Resolução do Conselho de Ministros n.º 96/2000
É hoje inquestionável que a identidade cultural dos povos, a par de bens corpóreos que testemunham o respectivo percurso civilizacional, integra ainda um vasto património intangível que, ao longo do tempo, vai revelando a sua particular visão da realidade.
Entre estes modos de expressão cultural, muitas vezes sem suporte físico e mais vulneráveis do ponto de vista da respectiva preservação, mas contudo relevantes pelo contributo para a caracterização de certos aspectos de uma nação ou das partes que a compõem, figuram, entre outras, as artes culinárias.
Entendida como o fruto de saberes tradicionais que atestam a própria evolução histórica e social do povo português, a gastronomia nacional integra pois o património intangível que cumpre salvaguardar e promover. O reconhecimento de um tal valor às artes culinárias cria responsabilidades acrescidas no que respeita à defesa da sua autenticidade, bem como à sua valorização e divulgação, tanto no plano interno quanto internacionalmente.
Neste sentido, tem vindo a ser desenvolvido há já alguns anos um conjunto de acções visando inventariar, valorizar, promover e salvaguardar o receituário português, com o objectivo primeiro de garantir o seu carácter genuíno e, bem assim, de promover o seu conhecimento e fruição, por forma, ainda, a que se transmita às gerações vindouras.
Entre este conjunto de acções contam-se centenas de eventos promovidos anualmente no País, por iniciativa das mais diversas entidades, frequentemente integrados em importantes celebrações, que constituem sempre verdadeiro pólo de atracção para turistas, nacionais e estrangeiros.
De resto, tem sido a reconhecida componente de atracção turística da gastronomia nacional e o esforço de todos no sentido da preservação da sua autenticidade que têm proporcionado o desenvolvimento contínuo do sector da restauração, de crucial importância económica global em Portugal, e com especiais efeitos no desenvolvimento do sector agrícola, designadamente no que se refere à exigência de produtos de superior qualidade.
Nas acções assim levadas a cabo no plano institucional, divulgando os valores tradicionais do receituário português, bem como os produtos agrícolas que nele se incorporam, tem sido privilegiada a diversidade regional enquanto factor decisivo de enriquecimento da gastronomia.
Esta dimensão de cariz eminentemente económico vem assim acrescer à valia sócio-cultural que a gastronomia portuguesa representa.
Crê-se, todavia, que este conjunto de acções já empreendidas devem passar a desenvolver-se de modo mais sistemático e consistente, presidindo-lhes um adequado enquadramento legal que clarifique o seu fundamento e objectivos e institua meios próprios de preservação e divulgação deste modo específico de expressão cultural, valorizando ainda o potencial económico que representa.
O reconhecimento dessa importância traduzir-se-á na implementação, junto dos estabelecimentos de restauração e de bebidas, de um programa de formação profissional, premissa imprescindível para a concretização dos objectivos pretendidos com o presente diploma.
Foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, a Associação Nacional de Municípios Portugueses e as associações patronais do sector.
Assim:
Nos termos da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve:
1 - Intensificar as medidas de preservação, valorização e divulgação da gastronomia nacional enquanto valor integrante do património cultural português.
2 - Para efeitos do número anterior, entende-se por gastronomia nacional o receituário tradicional português, assente, designadamente, em matérias-primas de fauna e flora utilizadas ao nível nacional, regional ou local, bem como em produtos agro-alimentares produzidos em Portugal, e que, pelas suas características próprias, revele interesse do ponto de vista, histórico, etnográfico, social ou técnico, evidenciando valores de memória, antiguidade, autenticidade, singularidade ou exemplaridade.
3 - As medidas referidas no n.º 1 compreendem, nomeadamente:
a) O levantamento do receituário tradicional português, em toda a sua diversidade, evidenciando-se os aspectos que o singularizam;
b) A criação de uma base de dados de receitas e produtos tradicionais portugueses;
c) A identificação dos requisitos que permitam a certificação de receitas e produtos tradicionais portugueses;
d) A criação de condições que permitam a inventariação dos estabelecimentos de restauração e de bebidas existentes no País que incluam nas suas ementas receitas da cozinha tradicional portuguesa;
e) A promoção interna e externa da gastronomia nacional, designadamente com o objectivo de fomentar a procura turística;
f) A criação de concursos locais, regionais e nacionais de gastronomia;
g) A promoção de novas receitas confeccionadas com produtos genuinamente portugueses;
h) A contribuição para a melhoria da oferta turística nacional, sensibilizando os diferentes agentes do sector para a necessidade de remodelarem os seus estabelecimentos, tanto no que respeita às instalações como à qualidade do serviço prestado.
4 - Para concretizar os objectivos previstos no número anterior, é criado um grupo de trabalho, com a seguinte composição:
a) Um representante da Direcção-Geral do Turismo, que presidirá;
b) Um representante do Instituto de Financiamento e Apoio ao Turismo;
c) Um representante do Instituto Nacional de Formação Turística;
d) Um representante do Instituto do Emprego e Formação Profissional;
e) Um representante do ICEP - Investimentos, Comércio e Turismo de Portugal;
f) Um representante da ENATUR - Empresa Nacional de Turismo, S. A.;
g) Um representante do Ministério da Cultura, o qual será nomeado por despacho do Ministro da Cultura;
h) Um representante da Direcção-Geral do Desenvolvimento Rural;
i) Um representante do Instituto da Vinha e do Vinho;
j) Um representante da Região Autónoma dos Açores, a indicar pelo respectivo Governo Regional;
k) Um representante da Região Autónoma da Madeira, a indicar pelo respectivo Governo Regional;
l) Um representante da Associação Nacional dos Municípios Portugueses;
m) Um representante da Confederação do Turismo Português;
n) Um representante da FERECA - Federação de Restauração, Cafés, Pastelarias e Similares de Portugal;
o) Um representante da Associação Nacional das Regiões de Turismo;
p) Um representante do Centro de Formação Profissional do Sector Alimentar.
5 - Para além dos representantes previstos no número anterior, poderão ainda integrar o grupo de trabalho outras entidades ou pessoas com reconhecidos conhecimentos gastronómicos, nomeados para o efeito por despacho conjunto dos Ministros da Economia, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e da Cultura.
6 - O grupo de trabalho previsto no n.º 4 da presente resolução deve:
a) Apresentar aos Ministros da Economia, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e da Cultura, no prazo máximo de 120 dias úteis após a entrada em vigor do presente diploma, uma proposta de diploma que crie a entidade que será responsável pelo levantamento do nosso património gastronómico;
b) Apresentar aos Ministros da Economia, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e da Cultura, no prazo máximo de 120 dias úteis após a entrada em vigor do presente diploma, uma proposta de diploma que estabeleça a forma de criação e gestão de uma base de dados do receituário e dos produtos tradicionais portugueses, sob a égide da Direcção-Geral do Turismo;
c) Apresentar aos Ministros da Economia, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e da Cultura, no prazo máximo de 120 dias úteis após a entrada em vigor do presente diploma, um programa específico para a promoção interna e externa da gastronomia nacional;
d) Apresentar aos Ministros da Economia, da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e da Cultura, no prazo máximo de 120 dias úteis após a entrada em vigor do presente diploma, uma proposta de diploma que regulamente os concursos locais, regionais e nacionais de gastronomia portuguesa.
7 - A presente resolução entra em vigor no dia imediatamente a seguir ao da sua publicação.
Presidência do Conselho de Ministros, 7 de Julho de 2000. - O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.