Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2002
O problema das listas de espera nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) constitui, actualmente, um dos mais relevantes problemas existentes em Portugal, motivado pelo difícil acesso aos serviços públicos, o que penaliza fortemente os grupos sociais mais desfavorecidos económica e geograficamente.
Por este motivo, o Programa do XV Governo Constitucional assumiu o compromisso de realizar reformas urgentes neste domínio, norteadas pela preocupação de atribuir aos destinatários do SNS um atendimento de qualidade e em tempo útil.
Da análise operacional da execução do Programa para a Promoção do Acesso (PPA), e de acordo com o relatório da Direcção-Geral da Saúde (DGS) referente ao ano de 2001, verifica-se que continua a aumentar o número de cidadãos portugueses que aguardam a realização de uma intervenção cirúrgica há mais tempo do que o considerado clinicamente aceitável.
De acordo com os elementos oficialmente existentes, em 2001, o número de cidadãos em lista de espera passou de 85339 no mês de Janeiro para 90451 no mês de Dezembro. Acresce que, neste mesmo ano, apenas foram executadas 23791 das 34925 intervenções cirúrgicas que se encontravam contratualizadas, valor que corresponde a uma execução na ordem dos 69,6%.
A estes dados acresce ainda uma contradição não justificável na execução do PPA e na evolução dos custos de financiamento das intervenções realizadas, com discrepâncias reveladoras de uma ausência de rigor na informação que não pode manter-se, sob pena do descrédito total das instituições públicas e do próprio SNS.
Constata-se uma clara insuficiência de resposta do SNS, em prejuízo da saúde dos cidadãos em lista de espera, pelo que deverão ser envidados todos os esforços para resolver esta situação, incluindo o recurso a meios externos.
A esta forte penalização dos utentes do SNS associa-se uma crescente insatisfação dos profissionais de saúde, o que induz a necessidade de uma reestruturação da política até agora seguida quanto a esta matéria.
Deste modo, a única conclusão possível, com base nos dados oficiais dos organismos do Ministério da Saúde, é que o enquadramento político-jurídico não permite o sucesso que se exige e se impõe na resolução deste problema humano e social.
A alteração preconizada no Programa do XV Governo Constitucional tem como princípio estruturante o reconhecimento de que a finalidade última do SNS é a prestação de cuidados de saúde a quem deles necessita, pelo que é essencial que os utentes possam ser melhor atendidos em tempo útil, de forma eficaz e humanizada.
Consequentemente, é assumida a urgência em eliminar, no prazo máximo de dois anos, as listas de espera para realização de intervenções cirúrgicas através do recurso a entidades públicas, privadas ou sociais prestadoras de cuidados de saúde, no respeito pelo direito de escolha do doente, devendo ser melhorada a eficiência dos recursos do próprio SNS.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Aprovar o Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas, adiante designado por Programa, constante do anexo à presente resolução e que dela faz parte integrante, que será executado no prazo de dois anos.
2 - Determinar a imediata execução do Programa, o qual será objecto de avaliação intercalar no prazo de um ano, a incidir sobre a recuperação das listas de espera cirúrgicas.
3 - Cometer ao Ministro da Saúde a avaliação da actual execução da recuperação das listas de espera cirúrgicas, o acompanhamento do Programa, a tipificação do tempo de espera clinicamente aceitável por patologia, ouvida a Ordem dos Médicos, e o desenvolvimento de uma base de dados nacional para uma eficaz monitorização.
4 - Integrar no Programa o alto-comissário da Saúde e os presidentes das administrações regionais de saúde.
Presidência do Conselho de Ministros, 26 de Abril de 2002. - O Primeiro-Ministro, José Manuel Durão Barroso.
ANEXO
Programa Especial de Combate às Listas de Espera Cirúrgicas
I - Objectivos
1 - O Programa propõe-se alcançar os seguintes objectivos:
a) Estabelecer um regime de atendimento dos doentes em correspondência inversa aos tempos de espera (os doentes há mais tempo em espera serão os primeiros a ser atendidos), sem prejuízo da prioridade concedida a quadros clínicos considerados urgentes;
b) Introduzir uma instância eficaz para a qual o cidadão possa reclamar em caso de prejuízo do seu direito aos cuidados de saúde do SNS;
c) Desenvolver uma leal concorrência entre os sectores público, social e privado de prestadores de cuidados de saúde e um aperfeiçoamento da sua cooperação em rede;
d) Motivar, numa perspectiva ética e deontológica, as equipas de médicos e de profissionais de saúde, mediante a racionalização e melhor utilização dos meios e do quadro envolvente que o SNS proporciona ao exercício da sua actividade;
e) Aumentar a eficiência reduzindo o custo médio de financiamento dos actos cirúrgicos para padrões médios europeus;
f) Respeitar, em todos os casos, o direito de escolha do doente, nos termos definidos nos números seguintes.
