Resolução da Assembleia da República n.º 9/2000
Aprova o Tratado entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para a Repressão do Tráfico Ilícito de Droga no Mar, assinado em Lisboa em 2 de Março de 1998.
A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea i) do artigo 161.º e do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, aprovar o Tratado entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para a Repressão do Tráfico Ilícito de Droga no Mar, assinado em Lisboa em 2 de Março de 1998, cujas versões autênticas nas línguas portuguesa e espanhola seguem em anexo à presente resolução.
Aprovada em 18 de Novembro de 1999.
O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.
TRATADO ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA E O REINO DE ESPANHA PARA A REPRESSÃO DO TRÁFICO ILÍCITO DE DROGA NO MAR.
A República Portuguesa e o Reino de Espanha:
Animados pela determinação comum de lutar contra o tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas;
Conscientes de que uma das vias de distribuição dessas substâncias é o tráfico ilícito por mar;
Desejando reprimir tal tráfico, no respeito pelo princípio da liberdade de navegação;
Tendo presente a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, feita em Viena em 20 de Dezembro de 1988 (a seguir designada por «a Convenção»), e o Acordo do Conselho da Europa Relativo ao Tráfico Ilícito por Mar, em aplicação do artigo 17.º da Convenção das Nações Unidas, feito em Estrasburgo em 31 de Janeiro de 1995 (a seguir designado por «o Acordo»), bem como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 10 de Dezembro de 1982;
decidiram concluir um acordo bilateral em conformidade com o artigo 17.º, n.º 9, da Convenção e, para esse efeito, acordaram no seguinte:
Artigo 1.º
Definições
Para os fins do presente Tratado:
a) «Estado interveniente» designa o Estado Parte que pediu ou se propõe pedir autorização para tomar as medidas previstas neste Tratado contra um navio que arvore pavilhão ou tenha matrícula do outro Estado;
b) «Jurisdição preferencial» significa que, havendo concorrência de jurisdições das Partes relativamente a uma infracção relevante, o Estado do pavilhão tem o direito de exercer a sua jurisdição, retirando à outra Parte a possibilidade de o fazer;
c) «Infracção relevante» designa as infracções descritas no artigo 3.º, parágrafo 1, da Convenção de Viena;
d) «Navio» designa um barco ou qualquer outra embarcação marítima de qualquer tipo, incluindo os hovercrafts e as embarcações submersíveis.
Artigo 2.º
Objecto
As Partes contratantes prestam-se mutuamente a mais ampla cooperação possível com vista à eliminação do tráfico ilícito por mar de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, em conformidade com o direito internacional do mar.
Artigo 3.º
Jurisdição
1 - Cada Parte exercerá a jurisdição exclusiva em relação aos factos cometidos nas suas águas territoriais, zonas ou portos francos, inclusivamente se os factos se tiverem iniciado ou se se deveriam consumar no outro Estado.
2 - Em relação aos factos praticados fora das águas territoriais de um dos Estados, exercerá a jurisdição preferencial o Estado do pavilhão do navio a bordo ou por intermédio do qual se tenham praticado aqueles factos.
Artigo 4.º
Direitos das Partes
1 - No caso de suspeita fundada da prática de alguma das infracções referidas no artigo 1.º, cada Parte reconhece à outra um direito de representação que legitima a intervenção dos seus navios de guerra ou aeronaves militares ou outros navios ou aeronaves com sinais exteriores bem visíveis ou identificáveis de que estão ao serviço do Estado e devidamente habilitados para o efeito sobre os navios do outro Estado que se encontrem a operar fora das suas águas territoriais.
2 - No exercício do direito de representação a que se refere o n.º 1, os navios ou aeronaves oficiais poderão perseguir, parar e abordar o navio, verificar os documentos, interrogar as pessoas que se encontrem a bordo e, se existirem fundadas suspeitas de infracção, inspeccionar o navio e, se constatada, proceder à apreensão da droga, à detenção das pessoas presumivelmente infractoras e à condução do navio para o porto mais próximo ou mais adequado à sua imobilização, até à sua eventual devolução.
3 - As disposições do presente Tratado não podem afectar a imunidade dos navios de guerra e outros navios oficiais utilizados com fins não comerciais.
Artigo 5.º
Intervenção
1 - Sempre que existirem fundadas suspeitas de que um navio se está a dedicar ao tráfico ilícito, comunicar-se-á esse facto ao Estado do pavilhão, o qual responderá, no mais breve prazo possível, que não deverá, em princípio, exceder as quatro horas seguintes à recepção do pedido, transmitindo as informações de que dispuser a respeito desse navio.
2 - Se essas informações confirmarem as suspeitas do Estado interveniente, poder-se-á efectuar uma intervenção a bordo, praticando-se os actos previstos no artigo 4.º Se a intervenção não for iminente, comunicar-se-á a intenção de a iniciar à autoridade competente do Estado do pavilhão, a qual responderá, na medida do possível, num prazo máximo de quatro horas seguintes à recepção do pedido, autorizando-a ou recusando-a.
3 - Se, porém, em função das circunstâncias, não for possível obter essa autorização prévia em tempo útil, poder-se-ão praticar os actos previstos no artigo 4.º, após o que o comandante do navio ou da aeronave oficial comunicará imediatamente a sua actuação à autoridade competente do Estado do pavilhão.
