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Assento DD49, de 1 de Março

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Sumário

A sentença estrangeira não revista nem confirmada pode ser invocada em processo pendente em tribunal português como simples meio de prova, cujo valor é livremente apreciado pelo julgador.

Texto do documento

Assento
Acordam, em sessão plenária, no Supremo Tribunal de Justiça:
O agente do Ministério Público e João Cláudio Ribeiro recorrem para o tribunal pleno do Acórdão de 10 de Janeiro de 1984, proferido no recurso de agravo n.º 71153 da 1.ª Secção, com fundamento na existência de oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação, entre a decisão ali tomada e a do Acórdão de 3 de Outubro de 1967, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 170, a p. 232, este transitado em julgado.

Admitido o recurso, foi decidido pela secção respectiva que ele prosseguisse os seus termos, por se verificar a oposição a que se refere o artigo 763.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Proposta acção de investigação de paternidade pelo agora recorrente João Cláudio contra os sucessores de seu pretenso pai, foram os réus, logo no despacho saneador, absolvidos da instância, por se julgar procedente a excepção de o autor haver nascido na constância do casamento de sua mãe, decisão esta que foi confirmada pelo acórdão agora recorrido com base num duplo fundamento, por um lado, porque o investigante, nos termos dos artigos 1796.º, n.º 2, 1826.º, 1835.º e 1847.º do Código Civil, é considerado filho do marido de sua mãe, a título de presunção não ilidida, não sendo de admitir o reconhecimento enquanto o registo do seu nascimento não for rectificado, declarado nulo ou cancelado, como se estabelece no artigo 1848.º, n.º 1, do mesmo Código, por outro, porque o invocado divórcio entre sua mãe e o marido, decretado por sentença estrangeira não revista nem confirmada, não pode produzir efeitos no nosso país, sejam eles quais forem, já que, por força do disposto no artigo 1094.º do Código de Processo Civil, só depois da revisão e confirmação se poderá dizer que sua mãe e marido estão divorciados e que o dever de coabitação foi interrompido na data dela constante.

Pelo contrário, e com referência a este segundo fundamento, decide-se no já citado Acórdão de 3 de Outubro de 1967 que não depende de revisão e confirmação prévia a invocação de sentença estrangeira perante tribunal português como simples meio de prova. Foi o caso de pessoa condenada no pagamento de indemnização por tribunal de país estrangeiro e por acidente de viação ocorrido nesse país que em acção proposta em Portugal contra a sua seguradora, segundo contrato com ela celebrado, para obter o ressarcimento do que fora obrigada a pagar, invocara a sentença estrangeira como simples meio de prova do acidente e da condenação.

Não se pondo agora em questão a oposição entre os dois citados acórdãos, os recorrentes concluem as suas alegações dizendo que a sentença estrangeira que decretou o divórcio entre a mãe do investigante e seu marido pode ser invocada na já referida acção de investigação como meio de prova do facto relativo à cessação da coabitação daqueles cônjuges na data aí referida, para o efeito de fazer cessar a presunção de paternidade a que alude o artigo 1829.º do Código Civil, e que, consequentemente, deve ser revogado o acórdão recorrido.

O representante do Ministério Público neste Tribunal emite parecer no sentido de que deve revogar-se a decisão recorrida e solucionar-se o conflito de jurisprudência, lavrando-se assento nos seguintes termos:

A cessação de coabitação constante de sentença estrangeira não revista nem confirmada pode ser considerada pelos tribunais portugueses para o efeito de, nos termos do artigo 1829.º do Código Civil, fazer cessar a presunção de paternidade.

Tudo visto, e por haver oposição de acórdãos:
1 - Em acção de investigação de paternidade proposta pelo agora recorrente João Cláudio contra os sucessores de seu pretenso pai - para tanto invocando como simples meio de prova da cessação da coabitação entre sua mãe e o marido e consequente cessação da presunção de paternidade deste a sentença estrangeira que decretou o divórcio entre ambos e fixou a data em que essa coabitação foi interrompida - foi recusado no tribunal da 1.ª instância, decisão esta confirmada pelo acórdão agora recorrido, o pedido de reconhecimento de paternidade, por não se mostrar revista nem confirmada essa sentença estrangeira, que, por tal motivo, como aí se diz, não pode produzir efeitos no nosso país, sejam eles quais forem.

