Resolução do Conselho de Ministros n.º 68/2003
Através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 14/2003, de 5 de Fevereiro, decidiu o Governo que às assembleias gerais das empresas do sector energético que tenham participação significativa do Estado fossem propostas orientações estratégicas que consagrem uma reorganização do sector, coerente com os objectivos de racionalidade, de eficiência e de criação de valor para os accionistas no quadro dos mercados ibérico e europeu da energia. Da mesma forma designou como encarregado de missão junto dos Ministros das Finanças e da Economia o engenheiro João Talone, com o mandato de propor as linhas de reorganização do sector energético, a política de alianças empresariais, bem como a estruturação das operações que as permitam concretizar.
Em resultado do mandato atribuído, foi apresentado pelo encarregado de missão no dia 31 de Março de 2003 o relatório final do estudo realizado sobre a reorganização do sector energético português.
Na sequência da análise do referido relatório final, decidiu o Conselho de Ministros tornar públicas as linhas gerais do quadro estratégico e organizativo que considera mais adequado em benefício do País, do sector energético nacional e das empresas envolvidas.
A análise do sector energético nacional, englobando a nível da produção as fileiras do petróleo, do gás natural e da electricidade, e a caracterização da oferta e da procura, foi efectuada com duas perspectivas:
Primeira: ao nível da análise de fundo das opções políticas, que conduziram à elaboração do documento "Política energética» aprovado no Conselho de Ministros de 13 de Março em conjunto com 40 medidas a executar pelos diferentes agentes do Estado, que concretizarão esses objectivos estratégicos e tornarão mais claro o ambiente competitivo em que os diferentes operadores devem trabalhar;
Segunda: ao nível da análise da economia dos diferentes operadores: modelos possíveis para as suas fronteiras e termos de actuação e respectivas economias de escala e de âmbito, tendo em atenção os interesses dos consumidores, mas sempre viabilizando esses interesses através de uma actuação eficaz e com elevados níveis de desempenho das empresas, o que implica uma orientação estratégica (aqui ao nível empresarial) que crie valor para os accionistas e garanta a sustentabilidade das empresas num mercado aberto.
Quanto a este segunda perspectiva dever-se-á registar:
a) A privatização do sector energético iniciou-se em 1991 e ao longo de 12 anos foram adoptados e abandonados diferentes modelos, sempre com uma intervenção activa do Estado; formaram-se e desfizeram-se várias parcerias estratégicas correspondentes aos diferentes modelos; realizaram-se mais-valias que não foram reinvestidas no sector e que, pelo contrário, contribuíram para a sua descapitalização e maior vulnerabilidade. Hoje, contrariamente ao que se passa com os competidores internacionais dos operadores nacionais, os modelos existentes são considerados pela maioria dos especialistas como afastados dos que maior racionalidade poderiam introduzir no sistema;
b) O Mercado Único da Energia, com o impulso que foi dado na Cimeira de Lisboa, está em construção acelerada, estando próxima a publicação de duas novas directivas para a electricidade e para o gás, aprovadas no Conselho Europeu de 25 de Novembro de 2002 e que substituirão as Directivas n.os 96/92/CE (electricidade) e 98/30/CE (gás). O quadro regulamentar da proposta de directiva para o gás é em tudo idêntico ao que foi criado para a electricidade;
c) Esse mercado único, por razões de organização geográfica e por razões técnicas, passará pela consolidação, numa primeira fase, de mercados regionais, sendo o mercado ibérico uma realidade incontornável, mas também um enorme desafio e oportunidade para a economia portuguesa, e mais concretamente para os operadores nacionais na área da energia;
d) O quadro competitivo não será assim, como até agora, limitado pelo território português, mas por uma geografia muito mais ampla e com operadores muito competitivos. Este deverá passar a ser o termo de referência dos operadores nacionais;
e) A menor escala histórica do mercado português e dos respectivos operadores não pode ser factor de acomodação e procura de proteccionismos sempre efémeros, antes obriga a uma maior ambição. Não poderão desperdiçar-se os factores de fortalecimento dos operadores portugueses. É determinante racionalizar a sua operação, desde logo ao nível nacional, com ferramentas e massa crítica que lhes permita ter uma voz activa e independente em mercados mais amplos;
