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Acórdão 2/2004, de 12 de Maio

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Sumário

Fixa a seguinte Jurisprudência: quando tenha havido libertação do arguido - detido em flagrante delito para ser presente a julgamento em processo sumário - por virtude de a detenção ter ocorrido fora do horário de funcionamento normal dos tribunais (artigo 387.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), o início da audiência deverá ocorrer no 1.º dia útil seguinte àquele em que foi detido, ainda que para além das quarenta e oito horas, mantendo-se, pois, a forma de processo sumário. (Processo nº 2710/2003)

Texto do documento

Acórdão 2/2004

Processo 2710/2003

Acordam no Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:

O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do artigo 437.º do Código de Processo Penal, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 1 de Abril de 2003, processo 2563/2002 - 1.ª Secção, apresentando, em resumo, a seguinte fundamentação:

No acórdão recorrido, transitado em julgado a 5 de Maio de 2003, decidiu-se que, em processo sumário, sendo o arguido libertado, é essencial que este compareça e a audiência se inicie no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção; a iniciar-se após o decurso deste prazo, cometeu-se a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea f), do Código de Processo Penal;

No acórdão fundamento, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 14 de Junho de 2000, processo 1181/2000, transitado em julgado em 1 de Julho de 2000, decidiu-se em sentido contrário, ou seja, que em processo sumário, sendo o arguido libertado, não é essencial que este compareça e a audiência se inicie no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção;

Chamados a decidir a mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação, o Tribunal da Relação de Évora e o Tribunal da Relação de Coimbra proferiram decisões contraditórias, não sendo admissível recurso ordinário do acórdão ora recorrido;

No douto acórdão recorrido violou-se, por erro de interpretação e errada aplicação, o disposto no artigo 381.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e, por força de tal erro de interpretação, não aplicado, devendo sê-lo, o disposto no artigo 387.º do mesmo diploma;

Deve fixar-se a seguinte jurisprudência: «Não constitui pressuposto do julgamento em processo sumário que, sendo o arguido libertado, o arguido compareça e a audiência se inicie no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção.» Foram juntas certidões dos dois acórdãos em causa - fls. 27 e 20.

O recurso foi admitido, dada a legitimidade do recorrente e os fundamentos invocados.

Pelo Acórdão de 8 de Outubro de 2003, a fls. 41 e 42, julgou-se existente a contradição entre os dois referidos acórdãos.

Ordenado o cumprimento do disposto no n.º 1 do artigo 442.º do Código de Processo Penal, alegaram o Ministério Público e o arguido Joaquim Francisco Pinto Cachola.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, após as bem elaboradas alegações, conclui no sentido de que deve fixar-se jurisprudência nos seguintes termos:

«Quando tenha havido libertação do arguido, detido para ser presente a julgamento em processo sumário, em razão de a detenção ter ocorrido fora do horário do funcionamento normal dos tribunais (artigo 387.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), o início da audiência poderá ocorrer até ao 30.º dia posterior à detenção, desde que verificados os restantes pressupostos daquela forma de processo.» Por sua vez, o arguido e ora recorrido, após doutas alegações, conclui no sentido de que deve fixar-se jurisprudência nos seguintes termos:

«Constitui pressuposto essencial do julgamento em processo sumário que, sendo o arguido libertado, o arguido compareça e que a audiência se inicie no prazo máximo de quarenta e oito horas.» Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Da exposição acima feita podemos concluir ser manifesto que os dois acórdãos em conflito, transitados em julgado, se pronunciaram em sentido oposto ao apreciarem a mesma questão de direito, no domínio da mesma legislação e relativamente a factos idênticos, pelo que se confirma existir a oposição a que se refere o artigo 437.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal.

Para fundamentar o seu ponto de vista, escreveu-se, a certo passo, no acórdão recorrido:

«São julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a 3 anos, quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial e a audiência se iniciar no máximo de quarenta e oito horas após a detenção, sem prejuízo do disposto no artigo 386.º - artigo 381.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

O artigo 386.º do Código de Processo Penal refere-se à possibilidade do adiamento da audiência até ao limite do 30.º dia posterior à detenção, se o arguido solicitar esse prazo para preparação da defesa ou se o tribunal, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, considerar necessário que se proceda a quaisquer diligências de prova essenciais à descoberta da verdade e que possam previsivelmente realizar-se dentro daquele prazo.

