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Acórdão 6/2004, de 14 de Julho

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Sumário

Fixa a seguinte jurisprudência: a acção pauliana individual não está sujeita a registo predial. (Proc. nº 1174/2002).

Texto do documento

Acórdão 6/2004
Processo 1174/2002
Acordam nas Secções Cíveis reunidas:
O Banco Comercial Português, S. A., sociedade aberta, impugnou a decisão da Exma. Conservadora do Registo Predial de Évora que lhe recusou o pedido de registo da acção de impugnação pauliana que intentou no Tribunal Judicial de Évora e que corre termos sob o n.º 70/2000 do 1.º Juízo Cível, em que são réus Maria Manuela Pifre Rainha Cardoso e Manuel Matos Cardoso, Maria Alzira Rainha Cebola e Luís Manuel Martins Rainha e Herculana Maria Rodrigues Martins Rainha.

O pedido de registo foi apresentado em 18 de Maio de 2000 e foi "recusado nos termos dos artigos 68.º e 69.º, n.º 1, alínea c), do Código do Registo Predial (CRP), porquanto a acção de impugnação pauliana não se encontra sujeita a registo dado o seu carácter pessoal e escopo indemnizatório e da sua procedência resultarem apenas efeitos meramente obrigacionais deixando intocada a validade das transmissões».

Diz o impugnante:
"Para a registabilidade da acção de impugnação pauliana é irrelevante a questão da sua natureza jurídica.

O que interessa, para o artigo 3.º do CRP, é o fim visado pela acção.
O fim visado pela acção, como resulta da petição inicial, é a execução dos bens alienados no património dos réus adquirentes para pagamento de dívidas dos alienantes.

Estamos perante um direito de sequela.
O registo da acção de impugnação pauliana tem ainda o objectivo de impedir o registo definitivo das subsequentes alienações.

A ser entendido de outra forma o instituto de impugnação pauliana perde todo o seu efeito útil.

Havendo uma efectiva modificação do direito de propriedade.
Visa, ainda, permitir ao credor praticar, nos bens objecto da impugnação, os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.

Visa também dar publicidade à efectiva situação jurídica dos prédios em questão.»

O digno magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer onde diz:
"O registo predial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.

Os factos registados são oponíveis a terceiros.
A segurança adveniente da publicidade dada pelo registo é garantida a terceiros de boa fé pelo instituto da impugnação pauliana.

O efeito da oponibilidade a terceiros não é necessário contra o terceiro adquirente, quer se trate do primeiro quer de subsequentes. V. o artigo 613.º do Código Civil (CC).

Transmissões posteriores a adquirentes de boa fé podem ser evitadas pelo arresto (artigo 619.º).»

Na 1.ª instância confirmou-se a decisão de recusa, dizendo-se:
"A procedência de uma acção pauliana reduz-se à ineficácia relativamente ao impugnante, por ser relativa e pessoal. Nenhuma restrição digna de tutela jurídica cria ao direito de propriedade adquirido por via translativa e de boa fé, relativamente a transmissões posteriores, sendo certo que só para tais terceiros adquirentes é que se justificaria a correspondente publicidade que o registo confere. O registo de tais acções não se justifica em sede teleológica, donde não é de admitir por via interpretativa, e não sendo de admitir nos termos remissivos da alínea u) do n.º 1 do artigo 2.º do CRP, porquanto não há lei que, directa e expressamente, o imponha.»

A Relação revogou a decisão e decidiu que a acção deve ser registada.
Na fundamentação lê-se:
"A acção de impugnação pauliana é uma acção pessoal.
Não é a natureza pessoal da acção (visando assegurar a realização de um direito de crédito) que obsta à sua registabilidade.

Sendo a regra geral em sede de garantia das obrigações a de que pelo seu cumprimento respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora (artigo 601.º do CC), a procedência da pauliana representa de certo modo uma derrogação a este princípio: pelo cumprimento das obrigações respondem os bens do devedor e os que se encontrem no património de terceiros por via de alienação impugnada com êxito pelo respectivo credor.

Estes estão, pois, impedidos de defender o seu direito de propriedade contra actos de execução do credor impugnante; por outras palavras, podem defender o seu direito de propriedade contra toda a gente, excepto contra tais credores.

