Resolução do Conselho de Ministros n.º 72/2004
O Programa do XV Governo Constitucional elegeu como uma das suas prioridades a "avaliação e redefinição da actual estratégia e dos modelos de gestão empresarial dos recursos hídricos, através, designadamente, do reforço da independência e da capacidade da função reguladora que ao Estado compete».
Neste sentido, foram desenvolvidos vários estudos analisando diversas alternativas de enquadramento, organização empresarial e desenvolvimento estratégico do sector das águas em Portugal.
Dos estudos realizados concluiu-se pela adequação do modelo aprovado pela presente resolução, o qual permite alcançar um conjunto de vantagens que importa realçar:
a) Clarificação do papel dos diferentes actores do sector, reduzindo o peso relativo do Estado através do sector empresarial do Estado, salvaguardando as actuais atribuições autárquicas, e desenvolvendo a participação significativa da iniciativa privada;
b) Promoção de uma maior racionalização estrutural do sector, através quer da integração horizontal quer da integração vertical, contribuindo nomeadamente para a garantia de construção dos sistemas em baixa;
c) Realização de um encaixe financeiro que permitirá assegurar a satisfação das necessidades de infra-estruturação sem pôr em causa o integral aproveitamento dos fundos comunitários;
d) Garantia da manutenção de um actor de referência que assegurará a manutenção de um centro nacional de decisão;
e) Evitar uma maior concentração no sector, reduzindo a interferência política na gestão corrente, criando condições de maior atractibilidade de novos operadores para o sector e respondendo, assim, às expectativas criadas na última década pelo sector privado;
f) Preservação e promoção de valores como eficiência, qualidade e segurança na prestação de um serviço público essencial, num quadro de coesão nacional;
g) Implementação rápida, evolutiva e ajustável no espaço e no tempo, evitando simultaneamente uma modificação radical de implementação muito complexa do quadro jurídico existente.
Tendo em consideração as vantagens que decorrem do modelo adoptado para a reestruturação do sector das águas e considerando:
A importância dos serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais para o bem-estar, a saúde pública e a segurança colectiva das populações, assim como para as actividades económicas e para a protecção do ambiente em Portugal;
Que o interesse nacional do sector das águas exige que se assegure, de forma regular e contínua, um elevado nível de qualidade nos serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais para toda a população portuguesa, a um preço economicamente correcto e socialmente aceitável, dentro de uma perspectiva ambientalmente sustentável;
Que essa opção deve ter como objectivo prioritário a conclusão do ciclo infra-estrutural do saneamento básico, essencial numa sociedade desenvolvida;
Que a adequada articulação entre os diversos segmentos em que se divide o ciclo da água é condição indispensável para uma gestão sustentável dos recursos hídricos que compatibilize as necessidades de consumo com a escassez deste bem e contribua para a protecção ambiental dos meios hídricos;
Que a definição e a estabilidade temporal do modelo de reordenamento empresarial do sector das águas em Portugal são fundamentais para a prossecução do objectivo fixado, garantindo a participação efectiva dos diversos actores envolvidos, públicos e privados, num quadro de confiança e clareza que permita definições estratégicas de médio e longo prazos e minimize eventuais conflitos de interesses entre os intervenientes no sector;
Que o actual modelo para o sector, definido há cerca de uma década e ajustado ao longo do tempo, permitiu um enorme avanço nos níveis de atendimento e de qualidade do serviço às populações, tal como é reconhecido nacional e internacionalmente;
Que existem, no entanto, razões ponderosas que aconselham um novo ajustamento do modelo para o sector que responda às disfunções e às insuficiências existentes no modelo estrutural actual e que clarifique o papel do Estado, dos municípios e do sector privado, com respeito pela autonomia municipal;
A importância de assegurar a auto-sustentabilidade financeira do sector, quer através da geração dos recursos financeiros necessários à conclusão do processo de infra-estruturação em curso quer através de uma política tarifária realista que, salvaguardando o interesse dos utilizadores, assegure a cobertura dos custos associados ao serviço prestado às populações;
Que a opção acolhida deve proporcionar uma implementação simples, rápida e evolutiva adaptada às características regionais e assegurar níveis de eficiência mais elevados, através de uma maior influência dos mecanismos de mercado e de uma transparência e independência na gestão;
A importância de valorizar a missão da AdP - Águas de Portugal, S. G. P. S., S. A., enquanto instrumento desta política, atribuindo-lhe o encargo de conduzir a própria reestruturação no respeito por valores de eficiência, de justiça social e de equilíbrio regional;
