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Assento DD59, de 23 de Fevereiro

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Sumário

Uniformiza a jurisprudência no sentido em que no domínio do texto primitivo do nº 2 do art. 410º do Código Civil vigente, o contrato-promessa bilateral de compra e venda de imóvel exarado em documento assinado apenas por um dos contraentes é nulo, mas pode considerar-se válido como contrato-promessa unilateral, desde que essa tivesse sido a vontade das partes.

Texto do documento

Assento
Acordam, em tribunal pleno, no Supremo Tribunal de Justiça:
Delfino José Rodrigues Ribeiro e mulher, Margarida Maria Mendes França Ferreira Rodrigues Ribeiro, recorrem para o tribunal pleno do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1985 (que decidiu ser nula e irredutível a promessa unilateral de venda - o contrato-promessa de compra e venda de imóvel cujo documento contentor se mostra apenas assinado pelos promitentes vendedores), alegando encontrar-se ele, no domínio da mesma legislação (n.º 2 do artigo 410.º do Código Civil, em sua formulação originária), em frontal oposição com o decidido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Abril de 1972 (que defende a validade do contrato-promessa unilateral de venda de imóvel constante de documento apenas assinado por uma das partes, o promitente vendedor).

O que, ex adverso, se rebate.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público, com notável brilho, sustenta a tese defendida no acórdão-fundamento.

Pese embora a unanimidade da decisão, que aceitou a existência de oposição, cumpre reexaminar de novo o problema, ex vi do estatuído no artigo 767.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Como é sabido, para que seja possível o recurso para o tribunal pleno necessário é que se verifiquem, simultaneamente, duas identidades (de situações jurídicas e de normas legais disciplinadoras) e uma inidentidade [divergência total entre as partes injuntivas de dois - e só dois - acórdãos sobre questão fundamental de direito (artigo 763.º do Código de Processo Civil)].

Pois unicamente situações jurídicas, ponto por ponto, coincidentes podem gerar decisões opostas.

E idêntico raciocínio se pode elaborar no que a normas disciplinadoras concerne. Se tais normas são dissemelhantes, conduzirão, logicamente, a soluções dissemelhantes, que não podem gerar conflitos de opinião integrativos da problemática em análise.

No que tange à inidentidade, tem ela de surgir da oposição frontal entre as partes dispositivas de dois - e só dois - acórdãos, proferidos em processos diferentes, que expressamente solucionem uma ou mais questões fundamentais de direito dentro do mesmo campo jurídico (adjectivo ou substantivo).

Esta a lição da corrente doutrina (por todos, Prof. Castro Mendes, Recursos, p. 96) e de pacífica jurisprudência (A. Neto, p. 621 da 6.ª ed., nota 15).

Examinemos agora a hipótese vertente à luz dos princípios gerais que examinados ficaram.

Dúvidas não surgem quanto à identidade de situações jurídicas.
Ambos os arestos decidem a questão de saber qual o efeito que produz a falta de assinatura de uma das partes no documento que encerra contrato unilateral de promessa de venda de imóvel.

Tão-pouco dúvidas sérias se levantam no tocante ao domínio da mesma legislação. Ambos os acórdãos sub judice estruturam os seus raciocínios no mesmo normativo jurídico [n.º 2 do artigo 410.º (primitiva redacção) e artigo 411.º, ambos do Código Civil vigente].

Já no que ao problema da inidentidade de decisões concerne se podem levantar dúvidas.

O acórdão recorrido, de 28 de Maio de 1985, ipsis verbis, decide:
O Supremo Tribunal de Justiça concede a revista e, revogando o acórdão recorrido, condena os réus a pagar aos autores a quantia de 960000$00, como restituição do sinal passado.

E o acórdão-fundamento, apertis verbis, decide:
Termos em que é concedida a revista, em parte, condenando-se o recorrido a restituir aos recorrentes os 50000$00 que deles recebera como sinal.