O arguido foi detido em 13 de Julho de 2002, pelas 2 horas e 24 minutos, e a audiência veio a iniciar-se, e a realizar-se, em 15 de Julho de 2002, pelas 11 horas 55 minutos.

Não foi accionado o comando do artigo 386.º do Código de Processo Penal.

Prima facie, não poderia utilizar-se a forma de processo sumário na data em que o julgamento teve lugar, já depois do prazo de quarenta e oito horas após a detenção.

Todavia, consta do auto de notícia que o detido foi posto em liberdade pelas 3 horas do dia 13 de Julho de 2002 por se verificarem os pressupostos do artigo 387.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo sido notificado para comparecer no Tribunal Judicial da Comarca de Montemor-o-Novo pelas 10 horas do dia 15 de Julho de 2002.

O artigo 387.º, n.º 2, do Código de Processo Penal estabelece que se a detenção ocorrer fora do horário de funcionamento normal da secretaria judicial, a entidade policial que tiver procedido à detenção sujeita o arguido a termo de identidade e residência, liberta-o e notifica-o para comparecer perante o Ministério Público no 1.º dia útil seguinte à hora que lhe for designada, sob pena de incorrer no crime de desobediência. As testemunhas são igualmente notificadas para comparecer.

Mas é evidente que a data designada pela entidade policial para comparecer no tribunal da comarca já ultrapassava o prazo legal para início da audiência em processo sumário.

Ao iniciar-se o julgamento do arguido em processo sumário depois de já terem decorrido quarenta e oito horas após a sua detenção, empregou-se uma forma de processo especial fora dos casos previstos na lei, cometendo-se uma nulidade insanável nos termos do artigo 119.º, alínea f), do Código de Processo Penal, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento (corpo do artigo).

Assiste pois razão ao recorrente.» Por sua vez, escreve-se no acórdão fundamento a justificar a solução que defende:

«Mas, se atendermos a toda a tramitação da forma de processo sumário - artigos 381.º a 387.º - verificamos que podem ocorrer duas situações: o detido é apresentado no tribunal nessa situação ou é libertado e notificado para comparecer depois. E neste segundo caso a lei continua a permitir que o julgamento se processe sob a forma sumária.

Desde logo, portanto, há que atender que o artigo 381.º se refere aos arguidos detidos, não fazendo referência aos arguidos que, detidos, tenham sido libertados. Isto é, o artigo 381.º não exclui, só por si, a possibilidade de outro entendimento quanto aos arguidos que, tendo sido detidos, sejam libertados.

E da conjugação dos artigos 381.º e 386.º resulta que o processo sumário se pode realizar dentro dos 30 dias após a detenção. A lei prevê dois prazos: o de quarenta e oito horas e o de 30 dias.

E logo do artigo 382.º resulta que se pode e deve fazer a distinção entre aquelas duas situações:

É que o detido deve ser apresentado no mais curto prazo e nele julgado. Mas o Ministério Público só determina a tramitação sob outra forma de processo se tiver razões para crer que os prazos de julgamento em processo sumário não poderão ser respeitados.

Esses prazos só podem ser o das quarenta e oito horas e os 30 dias do artigo 386.º Isto é, um desses prazos é precisamente o de 30 dias do artigo 386.º Ao referir prazos, deixa a lei o entendimento que também deve ter em conta o prazo de 30 dias, isto é, o prazo referido no artigo 386.º Se se entendesse que o início do processo sumário nunca poderia ter lugar ultrapassadas as quarenta e oito horas da detenção, não se vê como poderia o Ministério Público dever ter em conta aquele prazo de 30 dias, sem se ter dado início à audiência, pois só nesta é que poderia vir a surgir a hipótese de tal prazo.

Mas isso resulta mais claro do artigo 387.º, que é também norma reguladora dos trâmites processuais do processo sumário. Como entender toda a tramitação aí prevista se se defendesse que o julgamento em processo sumário teria de se iniciar no prazo de quarenta e oito horas? Como só se poderia manter a forma sumária se se mantivesse dentro do prazo de quarenta e oito horas, não faria sentido a última parte da alínea a) do n.º 1 de tal norma, já que ela prevê, precisamente, que o processo sumário não se realize dentro das quarenta e oito horas. [...] E isto vem a ser reforçado quando o artigo 387.º, n.º 2, prevê que o arguido seja libertado e notificado para comparecer no 1.º dia útil. Fá-lo sempre dentro da possibilidade de julgamento em processo sumário, tanto mais que as testemunhas (e o ofendido) também o são para tal efeito.

