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Acórdão 68/2000/T, de 4 de Outubro

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Texto do documento

Acórdão 68/2000/T. Const. - Processo 887/98. - Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório. - 1 - Joaquim Fernando Oliveira Claro Alegria interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho do Presidente da Relação de Lisboa de 29 de Junho de 1998, para apreciação da constitucionalidade da "interpretação que essa decisão deu aos artigos 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 2, 432.º e 427.º do Código de Processo Penal".

Convidado a indicar a interpretação que a decisão recorrida deu a tais preceitos e que ele considera inconstitucional, veio dizer, para o que aqui importa, o seguinte: "Entende o tribunal a quo: a) que o recurso que o recorrente interpôs tem subida diferida (cf. artigo 407.º, n.º 3, do Código de Processo Penal); b) que o recurso sobe para o Supremo Tribunal de Justiça (cf. artigo 432.º do Código de Processo Penal). Porque é negada a subida imediata e para o Tribunal da Relação de Lisboa, entende o recorrente que a interpretação e aplicação que o tribunal a quo dá aos artigos 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 2, 432.º e 427.º do Código de Processo Penal viola o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que inutiliza o direito que o recorrente tem à sua defesa."

Neste Tribunal, o recorrente formulou as seguintes conclusões, na alegação que apresentou:

"1.ª A interpretação dada aos artigos 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 2, 432.º e 427.º do Código de Processo Penal, quanto à subida do recurso e ao efeito, viola o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa;

2.ª Deve, pois, declarar-se inconstitucional a interpretação e aplicação dos normativos do Código de Processo Penal, no caso 'sub judice' na conclusão que antecede, por violarem o direito de defesa consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa."

O Procurador-Geral-Adjunto em exercício de funções neste Tribunal - depois de sublinhar ser manifesto que "a norma que constitui objecto do presente recurso é apenas a que consta do artigo 407.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal, enquanto prescreve que não devem subir imediatamente os recursos cuja retenção os não torne absolutamente inúteis, os quais sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa" - concluiu como segue a sua alegação:

"1.º Não é inconstitucional, pois não viola qualquer princípio ou preceito da Lei Fundamental a norma constante do n.º 2 do artigo 407.º do Código de Processo Penal, interpretada como estabelecendo o regime de subida diferida para os recursos dos despachos que indefiram a realização de diligências probatórias requeridas pelo arguido na fase de instrução.

2.º Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso."

Houve mudança de relator.

2 - Cumpre decidir.

II - Fundamentos. - 3 - O objecto do recurso. - Não obstante o recorrente ter indicado como constituindo objecto do recurso os artigos 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 2, 432.º e 427.º do Código de Processo Penal, a verdade é que o despacho recorrido não aplicou, nem podia aplicar, os artigos 427.º e 432.º do referido Código, pois, não estando em causa um recurso da decisão final, não faria sentido estar a fixar o tribunal competente para o efeito. E também não aplicou o artigo 406.º, n.º 2, do mesmo Código, pois assentou em que o recurso não devia subir imediatamente, e aquele preceito legal pressupõe um recurso que deva subir imediatamente.

O objecto do recurso é, pois, constituído pela norma constante do n.º 2 do artigo 407.º do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a retenção de recursos de decisões que indefiram diligências de prova requeridas pelo arguido na fase da instrução não os torna absolutamente inúteis, por isso que tais recursos não sobem imediatamente.

Com efeito, o juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, por despacho de 30 de Março de 1998, declarou aberta a instrução requerida pelo arguido (ora recorrente), que fora acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, mas indeferiu "todas as diligências instrutórias requeridas, por as mesmas se [...] afigurarem inúteis para a realização das finalidades da instrução". E acrescentou que ele podia, "querendo, apresentar [...] os documentos que tiver por pertinentes para prova dos factos articulados no requerimento de abertura da instrução".