A tese assim sustentada no acórdão recorrido não tem acolhimento no nosso ordenamento jurídico.

Embora no artigo 1094.º, n.º 1, do Código de Processo Civil se estabeleça que nenhuma decisão sobre direitos privados proferida por tribunal estrangeiro ou por árbitros no estrangeiro tem eficácia em Portugal sem estar revista e confirmada, logo no seu n.º 2 se afirma que essa decisão pode ser invocada, independentemente de revisão, em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa.

Portanto, se a sentença estrangeira, antes de confirmada, não opera na ordem jurídica portuguesa os efeitos que lhe correspondem como acto jurisdicional, tanto o efeito executivo como o de caso julgado, produz, contudo, independentemente de revisão e confirmação, certos efeitos laterais, entre eles o efeito probatório.

Sendo a sentença um documento autêntico, está consignado no artigo 365.º do Código Civil que os documentos autênticos passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova, como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal, sendo, em princípio, dispensada a legalização (artigo 60.º do Código do Notariado).

Daqui resulta que a sentença estrangeira faz prova plena dos factos que o artigo 371.º do Código Civil, por aplicação da lex fori, atribui aos documentos autênticos, isto é, dos factos que refere como praticados pelo juiz, assim como daqueles que nela forem atestados com base nas suas percepções pessoais.

Para além desta prova plena, a sentença estrangeira tem ainda o efeito probatório dos factos que nela se constatam, podendo ser invocada em processo pendente em tribunal português como simples meio de prova desses factos, ainda que essa prova possa ser contrariada pela parte contrária, e cujo valor probatório será livremente apreciado pelo julgador.

Assim, no caso concreto, se outras razões não existissem a excluir essa possibilidade, a sentença estrangeira que decretou o divórcio da mãe do recorrente poderia ser invocada como meio probatório do facto da cessação de coabitação dos cônjuges na data dela constante, para o efeito da cessação da presunção de paternidade a que se refere o artigo 1829.º do Código Civil.

2 - Sucede, porém, que na decisão recorrida em outro fundamento, para além do já analisado, se apoia a não admissão do pedido de reconhecimento de paternidade formulado pelo recorrente.

Não se mostrando revista nem confirmada a sentença estrangeira que decretou o divórcio da mãe do recorrente, continua ela, perante a lei portuguesa, casada com o já citado marido, tendo aquele recorrente nascido na constância desse matrimónio.

Face à presunção de paternidade estabelecida nos artigos 1796.º, n.º 1, e 1826.º, n.º 1, do Código Civil, essa paternidade terá de constar obrigatoriamente do registo de nascimento do filho, não sendo admitidas menções que a contrariem (artigo 1835.º, n.º 1), sendo irrelevante que, por qualquer motivo, no registo de nascimento do recorrente, lavrado em França, este não figure como filho do marido da mãe. Por isso se estabelece no artigo 1848.º, n.º 1, do Código Civil que não é admitido o reconhecimento da paternidade em contrário da filiação que conste do registo de nascimento enquanto este não for rectificado, declarado nulo ou cancelado.

Se no registo de nascimento o recorrente não figura como filho do marido da mãe, essa paternidade teria de ser mencionada oficiosamente, segundo a lei portuguesa, caso o registo fosse lavrado em Portugal (artigo 1835.º, n.º 2, do Código Civil).

Do referido se conclui que o facto da cessação de coabitação dos cônjuges na data indicada na sentença estrangeira só pode ser invocado na respectiva acção de impugnação de paternidade onde figurem as partes que, segundo a lei, para tal tenham legitimidade.

Como se diz na decisão impugnada, o recorrente tem de previamente ilidir em acção própria de impugnação a presunção de paternidade, nos termos dos artigos 1838.º e seguintes do Código Civil.

Sendo assim, a solução do alegado conflito de jurisprudência não se projecta na injunção da decisão recorrida, isto é, na decisão final de absolvição dos réus da instância.

Assim, como se diz no artigo 768.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, face ao existente conflito de jurisprudência, há que absolvê-lo, ainda que a sua resolução não tenha utilidade para o caso concreto em litígio.

3 - Pelo exposto, negando-se provimento ao recurso e confirmando-se a decisão recorrida, formula-se o seguinte assento:

A sentença estrangeira não revista nem confirmada pode ser invocada em processo pendente em tribunal português como simples meio de prova, cujo valor é livremente apreciado pelo julgador.

