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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 15/2023, de 21 de Dezembro

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Sumário

A admissibilidade de recurso extraordinário de revisão fundado na falsidade de um depoimento não exige que a falsidade tenha sido previamente declarada por sentença transitada em julgado

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 15/2023

Sumário: A admissibilidade de recurso extraordinário de revisão fundado na falsidade de um depoimento não exige que a falsidade tenha sido previamente declarada por sentença transitada em julgado.

Processo 611/17.5T8MTS-B.P1.S1-B

Recurso Extraordinário para Uniformização de Jurisprudência

Acordam, em Pleno das Secções Cíveis e Social, no Supremo Tribunal de Justiça

I.

1 - AA interpôs recurso de extraordinário de revisão do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18.12.2018, que confirmou a sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de..., a declarar a licitude do seu despedimento, levado a cabo pela ré, CPCDI - Companhia Portuguesa de Computadores e Distribuição de Produtos Informáticos, SA.

Para tanto, alegou, em síntese, que esta decisão se baseou, determinantemente, nas falsas declarações de parte de BB, administrador e legal representante da Ré.

2 - Por Acórdão de 2021.09.20, o Tribunal da Relação do Porto decidiu não admitir o recurso, por inexistir motivo para a revisão (cf. art. 699.º, n.º 1, do CPC (1), destacando-se da sua fundamentação os seguintes passos:

- "O recorrente não só não demonstrou qual a concreta falsidade contida nas declarações de parte [...], como também não demonstrou o nexo de causalidade entre a alegada falsidade e a sentença a rever";

- "Em bom rigor, a questão subjacente ao recurso de revisão é outra: a absolvição do recorrente [da prática de um crime de furto qualificado] no âmbito do processo [criminal]";

- "[N]o âmbito do princípio da livre apreciação da prova, o "juiz penal" pode formar convicção diferente da do "juiz laboral" em sede de procedimento disciplinar por despedimento com justa causa, e vice-versa, perante o depoimento da mesma testemunha ou das declarações de parte do mesmo representante legal, prestadas no processo penal e no processo laboral".

3 - Interposto recurso de revista pelo A., foi o mesmo julgado procedente pelo Acórdão de 21.09.2022 da Secção Social deste Supremo Tribunal (2), que decidiu admitir (liminarmente) o recurso extraordinário de revisão requerido pelo Autor, ponderando, nomeadamente, que "a admissibilidade de um recurso de revisão fundado na falsidade de um depoimento não exige que tal falsidade tenha sido previamente reconhecida por sentença transitada em julgado, nem tão pouco que esse depoimento tenha sido a causa exclusiva da decisão do Tribunal".

4 - Transitado em julgado este acórdão do STJ, veio a Ré interpor o presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, invocando a existência de contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.07.2016, Proc. n.º 241/10.2TVLSB.L1-A.S1, da 6.ª Secção (3) - doravante designado apenas por Acórdão fundamento.

Diferentemente do Acórdão recorrido, em semelhante contexto normativo, considerou este aresto que apenas poderá constituir fundamento de recurso extraordinário de revisão a falsidade de depoimento(s) atestada por decisão transitada em julgado.

5 - No essencial, diz a recorrente nas conclusões da sua alegação recursória:

- Na sequência da sua absolvição enquanto arguido no processo-crime, o A. interpôs recurso extraordinário de revisão com os fundamentos previstos no art. 696.º, alínea b) do CPC, alegando a falsidade das declarações de parte de BB, administrador e legal representante da R.

- A Relação do Porto não admitiu o recurso.

- O A. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando que a falsidade do depoimento do BB assenta no facto de este ter identificado o A. nas imagens de videovigilância que deram origem ao processo-crime e ao despedimento nestes autos, reputando-o como autor do furto.

- Decidiu o STJ que, relativamente à causa prevista no art. 696.º, al. b), do CPC "não é necessária uma sentença transitada em julgado para atestar a alegação da existência dessa falsidade".

- Em sentido contrário ao decido no Acórdão recorrido, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, decidiu o Ac. do STJ de 14.07.2016, Proc. n.º 241/10.2TVLSB.L1-A.S1.

- Pela importância dos interesses em discussão, a alegada "falsidade" deve ser previamente demonstrada num processo judicial, cível ou criminal, através de uma sentença transitada em julgado, o que não aconteceu no caso vertente.