II - Execução
2 - O Programa é executado prioritariamente em unidades de saúde públicas, bem como em unidades de saúde privadas ou do sector social, designadamente misericórdias, outras instituições particulares de solidariedade social e entidades de natureza mutualista, mediante protocolos e contratos a celebrar na área de cada administração regional de saúde (ARS).
3 - A adjudicação a cada unidade de saúde tem de discriminar planos de acção concretos e calendarizados e é feita:
a) Às unidades de saúde públicas, mediante protocolo a celebrar com a ARS respectiva;
b) Às entidades privadas e do sector social, prestadoras de cuidados de saúde, mediante contrato a celebrar com a ARS respectiva.
4 - Os protocolos referidos na alínea a) do número anterior procedem à aprovação, por projecto, de regimes próprios de prestação de trabalho e de remuneração, nos termos constantes de tabela a aprovar pelo Ministério da Saúde, ouvida a Ordem dos Médicos, os representantes do sector social e a Federação Nacional dos Prestadores de Cuidados de Saúde.
5 - Cada ARS procederá, no prazo máximo de 60 dias, a um levantamento exaustivo, por doente e patologia, de todas as situações que se encontrem em lista de espera nos hospitais públicos da respectiva área de intervenção.
6 - Nos 30 dias subsequentes, cada ARS:
a) Suscitará a candidatura de hospitais públicos da sua área, nas condições do número seguinte;
b) Abrirá um ou mais concursos por prévia qualificação (neste caso, definindo subgrupos de doentes, agrupados segundo apropriados critérios médicos) a que poderão candidatar-se os estabelecimentos privados ou de instituições sociais.
7 - Constitui condição de selecção dos hospitais públicos, bem como dos estabelecimentos privados ou de natureza social que tenham regime de convenção em vigor com o SNS para este tipo de actos médicos, a prévia demonstração de que a adesão ao Programa não prejudica a realização integral da sua actividade programada, de acordo com os recursos existentes e com razoáveis padrões de produtividade.
8 - Os cadernos de encargos, cuja elaboração compete às ARS, devem prever critérios de selecção que determinem uma ponderação da relação preço/qualidade.
9 - As propostas devem incluir as consultas pré-operatória e as consultas de seguimento.
10 - As propostas serão adjudicadas pelas ARS nos 30 dias subsequentes à apresentação das mesmas.
11 - A adjudicação das propostas deve assegurar que as entidades escolhidas respeitam todos os critérios médicos deontológicos exigíveis, aceitarão a transferência dos doentes para os seus serviços, assumindo a integralidade do tratamento de cada doente no respeitante à patologia em causa, e cumprirão, nos prazos indicados na sua proposta, as intervenções a que se tiverem candidatado.
12 - É criada uma comissão de acompanhamento do Programa junto de cada ARS, com a seguinte composição:
a) Um representante da Ordem dos Médicos;
b) Um representante do sector social;
c) Um representante da Federação Nacional dos Prestadores de Cuidados de Saúde;
d) Um representante da associação de direitos dos utentes, quando exista;
e) O presidente da ARS, que presidirá.
13 - Durante a execução do Programa as comissões de acompanhamento também funcionam como instância de reclamação ou recurso.
III - Disposições finais
14 - O Programa, relativo às situações em listas de espera identificadas nos termos do n.º 5, deve ser executado no prazo de dois anos.
15 - Os doentes serão notificados por carta, pelo SNS, com a indicação do estabelecimento hospitalar adjudicatário, marcando a sua data de operação e o início dos exames para o efeito necessários.
16 - No prazo de oito dias pode o doente comunicar à ARS que prefere manter-se em lista de espera na unidade de saúde pública.
17 - Os doentes em lista de espera, nos termos do n.º 5, que não recebam, no prazo de 120 dias a contar da data de adjudicação do primeiro concurso realizado pela ARS a que está adstrito, a comunicação a que se refere o n.º 15 têm o direito de realizar, em qualquer dos estabelecimentos de saúde admitidos na qualificação prévia referida na alínea b) do n.º 6, a intervenção cirúrgica para que estão inscritos.
18 - A ARS da área de residência participará nos custos da intervenção cirúrgica em causa e dos actos médicos correlativos, pelo valor que tenha sido adjudicado em concursos já lançados no âmbito do Programa, na respectiva região de saúde.
19 - Para efeitos do disposto nos n.os 17 e 18, as ARS devem publicitar pela forma mais adequada a lista das entidades prestadoras de serviços de saúde admitidas a prévia qualificação e a data das adjudicações dos primeiros concursos realizados em cada ARS.
20 - A correcção das listas de espera só terá lugar após comunicação pelo estabelecimento adjudicatário do início de cada tratamento.