Com a procedência da acção, o adquirente vê enfraquecido o seu direito de propriedade, pois que o negócio é eficaz perante todos, excepto perante o credor impugnante.

A posição do credor impugnante quase que se configura como um direito de sequela; o actual proprietário fica, portanto, exposto a que o seu bem seja executado pelo credor do ex-proprietário.

A procedência da acção não determina a constituição, o reconhecimento, a aquisição nem a extinção do direito de propriedade.

Determina, na prática, uma limitação da eficácia do direito de propriedade perante o credor impugnante, legitimando este a executar o património de quem não é seu devedor, impedindo o registo definitivo de alienações subsequentes, as quais ficarão provisórias por natureza.

As acções registáveis são não só as acções reais, mas também as acções pessoais com transcendência real, como a acção pauliana, uma vez que esta encerra efeitos reais como sejam, v. g., a inerência na medida em que diz respeito a um determinado prédio e a sequela, porquanto da sua procedência decorre para o credor a permissão de executar bens que não pertencem ao seu devedor.»

Nas conclusões das alegações de recurso diz o Ministério Público:
"1 - O registo predial destina-se a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.

2 - A acção de impugnação pauliana é uma acção de natureza pessoal e obrigacional, de escopo indemnizatório, e não de declaração de nulidade ou anulação.

3 - Só estão sujeitas a registo, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do CRP, as acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de direitos reais ou equiparados.»

Conclusões da mesma natureza apresentou a Sr.ª Conservadora do Registo Predial.

O Banco recorrido apresentou as seguintes conclusões:
A acção é uma acção pessoal com escopo fundamentalmente obrigacional, encerrando efeitos reais.

A procedência da acção representa uma modificação profunda do direito de propriedade alienado, porquanto os efeitos constitutivos da decisão judicial provocam uma verdadeira sequela real no direito de propriedade do terceiro onerado.

A recusa do registo viola o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do CRP.
A recusa atenta, também, contra os fins do registo predial de dar publicidade à concreta situação do prédio, tendo em vista a segurança jurídica do comércio imobiliário.

Com a recusa, o direito do credor ao ressarcimento fica desprotegido por força da omissão do princípio da publicidade.

A recusa também impede que os credores se possam valer eficazmente do referido instituto, retirando-lhe o seu efeito útil.

O artigo 3.º do CRP, interpretado no sentido de que a acção de impugnação não é registável, é inconstitucional, por violar o direito dos consumidores à informação e à protecção dos seus direitos económicos, consagrado no artigo 60.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

A Relação de Évora, por Acórdão de 6 de Dezembro de 2001 (fl. 120), decidiu que a acção de impugnação pauliana é registável.

Há outros acórdãos das Relações no mesmo sentido.
Há acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça nos dois sentidos.
O Exmo. Presidente entendeu conveniente a intervenção das Secções Cíveis reunidas.

Após vistos, verificados os pressupostos de fixação de jurisprudência, cumpre decidir.

Dizia o CRP de 1959 que "o registo tem essencialmente por fim dar publicidade aos direitos inerentes às coisas imóveis».

O mesmo dizia o CRP de 1967.
O de 1984 diz que "o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico».

O registo predial é um serviço público destinado a garantir um interesse público, que é a segurança do comércio jurídico e o interesse privado dos proprietários de bens sujeitos a registo em definir, com segurança, os limites dos seus direitos sobre esses bens.

Cremos que não foi por acaso que se alterou a referência a "direitos inerentes às coisas imóveis» por referência "à situação jurídica dos prédios».

Parece-nos que a alteração teve por fim esclarecer que no registo predial podem caber outras situações jurídicas, que não apenas as reais, como dava a entender a redacção anterior ao mencionar a característica da inerência, própria dos direitos reais.

Daí que na alínea u) do artigo 2.º (norma caldeirão) se incluam "quaisquer outras restrições ao direito de propriedade e quaisquer outros encargos sujeitos, por lei, a registo».

A enumeração dos actos feita no artigo 2.º é taxativa. Só a indicação em outra lei pode levar ao registo. "A circunstância de determinado facto jurídico se mostrar descrito ou previsto numa lei especial, em termos que o caracterizam como consubstanciando um encargo ou uma restrição ao direito de propriedade, não basta para que esse facto possa ser admitido ao registo.»

De uma coisa estamos certos, ser ou não registável um acto depende da vontade do legislador, quer ela seja vertida no CRP quer em lei avulsa.

