Decreto do Governo n.º 38/84
de 18 de Julho
O Governo decreta, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 200.º da Constituição, o seguinte:Artigo único. É aprovado o Acordo entre os Governos da República Portuguesa, da República da África do Sul e da República Popular de Moçambique relativo ao Projecto de Cahora Bassa, assinado na cidade do Cabo em 2 de Maio de 1984, cujos textos em português e em inglês vão anexos ao presente decreto.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 31 de Maio de 1984. - Mário Soares - Carlos Alberto da Mota Pinto - Jaime José Matos da Gama - Ernâni Rodrigues Lopes.
Assinado em 20 de Junho de 1984.
Publique-se.O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 22 de Junho de 1984.
Pelo Primeiro-Ministro, Carlos Alberto da Mota Pinto, Vice-Primeiro-Ministro.
Acordo entre os Governos da República Portuguesa, da República da
África do Sul a da República Popular de Moçambique relativo ao
Projecto de Cahora Basse.
O Governo da República Portuguesa, o Governo da República da África do Sul e o Governo da República Popular de Moçambique (adiante designados «Partes»):Tendo presente que em 19 de Setembro de 1969 foi celebrado um acordo entre o Governo Português e o Governo da República da África do Sul respeitante à construção e exploração de uma instalação hidroeléctrica, conhecida como projecto de Cahora Bassa, destinada à produção e ao fornecimento de electricidade para uso nos territórios da África do Sul e de Moçambique e, eventualmente, de outros países;
Reconhecendo que as condições se alteraram consideravelmente desde a conclusão do referido acordo, que, consequentemente, já não reflecte as realidades da situação na região da África Austral;
Considerando que a continuidade da produção e fornecimento de electricidade a partir do projecto de Cahora Bassa pode contribuir significativamente para a paz e prosperidade da região no seu todo e, bem assim, para o desenvolvimento económico e bem-estar das respectivas populações e dos respectivos países;
Desejando, consequentemente, celebrar um acordo tripartido que tome em conta as novas condições que se verificam na região;
acordam entre si o seguinte:
ARTIGO 1.º
Terminologia
No presente Acordo, salvo se tal se mostrar incompatível com o contexto:«Apollo» significa a estação de distribuição da Escom instalada na quinta Witkoppies n.º 105, distrito de Pretória.
«Projecto de Cahora Bassa» significa:
i) A barragem e as obras construídas no rio Zambeze, no local conhecido por Cahora Bassa, situado aproximadamente a 15º 35' sul e 32º 42' leste, no território de Moçambique;
ii) A central hidroeléctrica, na margem sul, e as instalações auxiliares construídas com a finalidade de gerar e fornecer electricidade nos termos do contrato de fornecimento;
iii) O sistema de transporte com a finalidade de transportar a electricidade gerada em Cahora Bassa para fornecimento à Escom, na estação de distribuição Apollo, com inclusão do equipamento auxiliar instalado para este efeito em Cahora Bassa e em Apollo.
«Data de produção dos efeitos» significa a data na qual, pela primeira vez e em conformidade com as disposições do contrato de fornecimento, a HCB fornecer a potência máxima contratual.
«Escom» significa Electricity Supply Commission, contemplada na Lei de Electricidade de 1958, da República da África do Sul.
«Força maior» significa:
i) Qualquer ocorrência da natureza de carácter incontrolável que, razoavelmente, não possa ser prevista e contra a qual não haja possibilidade de tomar medidas;
ii) Qualquer das seguintes ocorrências desencadeadas por acção do homem: guerra, invasão, bloqueio, acto hostil do exterior, guerra civil, rebelião, revolução, insurreição ou sabotagem;
iii) Greves ou outras paralisações de trabalho semelhantes levadas a cabo por trabalhadores e que não sejam consequência de actuação desrazoável de qualquer das Partes, da HCB ou da Escom;
iv) Qualquer outra causa fora do controle de qualquer das Partes, da HCB ou da Escom, no caso de as Partes concordarem em considerar tal causa como força maior.
«HCB» significa Hidroeléctrica de Cahora Bassa, S. A. R. L., sociedade anónima de responsabilidade limitada, constituída em 23 de Junho de 1975, em conformidade com as leis de Moçambique.
«Acordo anterior» significa o acordo celebrado em 19 de Setembro de 1969 entre o Governo de Portugal e o da República da África do Sul relativo ao projecto de Cahora Bassa.
«Contrato de fornecimento» significa o contrato celebrado entre a HCB e a Escom que regula o fornecimento de energia do projecto de Cahora Bassa à Escom e as matérias com ele relacionadas.