f) O perfil do abastecimento e consumo das diferentes formas de energia mudou muito nos últimos 10 anos após a última crise petrolífera, e as perspectivas clássicas de defesa da soberania nacional, ou até de segurança nacional, devem agora ser vistas à luz de um mercado que permite a racionalização a nível europeu e uma resposta conjunta, e por isso mais eficaz do que no passado. Dever-se-á, contudo, manter, também a nível empresarial, uma especial atenção às vantagens competitivas que, sendo das empresas, também serão do País;
g) Nesta década, o gás natural ganhou uma expressão estratégica para as economias e para os consumidores como uma fonte energética do futuro. Prevê-se que, face ao preço competitivo, eficiência térmica e eficiência ambiental, em 2020 mais de um quarto da energia eléctrica no mundo seja produzida com base em gás natural, contra apenas 9% com base no petróleo (fonte: EIA), mantendo-se a quota de renováveis em 20%. O gás tornou-se pois numa fonte energética incontornável, sendo de sublinhar a oportunidade da criação da TRANSGÁS em Outubro de 1993 e da infra-estrutura de acesso do gás a Portugal, assim como das infra-estruturas de distribuição, e o seu notável desenvolvimento subsequente;
h) Abril de 1999, através do Decreto-Lei 137-A/99, de 22 de Abril, foi a fileira do gás, em conjunto com a PETROGAL, integrada na então criada GALP. Através desta intervenção juntaram-se as fileiras do gás e do petróleo. Foi uma importante decisão, estruturante do sector da energia em Portugal que, reconhecendo que a plataforma do gás necessitava de se apoiar numa plataforma mais robusta para suportar o seu crescimento, optou (por razões ainda hoje fonte de polémica) por esta solução em detrimento de uma outra alternativa, que seria a da combinação com a plataforma eléctrica, onde o Estado ainda detinha a maioria do capital;
i) Existe actualmente um largo consenso ao nível internacional sobre as maiores sinergias e complementaridades estratégicas na ligação gás/electricidade do que na ligação gás/petróleo. Porque, como já foi referido, as eléctricas são as grandes consumidoras de gás - estima-se que representem entre 40% a 50% do consumo de gás em Portugal - e ainda porque as eléctricas podem combinar produtos e plataformas de distribuição de forma mais económica e com valor acrescentado para o consumidor. As quatro grandes eléctricas espanholas estão a preparar-se para uma abordagem agressiva do mercado com os dois produtos e no Reino Unido existem também vários exemplos idênticos. As sinergias e complementaridades estratégicas na combinação gás/petróleo existem essencialmente no up stream, onde a exploração de um produto é normalmente associada à do outro, na medida em que a perfuração para a exploração do petróleo traz frequentemente a libertação de apreciáveis depósitos de gás natural. É o que acontece nos operadores internacionais que exploram conjuntamente reservas de petróleo e gás natural. Deve referir-se que esta situação é totalmente inexistente no operador nacional;
j) O poder financeiro que os operadores nacionais possam ter na sua configuração actual não sendo, só por si, razão de insucesso num mercado competitivo aberto, é certamente uma importante condicionante da sobrevivência independente. O operador eléctrico ocupa hoje o 17.º lugar em valor de mercado das empresas de electricidade e ou gás europeias, com um terço da dimensão do 5.º, e será o 4.º ibérico. O operador de petróleo e gás estima-se que poderia representar nessa lista o 20.º lugar com um sexto da dimensão do 5.º, sendo que em termos ibéricos, e num ranking que integrasse também as petrolíferas, ficaria em 9.º lugar com menos de metade da dimensão do 8.º;
l) As recentes movimentações corporativas no mercado ibérico que têm como resultado a aproximação dos operadores de gás dos operadores eléctricos, algumas delas envolvendo directa ou indirectamente o operador português, obrigam à implementação rápida de medidas a nível nacional que permitam a racionalização e o fortalecimento desse operador, favorecendo a obtenção de massa crítica e condições de competitividade que permitam um papel activo em futuras fases de consolidação das plataformas operativas neste mercado.
Estes elementos exigem a devida reflexão dos diferentes operadores e dos seus accionistas de referência. A sociedade e os mercados esperam deles uma actuação rápida, dentro dos princípios da racionalidade empresarial.