- Deverá ser uniformizada jurisprudência, no sentido de que: I - Só a alegação da existência da falsidade de depoimento devidamente atestada por uma decisão transitada em julgado, além do mais, poderá constituir fundamento para um recurso extraordinário de revisão, devendo o mesmo ser indeferido liminarmente, caso não se preencha tal requisito, nos termos do disposto nos arts. 696.º, alínea b) e 699.º, n.º 1 do C.P. Civil; II - A falsidade, como fundamento do recurso, no caso de depoimentos de testemunhas e/ou peritos, tem de já estar verificada no local próprio, o que significa que a montante terá de ter existido um processo cível ou criminal, onde aquela tenha sido demonstrada, o que implica a existência de uma sentença transitada em julgado nesse sentido e que entre os depoimentos e a decisão a rever haja uma relação de causa e efeito.

6 - O Autor não contra-alegou.

7 - O recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência foi liminarmente admitido, nos termos do artigo 692.º, em virtude de - no domínio da mesma legislação - se ter constatado a existência de contradição direta entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, relativamente à mesma questão fundamental de direito (explicitamente enunciada em infra n.º 10).

8 - O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso e propondo o seguinte segmento uniformizador: A falsidade de um depoimento prestado em audiência de julgamento não tem que se encontrar previamente demonstrada por sentença transitada em julgado para poder servir de fundamento ao recurso extraordinário de revisão previsto no art. 696.º, alínea b), do CPC.

9 - O Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou que o julgamento do recurso fosse efetuado pelo Pleno das Secções Cíveis e Social.

II.

10 - O Pleno das Secções Cíveis e Social confirma os requisitos de que depende a admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.

Com efeito:

O requerimento de interposição do recurso é tempestivo (art. 689.º, n.º 1), o Acórdão recorrido transitou em julgado (art. 688.º, n.º 2) e inexiste jurisprudência uniformizada sobre a matéria em causa (art. 688.º, n.º 3).

E, nos termos prescritos pelo n.º 1 do mesmo art. 688.º, comprova-se a existência de contradição entre os sobreditos acórdãos ora em confronto, no tocante à questão de direito que, assim, se impõe decidir no presente recurso.

Questão que, concretamente, consiste em saber se, apesar da alteração do Código de Processo Civil levada a cabo pelo Decreto-Lei 38/2003, de 8 de março, a admissibilidade de recurso extraordinário de revisão fundado na falsidade de um depoimento exige que a falsidade tenha sido previamente declarada por sentença transitada em julgado.

Decidindo, pois, quanto ao mérito do recurso.

III.

a) - Natureza e estrutura do recurso de revisão.

11 - Em primeiro lugar, uma breve nota de enquadramento relativamente à natureza e estrutura do recurso de revisão.

Refere Rui Pinto que se trata de um recurso extraordinário "não só quanto à sua relação com o trânsito em julgado, mas porque também são extraordinários os seus fundamentos", uma vez que "não se sanam com o trânsito em julgado da decisão recorrida, sedo que alguns deles só são conhecidos depois do mesmo [trânsito em julgado]". Este recurso, acrescenta, é um "incidente póstumo de reabertura da instância para revogação de uma decisão transitada em julgado com fundamento em ilegalidade insanável, por erro de facto ou de direito" (4).

Como já apontava Alberto Reis: (5)

"O recurso de revisão apresenta, à primeira vista, o aspeto duma aberração judicial: o aspeto de atentado contra a autoridade do caso julgado.

[...]

Bem consideradas as coisas, estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza. Em princípio, a segurança jurídica exige que, formado o caso julgado, se feche a porta a qualquer pretensão tendente a inutilizar o benefício que a decisão atribuiu à parte vencedora. Mas pode haver circunstâncias que induzam a quebrar a rigidez do princípio. A sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha a revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio."

Acresce, como nota Amâncio Ferreira, (6) que "o prestígio do Estado, na vertente da função jurisdicional, seria fortemente afetado se uma decisão judicial só por ter transitado em julgado, não pudesse jamais ser reformada, apesar de ser patente que ela se obteve de modo fraudulento, flagrantemente contrário ao direito".