Não será pela natureza da situação a registar que devemos procurar da sua registabilidade. Há-de ser pela interpretação da lei que impõe o registo que devemos dar resposta à questão. Muito embora saibamos que o legislador pode fazê-lo remetendo para a natureza da situação. É o que acontece no artigo 2.º do CRP.

O artigo 3.º do CRP sujeita a registo:
"a) As acções que tenham por fim, principal ou acessório, o reconhecimento, a constituição, a modificação ou a extinção de algum dos direitos referidos no artigo anterior.»

No artigo 2.º os direitos referidos são: propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície, servidão, propriedade horizontal, habitação periódica.

A acção de impugnação pauliana, tal como é delineada no actual CC, é uma acção de natureza pessoal. Isso não é posto em dúvida por ninguém neste processo.

Esta acção visa dar protecção à situação do credor que vê diminuída a garantia patrimonial do devedor por actos jurídicos do devedor.

Os actos jurídicos visados podem ser gratuitos ou onerosos.
No caso de ser oneroso o acto, o direito de impugnação pressupõe a má fé de ambos os intervenientes no acto impugnado.

Má fé que não é exigida para o acto gratuito.
Sobre a natureza desta acção e seu regime temos, entre nós, o profundo e extenso trabalho de Vaz Serra no Boletim do Ministério da Justiça, n.os 74 e 75 ("Responsabilidade patrimonial»), cujas ideias aí expendidas e traduzidas em projecto legislativo foram, no essencial, acolhidas no actual Código. Isso mesmo tem sido reconhecido pela jurisprudência e doutrina dominantes.

Nesse trabalho não foi esquecida a questão da registabilidade da acção.
Nunca põe em dúvida a natureza obrigacional da pretensão objecto da acção.
"Os credores podem impugnar contra aqueles que, em consequência da má fé ou do locupletamento, podem dizer-se responsáveis para com eles.

A acção é dada aos credores para obterem, contra um terceiro, que procedeu de má fé ou se locupletou, a eliminação do prejuízo que sofreram com o acto impugnado. Daqui resulta o seu carácter pessoal ou obrigacional. O autor na acção exerce contra o réu um direito de crédito, o crédito da eliminação daquele prejuízo.»

Embora reconheça que a acção não tem natureza real, entende que, "a fim de defender os credores contra actos que pudessem prejudicar a realização do seu direito, é conveniente sujeitar a acção a registo».

Bastava que o terceiro adquirente transmitisse, por acto oneroso, a terceiro de boa fé. Contra este já não podia exercitar a acção pauliana.

Cita o Código italiano, em que a acção tem a mesma natureza que ele defende para o nosso futuro código, e onde se estabelece o registo da acção e se declara "que, registada ela antes de qualquer acto de alienação a terceiro, a sentença vale contra o subadquirente, mesmo que tenha adquirido a título oneroso e de boa fé».

Refere-se também ao direito alemão, onde "a pretensão obrigacional à restituição pode ser assegurada por meio de uma anotação preventiva» mas restrita à impugnação colectiva (a favor de todos os credores).

A impugnação individual já não tem esta protecção, podendo o credor individual recorrer, tratando-se de conservar o objecto alienado para efeitos de execução, a uma providência cautelar.

Coerentemente com o estudo que empreendeu e com as ideias a que aderiu, inclui no seu projecto de articulado o registo da acção.

Devendo o registo servir "apenas para avisar todos os possíveis adquirentes dos bens ou de direitos sobre eles de que está pendente uma acção pauliana, colocando-os assim na situação de adquirentes de má fé».

Mas, ao propor no articulado o registo da acção, chama (em nota) a atenção de que o lugar próprio era o CRP.

No actual Código consagrou-se o seguinte regime:
a) Sujeição das transmissões posteriores à impugnação desde que se verifiquem, em relação a elas, os requisitos que levavam à procedência da impugnação da primeira transmissão (artigo 613.º);

b) Direito do credor a executar os bens alienados, na medida do seu interesse, no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei (artigo 616.º, n.º 1);

c) Responsabilização do adquirente de má fé (a título gratuito ou oneroso) pelo valor dos bens que tenha alienado (artigo 616.º, n.º 2);

d) Responsabilização do adquirente de boa fé (a título gratuito) só na medida do enriquecimento;

e) Direito do credor de requerer o arresto contra o adquirente dos bens do devedor, se tiver judicialmente impugnado a transmissão (artigo 619.º, n.º 2).