ARTIGO 2.º
Cessação de certas estipulações vigentes
1 - No que respeita ao Governo da República Portuguesa e ao Governo da República da África do Sul, as disposições deste Acordo terão como efeito, a partir da data da sua entrada em vigor, fazer cessar e substituir as disposições do acordo anterior, sem prejuízo, porém, do disposto no artigo 4.º do presente Acordo.
2 - No que respeita ao Governo da República Portuguesa e à Escom, as disposições do contrato de fornecimento terão como efeito, a partir da data da sua entrada em vigor, fazer cessar e substituir as disposições do contrato de fornecimento entre eles celebrado em 19 de Setembro de 1969.
ARTIGO 3.º
Contrato de fornecimento
1 - A HCB e a Escom celebrarão um contrato de fornecimento que regulará o fornecimento à Escom de energia a utilizar na República da África do Sul e na República Popular de Moçambique, e a entrada em vigor do mesmo será na data da do presente Acordo.2 - O contrato de fornecimento deverá ser interpretado em conjugação com as disposições do presente Acordo, mas a estas subordinado; em caso de divergência de interpretação do contrato de fornecimento, as disposições do presente Acordo prevalecerão.
3 - O Governo da República da África do Sul garante e assegurará o cumprimento por parte da Escom das disposições do contrato de fornecimento.
4 - Os Governos da República Portuguesa e da República Popular de Moçambique, conjuntamente, garantem e assegurarão o cumprimento por parte da HCB das disposições do contrato de fornecimento.
ARTIGO 4.º
Obrigações financeiras resultantes do acordo anterior
Nenhuma disposição do presente Acordo afectará os direitos e obrigações de natureza financeira que decorram para o Governo da República Portuguesa relacionados com a construção e exploração do projecto de Cahora Bassa nos termos do Acordo anterior.
ARTIGO 5.º
Concessão de créditos à exportação
O Governo da República da África do Sul compromete-se a negociar com os Governos da República Portuguesa e da República Popular de Moçambique as condições de concessão de créditos à exportação a favor da HCB com a finalidade de financiar reparações e, se necessário, melhoramentos no projecto de Cahora Bassa.
ARTIGO 6.º
Tratamento mais favorecido
Não será fornecida a qualquer consumidor fora de Moçambique energia produzida no projecto de Cahora Bassa a preço que, considerado o factor de carga, seja mais favorável do que aquele que a Escom tenha de pagar nos termos do contrato de fornecimento, salvo se as Partes acordarem de forma diferente.
ARTIGO 7.º
Derivação das linhas de transporte
Não haverá derivação de energia das duas linhas monopolares inicialmente construídas entre Cahora Bassa e Apollo, a não ser que as Partes acordem de forma diferente.
ARTIGO 8.º
Protecção das linhas de transporte
1 - Os Governos da República da África do Sul e da República Popular de Moçambique tomarão, conjuntamente, medidas imediatas para assegurar a protecção das linhas de transporte contra ataque ou qualquer outra forma de interferência e para salvaguardar o pessoal responsável pela manutenção e reparação das mesmas na execução das suas tarefas, ficando todos os respectivos custos a cargo dos dois referidos Governos, conforme acordado entre si.2 - Se as medidas tomadas para protecção das linhas de transporte não resultarem em protecção adequada destas no prazo de 90 dias contados da data da assinatura do presente Acordo, qualquer das Partes pode solicitar uma reunião das Partes com o fim de apreciar a situação, devendo tal reunião realizar-se sem demora injustificada.
ARTIGO 9.º
Liberdade de movimentação
O Governo da República da África do Sul e o Governo da República Popular de Moçambique facilitarão a entrada e a saída de quaisquer pessoas de e para os respectivos países por razões relacionadas com o projecto de Cahora Bassa.
Moeda, modo de pagamento e taxas de câmbio
1 - O quantitativo de quaisquer pagamentos a efectuar nos termos do presente Acordo ou do contrato de fornecimento será expresso em rands e as liquidações far-se-ão em contas designadas pelo beneficiário.
2 - Ao beneficiário cabe a faculdade de optar ser pago em rands ou em qualquer outra moeda, conforme for acordado com o pagador, e, caso o beneficiário opte por ser pago nessa outra moeda, o quantitativo a pagar, depois de fixado em rands, será convertido nessa outra moeda à taxa de câmbio indicada pelo South African Reserve Bank ao Governo da República da África do Sul na data do pagamento; fica entendido que o beneficiário deverá comunicar ao pagador, com, pelo menos, 3 dias úteis de antecedência, a moeda que deseja receber.
3 - Se, nos termos do presente Acordo ou do contrato de fornecimento, houver necessidade de, simultaneamente, fazer pagamentos a mais de um beneficiário, estes poderão proceder às respectivas compensações, se assim acordarem.