12 - O recurso de revisão encontra-se estruturado em duas fases: a fase rescindente (arts. 699.º e 700.º), de "desconstrução" (7), destinada a manter ou afastar a decisão recorrida; e a fase rescisória (art. 701.º), subsequente à revogação da decisão transitada em julgado, traduzida na reabertura dos termos processuais e na "construção" (8) de uma nova decisão.

Nas palavras de Lucinda Dias da Silva (9):

"A primeira tem por escopo três objetivos.

Como primeiro objetivo discerne-se a avaliação sobre a admissibilidade do pedido de revisão (designadamente no que diz respeito à tempestividade do pedido, à coincidência entre o fundamento invocado e um dos fundamentos previstos no artigo 696.º [...], bem como à junção de documentos [...].

Em cumprimento de segundo objetivo [...], escrutinar-se-á se se verifica ou não a irregularidade apontada [...].

O terceiro objetivo respeita às consequências a retirar em função da resposta acolhida na dimensão anterior: [...] caso a conclusão tenha sido positiva, a decisão objeto da revisão será eliminada da ordem jurídica mediante revogação ou anulação."

Assim, no caso concreto da alínea b) do artigo 696.º, impõe-se aferir da verificação do fundamento invocado para o recurso na fase rescidente, seguindo-se, para tanto, os termos do processo comum declarativo (art. 700.º, n.º 2); e, caso seja reconhecida a falsidade de depoimento, bem como que essa falsidade determinou a decisão a rever (seja como causa exclusiva, seja enquanto concausa), avaliar-se-á depois, na fase rescisória, se, desconsiderado que seja o depoimento falso, a decisão de facto da causa se manterá ou não, nos termos regulados pelo art. 701.º, n.º 1, alínea c).

Posto isto, detenhamo-nos na questão especificamente em discussão no presente recurso.

b) - Quanto à posição do Acórdão recorrido.

13 - Como se sintetiza no respetivo sumário, o Acórdão recorrido concluiu que "[a] admissibilidade de um recurso de revisão fundado na falsidade de um depoimento não exige que tal falsidade tenha sido previamente reconhecida por sentença transitada em julgado, nem tão pouco que esse depoimento tenha sido a causa exclusiva da decisão do Tribunal".

Este juízo assenta, fundamentalmente, na seguinte argumentação:

«[...]

Existe na jurisprudência deste Tribunal uma divergência entre Acórdãos em que se decidiu que, apesar da mudança da letra da lei ocorrida em 2003, "só a alegação da existência da falsidade de depoimentos devidamente atestada por uma decisão transitada em julgado [...] poderá constituir fundamento para um recurso extraordinário de revisão" (Acórdão de 14/07/2016, processo 241/10.T...-A.S1 [...] e em que se decidiu que não era necessária "uma sentença transitada em julgado para atestar a alegação da existência dessa falsidade" (Acórdão de 13/12/2017, processo 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1 [...]. Afigura-se-nos que as razões excecionais de justiça material que subjazem a este recurso e a sua teleologia depõem para que deva prevalecer este segundo entendimento.

No caso vertente, aliás, no julgamento criminal o Tribunal da Relação teve o cuidado de afirmar que a absolvição do ora Recorrente não se devia à mera aplicação do princípio in dubio pro reo, tendo manifestado a sua convicção de que o Réu era inocente.

Como a Secção Social deste Tribunal já teve a ocasião de afirmar a prova de um crime como o furto ou o roubo, mesmo que como justa causa de despedimento, deve também ela ser particularmente "forte" dada a natureza "infamante" desse tipo de acusação.

Dada a importância dos interesses que estão em jogo para o Recorrente - não apenas interesses patrimoniais, mas questões atinentes à sua própria dignidade e integridade moral - justifica-se que no caso concreto o caso julgado, apesar da sua inegável importância, ceda perante as exigências de justiça material.

A lei exige, é certo, que o depoimento falso tenha sido determinante para a decisão.

Mas como este Tribunal já decidiu, em Acórdão de 07/10/2020, proferido no processo 2262/16.2T8PNF.P1.S1 [...], "não é de exigir que a falsidade do meio probatório em crise tenha sido a causa exclusiva da decisão, bastando que tenha, de acordo com a teoria da causalidade adequada comummente aceite pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, sido uma das causas da mesma decisão". E, como nesse mesmo Acórdão se afirma, "apurar se, excluído o depoimento falso, a decisão de facto se manterá ou não, é o objetivo da "fase rescisória" do recurso extraordinário de revisão e não da presente "fase rescidente", na qual apenas cabe proceder à apreciação da verificação do fundamento invocado para o recurso".