Hoje (artigo 407.º, n.º 2, do CPC) pode requerer o arresto mesmo antes de propor a acção de impugnação se alegar e provar os factos que tornem provável a procedência da acção.

Não há dúvidas de que o CC não quis sujeitar a acção a registo.
Isto pode ser devido ao facto de deixar a matéria para a lei do registo ou por ter aderido a um regime parecido com o consagrado na lei alemã e que tinha sido referido nos trabalhos preparatórios.

Paralelamente, o CPEREF, no artigo 159.º, veio consagrar a solução alemã, na medida em que estabeleceu um regime diferente para a impugnação em benefício dos credores.

E também não se consagrou no CRP.
Não se consagrou no Código de 1967 porque, ao limitar-se o registo aos direitos com características de inerência, estava a excluir-se o direito, logo a acção, de crédito objecto da acção pauliana.

Quanto ao CRP de 1984, ao fixar os fins do registo, não exclui liminarmente o registo de uma acção do tipo da acção pauliana, acção que visa conservar a garantia patrimonial.

Todavia, em nenhuma das alíneas do artigo 2.º, em que taxativamente se fixam os factos sujeitos a registo, se inclui o direito objecto da acção pauliana.

As questões levantadas pela Relação relativamente à posição do credor em face do bem adquirido pelo terceiro podem trazer alguma perturbação, que levou a Relação a criar a figura de "acções pessoais com transcendência real».

As questões levantadas estão relacionadas com a polémica doutrina acerca da estrutura do direito de crédito, a chamada teoria do débito e da responsabilidade (M. Andrade, Teoria Geral das Obrigações, p. 42).

Para os seguidores desta teoria a responsabilidade seria uma espécie de direito real de garantia, um penhor geral. A manifestação culminante desse penhor geral seria o poder de executar os bens do devedor.

Manifestação que se exterioriza ainda antes "quando o devedor por acto de alienação torna insuficiente a garantia, v. g. pauliana».

A isto respondeu M. Andrade: "Não há necessidade de decompor a relação obrigacional em duas subrelações: débito e responsabilidade.»

Não está certo ver nela um direito real. Faltam-lhe a preferência e a sequela.
Ora, como resulta do artigo 613.º, o subadquirente posterior de boa fé não está sujeito à impugnação pauliana.

Do mesmo modo, havendo dois credores que impugnem o mesmo facto, o mais antigo não tem preferência na execução.

Portanto não se pode falar de elementos de realidade na obrigação de indemnização subjacente à impugnação pauliana.

Como dissemos acima, a sujeição da acção pauliana a registo predial é ditada não por razões da natureza do direito accionado mas por razões de conveniência em defender o credor contra actos que pudessem prejudicar a realização do seu direito.

A ter havido inconstitucionalidade, que não há, seria por omissão do legislador ao não consagrar o registo da acção.

Mas, como vimos, o legislador não desprotegeu o credor, na medida em lhe concedeu meios expeditos para acautelar o seu direito.

Em face do exposto, damos provimento ao agravo, revogamos o douto acórdão, mantendo a decisão da 1.ª instância.

O plenário das Secções Cíveis reunidas decide, para fixação de jurisprudência, que a acção pauliana individual não está sujeita a registo predial.

Sem custas.
Lisboa, 27 de Maio de 2003. - Armando Lourenço (relator) - Afonso de Melo - Fernandes de Magalhães - Lopes Pinto - Pinto Monteiro - Quirino Soares - Abílio Vasconcelos - Silva Salazar - Barros Caldeira - Ferreira Girão - Faria Antunes - Loureiro Fonseca - Ponce Leão - Eduardo Baptista - Moreira Alves - Salvador da Costa - Santos Bernardino - Nuno Cameira - Ferreira de Almeida (vencido, nos termos da declaração de voto que se junta) - Moitinho de Almeida (vencido pelas razões de voto do conselheiro Ferreira de Almeida) - Neves Ribeiro (conforme voto que segue em anexo) - Duarte Soares (vencido de acordo com a matéria da declaração do conselheiro Ferreira de Almeida) - Azevedo Ramos (vencido de acordo com a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida) - Araújo de Barros (vencido nos termos da declaração do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida) - Reis Figueira (vencido conforme declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida, que acompanho) - Oliveira Barros (vencido conforme voto anexo) - Afonso Correia (com a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida) - Ribeiro de Almeida (vencido de acordo com os fundamentos do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida) - Ferreira de Sousa (vencido de acordo com os fundamentos da declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida) - Lucas Coelho (vencido nos termos do voto do Exmo. Sr. Conselheiro Dr. Francisco Ferreira de Almeida) - Alves Velho (vencido, com adesão à declaração de voto do Exmo. Conselheiro Ferreira de Almeida) - Moreira Camilo (vencido, com adesão à declaração de voto do Exmo. Conselheiro Dr. Ferreira de Almeida).


