Resolução do Conselho de Ministros n.º 178/2003
O sector florestal português constitui uma riqueza estratégica cuja necessidade de preservação e de desenvolvimento recolhe a unanimidade nacional.
De um ponto de vista ambiental, é decisiva a sua contribuição para a conservação da natureza e para o equilíbrio do ambiente, designadamente em matéria de promoção da biodiversidade, de defesa contra a erosão, de correcção dos regimes hídricos e de qualidade do ar e da água.
Numa perspectiva económica e social, o sector florestal gera no seu conjunto aproximadamente 3% do valor acrescentado bruto da economia e envolve mais de 400000 proprietários e 160000 trabalhadores nas diversas fileiras, ocupando as florestas 38% do território nacional.
Apesar da sua enorme importância ambiental, económica e social, a floresta portuguesa nunca foi encarada como uma efectiva prioridade nacional, muito embora lhe tenham sido destinados substanciais recursos públicos.
A violência e a extensão dos incêndios do último Verão e o dramatismo das situações vividas pelas populações atingidas geraram na sociedade portuguesa justificada emoção e apoio quanto à necessidade de se alterar profundamente a nossa relação com a floresta.
A ausência de gestão florestal, o excessivo parcelamento fundiário, os desequilíbrios na constituição dos povoamentos, o desordenamento da sua implantação e o abandono a que se encontram votadas extensas áreas florestais, conjugados com circunstâncias climatéricas, particularmente adversas e raras, associadas a comportamentos negligentes e criminosos, determinaram a violência e a extensão de tais incêndios.
A perda de vidas e a destruição maciça do nosso património natural, enquanto bem de interesse público, ainda que de natureza privada, motivaram uma reflexão colectiva sobre as circunstâncias que originaram uma tão grande calamidade e impõem uma urgente reforma estrutural do sector florestal.
Consciente da necessidade de agir de forma concertada no sector da floresta, o Governo criou a Secretaria de Estado das Florestas, cujo titular coadjuva o Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas na definição e implementação de um novo modelo para a organização florestal, pondo termo à dispersão e desadequação do actual enquadramento do sector, por forma a concretizar, nomeadamente, as opções fundamentais contidas na Lei de Bases da Política Florestal, aprovada por unanimidade.
Face à existência de um alargado consenso relativamente às maiores carências e distorções existentes no sector, o Governo aprovou igualmente, em Março passado, um Programa de Acção para o Sector Florestal visando como objectivo estratégico a gestão florestal sustentável orientada para a correcção de quatro estrangulamentos principais: a estrutura da propriedade, a descoordenação da acção pública sobre a floresta, a complexidade dos actos e procedimentos de acesso aos financiamentos públicos e a elevada taxa de risco associada aos incêndios.
Este Programa, de harmonia com o disposto na Lei de Bases da Política Florestal, prevê a sua concretização até Dezembro de 2004.
Contudo, as condições criadas pelos incêndios e pelo debate público associado às suas causas e consequências justificam e exigem a antecipação das medidas previstas pelo Governo no referido Programa, bem como novas acções de natureza estrutural, cuja concretização imediata se impõe no actual quadro de prioridades.
Urge, assim, responder às carências de há muito identificadas no sector, prosseguindo a regulamentação da Lei de Bases da Política Florestal, no cumprimento do Programa do Governo, designadamente no que diz respeito à «definição de uma responsabilidade coordenada para o sector florestal e a diminuição do número de decisores relacionados com a fileira».
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Aprovar as grandes linhas orientadoras da reforma estrutural do sector das florestas, que terá os seguintes objectivos:
a) Promover o ordenamento dos espaços florestais e a sua gestão sustentável;
b) Imprimir coerência e integração intersectorial entre a floresta e a indústria, garantindo a conservação dos recursos;
c) Criar um enquadramento fiscal adequado ao desenvolvimento e defesa da floresta;
d) Aumentar a eficiência e a eficácia dos recursos disponíveis e assegurar fontes de financiamento estáveis e permanentes;
e) Agilizar e desconcentrar os serviços e os organismos da Administração Pública com atribuições no sector das florestas;
f) Aproximar os serviços das populações e fomentar a partilha de responsabilidades com as organizações do sector;
g) Garantir o envolvimento activo dos cidadãos na defesa dos espaços florestais;
h) Reestruturar o sistema de prevenção, detecção e primeira intervenção nos fogos florestais;
i) Criar um quadro de responsabilização dos proprietários pelo abandono da floresta e pelas práticas silvícolas incorrectas;
j) Promover a produção de conhecimento e a sua adequada transferência para o sector, em colaboração com o Ministério da Ciência e do Ensino Superior.
2 - Atribuir ao Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas a responsabilidade pela condução da reforma estrutural do sector das florestas.