Não se exige, por conseguinte, que o depoimento falso tenha sido causa exclusiva da decisão, podendo tratar-se de uma concausa.

Na sentença da 1.ª instância [proferida na ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento] afirmou-se o seguinte: "[...]"

Resulta da motivação [dessa sentença] que o depoimento de parte pode ter sido determinante para a decisão, pelo que está preenchido o pressuposto do artigo 696.º, n.º 1, alínea b) do CPC. Sublinhe-se que a letra do preceito se basta com esta possibilidade, cabendo às instâncias com competência para apreciar a matéria de facto decidir se o depoimento efetivamente foi uma concausa.» (10)

14 - Em sentido concordante, pronunciaram-se ainda os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:

- O Acórdão de 14.07.2022, Proc. n.º 602/15.0T8AGH.L1-A.S1, 1.ª Secção, que diz no respetivo sumário:

"Fundamentando-se esse recurso na falsidade de depoimento, prestado no decurso da audiência de julgamento realizada na ação em que foi proferida a decisão revidenda, não constitui requisito de exigência legal que o requerimento de interposição de recurso seja instruído por sentença judicial, proferida em processo autónomo prévio, que ateste/declare o alegado falso testemunho (podendo a discussão dos pertinentes factos ocorrer no âmbito do próprio processo do recurso de revisão)."

- O Acórdão de 06.06.2019, Proc. n.º 98/16.0T8BGG-A.G1.S1, 7.ª Secção, onde se afirma que "a prova da efetiva falsidade não é requisito prévio da admissibilidade do recurso de revisão".

- O já aludido Acórdão de 13.12.2017 (Proc. n.º 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1, 1.ª Secção), segundo o qual, "presentemente, perante o disposto nos artigos 696.º, b), e 698.º, do CPC, já não está consagrada a exigência de que a apreciação da falsidade de depoimento seja feita em ação autónoma e prévia ao recurso de revisão - podendo ter lugar na própria instância de recurso -, nem, portanto, de uma sentença transitada em julgado para atestar a alegação da existência dessa falsidade, ou que, para instrução do requerimento inicial, se apresente a certidão de tal sentença".

Neste aresto, concomitantemente, ponderou-se ainda: "É claro que no recurso de revisão baseado na falsidade de depoimento é necessário alegar tal falsidade, a matéria de facto para que o depoimento foi considerado e, ainda, a relevância desta matéria para a alteração da decisão recorrida. E, como é consensual, a falsidade que constitui requisito do recurso de revisão não corresponde a uma qualquer divergência entre depoimentos, antes pressupõe que o seu teor tenha sido dolosamente produzido pelos respetivos emitentes contra a realidade por eles conhecida, ou seja, que os mesmos com ele tenham pretendido influir no resultado da ação e, efetivamente, determinado a decisão a rever. Acresce que também não se justifica a revisão da decisão transitada se se apurar que a materialidade invocada no recurso de revisão já fora invocada no decurso da ação, onde só não foi considerada em virtude de deficiente desempenho da parte interessada, o mesmo é dizer, da sua imperfeita perceção do princípio da autorresponsabilidade processual".

- E o Acórdão de 17.01.2006, Proc. n.º 05A3701, assim sumariado na parte que ora releva:

"[...]

II - Com a alteração da redação da alínea b) do art. 771 do C.P.C., introduzida pelo Decreto-Lei 38/03, de 8 de Março, deixou de ser necessário, ao contrário do que se exigia anteriormente, que qualquer das falsidades aí previstas seja previamente verificada através de sentença transitada em julgado, tendo-se suprimido a obrigatoriedade dessa ação declarativa prévia

III - A prova da falsidade de depoimentos testemunhais pode agora ser feita na fase rescindente do recurso extraordinário de revisão.

IV - Por isso, atualmente, a prova da efetiva falsidade de depoimentos testemunhais não é requisito prévio de admissibilidade do recurso de revisão."