Declaração de voto
Não vemos motivo para não continuar a seguir a doutrina recentemente expendida no Acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Junho de 2001, processo 1851/01 - 2.ª Secção, publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano IX, t. II, p. 143, e demais doutrina e jurisprudência nesse aresto citadas, no sentido da registabilidade da acção/impugnação pauliana, quando tiver por objecto actos sujeitos a registo sobre bens imóveis.

A tal não obsta a natureza pessoal/obrigacional da acção registanda, pois do que se trata é de assegurar plena eficácia à eventual procedência da impugnação pauliana nos termos e para os efeitos do artigo 616.º do Código Civil (CC) e, reflexamente, da segurança do comércio jurídico em geral.

"A inscrição no registo não imprime natureza real a um direito que intrinsecamente o não tenha. Trata-se de um simples meio de publicidade, que em nada altera ou afecta a estrutura das relações jurídicas sujeitas a inscrição. Sempre que, portanto, a lei permita registar direitos de crédito, a consequência restringe-se à eficácia do direito registado, que se torna por essa via oponível a terceiros» - cf. M. Henrique Mesquita, in Obrigações e Ónus Reais, Coimbra, Almedina, 1997, p. 253.

Deparar-se-nos-ia aqui não de um jus jn re mas de um direito de crédito fortemente tutelado, para usar a expressão, noutro contexto emitida, de Pessoa Jorge, in Direito das Obrigações, vol. I, ed. cop., Lisboa, 1975-1976, p. 201.

Embora só os direitos reais sobre prédios estejam, em princípio, subordinados aos princípios do registo, admite, por exemplo, a lei civil alemã que certos direitos de crédito relativos a imóveis possam beneficiar de publicidade idêntica, mediante a sua inscrição ou anotação (Vormerkung) no chamado "livro fundiário», adquirindo, desse modo, o registo eficácia em relação a terceiros (cf. n.º 1 do § 883 do BGB). Isto com vista a "assegurar uma pretensão creditória dirigida a uma modificação jurídica real» - cf. citação daquele ilustre mestre coimbrão, ob. cit., p. 260.

A eventual procedência da acção não implicará a anulação do acto de transmissão, o qual subsistirá válido e eficaz no que concerne à transmissão dos direitos inerentes; os bens continuam no património do adquirente obrigado à restituição, mas poderão aí ser executados pelo credor.

A plenitude e exclusividade dos direitos de uso, fruição e de disposição do proprietário adquirente (artigo 1305.º do CC) ficarão, porém, inevitavelmente diminuídas e degradadas pelo reconhecimento judicial da possibilidade de execução do bem por si adquirido (no seu próprio património), por dívidas a que ele próprio seja alheio.

A impugnação pauliana, se obtiver êxito, acaba sempre por enfraquecer o direito de propriedade do adquirente, pois que o bem adquirido ao devedor do impugnante continua a poder responder pelas dívidas do alienante na medida do interesse do credor/impugnante em termos algo similares a um "direito de sequela», na medida em que o "actual» proprietário fica sujeito a ver o seu bem executado pelo credor do transmitente.

Com o registo da acção pauliana, impedir-se-á o registo definitivo das subsequentes e sucessivas alienações do mesmo bem, registo aquele que naturalmente será sempre provisório por natureza [artigo 92.º, n.º 1, alínea a), do CRP de 1984], caducando ou convertendo-se em definitivo em caso de inêxito ou de sucesso da acção, respectivamente.

