Resolução do Conselho de Ministros n.º 144/2004
A revisão do Código de Processo Penal, operada pela Lei 59/98, de 25 de Agosto, introduziu a possibilidade de utilização de dispositivos técnicos de controlo à distância, abreviadamente designados por vigilância electrónica, para fiscalizar o cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação prevista no artigo 201.º daquele Código. Tal possibilidade teve por objectivo reduzir as taxas de aplicação da prisão preventiva e contribuir para conter o elevado índice de sobrelotação prisional.
A Lei 122/99, de 20 de Agosto, que veio regulamentar a utilização da vigilância electrónica, cometeu aos serviços de reinserção social a responsabilidade da sua introdução no sistema sancionatório português, prevendo a sua utilização progressiva e a título experimental, por um período não superior a três anos e num âmbito geográfico definido a estabelecer por portaria. A Resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2001, de 6 de Janeiro, criou no âmbito do Ministério da Justiça uma estrutura de missão, cujos apoio logístico e administrativo, pessoal afecto e todos os respectivos encargos orçamentais são assegurados pelo Instituto de Reinserção Social, com o objectivo de desenvolver as estratégias de implementação de vigilância electrónica, estabelecer as condições para a sua aplicação, adquirir os meios tecnológicos e os serviços necessários, bem como acompanhar a execução experimental desse método de controlo penal.
O programa experimental de vigilância electrónica iniciou-se no 1.º dia útil de 2002, circunscrito a 11 comarcas da Grande Lisboa, nos termos aprovados pela Portaria 1462-B/2001, de 28 de Dezembro, e posteriormente alargado, por este governo, às restantes comarcas desta região pela Portaria 104/2003, de 27 de Janeiro. Visando estender esta nova forma de controlo penal a um cada vez maior número de arguidos, decidiu o Governo, nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 87/2003, de 5 de Julho, o alargamento do âmbito geográfico de utilização da vigilância electrónica à região do Grande Porto, que inicialmente não havia sido previsto; foram abrangidas, numa primeira fase, ao abrigo da Portaria 1136/2003, de 2 de Outubro, 17 comarcas, entretanto estendido às 23 comarcas do Grande Porto nos termos da Portaria 189/2004, de 26 de Fevereiro, que concluiu a segunda fase do alargamento geográfico do Programa Experimental da Vigilância Electrónica.
Os sucessivos alargamentos da vigilância electrónica, ainda no decurso do período experimental, sustentaram-se nos bons resultados intercalares que foram sendo obtidos e que o relatório final de avaliação do programa, recentemente concluído, vem plenamente confirmar. De facto, a vigilância electrónica obteve significativos índices de adesão tanto por parte dos magistrados, advogados e demais operadores judiciários quanto por parte dos arguidos e seus familiares e da comunidade em geral, demonstrou ser uma solução com excelentes níveis de operacionalidade e eficácia e com uma elevada taxa de sucesso, os seus custos revelaram-se substancialmente inferiores aos do sistema prisional e provou constituir uma real alternativa à prisão preventiva, evitando-a ou substituindo-a, na esmagadora maioria dos casos em que os magistrados decidiram a sua aplicação, contribuindo assim para uma redução do número de presos preventivos em Portugal.
Todavia, e sem prejuízo dos bons resultados que foram sendo obtidos, entende o Governo que a utilização da vigilância electrónica não deverá apenas circunscrever-se à fase pré-sentencial, mas passar também a ser utilizada em sede de execução de penas, desta forma acolhendo uma das recomendações contidas no relatório que a Comissão para o Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional apresentou ao Governo e que se considera necessário pôr em prática. No mesmo sentido, aliás, aponta não só a Recomendação R (99) 22, do Conselho da Europa, de 30 de Setembro, mas também o relatório da visita a Portugal do Comissário dos Direitos Humanos, Alvaro Gil-Robles, o qual sugere, genericamente, o desenvolvimento de novas medidas alternativas a fim de reduzir a população prisional.
Na verdade, é sobretudo no contexto da execução de penas que a vigilância electrónica tem vindo a afirmar-se no panorama internacional, ao longo dos últimos anos, como alternativa ao sistema prisional, face ao qual apresenta um inquestionável conjunto de vantagens.
Ao permitir evitar a execução de penas efectivas de curta duração e flexibilizar a execução ou antecipar a concessão de liberdade condicional, no caso de penas mais longas, o Governo antevê que a vigilância electrónica poderá constituir um meio eficaz ao serviço da redução da elevada taxa de encarceramento que Portugal regista, o que constitui um objectivo central de política criminal. A vigilância electrónica poderá, assim, contribuir para diminuir a crónica sobrelotação do sistema prisional e o impacte da constelação de problemáticas que lhe surgem associadas, bem como para reduzir os pesados encargos financeiros implicados pela expansão desse sistema, constituindo ao mesmo tempo uma solução que favorece a manutenção de vínculos de pertença e os processos de reinserção social.
