serviço público, no caso o Tribunal Judicial de Torres Vedras;

B) Assim sendo, é manifesto que o Tribunal Judicial de Torres Vedras não é competente para realizar a instrução requerida pelo arguido;

C) Ao contrário do sustentado na decisão recorrida, não estamos, no caso em apreço, na presença de uma questão de mera incompetência territorial;

D) Mas, sim, perante um caso de desrespeito por princípios fundamentais de um Estado de direito democrático, como o de que ninguém pode ser juiz em causa própria, da garantia da imparcialidade da justiça;

E) E de direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados como tal, como sejam o de que todos têm direito a um julgamento mediante um processo equitativo e de que o processo assegure todas as garantias de defesa;

F) É absolutamente intolerável que, num verdadeiro Estado de direito, se possa admitir que o ofendido - ou qualquer parte num processo - intervenha, seja em que momento for, no processo munido de um poder de autoridade;

G) É inadmissível que se considere sequer a hipótese de que seja o próprio serviço, alegadamente ofendido, a ter o poder de fazer a comprovação, ainda por cima judicial e irrecorrível, de uma acusação em que é, alegadamente, visado;

H) Assim, com a interpretação feita na douta decisão ora recorrida, os artigos 19.º, 32.º, 119.º, alínea e), e 23.º do Código de Processo Penal estão feridos de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 2.º, 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa;

Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas., doutamente, suprirão, deverão ser declarados inconstitucionais os artigos 19.º, 32.º, 23.º e 199.º, alínea e), do Código de Processo Penal, na interpretação deles feita pela decisão sob censura, revogando-se a mesma.

O procurador-geral-adjunto em funções neste Tribunal também alegou, formulando as seguintes conclusões:

1.º Não viola qualquer preceito ou princípio da Constituição o regime constante do artigo 32.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, segundo o qual fica precludida a excepção dilatória de incompetência territorial do tribunal onde decorre a instrução se o interessado a não arguir ou a mesma não for oficiosamente conhecida até ao início do debate instrutório;

2.º Na verdade, não faria sentido facultar às partes ou sujeitos processuais a suscitação de uma incompetência relativa, em razão do território, para certa fase do processo, quando a mesma já se mostra integralmente esgotada, por consumado o seu objecto e função;

3.º A legitimidade de tal efeito preclusivo não é abalada mesmo que se trate de incompetência fundada em respeitar o processo em questão a magistrado, cumprindo ao arguido suscitar tempestivamente a dita excepção dilatória, sempre que entenda estar em causa fundamentada a isenção e imparcialidade do juiz perante quem decorre a fase de instrução;

4.º Termos em que se deverá improceder o presente recurso.

2 - Cumpre decidir.

II - Fundamentos. - 3 - A norma sub iudicio - conquanto o recorrente questione a constitucionalidade de certa interpretação dos artigos 19.º, 23.º, 32.º e 119.º, alínea e), do Código de Processo Penal, o certo é que, neste recurso, verdadeiramente, está em causa - como se identifica na alegação do Ministério Público - a norma constante da alínea a) do n.º 2 do dito artigo 32.º, "que considera precludida a excepção de incompetência territorial do tribunal onde decorre a fase da instrução após o início do debate instrutório - e operando tal efeito preclusivo mesmo no caso de a incompetência daquele tribunal radicar na norma constante do artigo 23.º do Código de Processo Penal, que altera a normal fixação da competência em função de ser ofendido na causa juiz em exercício no órgão jurisdicional que, em regra, seria o competente para a instrução ou julgamento".

Foi esta, de facto, a norma que o acórdão recorrido aplicou. E a este Tribunal apenas compete decidir se essa norma, tal como foi aplicada, é ou não compatível com a Constituição. Não lhe cabe decidir se era esse ou outro o regime jurídico aplicável ao caso.

O referido artigo 32.º, n.º 2, alínea a), prescreve que, "tratando-se de incompetência territorial, ela somente pode ser deduzida e declarada: a) Até ao início do debate instrutório, tratando-se de juiz de instrução".

Por sua vez, no artigo 23.º, preceitua-se que, "se num processo for ofendido, pessoa com a faculdade de se constituir assistente ou parte civil um magistrado, e para o processo devesse ter competência, por força das disposições anteriores, o tribunal onde o magistrado exerce funções, é competente o tribunal da mesma hierarquia ou espécie com sede mais próxima, salvo tratando-se do Supremo Tribunal de Justiça".

