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Assento DD51, de 27 de Março

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Sumário

De acordo com o nº 2 do artigo 390º do Código de Processo Penal (aprovado pelo Dec Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro), no despacho a designar dia para julgamento por crime a que corresponda pena de prisão até um ano deve o juiz determinar que o arguido fique à disposição do tribunal.

Texto do documento

Assento
Autos do tribunal pleno pendentes na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, registados sob o n.º 37778 (processo 11358-A do Tribunal da Relação de Coimbra), em que são recorrente o Ministério Público e recorridos Manuel da Silva Tavares e outra.

Assento
Acordam, em sessão plenária, no Supremo Tribunal de Justiça:
O Exmo. Procurador da República junto da Relação de Coimbra recorreu extraordinariamente para este Supremo Tribunal do Acórdão daquela Relação de 21 de Novembro de 1984, a fim de, em tribunal pleno, se fixar jurisprudência, porquanto, segundo alega, existe oposição entre o dito acórdão e o da mesma Relação de 5 de Julho do mesmo ano, sendo que decidiram contraditoriamente, no domínio da mesma legislação, a mesma questão de direito - a questão de saber se, no despacho em que, nos termos do artigo 390.º do Código de Processo Penal (CPP), designa dia para julgamento por crime a que corresponde prisão até um ano, o juiz deve fixar as medidas de liberdade provisória que ao caso caibam.

Por acórdão proferido a fl. 19 decidiu-se que, de facto, existe a invocada oposição de acórdãos.

O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto em exercício na Secção Criminal deste Supremo Tribunal alegou atempadamente.

Na sua douta alegação o ilustre magistrado perfilha a doutrina do acórdão recorrido e, consequentemente, propõe que seja formulado o seguinte assento:

De acordo com o n.º 2 do artigo 390.º do CPP, designado dia para julgamento do arguido por crime a que corresponda pena de prisão até um ano, deve o juiz ordenar, desde logo, as medidas preventivas que a lei determinar para o caso, sendo a primeira e mais simples a de liberdade provisória sem caução, preenchida com a obrigação, para o acusado, de permanecer à disposição do tribunal após a adequada notificação, com a cominação de que a injustificada não comparência enformará o crime do artigo 285.º-A do mesmo diploma.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
1 - Por acórdão proferido a fl. 19, a Secção Criminal deste Supremo Tribunal decidiu que existe oposição entre os Acórdãos da Relação de Coimbra de 5 de Julho de 1984 e 21 de Novembro do mesmo ano.

Como se sabe, a decisão da Secção sobre a questão preliminar não vincula o tribunal pleno (artigo 766.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

Porém, no caso sub judice, tal decisão merece acatamento, uma vez que, sem dúvida alguma, se verifica a alegada oposição de acórdãos.

Com efeito, o Acórdão de 5 de Julho de 1984 decidiu que «o despacho a designar dia para julgamento dos arguidos simultaneamente os submete à [...] medida cautelar mais simples», mas de forma implícita, enquanto o acórdão recorrido julgou que, no despacho a designar dia para julgamento, o juiz deve ordenar as medidas preventivas que ao caso couberem, «sendo a primeira e mais simples a de liberdade provisória, ou seja, a advertência de que, a partir daquele momento, fica à disposição do tribunal».

Daí que passemos de imediato ao conhecimento do mérito.
2 - Dispõe o artigo 269.º do CPP:
Os arguidos devem permanecer à disposição do tribunal após o despacho de pronúncia ou o que designar dia para julgamento, podendo o juiz impor-lhes as seguintes obrigações:

1.º Declarar a sua residência;
2.º Comparecer em juízo, quando a lei o exija ou quando sejam devidamente notificados por ordem do juiz competente;

3.º Não cometer novas infracções nem estorvar a acção da justiça.
Por sua vez, o artigo 271.º do mesmo Código estabelece que «ficam em liberdade provisória mediante caução os arguidos por crime a que corresponda pena de prisão por mais de um ano».