15 - Quanto à jurisprudência das Relações, no mesmo sentido, v.g. os Acs. da Relação de Coimbra, de 21.01.2020, Proc. n.º 191/14.3TBPB-C.C1, e de 06.11.2018, Proc. n.º 46/81.6TBTCS-A.C1, e da Relação de Lisboa, de 06.07.2017, Proc. n.º 2178/04.5TVLSB-E.L1-2.

16 - Também a generalidade da doutrina se pronuncia em sentido idêntico ao perfilhado pelo Acórdão recorrido, destacando-se:

- José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Coimbra Editora, 2022, 3.ª edição, p. 304:

"Desde o DL 38/2003, não é exigida a apreciação do vício em ação autónoma e prévia. Impunha-se, até então, que, por sentença transitada em julgado, se tivesse verificado a falsidade [...] de depoimento (testemunhal ou de parte) [...] que pudessem, em qualquer caso, ter determinado a decisão a rever. Esta verificação tem lugar agora na própria instância de recurso (art. 700-2 ...)."

- J. Pinto Furtado, Recursos em Processo Civil (de acordo com o CPC de 2013), Quid Juris, p. 161:

"Surgiu, entretanto, o Decreto-Lei 38/2003, de 8 de março, que, dando nova redação à alínea b) do art. 771 CPC, manteve o mesmo fundamento nesta versão alargada, mas dispensando a prévia verificação em sentença passada em julgado, e remetendo a sua demonstração para o ulterior processamento do recurso de revisão - que é o princípio que vigora hoje em dia, constante da alínea b) do art. 696 CPC 2013."

- J. O. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, O Novo Regime Recursório Civil, 4.ª Edição, 2007, Coimbra Editora, p. 237:

"Voltando [...] ao Decreto-Lei 38/2003, diremos que as alterações decorrentes desse decreto-lei incidiram, especialmente, na circunstância de, simplificando, serem eliminadas situações que, no regime anterior, exigiam uma ação autónoma prévia no recurso extraordinário de revisão.

[...]

[Este diploma] reduziu a necessidade de ação autónoma prévia ao caso da alínea a) do art. 771.º, sentença criminal contra Juiz.

Nos demais casos de revisão, tudo passou a poder ser apreciado, mais simplesmente, no próprio processado do recurso de revisão [...]."

- Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022, 7.ª edição, pp. 579-580:

"Ao contrário do que emergia da primitiva redação do preceito, não se tornará necessário instruir o requerimento com qualquer sentença confirmativa da falsidade, podendo a matéria pertinente integrar a discussão no âmbito da revisão. Ainda assim, será naturalmente mais fácil obter a procedência do recurso se o recorrente puder demonstrar a falsidade a partir de sentença penal ou cível que, porventura, tenha reconhecido esse vício."

- Lucinda Dias da Silva, loc. cit., p. 1290:

"Ao contrário do que sucedia antes da reforma introduzida pelo Decreto-Lei 38/2002 [...], a revisão da decisão com base neste fundamento não pressupõe que a falsidade tenha sido declarada em ação prévia ao início do processo de revisão. Alteração que se revela em sintonia com a tendência que se tem vindo a verificar [...] no sentido de amplificar e facilitar a possibilidade de recurso a este meio processual."

- Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2009, 9.ª edição, p. 331:

"Com a entrada em vigor do DL n.º 38/2003, que deu nova redação à alínea que analisamos, deixou de ser necessário, ao contrário do que se exigia anteriormente, que qualquer uma destas falsidades seja constatada através de sentença transitada em julgado, sem prejuízo de o recorrente poder lançar mão do processo de declaração a fim de obter previamente uma verificação da falsidade."

No mesmo sentido, ainda, v. g., Ferreira de Almeida (11), Rui Pinto (12), Luís Filipe Brites Lameiras (13) e Catarina Gonçalves Botelho (14).

c) - Quanto à posição do Acórdão fundamento.

17 - Por sua vez, o Acórdão fundamento acolhe a tese oposta à que sobre a matéria em causa foi assumida no Acórdão recorrido, dizendo-se no respetivo sumário que "[a] falsidade, como fundamento do recurso, no caso de depoimentos de testemunhas e/ou peritos, tem de já estar verificada no local próprio, o que significa que a montante terá de ter existido um processo cível ou criminal, onde aquela tenha sido demonstrada, o que implica a existência de uma sentença transitada em julgado nesse sentido e que entre os depoimentos e a decisão a rever haja uma relação de causa e efeito".