Deste modo, e dando cumprimento ao seu programa na área da justiça, entende o Governo ser necessário estabelecer um programa de acção para o desenvolvimento da vigilância electrónica no sistema penal visando, por um lado, concluir a fase de experimentação da vigilância electrónica como meio de controlo do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação prevista no artigo 201.º do Código de Processo Penal e procedendo à generalização da sua utilização em todo o País e, por outro lado, desenvolver condições que permitam a sua utilização, ainda que de forma progressiva e faseada, no contexto da execução de penas.
Este programa de acção consubstancia-se na adopção de medidas legislativas, administrativas, regulamentares e técnico-operativas, bem como no imprescindível reforço da capacidade de intervenção do Instituto de Reinserção Social, dotando-o dos necessários recursos humanos, logísticos, tecnológicos e financeiros para proceder ao desenvolvimento da vigilância electrónica.
Neste quadro, o mandato da estrutura de missão criada para o efeito é prorrogado até ao momento da reestruturação orgânica do Instituto de Reinserção Social, com vista a organizar a estrutura indispensável à consolidação deste novo método de controlo penal integrado na actividade corrente deste Instituto, com o limite de 31 de Dezembro de 2005.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Aprovar o presente programa de acção para o desenvolvimento da vigilância electrónica no sistema penal, com a finalidade de generalizar a utilização desta nova solução de controlo penal em todo o território nacional como alternativa à execução de medidas e sanções privativas da liberdade.
2 - Determinar que o presente programa de acção seja concretizado até 31 de Dezembro de 2007, integrando, faseadamente, a adopção de medidas de natureza legislativa, regulamentar e administrativa, e o desenvolvimento das condições técnico-operativas necessárias à execução da vigilância electrónica.
3 - Estabelecer que o Governo, até final de 2004, deve adoptar as medidas legislativas adequadas:
a) À revisão e aperfeiçoamento do actual regime jurídico da vigilância electrónica, constante da Lei 122/99, de 20 de Agosto;
b) À definição do regime jurídico da vigilância electrónica no âmbito da execução de sanções privativas de liberdade, designadamente como alternativa de execução de penas de prisão efectivas de curta duração e como condição de antecipação da liberdade condicional.
4 - Determinar que o Governo deve adoptar as seguintes medidas regulamentares:
a) Determinar, até final de 2004, por portaria do Ministro da Justiça, a data em que, após conclusão do período experimental, se alarga a todo o território nacional a possibilidade de utilizar os meios de vigilância electrónica para fiscalização do cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação prevista no artigo 201.º do Código de Processo Penal;
b) Estabelecer, no ano de 2005, por portaria do Ministro da Justiça, os termos em que se procederá à experimentação da vigilância electrónica no âmbito da execução de penas privativas da liberdade, de acordo com a legislação que vier a ser aprovada, designadamente a duração do período experimental e as áreas geográficas e tribunais envolvidos;
c) Estabelecer, no ano de 2007, e face à avaliação dos resultados obtidos, por portaria do Ministro da Justiça, os termos em que se procederá à generalização da vigilância electrónica no âmbito da execução de penas privativas da liberdade.
5 - Tomar, ao nível administrativo, as seguintes medidas:
a) Prorrogar o mandato da estrutura de missão criada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 1/2001, de 6 de Janeiro, pelo período necessário à reestruturação orgânica do Instituto de Reinserção Social, a concretizar até 31 de Dezembro de 2005, e cujos apoio logístico e administrativo, pessoal afecto e todos os encargos orçamentais continuarão a ser assegurados pelo Instituto de Reinserção Social;
b) Fixar em 10 o número de unidades operativas que integram o núcleo executivo da estrutura de missão, de modo a permitir assegurar o permanente acompanhamento da execução da vigilância electrónica em todo o território nacional, cabendo ao presidente do Instituto de Reinserção Social, por despacho, determinar a localização, o início de funcionamento, o âmbito de competência, a dependência hierárquica e funcional e o pessoal afecto a cada unidade operativa, bem como nomear o respectivo coordenador;
c) Autorizar o Instituto de Reinserção Social a recorrer aos serviços de entidades privadas para garantir os meios técnicos utilizados na vigilância electrónica, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da Lei 122/99, de 20 de Agosto.
6 - Determinar que a estrutura de missão deve adoptar as seguintes medidas de natureza técnico-operativa:
a) O estabelecimento de protocolos de cooperação com as competentes autoridades policiais para efeitos do apoio à execução da vigilância electrónica em zonas cuja especificidade geográfica o exija;
b) A aprovação e actualização regular dos manuais de procedimentos utilizados no âmbito da vigilância electrónica;
c) A definição de programas de selecção e recrutamento e de formação especializada, inicial e contínua, dos profissionais envolvidos na vigilância electrónica;
d) A concretização de programas de divulgação, informação e avaliação de resultados respeitantes à utilização da vigilância electrónica.
Presidência do Conselho de Ministros, 30 de Setembro de 2004. - O Primeiro-Ministro, Pedro Miguel de Santana Lopes.