Só aparentemente existe identidade.
Com efeito, se é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença não cabem no perímetro da decisão, todavia, podem e devem eles ser utilizados sempre que tal se mostre necessário para fixar o sentido e alcance dela (neste sentido, A. Varela, Manual, p. 697).

Nesta óptica, verifica-se que o acórdão recorrido manda restituir o sinal por entender que o contrato ajuizado é nulo e nem pode ser reduzido ou convertido.

A falta de factos alegados susceptíveis de permitirem o recurso aos fenómenos de redução ou conversão da promessa ferida de nulidade (proposição imediatamente anterior à decisão) poderia levantar a dúvida de saber qual a atitude do acórdão caso inexistisse tal falta. Toda a estrutura lógica do aresto citado leva a concluir pela identidade de solução. Ainda que alegados, tais factos em nada alterariam a decisão.

Ao passo que o acórdão-fundamento manda restituir o sinal por considerar válido -parcialmente- o contrato no tocante ao promitente vendedor.

A palavra "sinal» exprime -posto que laconicamente- a necessária conexão mínima entre o texto defendido e o legal, satisfazendo o estatuído no n.º 2 do artigo 9.º e no n.º 2 do artigo 238.º, ambos do Código Civil.

Finalmente, importa averiguar se os acórdãos analisam uma mesma questão fundamental de direito.

Procuremos definir o conceito.
A escassez de recursos faz surgir numerosas situações de confronto entre duas ou mais pessoas em relação a um ou mais bens ou valores. O conflito de interesses, todavia, só quando entra em crise e é introduzido em juízo logra alcançar a dignidade de lide ou litígio. A lide surge de um ou mais factos (lato sensu, compreendendo os actos jurídicos) e analisa-se em uma ou mais afirmações contraditórias, que podem limitar-se, tão-só, a descrever, empiricamente, uma dada alteração no mundo sensível (questão de facto ou afirmação de facto, na terminologia de C. Mendes, Conceito de Prova, p. 149, A. Varela, Manual, p. 98, e J. R. Bastos, Notas, III p. 407) ou a interpretar e sustentar a aplicabilidade de certa norma a certa situação factual (questão ou afirmação de direito).

Tem interesse ler a breve nota sobre a matéria que subscreve o Prof. A. Varela in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 122, p. 112.

Apreciando a hipótese vertente sob os princípios atrás expostos, verificamos que a questão sub judice tem de ser resolvida antes de proferir decisão e resolve-se num mesmo plano (o substantivo), mas em sentidos diametralmente opostos - o acórdão recorrido, por forma negativa total, o acórdão-fundamento, por forma parcialmente afirmativa.

Parece, pois, lícito confirmar a existência de oposição.
Analisemos, de seguida, a questão de fundo.
Desde as Ordenações Filipinas que entre nós se procura obter uma uniformidade de decisões judiciais tal que, sem quebra da indispensável liberdade do juiz, todavia, alcance a máxima optimização da certeza e segurança do tráfico (para mais desenvolvimentos, cf. Santos Silveira, Impugnação, p. 418).

Tendo o n.º 2 do artigo 410.º do Código Civil vigente reconhecido validade ao contrato-promessa de imóvel unilateral (desde que constasse de documento assinado por ambos os contraentes), a disputa gira em torno de saber se tal contrato pode ou não alcançar validade por via de redução (artigo 292.º do Código Civil) ou conversão (artigo 293.º do citado diploma) em contrato-promessa unilateral de venda de imóvel, ficando a contraparte vinculada apenas a um contrato equivalente a contrato de opção.

Defensores da tese da nulidade total sistemática: o conselheiro Abel de Campos e o Prof. Galvão Teles.

O argumento basilar de Abel de Campos parte do princípio de que no nosso sistema jurídico o negócio unilateral só é fonte de obrigações nos casos em que a lei expressamente o admita (Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 108, p. 284). Este princípio da tipicidade invalidaria quer a possibilidade de reduzir como a de converter o negócio nulo por falta de forma (artigo 220.º do Código Civil).

