Resolução do Conselho de Ministros n.º 104/2004
A Casa Pia de Lisboa é, como resulta do Decreto-Lei 50/2001, de 13 de Fevereiro, um instituto público destinado ao acolhimento, educação, ensino, formação e inserção social de crianças e jovens em perigo ou em risco de exclusão social, dotado de autonomia administrativa, financeira, técnica e pedagógica, sob tutela do Ministério da Segurança Social e do Trabalho.
Apesar de consubstanciar uma pessoa colectiva de direito público distinta do Estado, pela sua natureza e pelas suas atribuições, a Casa Pia de Lisboa prossegue ainda fins do Estado, integrando a administração indirecta do Estado.
No âmbito das atribuições legalmente previstas, especialmente nas que se referem ao acolhimento, educação e formação de jovens, a Casa Pia de Lisboa e, através desta, o Estado estão adstritos a deveres de vigilância, de salvaguarda e promoção dos interesses dos jovens alunos da instituição.
Os eventuais casos de abusos sexuais respeitantes a alunos da Casa Pia de Lisboa consubstanciam uma situação susceptível de violar aqueles deveres e, em consequência, de determinar a responsabilidade da Casa Pia de Lisboa e do Estado pelos danos causados.
Neste enquadramento, e sem prejuízo do apuramento de eventuais responsabilidades criminais a cargo dos tribunais, o Estado pretende assumir a sua obrigação de indemnização relativamente aos alunos da Casa Pia de Lisboa vítimas de abusos sexuais. Para o efeito, é necessário criar um mecanismo que permita, de forma célere e confidencial, determinar quais os alunos da Casa Pia de Lisboa que são titulares do direito à referida indemnização, bem como qual o montante efectivamente devido a cada um.
Para tanto, procede-se à instituição de um mecanismo extrajudicial de resolução de litígios, de tipo arbitral, cuja organização, constituição e funcionamento obedecem às disposições da presente resolução e dos actos jurídicos que vierem posteriormente a ser praticados em execução da mesma, sem prejuízo da salvaguarda da aceitação dos eventuais interessados.
Ao Estado, por si ou através da Casa Pia de Lisboa, reserva-se, nos termos da lei, o direito de proceder ao apuramento da responsabilidade disciplinar ou outra que ao caso possa caber, bem como ao exercício do direito de regresso, relativamente aos agentes e funcionários responsáveis pela violação dos deveres de vigilância, salvaguarda e promoção acima referidos.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Para efeitos de determinação dos alunos e ex-alunos da Casa Pia de Lisboa titulares do direito à indemnização por danos, materiais ou morais, de que tenham sido vítimas em resultado da prática comprovada de abusos sexuais, bem como para apuramento do montante indemnizatório efectivamente devido a cada um, instituir, nos termos da lei, um tribunal de tipo arbitral, cuja constituição, organização e funcionamento se rege pelo disposto na presente resolução.
2 - A aceitação e a formalização do compromisso arbitral por parte do interessado tem lugar com a apresentação da petição ao tribunal de tipo arbitral.
3 - No que respeita ao modo de escolha dos árbitros que integram o tribunal de tipo arbitral, estipula-se que este é constituído por três elementos, sendo um, que preside, um jurisconsulto a designar pelo Conselho Superior da Magistratura, outro, um médico a designar pela Ordem dos Médicos, e o terceiro, um advogado a indicar pela Ordem dos Advogados.
4 - As regras que disciplinam o processo destinado ao apuramento da determinação dos alunos e ex-alunos da Casa Pia titulares do direito à indemnização por danos, materiais ou morais, de que tenham sido vítimas em resultado da prática comprovada de abusos sexuais, bem como do processo para apuramento do montante indemnizatório efectivamente devido a cada um, são aprovadas por despacho conjunto da Ministra de Estado e das Finanças, da Ministra da Justiça e do Ministro da Segurança Social e do Trabalho, dependendo, em qualquer caso, do impulso procedimental de petição a apresentar tempestivamente pelo aluno ou ex-aluno que se considere sexualmente abusado.
5 - Nos processos que decorrem perante o tribunal de tipo arbitral, o Estado é representado por um jurista a designar por despacho conjunto dos ministros referidos no número anterior.
6 - Caso as regras processuais a estabelecer nos termos do n.º 4 venham a revelar-se omissas relativamente a alguma questão, deve recorrer-se, com as devidas adaptações, ao disposto na lei de arbitragem voluntária.
7 - A petição inicial deve ser apresentada pelos interessados ao tribunal de tipo arbitral no prazo de três meses a contar da data da publicação no Diário da República do despacho conjunto a que se refere o n.º 4, e a respectiva decisão final deve ser tomada no prazo máximo de seis meses a contar do termo do prazo para apresentação das mencionadas petições.
8 - O tribunal de tipo arbitral deve apreciar e julgar segundo a equidade, sem prejuízo do instituto da prescrição previsto na lei civil, sendo que o montante máximo a atribuir por cada indemnização não pode ultrapassar, em caso algum, o montante de (euro) 50000.
9 - O tribunal de tipo arbitral funciona em Lisboa, em local a designar pelos árbitros.
10 - O tribunal de tipo arbitral pode, sempre que entender necessário ou razoável, recorrer a peritagens, a pareceres ou a outros meios de natureza técnica para efeitos de apreciação e julgamento dos processos que lhe são submetidos.
11 - As decisões do tribunal de tipo arbitral são irrecorríveis.
12 - A apresentação de pedidos de indemnização ao tribunal de tipo arbitral implica a aceitação de todas as regras previstas na presente resolução, incluindo aquelas que vierem a ser estabelecidas nos termos do n.º 4, bem como a renúncia, por parte do respectivo requerente, à apresentação, com base nos mesmos elementos de facto e de direito, de outros pedidos de indemnização ao Estado ou à Casa Pia, seja por que forma for, relativamente a abusos sexuais sofridos até à data da apresentação do pedido.
13 - A presente resolução entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
14 - Os demais actos jurídicos a praticar para efeitos da boa execução da presente resolução devem revestir a forma de despacho conjunto dos ministros referidos no n.º 4.
15 - No omisso aplica-se o disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos e na Lei da Arbitragem Voluntária.
Presidência do Conselho de Ministros, 1 de Julho de 2004. - O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.