Inconformado com tal indeferimento, o arguido interpôs recurso para a Relação de Lisboa, que o juiz, por despacho de 8 de Maio de 1998, admitiu para subir "conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa".

De novo inconformado - agora, com a retenção do recurso, ou seja, com a subida diferida do mesmo -, o arguido reclamou para o Presidente da Relação de Lisboa, dizendo, entre o mais, que, não se mandando subir imediatamente o recurso, "é violado o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, na interpretação que é dada aos artigos 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 2, 432.º e 427.º do Código de Processo Penal".

O Presidente da Relação de Lisboa, por despacho de 29 de Junho de 1998 - que é o despacho recorrido -, indeferiu a reclamação: depois de dizer que importava resolver a questão que "consiste em saber se a retenção do recurso é de molde a inutilizar absolutamente o efeito útil do recurso admitido e se, consequentemente, lhe devia ter sido fixada subida imediata", concluiu negativamente, por isso, que a subida diferida era a adequada ao caso.

4 - A questão de constitucionalidade.

4.1 - O artigo 407.º do Código de Processo Penal regula o momento da subida dos recursos, dispondo o n.º 2 que "sobem [...] imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis". Se a retenção não for susceptível de os tornar absolutamente inúteis, os recursos - dispõe o n.º 3 do mesmo artigo 374.º - "sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa"; ou seja: neste caso, a subida dos recursos é diferida.

Estando em causa recursos de despachos que indefiram pedidos de realização de diligências, o que o legislador pretende é que se não percam provas com a subida diferida do recurso: é que, tal sucedendo, era a verdade material a atingida - e, com ela, o empenho de punir os criminosos, mas de só punir os verdadeiros criminosos.

A esse propósito, escreveu-se no Acórdão 964/96 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 23 de Dezembro de 1996):

"O sentido constitucionalmente necessário da determinação segundo a qual 'sobem ainda imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis' é o da não inviabilização da prova em ordem à consecução da verdade material. A ponderação que o juiz deve empreender é a de se o regime de subida diferida, que atribui ao recurso ainda está nos limites da subsistência da afirmação da prova ou se, pelo contrário, o diferimento do controlo em via de recurso da apreciação da prova corresponde à negação da subsistência da mesma prova."

Como se viu, foi com subida diferida que foi recebido o recurso interposto pelo arguido do despacho que indeferiu as diligências de prova por si requeridas na fase da instrução. E foi essa subida diferida que o despacho recorrido confirmou, por entender que a retenção não torna esse recurso absolutamente inútil.

Importa, então, decidir se a norma do mencionado artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal assim interpretada é constitucional, designadamente por como pretende o recorrente - violar o princípio das garantias de defesa (consagrado no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição) ou o princípio da presunção de inocência (consagrado no n.º 2 do mesmo artigo 32.º).

4.2 - Esta questão já foi por diversas vezes decidida por este Tribunal. Fê-lo, primeiro, no Acórdão 474/94 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 8 de Novembro de 1994), tendo concluído que tal norma, "ao considerar como não sendo absolutamente inúteis os recursos do despacho que indefira o pedido de realização de diligências em fase de instrução, se subirem, forem instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa, não viola qualquer princípio ou norma constitucional, designadamente os artigos 1.º, 2.º, 13.º, 16.º, 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa". E repetiu o julgamento de não inconstitucionalidade nos Acórdãos n.os 964/96 (já citado), 1205/96, 104/98 (publicados no Diário da República, 2.ª série, de 14 de Fevereiro de 1997 e de 20 de Março de 1998) e 244/97 (por publicar).

É esta jurisprudência que aqui se reitera, recordando apenas alguns pontos da fundamentação aduzida naqueles arestos para concluírem pela inexistência de violação do princípio das garantias de defesa e do princípio da presunção de inocência.