E a referência às quarenta e oito horas feita no n.º 3 é-o para a hipótese de o julgamento ainda se poder efectuar nas quarenta e oito horas, o que deixa claro que, se o não puder ser, não haverá detenção mas não significa que não haja processo sumário.

(Já agora diga-se que não concordamos com o Ministério Público junto da comarca quando parece entender, 'precisamente para poder justificar a sua posição' que o sábado de manhã é dia útil, só porque há turnos.) Aquela interpretação literal e restritiva do artigo 381.º, n.º 1, não pode, assim, deixar de nos levantar algumas sérias dúvidas.

Ele faz todo o sentido quando se trata de detidos que em tal situação se mantêm, mas deixa de o fazer quando os detidos venham a ser libertados.

Se só podem ser julgados em processo sumário os detidos, que mesmo libertados, venham a ser julgados em audiência iniciada no máximo quarenta e oito horas após a detenção, como se pode dar cobertura ao estatuído no corpo do artigo 387.º e sua alínea a) e ao referido nos seus n.os 2 e 3, que, como é evidente, regula trâmites do mesmo processo sumário? [...] Em resumo:

Apesar do disposto no artigo 381.º, n.º 1, a lei prevê, nomeadamente no artigo 387.º, os casos do detido ser libertado antes do início da audiência, casos em que aquele artigo não pode ser interpretado no sentido da essencialidade do início da audiência nas primeiras quarenta e oito horas, sendo certo que aquele artigo não exclui essa possibilidade.

O artigo 386.º prevê apenas os casos de a detenção se manter no início da audiência, isto é, os casos em que esta se inicia nas primeiras quarenta e oito horas após a detenção.

Quando o detido é libertado, mas a audiência se puder realizar nos primeiros 30 dias após a detenção, pode manter-se a forma sumária do processo. Só assim se pode entender parte do artigo 382.º e todo o conteúdo do disposto no artigo 387.º A não ser assim, este artigo seria absolutamente inútil e mesmo contraditório.

Quando a última parte do n.º 1 do artigo 381.º se refere ao artigo 386.º, só faz sentido se se entender que se refere ao prazo ali previsto.» Posto isto, vejamos quais as normas jurídicas a ter em consideração na solução do presente recurso, e contidas no Código de Processo Penal:

«Artigo 381.º

Quando tem lugar

1 - São julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a 3 anos, quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial e a audiência se iniciar no máximo de quarenta e oito horas após a detenção, sem prejuízo do disposto no artigo 386.º ................................................................................

Artigo 386.º

Adiamento da audiência

1 - Sem prejuízo da manutenção da forma sumária, a audiência pode ser adiada até ao limite do 30.º dia posterior à detenção:

a) Se o arguido solicitar esse prazo para preparação da sua defesa;

b) Se o tribunal, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, considerar necessário que se proceda a quaisquer diligências de prova essenciais à descoberta da verdade e que possam previsivelmente realizar-se dentro daquele prazo.

................................................................................

Artigo 387.º

Impossibilidade de audiência imediata

1 - Se a audiência não tiver lugar em acto seguido à detenção e apresentação ao Ministério Público, mas o processo puder ainda manter a forma sumária:

a) O arguido pode ser libertado, sendo correspondentemente aplicável o disposto no artigo 382.º, n.º 4, e sê-lo-á obrigatoriamente se a audiência não puder ter lugar nas quarenta e oito horas posteriores à detenção; e b) ............................................................................

2 - Se a detenção ocorrer fora do horário de funcionamento normal da secretaria judicial, a entidade policial que tiver procedido à detenção sujeita o arguido a termo de identidade e residência, liberta-o e notifica-o para comparecer perante o Ministério Público no 1.º dia útil seguinte, à hora que lhe for designada, sob pena de, faltando, incorrer no crime de desobediência.» Após ter analisado de modo exaustivo os argumentos expendidos no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, o Exmo. Magistrado do Ministério Público passa a examinar criticamente os mesmos, ainda que resumidamente, escrevendo:

«A tese do acórdão recorrido assenta notoriamente em argumentos puramente literais e defende um entendimento restritivo dos requisitos do julgamento em processo sumário. Por outro lado, opta por uma interpretação lata das funções e competências do tribunal de turno.