A necessidade de compatibilizar as soluções a adoptar com as disposições do direito comunitário aplicáveis e de garantir prioridade à plena utilização dos financiamentos comunitários para o sector, no âmbito do actual Quadro Comunitário de Apoio;
Que o sector poderá, a par da resolução das necessidades básicas da população, contribuir significativamente para o crescimento económico do País, por via do elevado volume de investimento ainda a realizar e pela difusão de novas tecnologias, constituindo também uma oportunidade para o fortalecimento do tecido empresarial português que actua no sector;
Que a consolidação da regulação é imprescindível ao desenvolvimento deste sector, num mercado desejavelmente concorrencial, constituindo o verdadeiro indicador de passagem do País da actual fase infra-estrutural para uma fase caracterizada pela segurança e pela qualidade do serviço prestado;
Ser necessário proceder em paralelo à redefinição do modelo regulatório, nomeadamente em termos de objecto, natureza administrativa, independência orgânica e funcional, neutralidade e universalidade das entidades reguladas;
Que a situação de monopólio natural do sector recomenda a existência de uma autoridade administrativa independente, com poder regulamentar e fiscalizador, poder de supervisão, poder sancionatório e também atribuições consultivas;
Afigurar-se desejável obter uma alargada concertação nacional em redor do modelo para o sector das águas, envolvendo o Estado, os municípios e o sector privado, de forma a potenciar todas as capacidades nacionais para vencer um desafio essencial para o bem-estar, a saúde pública e a segurança colectiva das populações, para as actividades económicas e para a protecção do ambiente em Portugal;
Que, não havendo modelos perfeitos, a escolha do modelo de reordenamento, tendo como ponto de partida o actual modelo organizacional, deve basear-se num balanço entre as vantagens e os inconvenientes de cada um dos modelos possíveis, permitindo uma sequência evolutiva ao longo do tempo e aceitando a coexistência de soluções diferenciadas regionalmente:
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Aprovar as linhas gerais do modelo de reestruturação do sector das águas em Portugal, assentes nos seguintes eixos prioritários de actuação:
a) Redução do peso do sector empresarial do Estado através da abertura do capital a investidores privados institucionais e da reestruturação da carteira de negócios da AdP - Águas de Portugal, S. G. P. S., S. A. (AdP), promovendo a consolidação das operações de interesse estratégico e a alienação de activos constituídos em processos de diversificação, procurando assim desenvolver o sector privado da indústria do ambiente em Portugal;
b) Criação das condições que incentivem a participação de entidades privadas no sector da água, designadamente na área de prestação de serviços;
c) Revisão do enquadramento legal e regulamentar em vigor, no sentido de clarificar o papel de cada interveniente, de reforço da capacidade de regulação pelo Instituto Regulador de Águas e Resíduos (IRAR) e do controlo ambiental pelo Instituto da Água (INAG) e pelas comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR).
2 - Fixar o plano de execução do modelo de reestruturação do sector das águas, cujas acções devem estar concluídas nas datas abaixo indicadas:
a) Até ao final de 2004:
i) A AdP, enquanto veículo principal da reestruturação do sector, deve realizar uma avaliação do universo das empresas do seu Grupo nos planos económico, financeiro e jurídico, com recurso a consultores externos, procedendo-se à adequação da forma de governo interno deste Grupo às novas missões que lhe são atribuídas no âmbito da reestruturação do sector das águas;
ii) Os investimentos do Grupo AdP no mercado internacional devem ser autonomizados, prosseguindo-se com as medidas necessárias para minimizar riscos e limitar perdas nas actividades realizadas no exterior, reorganizando-se os correspondentes activos e distinguindo-se aqueles que se enquadram no âmbito de uma política de cooperação com os PALOP daqueles que constituem investimentos directos no estrangeiro com fins lucrativos, que poderão ser objecto de alienação;
iii) A AdP deve alienar na totalidade a sua participação na empresa Aquapor Serviços, S. A., em termos que favoreçam um maior encaixe financeiro e uma maior diversificação de operadores privados no mercado;
iv) A AdP deve rever a sua intervenção no mercado nacional dos resíduos sólidos urbanos, desencadeando as necessárias acções de reestruturação empresarial, designadamente de concentração, e recorrer, nomeadamente, a formas de gestão delegada;
v) A AdP deve promover a alienação das unidades empresariais que operem na área de resíduos industriais do universo EGF, Empresa Geral do Fomento, S. A.;
vi) Proceder-se-á a um novo enquadramento legal e regulatório das concessões, relativo às empresas do Grupo AdP, ouvidos os municípios envolvidos, por forma que a política tarifária assegure as necessidades de desenvolvimento e sustentabilidade económico-financeira do sector numa perspectiva de valorização das empresas, devendo reflectir tendencialmente, em cada sistema, as suas características específicas, os custos reais de capital e o prazo de concessão previsto;