Assim, para concluir que não existe violação do princípio das garantias de defesa, escreveu-se no citado Acórdão 474/94:

"Com efeito, visando a instrução a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artigo 286.º, n.º 1), o juiz deve indeferir, por despacho, 'os actos requeridos que não interessem à decisão da causa ou servirem apenas para protelar o andamento do processo e pratica ou ordena oficiosamente aqueles que considera úteis' (artigo 291.º, n.º 1, 2.º período).

Conclui-se deste normativo transcrito que o juiz não está obrigado, na instrução, a realizar todas as diligências que lhe forem requeridas, e que, embora não lhe seja também conferido um poder totalmente discricionário, deve ordenar a realização das diligências necessárias à realização das finalidades próprias da instrução.

A subida diferida de recursos assenta claramente numa exigência de celeridade processual - como bem refere, nas suas alegações, o procurador-geral-adjunto -, que em processo penal é um 'valor constitucionalmente relevante'. Assim, fazendo a lei processual penal subir imediatamente apenas os recursos cuja utilidade se perderia em absoluto se a subida fosse diferida, obvia-se a que a tramitação normal do processo seja afectada por constantes envios do processo à segunda instância para apreciação de decisões interlocutórias e, por outro lado, pode vir a evitar-se o conhecimento de muitos destes recursos que podem ficar prejudicados no seu conhecimento pelo sentido da decisão final.

É certo que o provimento de um recurso deste tipo leva à inutilização dos actos processuais que forem praticados após a sua interposição e que estejam na dependência do acto ou despacho recorrido.

Importa aqui, porém, acentuar que o regime de subida diferida em nada diminui as garantias de defesa do arguido que, face ao provimento do recurso, sempre verá a sua posição ser reconhecida jurisdicionalmente.

Acresce que - conforme se refere no Acórdão 338/92 [...], citando o Acórdão 31/87 - 'a Constituição não estabelece qualquer direito dos cidadãos a não serem submetidos a julgamento, sem que previamente tenha havido uma completa e exaustiva verificação de existência de razões que indiciem a sua presumível condenação. O que a Constituição determina no n.º 2 do artigo 32.º é que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, pelo que o simples facto de se ser submetido a julgamento não pode constituir, só por si, no nosso ordenamento jurídico, um atentado ao bom nome e reputação'.

Deve, por isso, concluir-se que a subida diferida de um recurso de despacho que indefira a realização de diligências na fase de instrução não afronta o princípio das garantias de defesa do arguido nem o princípio da dignidade do cidadão pela sua submissão ao julgamento penal."

No mesmo aresto, acrescentou-se, com referência ao princípio da presunção de inocência:

"Tal regime de subida de recurso não viola também, manifestamente, o princípio da presunção de inocência do arguido uma vez que o modo de subida de tal recurso não altera por qualquer forma o estatuto do arguido, antes permite que, com um julgamento mais célere, se defina, de modo terminal, a posição do arguido face aos factos apurados.

4.3 - Argumenta-se, ex adverso, dizendo que como, no nosso sistema processual, não há recurso da decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público (cf. o artigo 310.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) - e a irrecorribilidade desse despacho tem-na este Tribunal julgado compatível com a Constituição [cf., por último, o Acórdão 387/99 (ainda por publicar)] -, então, a subida diferida do recurso interposto do despacho que indefere a realização de diligências de prova na fase da instrução afecta necessariamente o princípio da presunção de inocência do arguido e impede que ele use um meio capaz de evitar uma indevida sujeição a julgamento, porque não baseada na suficiência de indícios.

Sem razão, porém.

De facto, o arguido - para além de continuar a presumir-se inocente - só pode ser submetido a julgamento, se, "até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação" ao mesmo "de uma pena ou de uma medida de segurança" - dispõe o n.º 1 do artigo 308.º do Código de Processo Penal.

Por conseguinte, não é o facto de o recurso não subir imediatamente que, em si, pode conduzir a que o arguido seja indevidamente submetido a julgamento ou a que deixe de presumir-se inocente.