Vaz Serra, op. cit., loc. cit., p. 294, responde que o problema é de integração do negócio jurídico, onde tem especial relevo a figura da boa fé; daí que se deva atender à vontade hipotética racional, terminologia de Ennecerus, apud Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 108, p. 294.

E a tipicidade não constitui óbice, uma vez que o contrato validado se não reduz ou converte em negócio, mas em contrato, liberto de numerus clausus.

O argumento principal invocado pelo Prof. Galvão Teles assenta no indispensável mútuo consentimento para surgir um qualquer contrato (cf. Obrigações, 3.ª ed., p. 74).

Argumento a que responde o Prof. Antunes Varela, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 119, p. 258, nota 2, sustentando que a tese defensora da validação não prescinde da necessidade de consentimento de ambos os contraentes, apenas sendo diferente (e, compreensivelmente, mais gravosa) a prova em relação ao único contraente que se vinculou a uma determinada conduta (in casu, vender), já que o outro contraente fica apenas vinculado a uma opção (in casu, comprar ou não comprar, em certo período temporal, certo imóvel por certo preço).

O Exmo. Magistrado do Ministério Público, em seu muito brilhante parecer, faz notar a injustiça decorrente da adopção da tese que defende a nulidade sistemática e defende que não se devem presumir factos contrários à redução, devendo recair o ónus probandi da existência de facto excepcional sobre o contraente interessado na nulidade total do negócio jurídico.

Que pensar do problema?
Parece-nos (salvo o devido respeito) que ele arranca do facto de o nosso jurista (legislador, professor, magistrado, advogado) ainda se encontrar dominado pelo princípio conceptualista, de raiz positivo-voluntarista, que desde Savigny tem imperado nos direitos de fundo greco-romano-germânico, não tendo ainda o novo tipo de pensamento aberto, historicamente situado, concretamente referenciado a um eu concreto, defendido por Perel Man, chegado até nós com força suficiente para destronar aquele racionalismo tradicional (mais pormenores em Baptista Machado, "Introdução» à tradução do livro de Karl Enguisch Introdução ao Pensamento Jurídico).

O pensamento tradicional não consegue facilmente conceber um contrato sem, concomitantemente, surgirem pelo menos duas vontades interconexionadas em relação a um dado objecto.

Só que o artigo 411.º do Código Civil vigente vem tornar lícito o contrato-promessa unilateral.

Temos, pois, de aceitar a ideia de um contrato onde um dos contraentes fica vinculado a contratar e o outro tem o direito de optar.

E como, na verdade, o problema é de integração e contrato, seja por presunção de vontade hipotética (Almeida Costa, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 119, p. 22) ou por força dos ditames da boa fé, parece-nos que devemos aceitar a possibilidade de existirem contratos nos quais só uma das partes se obriga a contratar, muito embora ambas as partes se obriguem, pois ambas prometem, uma, celebrar contrato, a outra, realizar definitivamente uma prestação.

Daí que devamos aceitar a ideia da nulidade do contrato-promessa bilateral por falta de forma, ex vi do disposto no artigo 220.º do Código Civil, mas nulidade apenas parcial, por serem autónomos os negócios e o vício registado afectar apenas o suporte volitivo da declaração do contraente que não assinou o documento titulador do negócio jurídico viciado.

Em suma, a hermenêutica clássica ensinava o contrato como um negócio jurídico necessariamente ao menos bilateral, com conteúdos diversos, até opostos, mas que se harmonizam ou conciliam reciprocamente. Esta a lição de M. Andrade in Teoria Geral de Relação Jurídica, II vol., p. 38.

Hoje há que admitir a existência de contratos (promessa) de natureza bilateral, mau grado qualquer das declarações negociais que o compõem constituam objecto de negócio jurídico autónomo.

A tese que expomos parece-nos, salvo o devido respeito, a única capaz de abrir caminho à solução mais justa que o problema comporta - pragmatismo que repugna ao filósofo, mas que não pode deixar indiferente o magistrado.