vii) A AdP deve integrar na sua missão a promoção de um mercado privado de contratos de gestão e de prestação de serviços, de consultoria, projecto, operação e manutenção, sempre que constitua uma adequada medida de gestão e permita uma maior racionalidade económica;
viii) Devem ser adoptadas as demais medidas legislativas e regulamentares necessárias ao reenquadramento do sector e ao reforço da capacidade de regulação e do controlo ambiental por parte do Estado, reforçando-se o modelo regulatório que deve passar por uma reavaliação do seu objecto, da sua natureza administrativa e da correspondente independência orgânica e funcional, bem como do universo das entidades reguladas;
b) Até final de 2005:
i) A AdP, após a tomada das medidas de valorização, reestruturação da carteira e saneamento financeiro consideradas necessárias, deve promover a abertura do seu capital até ao limite de 49% da totalidade do mesmo, mediante um aumento faseado de capital, até 1000 milhões de euros, com novas entradas em dinheiro, através da ampla dispersão junto de investidores institucionais e particulares, por via do mercado de capitais, permitindo, designadamente, o encaixe financeiro necessário à conclusão da infra-estruturação do País;
c) Até ao final de 2006:
i) Deve conferir-se prioridade na afectação de financiamentos comunitários ou outros incentivos financeiros à constituição e ao desenvolvimento de sistemas em baixa de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais envolvendo vários municípios, na área geográfica correspondente à dos sistemas em alta, devendo ser promovida a regularização dos compromissos assumidos pelos municípios com as concessionárias dos sistemas multimunicipais;
ii) A gestão da rede em baixa pode ser assumida por:
ii1) Empresas públicas intermunicipais;
ii2) Concessões privadas de construção e exploração dos sistemas em baixa, tendo como concedente uma grande área metropolitana ou uma comunidade intermunicipal;
ii3) Concessões privadas de construção e exploração dos sistemas em baixa lançadas pelas empresas concessionárias dos sistemas multimunicipais na sequência de contrato de gestão delegada;
iii) As sociedades concessionárias dos sistemas multimunicipais podem, a título supletivo e por iniciativa dos municípios envolvidos, assumir a gestão do sistema em baixa, nomeadamente em zonas de baixa densidade populacional, melhorando assim as economias do processo e resolvendo situações sociais difíceis;
d) Até ao final de 2008:
i) Deve promover-se a gradual integração entre si dos sistemas em alta, fundindo sistemas vizinhos e sistemas de abastecimento de água com sistemas de saneamento que operem na mesma área geográfica, sempre que seja da vontade das partes e se demonstre existirem vantagens evidentes em termos de custo e de qualidade de serviço;
ii) Deve analisar-se a possível transformação das actuais concessionárias (incluindo a EPAL) em empresas de capitais mistos ou em empresas públicas de gestão delegada, podendo estas, posteriormente, numa base concursal, proceder à concessão dos serviços que lhes tenham sido delegados a entidades privadas.
3 - Encarregar o Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente da coordenação das iniciativas necessárias à implementação do modelo de reestruturação do sector das águas, devendo para o efeito envolver na execução das mesmas as entidades interessadas, designadamente a AdP, os municípios, o sector empresarial, o sector financeiro e as autoridades nacionais no domínio da regulação e da concorrência.
4 - Encarregar os Ministros das Finanças, da Economia e das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente de promoverem as operações de privatização relativas ao sector das águas.
5 - Determinar que, para apoio ao Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente no acompanhamento da reestruturação do sector é constituído um Conselho Consultivo para a Indústria da Água com a seguinte composição:
a) Um representante do Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, que presidirá;
b) Um representante do Ministro das Finanças,
c) Um representante do Ministro da Economia;
d) Um representante do Ministro da Saúde;
e) Um representante da Associação Nacional de Municípios Portugueses;
f) Um representante do Instituto Regulador de Águas e Resíduos;
g) Um representante do Instituto da Defesa do Consumidor;
h) Um representante do Conselho Nacional da Água;
i) Um representante da AdP;
j) Dois representantes do sector empresarial privado das águas.
6 - Determinar que os representantes referidos nas alíneas a), b) e c) do número anterior são designados pelos respectivos ministros, e que os previstos nas restantes alíneas são designados, sob proposta das entidades competentes, pelo Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, devendo a designação ser efectuada até ao dia 30 de Junho de 2004.
Presidência do Conselho de Ministros, 17 de Maio de 2004. - O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.