Artigo 6.º
Garantias da intervenção
1 - Todos os actos executados em aplicação deste Tratado terão devidamente em conta a necessidade de não comprometer a segurança das pessoas, do navio e da carga e de não prejudicar os interesses comerciais de terceiros.
2 - O período de imobilização do navio deve ser reduzido ao mínimo indispensável, devendo o mesmo ser devolvido ao Estado do pavilhão logo que deixe de ser necessária a sua presença.
3 - Às pessoas detidas são garantidos os mesmos direitos de que goza um nacional e especialmente o direito a um intérprete e a ser assistido por um advogado.
4 - A situação de detenção é sujeita a controlo judicial e aos prazos da legislação do Estado interveniente.
5 - O comandante do navio apresado tem o direito de comunicar com as suas autoridades, a partir do próprio navio objecto da intervenção, imediatamente depois de chegar ao porto, bem como o de ser visitado pelo seu cônsul.
6 - Se a intervenção tiver sido executada sem que se verifiquem os motivos de suspeição suficientes para levar a cabo a operação, a Parte que a tenha executado poderá ser responsável por perdas e danos, salvo se tiver procedido a instâncias do Estado do pavilhão.
Artigo 7.º
Renúncia à jurisdição
1 - Cada Estado mantém a sua jurisdição preferencial sobre os seus navios, podendo renunciar a ela a favor do Estado interveniente.
2 - O Estado interveniente, depois de efectuar as primeiras diligências, transmitirá ao Estado do pavilhão uma síntese do material probatório recolhido relativo a todas as infracções relevantes cometidas, antecipando-a, se for possível, por telecópia, devendo este Estado responder no prazo de 14 dias, informando se exerce a sua jurisdição ou se renuncia à mesma, podendo para isso exigir um complemento de informação, se tal se justificar.
3 - Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido comunicada alguma decisão, presume-se que o Estado do pavilhão renuncia ao exercício da sua jurisdição.
4 - Se o Estado do pavilhão decidir exercer a sua jurisdição preferencial, entregar-se-lhe-á imediatamente o navio, a carga e a prova, escoltando-se o navio até ao limite das águas territoriais do Estado interveniente.
5 - A entrega de pessoas detidas não exigirá um procedimento formal de extradição, efectuando-se com base num mandado judicial de detenção ou equivalente e no respeito pelos princípios fundamentais do ordenamento jurídico de cada Parte. O Estado interveniente certificará o período de detenção cumprido.
6 - Em vez da entrega, o Estado do pavilhão pode pedir a libertação imediata das pessoas detidas ou do navio. Logo que o pedido seja formulado, o Estado interveniente liberta-os imediatamente.
7 - O período de privação de liberdade sofrida num dos Estados Parte será descontado na pena que seja aplicada pelo Estado que exerce a jurisdição.
Artigo 8.º
Autoridades competentes
1 - Sem prejuízo das atribuições genéricas dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros de ambas as Partes, as comunicações previstas no presente Tratado decorrem, em regra, entre Ministérios da Justiça.
2 - Em caso de especial urgência, as autoridades competentes do Estado de intervenção podem dirigir-se directamente ao Ministério da Justiça do Estado do pavilhão ou às autoridades competentes indicadas por este Ministério.
3 - As Partes designam, por troca de notas, oficiais de ligação e as autoridades competentes para os fins do presente Tratado.
Artigo 9.º
Aplicação subsidiária de direito convencional
Nas matérias não expressamente previstas neste Tratado aplicam-se subsidiariamente os princípios constantes dos instrumentos convencionais em vigor para as Partes, bem como os princípios contidos no Acordo.
Artigo 10.º
Resolução de diferendos
1 - As Partes acordam em resolver os diferendos sobre a interpretação ou aplicação do presente Tratado, incluindo os relativos a indemnização por perdas e danos, por meio de negociações directas entre os respectivos Ministérios da Justiça e dos Negócios Estrangeiros.
2 - Não sendo possível um acordo nos termos do número anterior, as questões concretas de natureza jurídica, objecto de controvérsia, serão submetidas ao Comité Director de Problemas Criminais do Conselho da Europa, retomando-se eventualmente as negociações à luz do entendimento daquela instância.
3 - As Partes acordam em excluir, nas relações recíprocas estabelecidas ao abrigo do presente Acordo, a competência do Tribunal Internacional de Justiça.
Artigo 11.º
Entrada em vigor
1 - O presente Tratado está sujeito a ratificação.
2 - O Tratado entra em vigor 30 dias após a data em que cada uma das Partes tiver informado a outra de que se encontram cumpridos os formalismos internos necessários para aquela entrada em vigor.
3 - O presente Tratado tem duração indefinida, podendo qualquer das Partes denunciá-lo a todo o tempo, mediante comunicação escrita, por via diplomática, deixando o mesmo de vigorar 180 dias após a data de recepção da comunicação.
Feito em Lisboa, em 2 de Março de 1998, em dois exemplares originais, em língua portuguesa e espanhola, fazendo ambos os textos igualmente fé.
Pela República Portuguesa:
(ver assinatura no documento original)
Pelo Reino de Espanha:
(ver assinatura no documento original)
(ver texto em língua espanhola no documento original)