E será a parte onerada com a prova tendente a ilidir a presunção de vontade hipotética (demonstrando, por todos os meios, que, apesar da falta da parte viciada do contrato, este teria sido querido por ambos os contraentes, quanto à parte restante, como tal devendo ser mantido) aquela interessada na validade parcial, como defende A. Varela in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 119, n.º 326.

Tese que pode invocar a adesão de Larenz e Federico de Castro, apud op. cit., loc. cit., pp. 325 e 326.

Problemática esta de tal sorte complexa que não temos por irrespondíveis os argumentos que defendemos, não tanto em guisa de demonstração, mas antes em jeito mais de persuasão.

Como é timbre da moderna filosofia do direito, Larenz, Metodologia, passim.
Cabendo, neste caso, aos autores alegar factos tendentes a demonstrar a validade do negócio jurídico como contrato-promessa unilateral e constando do acórdão recorrido que eles não se mostram articulados, resulta que o assento a proferir não tem utilidade alguma para o caso concreto em litígio.

Termos em que, tudo visto:
a) Se declara haver oposição entre o decidido pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1985 e o de 25 de Abril de 1972;

b) Subsiste a decisão recorrida e, nos termos do artigo 768.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, se firma o seguinte assento:

No domínio do texto primitivo do n.º 2 do artigo 410.º do Código Civil vigente, o contrato-promessa bilateral de compra e venda de imóvel exarado em documento assinado apenas por um dos contraentes é nulo, mas pode considerar-se válido como contrato-promessa unilateral, desde que essa tivesse sido a vontade das partes.

Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 29 de Novembro de 1989. - Afonso de Castro Mendes - Júlio Carlos Gomes dos Santos - João Solano Viana - António Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - José Alfredo Soares Manso Preto - Manuel Augusto Gama Prazeres - António Alexandre Soares Tomé - Salviano Francisco de Sousa - Joaquim José Rodrigues Gonçalves - Fernando Maria Xavier Brochado Brandão - Cesário Dias Alves - Jorge de Araújo Fernandes Fugas - José Saraiva - Alberto Carlos Antunes Ferreira da Silva - José Isolino Enes Calejo - José Manuel de Oliveira Domingues - Eliseu Rodrigues Figueira Júnior - Mário Augusto Fernandes Afonso - Adelino Barbosa de Almeida - José Alexandre Paiva Mendes Pinto - Vasco Eduardo Crispiano Correia de Lacerda A. Tinoco - Alberto Baltazar Coelho - Pedro de Lemos e Sousa Macedo - Flávio Parreira da Trindade Pinto Ferreira - Jorge da Cruz Vasconcelos - Fernando Faria Pimentel Lopes de Melo - José Henriques Ferreira Vidigal - Óbvio José Valverde - Manuel da Rosa Ferreira Dias - Silvino Alberto Villa Nova - Licínio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - José Manuel Meneres Sampaio Pimentel (para o texto do assento teria preferido uma fórmula em que se dissesse expressamente tratar-se de nulidade parcial; todavia, votei favoravelmente por interpretar o assento no sentido atrás preconizado) - João Alcides de Almeida (vencido. Entendi que, tendo sido propósito das partes, ao celebrarem um contrato-promessa, ficarem vinculadas a um contrato bilateral no contrato de compra e venda, no caso sujeito, nulo, ele, na sua totalidade, por não estar assinado por uma das partes, assim ficando afectado todo o seu conteúdo, pois o artigo 220.º do Código Civil diz que a declaração negocial que careça de forma legalmente prescrita é nula quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei e o n.º 2 do artigo 410.º do mesmo diploma exige a assinatura dos promitentes, de ambos os promitentes, portanto, não pode tal contrato transformar-se em qualquer outro que vincule apenas uma das partes, pelo que devia ser formulado assento em conformidade. O actual n.º 2 daquele artigo 410.º é claramente inovador, e não interpretativo) - Mário Sereno Cura Mariano (vencido, de harmonia com a declaração de voto que antecede) - Fernando Heitor de Barros Sequeiros (vencido, de harmonia com a declaração de voto do Exmo. Conselheiro Alcides de Almeida).

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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