Daqui se conclui necessariamente que, tratando-se de crime a que que corresponda pena de prisão até um ano, o arguido fica em liberdade provisória sem caução após o despacho a designar dia para julgamento.

3 - A liberdade provisória pressupõe, antes de mais, a obrigação de permanecer à disposição do tribunal (artigo 269.º).

Trata-se de uma medida restritiva da liberdade do arguido, medida consagrada constitucionalmente.

Com efeito, a alínea e) do n.º 3 do artigo 27.º da Constituição, ao autorizar a mera detenção «para assegurar a comparência perante a autoridade judicial competente», implicitamente admite a privação parcial da liberdade em que se traduz o dever de comparência.

Mais: as medidas de liberdade provisórias estão expressamente autorizadas no artigo 28.º, n.º 2, da Constituição.

Resta saber se, designado dia para julgamento por crime a que corresponda pena de prisão até um ano, o arguido fica automaticamente sujeito à obrigação de permanecer à disposição do tribunal, ou se, pelo contrário, o juiz tem de ordenar a medida de liberdade provisória em questão.

4 - Sustenta-se no Acórdão de 5 de Julho de 1984 que «a designação de dia para julgamento significa simultaneamente que ao arguido se aplicou a mais simples das medidas cautelares entre as previstas no processo penal».

Se os arguidos - diz-se aí - devem permanecer à disposição do tribunal após o despacho que designar dia para julgamento, «isto razoavelmente tende a significar que o acto judicial nuclear (concordar com a base indiciária e a qualificação sugerida pelo Ministério Público - designar dia para julgamento, mandar notificar esse despacho ao arguido) desde logo transporta, em casos como o vertente (pena de prisão até um ano), a obrigação de o Tavares da Silva e a Maria Pinho permanecerem à disposição do Tribunal de Albergaria-a-Velha».

Será aceitável este entendimento?
Cremos que não. O artigo 269.º do CPP diz, realmente, que «os arguidos devem permanecer à disposição do tribunal após o despacho de pronúncia ou o que designar dia para julgamento», mas daí não se segue que o juiz esteja dispensado de decretar essa medida.

5 - Preceitua o artigo 390.º, n.º 2, do CPP:
Quando os resultados do inquérito preliminar ou da instrução permitam concluir que a responsabilidade do arguido por um crime se mostra suficientemente indiciada, designar-se-á dia para julgamento, ordenando-se desde logo as medidas preventivas que a lei determinar para o caso.

Ora, tratando-se de crime a que corresponda pena de prisão até um ano, o juiz decretará a medida de liberdade provisória, podendo impor ao arguido alguma ou algumas das obrigações previstas nos artigos 269.º e 270.º do mencionado Código.

6 - Há quem entenda que «a expressão 'medidas preventivas' tem um conteúdo e objectivo precisos, que se não confundem com os do instituto da liberdade provisória: ali há um somatório de medidas que visam a defesa da liberdade individual e aqui existe um conjunto de obrigações que levam à restrição da liberdade individual» (Carlos Codeço, Dos Inquéritos Preliminares, p. 41).

Esta opinião é indefensável.
De facto, existem «medidas preventivas, destinadas, já não a restituir à situação de liberdade os detidos ilegalmente (como o habeas corpus), mas a evitar a própria prisão» (Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, 2.º vol., p. 464).

Uma dessas medidas é o direito de resistência, reconhecido constitucionalmente (artigo 21.º da Constituição).

Mas, como é óbvio, o artigo 390.º não se refere a tais medidas.
Numa fase processual em que «a responsabilidade do arguido se mostra suficientemente indiciada», o legislador só podia ter em vista as medidas preventivas ou (mais ou menos) restritivas da liberdade individual.

7 - Nem se diga que o decretamento da liberdade provisória só é obrigatório quando o juiz decida impor ao arguido qualquer das obrigações dos artigos 269.º e 270.º do CPP.