Partindo dos fins de interesse público subjacentes ao registo predial - publicitação da situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário (artigo 1.º do CRP de 1984) - existe um manifesto paralelismo entre os factos "típicos» sujeitos a registo (artigo 2.º, n.º 1, do mesmo CRP de 1984) e os factos, como é o caso da eventual procedência da acção pauliana, que, sem constituírem propriamente ónus reais ou obrigações propter ou ob rem em sentido técnico, representam, na sua essência, verdadeiras "restrições ao direito de propriedade» e que por isso cabem, sem dificuldades de maior, na estatuição/previsão da alínea u) do n.º 1 desse mesmo artigo 2.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º, ambos do mesmo diploma.

Deparar-se-nos-ia assim, e quando muito, uma lacuna de regulamentação registral, a integrar com recurso à analogia com as demais restrições ou encargos relativos ao direito de propriedade tipicamente sujeitos por lei a registo, tendo em atenção a unidade e o espírito do sistema - artigo 10.º do CC.

Produzindo a procedência da acção pauliana a ineficácia relativa superveniente da transmissão a terceiro, tradutora de uma excepção à presunção legal de existência do direito e da respectiva titularidade - contemplada no artigo 7.º do CRP -, há toda a conveniência na publicitação registral da respectiva propositura, em ordem a prevenir situações surpresa, susceptíveis de comprometer a segurança do tráfico jurídico imobiliário.

Claro é que o credor impugnante sempre poderia, in abstracto, como preliminar ou como incidente da impugnação desencadear o procedimento cautelar de arresto (convertível em penhora), com a consequente apreensão judicial dos bens, e a correlativa ineficácia dos actos de disposição relativamente ao requerente do arresto (artigos 406.º, n.º 2, do CPC e 622.º do CC); todavia, para os subadquirentes do transmissário e respectivos credores, isto é, para a segurança do tráfico jurídico em geral, revela-se de manifesto interesse garantístico o registo da acção.

De resto, a registabilidade facilitaria patentemente a prova da má fé, pois que, logrado o registo, seria então muito mais difícil a um qualquer terceiro adquirente medianamente avisado vir provar a sua boa fé. E isto sendo sabido que para a procedência da impugnação contra as transmissões posteriores se torna necessária a má fé, tanto do alienante como do posterior adquirente, se a nova transmissão for a título oneroso [artigo 613.º, n.º 1, alínea b), do CC].

Em caso de registo da acção, a sentença final surtirá efeitos em relação aos subadquirentes, ainda que estes não hajam intervindo no processo, excepto se os mesmos houverem registado a transmissão antes de efectuado o registo da acção - em termos similares aos da transmissão de coisa ou direito litigioso (cf. artigo 271.º, n.º 3, do CPC). Produzirá, pois, caso julgado em relação ao próprio subadquirente, ainda que não demandado.

A alergia ao registo privilegia claramente uma latente "jurisprudência dos conceitos» em detrimento de uma desejável "jurisprudência dos interesses», ou, na expressão anglo-saxónica, uma "law in the books» relativamente a uma "law in action».

Deve, pois, ser registado o articulado da respectiva petição, bem como a decisão final que vier a ser proferida [artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e c), com reporte à alínea u) do n.º 1 do artigo 2.º, ambos esses preceitos do CRP de 1984]. O que - diga-se de passagem - vem sendo já prática corrente entre os profissionais do foro.

Negaria pois provimento ao agravo, confirmando, em consequência, o acórdão recorrido e propondo para a uniformização de jurisprudência a seguinte formulação:

"A impugnação pauliana, quando tiver por objecto autos sobre bens imóveis, está sujeita a registo nos termos e para os efeitos da alínea u) do n.º 1 do artigo 2.º e das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Registo Predial.» - Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida.


Voto de vencido
1 - É minha convicção de que a acção de impugnação pauliana está - e deve estar - sujeita a registo predial obrigatório.

Com efeito, a lei [artigo 3.º, alínea a), do Código do Registo Predial] tem de ser interpretada, entre o mais, considerando a unidade e a coerência do sistema (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), e não apenas no plano histórico, ou então conceitual de direito real versus direito pessoal, para conduzir a um resultado juridicamente útil.