Custas pelo recorente João Cláudio Ribeiro.
Lisboa, 16 de Dezembro de 1988. - Eliseu Figueira - Barbosa de Almeida - Mendes Pinto - Vasco Tinoco - Mário Afonso - Castro Mendes - Baltazar Coelho - Pinto Ferreira - Barros de Sequeiros - Jorge Vasconcelos - Almeida Ribeiro - Tinoco de Almeida - Júlio Santos - Gama Prazeres - Almeida Simões - Alcides de Almeida - José Saraiva - Solano Viana - José Calejo - Abel Delgado - Ferreira da Silva (vencido quanto à oposição de acórdãos, votei o assento) - Joaquim Gonçalves (vencido. Entendi não haver oposição de acórdãos) - Manso Preto (com a declaração, quanto à utilidade do assento, de que ele se limita a reproduzir a lei) - Meneres Pimentel (concordo com a doutrina do assento, mas entendo que devia ser revogado o acórdão recorrido, pois é possível continuar com a acção de investigação de paternidade, uma vez que do registo de nascimento consta ser o investigante filho de pai desconhecido; portanto, nesta parte, fiquei vencido) - Soares Tomé (votei nos termos do voto do Exmo. Sr. Conselheiro Dr. Meneres Pimentel) - Cura Mariano (vencido, conforme declaração de voto do Exmo. Conselheiro Meneres Pimentel) - Fernandes Fugas (vencido na questão preliminar, por entender que não existe oposição de acórdãos) - Pinheiro Farinha (com a concordância às declarações de voto dos Exmos. Conselheiros Manso Preto e Meneres Pimentel) - Lima Cluny (vencido, pelas razões expostas na declaração de voto junta em separado) - Villa Nova (vencido, por entender não haver oposição dos acórdãos, de harmonia com o voto do Exmo. Conselheiro Lima Cluny) - José Domingos (vencido quanto à questão preliminar, por entender que não há oposição de acórdãos).


Declaração de voto
1 - Primeiramente, oferece-se-me dizer que entendo não haver oposição entre o acórdão recorrido (de 10 de Janeiro de 1984) e o acórdão-fundamento (de 3 de Outubro de 1967), na medida em que são inteiramente diferentes as situações neles consideradas.

Assim, enquanto no acórdão-fundamento se considerou a situação decorrente de um acidente de viação apreciado por sentença estrangeira que serviria de simples meio de prova em acção pendente em tribunal nacional, a situação versada no acórdão recorrido, a não vingar a respectiva decisão, implicaria que a sentença estrangeira não confirmada, servindo como meio de prova, pode ter a força de ilidir a presunção legal decorrente do artigo 1826.º do Código Civil.

2 - Em segundo lugar, e no que respeita à questão de fundo, perfilho a tese do acórdão recorrido.

Efectivamente, dispõe o n.º 1 do artigo 1826.º citado que se presume filho do marido da mãe o filho nascido na constância do matrimónio.

E acrescenta o n.º 2 que o momento de dissolução do casamento é o do trânsito em julgado da respectiva sentença.

Isso significa que, para efeito de ser ilidida a presunção, a constância do matrimónio só cessa a partir do trânsito da sentença de divórcio ou anulação.

Assim, quando no n.º 2 do artigo 1829.º, alínea b), se veio dizer que se considera finda a coabitação na data da citação para a acção de divórcio ou separação, ou na data que a sentença fixar como a da cessação da coabitação ..., não se quis significar que a data da citação pudesse funcionar independentemente do decretamento do divórcio, ou separação, para decisão transitada.

Tal decretamento é pressuposto da cessação da presunção, nos termos do artigo 1829.º

E o mesmo se verifica relativamente à data da cessação da coabitação porventura indicada na sentença.

E, sendo o decretamento pressuposto da fixação da data da cessação de coabitação, é manifesto que esse decretamento só é válido quando a respectiva sentença transitou em julgado.

Tratando-se de sentença estrangeira, é óbvio que, embora transitada, ela só pode produzir efeitos em Portugal - designadamente para fazer cessar a presunção de paternidade - depois de confirmada.

Lisboa, 16 de Dezembro de 1988. - Lima Cluny.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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