3 - Determinar que a concretização dos objectivos referidos no n.º 1 seja prosseguida através das seguintes medidas prioritárias:
a) Criação de um novo modelo orgânico para o sector das florestas, incluindo:
i) A transferência para o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas das atribuições do Ministério da Administração Interna relativas à prevenção dos fogos florestais, compreendendo a intervenção precoce em fogos nascentes;
ii) A transferência para o Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas das atribuições do Ministério da Economia respeitantes à regulação e ao abastecimento das matérias-primas florestais;
iii) A criação, no âmbito do Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, da Direcção-Geral dos Recursos Florestais, que assumirá as atribuições de autoridade florestal nacional, designadamente no que se refere ao ordenamento florestal, à polícia florestal e à prevenção dos fogos florestais, em todo o território do continente, sem prejuízo das competências do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente em matéria de conservação da natureza;
iv) A transferência das atribuições da actual Direcção-Geral das Florestas para a Direcção-Geral dos Recursos Florestais, que integrará três circunscrições florestais, Norte, Centro e Sul, e um núcleo florestal por cada uma das regiões correspondentes aos planos regionais de ordenamento florestal, desenvolvendo a sua acção em parceria com as organizações do sector privado, através de associações, cooperativas e empresas;
v) A criação da Agência para a Prevenção dos Fogos Florestais, enquanto estrutura de concertação de estratégias, compatibilização e orientação de acções concretas de prevenção dos fogos florestais, no âmbito da qual estarão representados:
O Ministério da Defesa Nacional;
O Ministério da Administração Interna, pelo Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil;
O Ministério da Justiça, pela Polícia Judiciária;
O Ministério da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas, pela Direcção-Geral dos Recursos Florestais;
O Ministério da Ciência e do Ensino Superior;
O Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, pelo Instituto da Conservação da Natureza;
A Associação Nacional de Municípios Portugueses;
vi) A criação das comissões municipais de defesa da floresta contra incêndios, enquanto centros de coordenação e acção local, no âmbito e sob a coordenação das câmaras municipais, nas quais estarão representados:
A Direcção-Geral dos Recursos Florestais;
O Instituto da Conservação da Natureza;
Os corpos de bombeiros;
Os sapadores florestais;
A Guarda Nacional Republicana;
As associações de produtores florestais;
vii) A criação do Fundo Florestal Permanente, destinado a apoiar o sector florestal e as actividades não imediatamente rendíveis, financiado, nomeadamente, pelo rendimento das matas públicas e comunitárias, pelo produto de coimas aplicadas e por uma imposição fiscal, em termos a definir, sobre o consumo dos produtos petrolíferos;
viii) A criação do Conselho Nacional de Reflorestação, destinado a coordenar as acções de recuperação das áreas florestais afectadas pelo fogo;
ix) A criação das comissões regionais de reflorestação, às quais ficam cometidos os planos de intervenção, a análise e a emissão de parecer sobre os projectos de reflorestação;
b) Intervenção em matéria do ordenamento e gestão florestal, através, nomeadamente:
i) Da concretização antecipada dos planos de ordenamento florestal
em curso;
ii) Da criação de zonas de intervenção florestal (ZIF), prioritariamente aplicadas em zonas percorridas pelo fogo, enquanto espaços florestais contínuos, submetidos a um plano de intervenção com carácter vinculativo e geridos por uma única entidade (entre 1000 ha e 30000 ha);c) Criação de um enquadramento fiscal adequado ao desenvolvimento e defesa da floresta, através, nomeadamente:
i) Da criação de incentivos similares aos concedidos às microempresas para o investimento florestal e para o investimento em infra-estruturas florestais;
ii) Da instituição de um mecenato florestal a favor dos promotores da
floresta de conservação;
iii) Da capitalização dos custos com investimento florestal para omomento da realização dos proveitos;
iv) Da penalização do fraccionamento e do abandono da propriedade florestal;d) Reestruturação do sistema de prevenção, detecção e primeira intervenção aos fogos florestais, através, nomeadamente:
i) Do reforço e da profissionalização de corpos especiais de sapadores
para a primeira intervenção;
ii) Do condicionamento da circulação nos períodos e nas áreasflorestais com maior risco de incêndio;
iii) Do reforço do contributo das Forças Armadas nos domínios da prevenção e da detecção dos fogos florestais, da formação, da colaboração da engenharia militar na abertura de asseiros, do enquadramento de acções de limpeza das matas nacionais, do patrulhamento das florestas e da participação complementar na Rede Nacional de Vigias;e) Promoção do envolvimento activo dos cidadãos na defesa dos espaços florestais, mediante:
i) A realização de campanhas de sensibilização das populações para a problemática das florestas, designadamente no âmbito da gestão sustentável e da promoção dos produtos florestais;
ii) O lançamento de uma campanha nacional de prevenção dos fogos florestais;
f) Criação de um cadastro simplificado dos prédios rústicos;
g) Revisão da legislação sobre queimadas;
h) Definição de um quadro jurídico para a expropriação urgente de terrenos necessários às infra-estruturas florestais;
i) Criação de um quadro jurídico sancionatório que permita a responsabilização dos proprietários pelo abandono da floresta e pelas práticas silvícolas incorrectas;
j) Consagração de formas de intervenção substitutiva do Estado face aos proprietários, com posterior ressarcimento dos respectivos custos;
l) Criação da conta de gestão florestal individual, visando a progressiva obrigação de cada proprietário reinvestir na sua floresta uma percentagem do rendimento por ela gerado.
4 - Determinar que a aprovação das medidas enunciadas no número anterior deverá obedecer à seguinte calendarização:
a) Até 31 de Janeiro de 2004 - as referidas nas alíneas a) e i) a l);
b) Até 31 de Março de 2004 - as referidas nas alíneas d) a h);
c) Até 30 de Junho de 2004 - a referida na subalínea i) da alínea b);
d) Até 31 de Dezembro de 2004 - as referidas na subalínea ii) da alínea b) e na alínea c).
Presidência do Conselho de Ministros, 31 de Outubro de 2003. - O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.