A lei não faz distinções: com tais obrigações ou sem elas, o juiz terá sempre de colocar o arguido em situação de liberdade provisória, se for esse o caso, impondo-lhe, assim, a obrigação de permanecer à disposição do tribunal. [Note-se, todavia, que, como bem observa o acórdão recorrido, só excepcionalmente o juiz deverá deixar de impor a obrigação de o arguido declarar a sua residência (termo de identidade ou residência).]

8 - Nem se compreenderia que assim não fosse.
Perante o incumprimento da obrigação de comparecer em juízo, pode o juiz lançar mão de medidas coactivas.

Como vimos, a própria Constituição autoriza a detenção do arguido «para assegurar a comparência perante a autoridade judicial competente» [alínea e) do n.º 3 do artigo 27.º].

É, pois, natural que a medida de liberdade provisória - mesmo na sua forma mais simples - tenha de ser decretada no despacho que designa dia para julgamento.

9 - Por outro lado, se o arguido em liberdade provisória, com ou sem caução, deixar de comparecer em juízo quando devidamente notificado, comete o crime do artigo 285.º-A do CPP, sendo elemento típico deste crime o facto de o agente se encontrar em liberdade provisória.

O que acentua a necessidade de o juiz ordenar a medida de liberdade provisória - mesmo na sua forma mais simples, isto é, sem imposição de qualquer das obrigações dos artigos 269.º e 270.º

10 - Em conclusão: pelo simples facto de se proferir despacho a designar dia para julgamento, o arguido não fica automaticamente obrigado a permanecer à disposição do tribunal: esta obrigação tem de lhe ser imposta pelo juiz, mediante o decretamento da medida de liberdade provisória.

11 - Nestes termos, formula-se o assento seguinte:
De acordo com o n.º 2 do artigo 390.º do CPP, no despacho a designar dia para julgamento por crime a que corresponda pena de prisão até um ano deve o juiz determinar que o arguido fique à disposição do tribunal.

Não é devido imposto de justiça.
Lisboa, 25 de Fevereiro de 1987. - Orlando de Paiva Vasconcelos de Carvalho - Silvino Alberto Villa-Nova - Pedro Augusto Lisboa de Lima Cluny - António Júdice de Magalhães Barros Baião - António Carlos Vidal de Almeida Ribeiro - Licínio Adalberto Vieira de Castro Caseiro - Américo Goes Pinheiro - Aurélio Pires Fernandes Vieira - Frederico Carvalho de Almeida Baptista - Júlio Carlos Gomes dos Santos - José Alfredo Soares Manso Preto - Fernando Pinto Gomes - Manuel Augusto Gama Prazeres - Cláudio César Veiga da Gama Vieira - João Alcides de Almeida - Manuel Alves Peixoto - João de Deus Pinheiro Farinha - José Fernando Quesada Pastor - Joaquim Augusto Roseira de Figueiredo - José Manuel Meneres Sampaio Pimentel - Joaquim José Rodrigues Gonçalves - Cesário Dias Alves - Mário Sereno Cura Mariano - Tinoco de Almeida (com a seguinte declaração: achei preferível, por mais esclarecedora, a seguinte redacção: «De acordo com o n.º 2 do artigo 390.º do CPP - como é óbvio, ainda vigente -, no despacho a designar dia para o julgamento por crime a que corresponda pena de prisão até um ano deve o juiz determinar que o arguido fique em liberdade provisória, com expressa menção de qual, ou quais, das obrigações por ele a cumprir, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 269.º do Código referido») - António Pereira de Miranda (vencido por entender que o despacho de recebimento de acusação e designativo do julgamento implica ficar o arguido à disposição do tribunal e em liberdade provisória na modalidade mais simples) - António de Almeida Simões (vencido. Votei que se firmasse assento de harmonia com o Acórdão de 5 de Julho de 1984, pois continuo a entender que uma das obrigações do arguido, por crime punível com prisão até um ano, é a de permanecer à disposição do tribunal pelo simples facto de lhe ser notificado o despacho a designar dia para o julgamento).

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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