Vejamos, então:

4 - A questão de constitucionalidade - a regra de competência constante do artigo 23.º, acabado de transcrever, tem, obviamente, a ver com a necessidade de garantir que o juiz possa actuar com independência e imparcialidade.

De facto, a necessidade de assegurar que a causa seja apreciada por um juiz independente e imparcial impõe que o não possa ser por um juiz que nela tenha a posição de ofendido [cf., a propósito, o Acórdão 135/88 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 8 de Setembro de 1988)].

Escreveu-se nesse Acórdão 135/88, entre os mais, o seguinte:

"Assim, necessário é, inter alia, que o desempenho do cargo de juiz seja rodeado de cautelas legais destinadas a garantir a sua imparcialidade e a assegurar a confiança geral na objectividade da jurisdição.

É que, quando a imparcialidade do juiz ou a confiança do público nessa imparcialidade é justificadamente posta em causa, o juiz não está em condições de 'administrar justiça'. Nesse caso, não deve poder intervir no processo, antes deve ser pela lei impedido de funcionar - deve, numa palavra, poder ser declarado iudex inhabilis."

É por isso que o mencionado artigo 23.º garante que, se o ofendido for um juiz que exerça funções no tribunal que, de acordo com as regras gerais, seria o competente para a causa, a competência passa a ser do tribunal da mesma hierarquia ou espécie com sede mais próxima. Ou seja: tal norma impõe o desaforamento do processo, que passa a ser da competência da comarca vizinha. E isto é assim, independentemente de, no processo, figurar também (ou não) como ofendido o próprio tribunal. Como sublinha o Ministério Público, "a causa da incompetência territorial, desde sempre patente nos autos, radica, em termos suficientes, em se tratar de 'processo respeitante a magistrado', não tendo o facto traduzido em figurar concomitantemente como ofendido também o próprio tribunal como órgão jurisdicional, o efeito constitutivo relativamente à dita incompetência relativa, a qual já decorrera do facto de na causa figurar como ofendido o juiz da comarca".

Só que, se é certo que a necessidade de garantir que a causa seja apreciada por um juiz independente e imparcial impõe que não possa ser o juiz ofendido no processo a decidi-la, tal já não reclama que os sujeitos processuais possam arguir a incompetência territorial do tribunal em qualquer momento. A competência do tribunal atinente à fase da instrução há-de ficar definitivamente arrumada até ao encerramento desta, pois seria de todo irrazoável que se entrasse na fase do julgamento com tal questão por resolver.

O processo penal tem de ser justo. O carácter justo do processo exige, porém, que ele seja "julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa" (cf. o artigo 32.º, n.º 2, da Constituição).

Ora, se as questões não forem sendo decididas na fase a que respeitam, corre-se o risco de criar uma autêntica confusão processual, com a consequência de arrastar os processos indefinidamente.

Por isso, a norma que impede que, após o início do debate instrutório, se argua a incompetência territorial do tribunal onde decorreu a instrução não é inconstitucional, pois que não encurta, de forma inadmissível, as garantias de defesa do arguido. O processo continua a ser a due process, como deve ser o processo de um Estado de direito.

Que assim é, basta recordar que, no caso, o recorrente, para além de ter sido, ele próprio, a requerer a instrução no Tribunal Judicial de Torres Vedras, quando sabia que - ex vi do que preceitua o referenciado artigo 23.º - esse Tribunal era territorialmente incompetente para o efeito, teve todo o tempo para, até ao início do debate instrutório, excepcionar a incompetência do Tribunal, como lhe impugna o artigo 32.º, n.º 2, alínea a), também citado. Optou por não o fazer. E, depois de proferido o despacho de pronúncia - que, em virtude de, no processo, ser ofendida a juíza do 2.º Juízo do Tribunal de Torres Vedras, tal como o próprio Tribunal, ordenou a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Lourinhã -, veio, então, arguir a nulidade da instrução.

Ora, há-de convir-se que, nesta situação, o arguido não pode, razoavelmente, invocar violação do seu direito de defesa.

5 - Conclusão - conclui-se, assim, que a norma sub iudicio, com o recorte que atrás se apontou, não é inconstitucional.

Há, por isso, que negar provimento ao recurso.

III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade;

b) Condenar o recorrente nas custas, com 15 unidades de conta de taxa de justiça.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2000. - Messias Bento - José de Sousa e Brito - Alberto Tavares da Costa - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza - Luís Nunes de Almeida.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1831747.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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