Ao invés, a posição do acórdão fundamento parte de uma perspectiva de valorização do processo sumário, e consequentemente de aceleração processual relativamente à pequena criminalidade, o que corresponde indiscutivelmente aos propósitos do legislador.

Desde logo, há que ter presente a razão de ser da exigência legal de que o julgamento do arguido detido tenha início nas quarenta e oito horas subsequentes à detenção (artigo 381.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).

Essa exigência decorre indubitavelmente da obrigação constitucional de apresentação do detido ao juiz no prazo máximo de quarenta e oito horas, enquanto garantia de primeira grandeza das liberdades fundamentais (artigo 28.º da Constituição).

Se o arguido é libertado, cessa a razão de ser da imposição do início do julgamento dentro desse prazo de quarenta e oito horas.

É evidente que, dado o carácter específico do processo sumário, em que, como vimos, avulta a imediação dos factos e a proximidade das provas, seria absurdo admitir um julgamento relegado para data distante. Mas o legislador estabeleceu qual o limite de tempo que considera admissível para a utilização desta forma de processo, ao permitir, no artigo 386.º do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência no caso de o arguido o requerer ou ainda no caso de o tribunal entender dever efectuar algumas diligências essenciais à descoberta da verdade, até ao limite de 30 dias após a detenção. Se nesses casos é admissível o julgamento dentro desse prazo, nada obsta a que se estenda essa faculdade à hipótese de o arguido ter sido libertado, por força do artigo 387.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, uma vez que não há qualquer razão de ordem material que imponha a utilização neste último caso de uma forma de processo mais solene.

Pelo contrário, esta solução insere-se dentro da opção, já referida, de promoção do processo sumário que o legislador adoptou desde a redacção originária do Código de Processo Penal vigente e reforçou com a reforma de 1998 (a referida Lei 59/98, de 25 de Agosto), num esforço por conferir aos tribunais meios expeditos e céleres para fazerem frente à pequena criminalidade, sem prejuízo das garantias fundamentais.

A posição do acórdão recorrido constitui claramente um obstáculo a esses objectivos do legislador, ao impor o recurso ao processo ordinário, necessariamente mais moroso, sem que isso se traduza num reforço substancial das garantias de defesa, dada a simplicidade e imediação das provas, havendo ainda a possibilidade de recurso ao citado artigo 386.º do Código de Processo Penal, que aperfeiçoa quer as garantias do arguido quer as finalidades processuais de descoberta da verdade. Assim, na aferição da concordância prática entre celeridade e garantias, a tese do acórdão recorrido, prejudicando a celeridade sem reforçar significativamente as garantias, é manifestamente uma solução que realiza um grau inferior dessa concordância relativamente à tese do acórdão fundamento, que concilia de forma muito mais perfeita a celeridade, sem prejuízo da descoberta da verdade, com as garantias de defesa. Por isso, é naturalmente esta a posição que deve ser adoptada.

Há que referir ainda, por último, que o argumento de que o tribunal de turno poderia e deveria intervir na situação que aqui está em discussão, ou seja, no caso de libertação do arguido detido, realizando portanto esse tribunal o julgamento no prazo de quarenta e oito horas, não tem notoriamente cabimento. Na verdade, os tribunais de turno destinam-se exclusivamente a realizar serviço urgente, conforme dispõe o artigo 73.º, n.º 2, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei 3/99, de 13 de Janeiro), o que não é manifestamente o caso de julgamento de arguidos em situação de liberdade, uma vez que o Código de Processo Penal define como actos urgentes apenas 'os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas' [artigo 103.º, n.º 2, alínea a), do diploma citado].

Por sua vez, diz o recorrido: 'Não pode de forma alguma o tribunal estribar-se no teor do artigo 386.º do Código de Processo Penal para poder realizar a audiência de julgamento em período posterior às quarenta e oito horas tacitamente previsto no artigo 381.º do Código de Processo Penal, sem que tal facto seja requerido pelo arguido ou que o tribunal entenda ser relevante para a descoberta da verdade material. Ora, no processo em análise, nenhum destes factos foram considerados, nem em sede de sentença, nem em sede de acta da audiência de julgamento.'» Posto isto, impõe-se averiguar qual seja a solução legal.