Na respetiva fundamentação refere-se, essencialmente, que:

"[...]

A questão solvenda, em sede deste específico fundamento do recurso de revisão, consiste em aferir, afinal das contas, o que é que o legislador quer dizer com a verificação da falsidade dos depoimentos, isto é, como e quando podemos nós concluir que estamos perante depoimentos falsos?

Como decorre da fundamentação do Acórdão sob censura «[...] Não basta comparar o depoimento de uma testemunha prestado num processo cível e o depoimento de outra testemunha num processo-crime, mesmo que ambos sejam inteiramente divergentes quanto às mesmas questões, para se poder falar de falsidade do depoimento da primeira em favor da veracidade do da segunda. Será necessário que os elementos de prova globalmente considerados forneçam uma indicação clara de que o teor do primeiro depoimento é manifestamente contrário à verdade dos factos. [...]», sendo certo que foi nessa comparação que os Recorrentes basearam a sua impugnação recursiva, fazendo o confronto entre as declarações prestadas pela testemunha ouvida no processo cível, J S e dos Réus/Recorridos M e N, ouvidos como testemunhas no âmbito do aludido processo criminal.

A primeira perplexidade que se nos suscita é a de saber em qual dos processos, o cível ou o criminal, ocorreu a falsidade (?), já que em ambos os processos as pessoas assinaladas prestaram os seus depoimentos como testemunhas e enquanto tal prestaram juramento nos termos dos normativos insertos nos artigos 513.º, n.º 1 e 459.º, n.º 1 do CPCivil e 132.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPPenal, o que implica a obrigação de falarem a verdade sob pena de incorrerem nas sanções aplicáveis às falsas declarações, acrescendo ainda a circunstância de a referida e suposta inveracidade dos depoimentos não ter sido verificada em nenhum daqueles dois procedimentos, o que sempre seria uma circunstância impediente do uso do recurso extraordinário de revisão, nos termos do artigo 696.º, alínea b) do CPCivil.

Estamos, assim, perante a alegação pelos Recorrentes de um non liquet, o qual não poderá ser resolvido através da aferição pelo segundo grau, em sede de recurso extraordinário de revisão, da bondade (ou falta dela) dos depoimentos prestados, concluindo-se aqui, pela falsidade dos mesmos.

A falsidade, como fundamento do recurso, no caso de depoimentos de testemunhas e/ou peritos, tem de já estar verificada no local próprio, o que significa que a montante terá de ter existido um processo cível ou criminal, onde aquela tenha sido demonstrada, o que implica a existência de uma sentença transitada em julgado nesse sentido e que entre os depoimentos e a decisão a rever haja uma relação de causa e efeito, Cândida da Silva Antunes Pires, ibidem, 201/203, Santos Silveira, l.c., 461/462 «[...] A decisão que apreciou o objeto da lide assenta no binómio matéria de facto - matéria de direito. É óbvio, portanto, que se a prova que conduz à fixação dos factos, que hão-de alicerçar o veredictum, é falsa, não se pode respeitar a autoridade do caso julgado, este deixa de ter prestígio, e impõe-se a sua revisão, a fim de se obter a revogação e substituição por outro que se estribe numa prova verdadeira. [...]».

Ora, como é bom de ver, na espécie, os Recorrentes não apresentaram qualquer decisão a atestar da falsidade dos depoimentos das testemunhas ouvidas, antes carrearam para os autos as transcrições dos depoimentos das mesmas, fazendo a respetiva comparação e daí retirando, em sua opinião, as contradições que entendem existir e que, igualmente em sua opinião, conduzem à constatação da falsidade dos depoimentos onde o Tribunal fez assentar as respostas dadas aos pontos da base instrutória que impugnaram, e, continuam aqui a pôr em crise, o que sempre conduziria, no bom rigor dos princípios, à rejeição do recurso, nos termos do normativo inserto no artigo 699.º, n.º 1 do CPCivil, cfr inter alia, em casos paralelos produzidos na área criminal que aqui chamamos à colação tendo em atenção o preceituado no artigo 8.º, n.º 3 do CCivil, os Ac STJ de 13 de Setembro de 2007 [...] e de 7 de Julho de 2009 [...], in www.dgsi.pt.