E é útil o resultado quando resolve os problemas das pessoas; não o que cria ou dificulta os problemas, como nos parece o caso, se o Estado não admitir o registo da acção pauliana. Por isso, algures a interpretação estará menos bem feita, retirando à lei o sentido de unidade, evolutivo e de modernidade, que a sua interpretação supõe e o artigo 9.º do Código Civil exige, como norma constitutiva do sistema.

Em nosso modo de perceber a realidade, aquele critério axiológico em que se situa o plano unificador e harmonioso, acima sublinhado, é o que abre uma solução jurídico-prática que permite ao direito "viver para se realizar», isto é, no dizer de há pouco, o que melhor, no aspecto considerado, resolve ou, pelo menos, facilita as coisas na segurança e no comércio jurídico, em que as pessoas (físicas ou jurídicas) se envolvem.

2 - Concretizando: num sistema jurídico em que "o registo predial se destina essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário», segundo o artigo 1.º do Código do Registo Predial, e em que "estão sujeitos a registo [...] quaisquer outros actos ou providências que afectem a livre disposição de bens» [artigo 2.º, alínea n)], num sistema assim - dizíamos - não tem sentido interpretar aquele artigo 3.º, fechando a porta ao registo da acção pauliana escondendo (quando podia prevenir) a sucessão de prejuízos e embaraços para a segurança e para o comércio jurídico, susceptíveis de afectar, nomeadamente subadquirentes, em transmissões posteriores, ou em constituição posterior de direitos, segundo o que dispõe, em especial, o artigo 613.º do Código Civil.

3 - E finaliza-se perguntando, no propósito que acaba de ser enunciado:
Que ganho tem o direito com isso, possibilitando ao Estado que recuse o registo, quando as conveniências e os interesses legítimos do cidadão apontam para necessidade oposta?

27 de Maio de 2003. - Neves Ribeiro.

Declaração de voto
Podendo, é certo, o interesse do credor ser protegido mediante arresto (artigos 619.º e seguintes do Código Civil e 406.º e seguintes do CPC), subsiste, relativamente a terceiros, que a impugnação pauliana, não obstante ser uma acção pessoal (obrigacional), de escopo indemnizatório, para além de importar como que um direito de sequela (artigo 616.º, n.º 1, do Código Civil), tem - por assim dizer - transcendência real.

A acção pauliana envolve, na verdade, efeitos reais, na medida em que a sua procedência determina a ineficácia relativa superveniente da transmissão do direito real, e atinge, por esse modo, o conteúdo desse direito. Como assim:

Também o interesse do credor vem, em vista do artigo 271.º, n.º 3, do CPC, a ser melhor defendido pelo registo dessa acção. Mas, destinado o registo a dar publicidade à situação dos prédios (artigo 1.º do Código do Registo Predial), é sobretudo, ao interesse de terceiros de boa fé, eventuais subadquirentes, no conhecimento oportuno da pendência de uma tal acção que há que atender, em ordem a permitir-lhes decidir, com capaz conhecimento da situação, pela aquisição, ou não, de bem imóvel.

A protecção dos interesses dos subadquirentes (a título oneroso) de boa fé não é, em boa verdade, suficientemente assegurada pela prevalência que os artigos 613.º, n.º 1, alínea b), e 616.º, n.os 2 e 3 do Código Civil, conferem a esses interesses sobre os do credor, devendo, antes, dada a referida função do registo, ser, desde logo, garantida por essa via.

Com cabimento neste âmbito, por remissão do artigo 3.º, n.º 1, alínea a), de que se destaca a referência à modificação dos direitos, a previsão da 1.ª parte da alínea u) do n.º 1, do artigo 2.º do Código do Registo Predial, relativa à restrição do seu conteúdo, não será a taxatividade referida na sua parte final que tal exclui.

É, enfim, a transparência do comércio jurídico, que a função declarativa ou enunciativa do registo assegura, que exige que se faculte o conhecimento urbi et orbi da restrição do conteúdo do direito real registado que a procedência de acção pauliana necessariamente implica ou determina.

Não acompanho, por isso, a tese vencedora, subscrevendo, pelo contrário, nos termos sumariamente adiantados, a contrária, da registabilidade - mesmo de iure constituto -, da acção pauliana, bem assim sustentada por Carvalho Fernandes no estudo intitulado "O Regime Registal da Impugnação Pauliana», incluído no vol. II dos Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Colaço, pp. 25 a 47 (v. p. 44). - Oliveira Barros.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/173632.dre.pdf .

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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