Convém, julgamos, começar por concretizar a situação de facto que está na origem de cada um dos dois acórdãos em oposição.

No acórdão fundamento temos que o arguido foi detido no dia 1 de Janeiro de 2000, pelas 4 horas e 28 minutos; após ter prestado termo de identidade e residência, foi libertado e notificado para comparecer no Tribunal Judicial da Covilhã no dia 3 de Janeiro, pelas 9 horas e 30 minutos. O dia 1 foi sábado. No dia 3, pelas 11 horas, realizou-se a audiência de julgamento, vindo o arguido a ser condenado. Interposto recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra manteve o decidido, julgando inexistente a invocada nulidade referida no artigo 119.º, alínea f), do Código de Processo Penal.

No acórdão recorrido, o arguido foi detido em flagrante delito às 2 horas e 24 minutos do dia 13 de Julho de 2002, sábado, e, após ter prestado termo de identidade e residência, foi libertado e notificado para comparecer no Tribunal Judicial de Montemor-o-Novo pelas 10 horas do dia 15, ou seja, segunda-feira, onde veio a ser julgado pelas 11 horas e 55 minutos em processo sumário e condenado. Interposto recurso, o Tribunal da Relação de Évora julgou verificar-se a nulidade prevista na citada alínea f) do artigo 119.º, pelo que, em consequência, ordenou o reenvio do processo para a forma comum, devendo seguir, pois, os adequados termos desta.

A questão que se põe é, assim, a de saber se será a forma de processo sumário a competente em casos em que a audiência de julgamento do arguido, detido em flagrante delito e posteriormente libertado, se fez no 1.º dia útil seguinte à detenção, mas para além das quarenta e oito horas.

Sendo assim, julgamos que será de afastar, desde já, o disposto no artigo 386.º, pois o prazo aí previsto de 30 dias depende, exclusivamente, de ocorrer alguma das circunstâncias referidas nas alíneas a) e b) do seu n.º 1. Se o arguido não solicitar prazo para preparar a sua defesa, nem o tribunal ou o Ministério Público julgarem necessário que se proceda a diligências de prova essenciais à descoberta da verdade, o limite de 30 dias terá de ser afastado.

Por outro lado, o artigo 381.º, n.º 1, parte do princípio de que o arguido se encontra detido - que não é situação de facto subjacente aos dois acórdãos.

O n.º 1 do artigo 387.º corresponde ao artigo 387.º do Código de Processo Penal, na redacção original.

Aquando da revisão do Código de Processo Penal - de que viria a resultar a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto - a comissão de revisão apresentou um projecto no qual dava ao artigo 386.º a seguinte redacção:

«1 - Sem prejuízo da manutenção da forma sumária, a audiência pode ser adiada até ao limite do 60.º dia posterior à detenção:

a) ............................................................................

b) ............................................................................

c) ............................................................................

2 - A audiência pode ainda ser adiada até ao limite do 5.º dia posterior à detenção em caso de absoluta impossibilidade da sua realização imediata.

3 - ...........................................................................

a) ............................................................................

b) ...........................................................................» E o artigo 387.º do projecto mantinha o disposto no artigo 387.º do Código, com ligeira alteração da alínea a).

Quer dizer, assim, que o projecto previa duas situações, com dois limites no tempo diferentes: uma, para os casos agora previstos no artigo 386.º, n.º 1, alíneas a) e b), com limite de 30 dias; outra, com limite de 5 dias, para os casos de ser absolutamente impossível proceder a julgamento de imediato.

Esta última situação abrangeria, sem dúvida, a prevista hoje no n.º 2 do artigo 387.º Porém, na proposta de lei apresentada à Assembleia da República já aparece a redacção que hoje se encontra consagrada no Código.

A lei vigente fixou o limite em 30 dias para as situações previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 386.º, mas não fixou limite para a situação elencada no n.º 2 do artigo 387.º, uma vez que fixou como dia para início da audiência o «1.º dia útil seguinte».