As conclusões de recurso claudicariam, sem mais, por aqui.

Mas prossigamos.

Comportando o recurso excecional de revisão, os mesmos recursos ordinários a que estariam originariamente sujeitas as decisões proferidas na ação em que foi proferida a sentença a rever, n.º 6 do artigo 697.º do CPCivil, daqui decorre que na impugnação extraordinária de revisão existe uma ação que se distingue da ação anterior, da qual resultou a decisão revidenda, propondo-se aquele instituto à revogação de uma decisão que chegou a transitar em julgado, destinando-se os recursos ordinários desta a uma nova apreciação da questão suscitada: os atos que estruturam a ação de revisão, constituem, desta feita, um processo diferenciado daqueloutro que levou à feitura da decisão revidenda e por isso o fundamento do recurso de revisão não terá, em princípio, nada a ver com o objeto desta. Aqui o Recorrente irá atacar a eventual violação pelo Tribunal, da apreciação do fundamento invocado para a revisão, Santos Silveira, l.c., 473/474.

Daqui resulta que o recurso de Revista, agora ensaiado pelos Recorrentes, deveria estar subsumido aos parâmetros indicados nas alíneas a), b) e c) do artigo 674.º, n.º 1 do CPCivil: a decisão recorrida deveria estar eivada de vicio de violação de lei substantiva, e/ou violação ou errada aplicação da lei de processo, sempre com referência ao fundamento invocado para o recurso extraordinário de revisão, qual foi o da falsidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas.

Todavia, como infra iremos demonstrar, os Recorrentes não imputam tais violações à decisão recorrida, antes continuam a não concordar com a apreciação da prova efetuada pelo primeiro e segundo graus aquando da apreciação da questão objeto da decisão que pretendem ver rescindida.

Veja-se, a este propósito o que os Recorrentes invocaram para o pedido de reforma da decisão que formularam, ao imputarem à decisão revidenda erro na determinação da norma aplicável e na qualificação jurídica dos factos, alínea a) do n.º 2 do artigo 616.º do CPCivil, nomeadamente nos deveres impostos à banca relativamente às matérias discutidas.

Sempre s.d.r.o.c., os Recorrentes confundem os fundamentos do recurso extraordinário de revisão, nesta primeira fase - a de aferição da existência de falsidade dos depoimentos -, com o julgamento subsequente da causa inicial se aquele pedido inicial for julgado procedente.

Nesta primeira fase, a fase rescindente, o Tribunal recorrido apreciou a bondade do fundamento invocado pelos Recorrentes, no caso a falsidade dos depoimentos das testemunhas, artigo 696.º, alínea b) do CPCivil, tendo chegado à conclusão, pelo confronto efetuado, que não se verificava qualquer motivo para julgar procedente o recurso interposto, cfr Amâncio Ferreira, ibidem, 323/324.

Seguindo-se, como se segue, a esta fase, apenas e tão só no caso de ter sido dado provimento ao recurso, uma segunda fase denominada rescisória, na qual o processo de revisão passa a ter a estrutura de uma ação declarativa, procedendo-se de novo à instrução, discussão e julgamento da causa anteriormente julgada e transitada em julgado, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 701.º do CPCivil, apenas há lugar, de novo, à impugnação do objeto desta, após a prolação da nova sentença e em sede de recursos ordinários então a interpor.

Apenas nesta fase rescisória é que se poderá entrar na apreciação do mérito da causa, e não antes, bem como saber se os depoimentos imputados de falsos foram a causa adequada e necessária à decisão produzida, Santos Silveira, ibidem, 482/484.

Neste particular, impõe-se deixar consignado que é às instâncias, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo o Supremo Tribunal de Justiça, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no n.º 3 do artigo 674.º do CPCivil [...].

[...]

[N]ão cabe ao Supremo Tribunal de Justiça apreciar os depoimentos de parte ou testemunhais a fim de aferir se eles provam, ou não, determinados factos, que não tenham sido objeto de outra prova de valor superior.

Como não cabe averiguar se a convicção firmada pelos julgadores nas instâncias em relação a determinado facto, em prova de livre apreciação, se fez no sentido mais adequado.