ARTIGO 11.º
Percentagem do prémio a pagar a Moçambique
O Governo da República Popular de Moçambique terá o direito de receber da HCB 28,57% do prémio referido na cláusula 11, parágrafo 2), do contrato de fornecimento, a título de contribuição para os custos suportados por este Governo.
ARTIGO 12.º
Força maior
No caso de ocorrência de força maior relacionada com o presente Acordo ou com o contrato de fornecimento, qualquer Parte pode solicitar uma reunião das Partes, a qual se realizará sem demora injustificada, com vista a apreciar a situação e a acordar as medidas a tomar.
ARTIGO 13.º
Troca de informação
Durante a vigência do presente Acordo as Partes trocarão informações e opiniões e consultar-se-ão reciprocamente sobre todos os assuntos relacionados com a exploração, manutenção e ulterior melhoramento do projecto de Cahora Bassa.
ARTIGO 14.º
Comissão mista permanente
1 - As Partes estabelecerão uma comissão mista permanente, que as habilitará com pareceres e recomendações sobre qualquer aspecto operacional, de manutenção ou económico do projecto de Cahora Bassa.2 - Cada uma das Partes designará um número igual de membros para a comissão, que reunirá periodicamente e funcionará em conformidade com regras que estabeleça e que tenham a aprovação das Partes.
ARTIGO 15.º
Revisão da tarifa e do prémio
1 - A comissão mista permanente, se assim lhe for solicitado por qualquer das Partes, reunirá especialmente com a finalidade de rever e formular recomendações respeitantes ao valor de qualquer tarifa ou prémio devidos nos termos do contrato de fornecimento, tomando em consideração todos os factores relevantes e, em especial:a) Qualquer aumento substancial dos custos efectivos de exploração ou manutenção do projecto de Cahora Bassa que ocorra em consequência de circunstâncias fora do controle de qualquer das Partes, da Escom ou da HCB;
ou b) Qualquer redução substancial dos referidos custos.
Fica entendido que, no caso de qualquer aumento ou redução no valor da tarifa ou do prémio, se manterá constante o ratio entre um e outro, salvaguardando-se, porém, que, em nenhum momento, o prémio seja inferior ao previsto na cláusula 11, parágrafo 2), do contrato de fornecimento à data da assinatura deste; fica ainda entendido que qualquer novo prémio ou tarifa que venha a ser acordado entre as Partes não entrará em vigor antes de decorrido 1 ano sobre a data de produção dos efeitos do presente Acordo e que qualquer novo prémio ou tarifa subsequente que venha a ser acordado não entrará em vigor com intervalos inferiores a 1 ano.
2 - Em qualquer das suas referidas reuniões especiais, a comissão tomará também em linha de conta qualquer flutuação do valor do rand, na medida em que a mesma possa afectar a viabilidade do projecto de Cahora Bassa.
3 - Se qualquer recomendação formulada nos termos do parágrafo 1 envolver aumento da tarifa ou do prémio a pagar pela Escom, a rentabilidade do projecto de Cahora Bassa será um dos factores que as Partes tomarão em consideração ao apreciarem a recomendação.
4 - Ao apreciarem qualquer recomendação nos termos do n.º 1, as Partes deverão tomar uma decisão dentro de 45 dias a partir da data em que a recomendação lhes seja presente.
ARTIGO 16.º
Reuniões especiais das Partes
Se, em qualquer altura, uma das Partes solicitar uma reunião das Partes por qualquer razão relacionada com o projecto de Cahora Bassa e, em especial, com a viabilidade económica deste e se, pelo menos, outra das Partes concordar com a realização dessa reunião, as Partes reunirão dentro de 45 dias a contar da data do pedido.
ARTIGO 17.º
Duração e tempo do Acordo
1 - O presente Acordo entrará em vigor na data da sua assinatura e manter-se-á em vigor até ao termo do contrato de fornecimento, mas, conforme o disposto no n.º 2, só se tornará eficaz na data de produção dos efeitos.2 - As disposições do artigo 8.º serão eficazes a partir da data da entrada em vigor do presente Acordo.
3 - O presente Acordo, após o seu termo, poderá ser renovado pelas Partes com as alterações que entre si acordarem.
Em fé do que os abaixo assinados, encontrando-se devidamente autorizados para o efeito, em nome dos respectivos Governos, assinaram e selaram 3 exemplares do presente Acordo, feito nas línguas portuguesa e inglesa, sendo cada uma das versões igualmente autêntica.
Assim feito e assinado na cidade do Cabo, neste dia 2 de Maio de 1984.
Pelo Governo da República Portuguesa:
Jaime José Matos da Gama, Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Pelo Governo da África do Sul:
Roelof Frederic Botha, Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Pelo Governo da República Popular de Moçambique:
Mário da Graça Machungo, Ministro do Plano.
(Ver texto em língua inglesa no documento original)