Uma leitura atenta do artigo 387.º, em conjugação com as demais normas que integram o «processo sumário», poder-nos-á levar a considerar que o prazo de quarenta e oito horas não será fundamental para se manter a forma de processo sumário a não ser que se verifique a manutenção da detenção do arguido.

Resulta de tal norma, com efeito, que se a audiência não puder ter lugar em acto seguido à detenção, o arguido será libertado obrigatoriamente se a mesma não puder ter lugar nas quarenta e oito horas subsequentes à destruição.

O artigo 387.º é uma das normas que regula os trâmites processuais de processo sumário. Sendo assim, como compreender tal normativo, se se viesse a defender que a audiência em processo sumário teria sempre que se iniciar no prazo de quarenta e oito horas? Se não seguisse a forma do processo sumário, qual a necessidade da afirmação constante no último segmento do n.º 2 do artigo 387.º «As testemunhas são igualmente notificadas para comparecer»? Ou como conjugar a afirmação constante do corpo do artigo 387.º «mas o processo puder ainda manter a forma sumária» com a feita na alínea a) «sê-lo-á obrigatoriamente se a audiência não puder ter lugar nas quarenta e oito horas posteriores à detenção»? Por conseguinte, ocorrendo a situação prevista no n.º 2 do artigo 387.º, mesmo que ultrapassado o prazo de quarenta e oito horas, a forma de processo sumário continua a ser aquela que deve ser respeitada, não ocorrendo, em consequência, a nulidade insanável descrita na alínea f) do artigo 119.º - o emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.

E pelas razões acima aduzidas, não haverá que fixar um prazo de limite máximo - o de 30 dias -, uma vez que tal só ocorrerá nas circunstâncias especiais previstas nas citadas alíneas a) e b) do artigo 386.º É certo que, iniciada a audiência no 1.º dia útil seguinte, possa vir a ocorrer alguma das aludidas circunstâncias das alíneas a) e b); mas isso é já outra coisa.

O acórdão recorrido apenas se pronunciou sobre a invocada nulidade insanável da alínea f) do artigo 119.º; terá de analisar agora as demais questões postas.

Em conformidade com o exposto, o pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência, delibera na procedência do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência interposto pelo Ministério Público e, em consequência:

a) Fixa jurisprudência nos seguintes termos:

«Quando tenha havido libertação do arguido - detido em flagrante delito para ser presente a julgamento em processo sumário - por virtude de a detenção ter ocorrido fora do horário de funcionamento normal dos tribunais (artigo 387.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), o início da audiência deverá ocorrer no 1.º dia útil seguinte àquele em que foi detido, ainda que para além das quarenta e oito horas, mantendo-se, pois, a forma de processo sumário.» b) Revoga-se a decisão recorrida e ordena-se o reenvio, oportunamente, do processo ao Tribunal da Relação de Évora a fim de que reveja a decisão recorrida de acordo com a jurisprudência fixada.

Dê-se observância ao disposto no artigo 444.º do Código de Processo Penal.

Sem tributação.

Lisboa, 21 de Abril de 2004. - Luís Flores Ribeiro - Florindo Pires Salpico - António Silva Henriques Gaspar - António Luís Gil Antunes Grancho - Políbio Rosa da Silva Flor - José Vítor Soreto de Barros - Mário Rua Dias - João Manuel de Sousa Fonte (vencido, por entender que o julgamento em processo sumário nunca pode ocorrer se, sobre a detenção, tiverem passado mais de quarenta e oito horas) - Armindo dos Santos Monteiro - Sebastião Duarte Vasconcelos da Costa Pereira - Manuel José Carrilho de Simas Santos - José Vaz dos Santos Carvalho - António Artur Rodrigues da Costa - Fernando José da Cruz Quinta Gomes.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2004/05/12/plain-171627.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/171627.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1998-08-25 - Lei 59/98 - Assembleia da República

    Altera o Código do Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei 78/87 de 17 de Fevereiro, na redacção introduzida pelos Decretos-Leis 387-E/87, de 29 de Dezembro, 212/89, de 30 de Junho e 317/95, de 28 de Novembro. Republicado na integra, o referido código, com as alterações resultantes deste diploma.

  • Tem documento Em vigor 1999-01-13 - Lei 3/99 - Assembleia da República

    Aprova a lei de organização e funcionamento dos Tribunais Judiciais.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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