É certo que o juiz, quando indefere a realização de diligências de prova, pode ajuizar mal sobre a utilidade das mesmas; e, ao receber o recurso com subida diferida, pode errar quanto ao juízo de não inviabilização da prova.

São riscos "inerentes à ponderação das exigências de celeridade" processual (para dizer com o citado Acórdão 1205/96).

Ora, a celeridade processual é, ela também, um valor constitucional, pois é direito do arguido o ser julgado "no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa" (cf. o n.º 2 do artigo 32.º da Constituição): é o direito a um processo que, além de justo, seja célere.

Conclui-se, pois, no sentido da não inconstitucionalidade da norma sub iudicio. E, assim, há que negar provimento ao recurso.

III - Decisão. - Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:

a) Negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmar o despacho recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade;

b) Condenar o recorrente nas custas com 15 unidades de conta de taxa de justiça.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2000. - Messias Bento - José de Sousa e Brito - Alberto Tavares da Costa - Maria dos Prazeres Beleza (vencida, nos termos da declaração junta) - Luís Nunes de Almeida.

Voto de vencida. - Votei vencida, no essencial, pelas seguintes razões: relativamente a grande número de questões de constitucionalidade, é possível formular um juízo dirigido à norma, isoladamente considerada, sendo do mesmo passo possível construir uma decisão de inconstitucionalidade ou de não inconstitucionalidade mediante o confronto directo do regime nela contido com a Constituição.

Noutros casos, porventura frequentes, o problema da constitucionalidade de uma norma jurídica só equacionar-se em função do papel desempenhado por essa norma no sistema em que se insere. Por outras palavras, a ponderação do sistema não é apenas imposta para a correcta interpretação da norma, impõe-se como meio necessário para ponderar a sua compatibilidade com a Constituição.

Estas considerações tornam-se necessárias para compreender as razões que me levam a considerar inconstitucional a norma que constitui o objecto deste processo.

Decorre da Constituição o direito a não ser submetido a julgamento sem que estejam comprovados indícios suficientes da prática de um crime, embora não se exija, naturalmente, uma apreciação exaustiva das provas, reservada à fase de julgamento (cf. em sentido não muito diferente, a declaração de voto de vencida da Conselheira Fernanda Palma aposta ao Acórdão 964/96).

O exercício de tal direito, decorrente antes de mais da presunção de inocência do arguido, poderia ser convenientemente garantido com a aceitação da recorribilidade da decisão instrutória que pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público. Seria esse, aliás, o momento adequado à subida conjunta do recurso de despachos que indeferem diligências probatórias requeridas pelo arguido.

De acordo com o sistema processual penal vigente, porém, não cabe recurso da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público (n.º 1 do artigo 310.º do Código de Processo Penal). E tal irrecorribilidade tem sido julgada não inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Neste mesmo sentido foi tirado, recentemente, o Acórdão 387/99, com o meu voto de vencida.

Ora, no contexto normativo com base no qual se pondera a constitucionalidade da norma sub judicio, não é facultado ao arguido qualquer outro meio de reacção contra uma indevida - porque não baseada na suficiência de indícios - sujeição a julgamento.

Como salienta a Conselheira Fernanda Palma, no citado voto de vencida, "a irrecorribilidade do despacho de pronúncia até justifica [...] a escrupulosa observância das garantias de defesa nas fases de inquérito e instrução. Por outro lado, é a economia processual, de que o próprio desígnio de celeridade é instrumental, que aconselha a apreciação imediata de um recurso que, previsivelmente, pode obstar ao julgamento".

Deste modo, a subida não imediata dos recursos de decisões que indeferem diligências probatórias na fase de instrução afecta necessariamente o princípio da presunção de inocência do arguido e não permite o exercício do direito à não submissão a julgamento sem a verificação de indícios suficientes. - Maria dos Prazeres Beleza.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1827796.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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