O Governo não tomará iniciativas de autoridade como meio de imposição às empresas e aos restantes accionistas de um modelo estratégico de reestruturação do sector energético. Todavia, está interessado e disposto a criar as condições normativas que permitam a concretização de propostas que venham a ser formuladas pelos conselhos de administração ou pelos accionistas das empresas envolvidas e que sejam congruentes com o modelo que considera mais adequado para servir os interesses dessas empresas e, sobretudo, os interesses nacionais.
A opção do Conselho de Ministros fica, assim, clara:
1 - O Governo Português, ponderado o estudo realizado no âmbito da missão de reestruturação do sector energético, em particular os elementos acima mencionados, e em linha com o entendimento internacional dominante, considera mais adequada a junção da fileira do gás à da electricidade, combinando numa mesma organização empresarial a gestão e oferta dos dois tipos de energia, permitindo uma melhor exploração das respectivas sinergias e complementaridades.
2 - O Estado accionista dos operadores do sector energético e de outras empresas do sector público com interesses actuais ou potenciais no sector tem uma opção sobre o modelo mais adequado de reestruturação do sector energético. Não a irá impor unilateralmente, mas irá partilhá-la com os restantes accionistas das empresas do sector e potenciais novos investidores, bem como adoptar as medidas consistentes com a opção formulada.
3 - O Governo definirá o quadro político, competitivo e regulatório do sector energético, anunciando as etapas claras que esses processos devem seguir e determinando as formas possíveis de actuação dos operadores nesse quadro global e o Estado accionista actuará nos operadores energéticos e nas empresas do sector público empresarial em plena coerência com a posição divulgada.
4 - Ao divulgar o quadro estratégico e organizativo que defende enquanto accionista, o Estado deixa ao mercado a liberdade para funcionar na sua plenitude através dos seus agentes cuja actuação acompanhará, reclamando que desse quadro surjam as decisões racionais que interessam às empresas, aos seus accionistas, aos seus trabalhadores e aos seus clientes, numa perspectiva de assegurar a competitividade das empresas e da economia portuguesa num mercado europeu cada vez mais integrado. O Estado accionista coadjuvará a promoção de propostas e apoiará essas propostas com o seu voto nas assembleias gerais em que a sua posição accionista lhe der tal direito e, sempre que necessário, o Governo definirá previamente o quadro normativo que permita concretizá-las.
Além do que fica referido, quanto à sua intervenção administrativa e regulatória, o Governo limitar-se-á a criar as condições necessárias à existência de uma plataforma de competitividade eficaz.
Assim, por proposta dos Ministros de Estado e das Finanças e da Economia, e nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Exercer a função accionista do Estado nas empresas do sector energético e nas empresas do sector público empresarial do Estado com interesses actuais ou potenciais no sector energético, em conformidade com a decisão do Governo quanto ao modelo mais adequado de reestruturação do sector energético.
2 - Promover a definição do quadro político, competitivo e regulatório do sector energético, identificando claramente as prioridades, eliminando distorções regulatórias dentro do mercado ibérico integrado e clarificando o modelo de funcionamento do mercado.
3 - Promover a liberalização a partir de 1 de Julho de 2004, do acesso à infra-estrutura do gás para as eléctricas a operar em Portugal, que assim deixarão de ser obrigadas a recorrer ao fornecedor único, podendo criar a sua estratégia autónoma no negócio do gás e preparar-se para a concorrência com as suas congéneres.
4 - Promover as iniciativas legislativas que se mostrem convenientes a abrir a infra-estrutura do gás em condições de igualdade aos clientes elegíveis, de forma a tornar efectiva a medida anterior, como aliás já dispõe a directiva em vigor e disporá a nova que a irá substituir.
5 - Promover a adequação do quadro regulatório para enquadrar a exploração dos activos do gás, à semelhança do que em devido tempo foi feito com a criação da Rede Eléctrica Nacional (REN).
6 - Promover e apoiar a constituição de uma empresa que reúna as infra-estruturas reguladas de gás e electricidade, redes energéticas nacionais, que terá massa crítica e atractividade para ser cotada em bolsa, como forma de atrair os capitais necessários ao seu futuro desenvolvimento.
7 - Impulsionar e apoiar a racionalização e o desenvolvimento da fileira do petróleo, através da eliminação dos factores objectivos que a têm condicionado e da recusa da sua associação a outras áreas de negócio que não apresentem justificação económica ou de gestão.
Presidência do Conselho de Ministros, 3 de Abril de 2003. - O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.