Tudo isto para dizer que os Recorrentes ao insurgirem-se em sede de recurso de Revista contra a apreciação da matéria de facto efetuada pela Relação, não estão a impugnar o Acórdão proferido com base nos fundamentos consignados na lei de processo, antes estão a utilizar argumentos que sempre se encontrariam expressamente afastados do objeto do recurso de Revista, como deflui inequivocamente do preceituado no n.º 3 do artigo 674.º do CPCivil, caso este tipo de impugnação recursiva fosse admissível na espécie, que não é, como já vimos, sendo-lhes apenas possível por em causa a apreciação efetuada pelo segundo grau do fundamento utilizado para a revisão: a falsidade dos depoimentos (sendo certo que, repetimos, estes apenas foram imputados de não verdadeiros pelos Recorrentes através do mero confronto, inexistindo qualquer decisão judicial a declará-los como falsos).

[...]"

18 - Com a mesma orientação, v. g. os Acs. da Relação do Porto, de 13.04.2021, Proc. n.º 2279/09.3TBSTS-B.P1, e da Relação de Guimarães, de 20.10.2016, Proc. n.º 978/06.0TBPTL-G.G1.

d) - Quanto ao sentido da uniformização de jurisprudência.

19 - Como flui do até agora exposto, a solução da dúvida interpretativa suscitada nos presentes autos assenta, basicamente, na apreensão do alcance da mudança do regime legal do recurso de revisão, operada pelo Decreto-Lei 38/2003, de 8 de março, e traduzida na alteração dos arts. 771.º e 773.º, do CPC 1961 (15).

Na sua anterior versão, o art. 771.º, epigrafado "fundamentos do recurso", previa a revisão da decisão transitada em julgado, entre outras situações, no seguinte caso, contemplado na sua alínea b): "Quando se apresente sentença já transitada que tenha verificado a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos, que possam em qualquer dos casos ter determinado a decisão a rever. A falsidade de documento ou ato judicial não é, todavia, fundamento de revisão, se a matéria tiver sido discutida no processo em que foi proferida a decisão a rever". Consonantemente, a propósito da "instrução do requerimento", dispunha o art. 773.º: "No requerimento de interposição, que é autuado por apenso ao processo, especificar-se-á o fundamento do recurso e com ele se apresentará, nos casos das alíneas a), b), c), d) e g) do artigo 771.º, certidão da sentença ou o documento em que se funda o pedido; nos casos das alíneas e) e f), procurará mostrar-se que se verifica o fundamento invocado".

Com as alterações introduzidas pelo referido decreto-lei, a redação destas disposições legais passou a ser a seguinte:

- Art. 771.º, alínea b): "A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando [...] se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida".

- Art. 773.º: "1 - No requerimento de interposição, que é autuado por apenso, o recorrente alega os factos constitutivos do fundamento do recurso e, no caso da alínea g) do artigo 771.º, o prejuízo resultante da simulação processual. 2 - Nos casos das alíneas a), c), f) e g) do artigo 771.º, o recorrente, com o requerimento de interposição, apresenta certidão, consoante os casos, da decisão ou do documento em que se funda o pedido.".

Por sua vez, o atual Código de Processo Civil (16) manteve intocadas estas (novas) normas, correspondendo-lhes os atuais arts. 696.º, alínea b), e 698.º, respetivamente.

20 - Em face da referida alteração legislativa, impõe-se concluir que, efetivamente, a verificação do fundamento previsto no atual art. 696.º, alínea b), não exige a prévia verificação, por sentença transitada em julgado, da falsidade do depoimento, como decidiu o Acórdão recorrido e é entendimento francamente maioritário da jurisprudência e da doutrina.

Afigura-se-nos que neste sentido apontam, incontornavelmente, os elementos interpretativos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica, na sua interligação com o sentido literal da lei, o qual, como se sabe, tem a dupla função de ponto de partida e de limite da interpretação (17).

Na verdade, conforme emerge do art. 9.º, do Código Civil, embora a interpretação não deva cingir-se à letra da lei, "não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso"; e "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".

Ora, em face da história evolutiva das citadas disposições legais, consta-se que desapareceu a expressa exigência de que a falsidade fosse comprovada por "sentença já transitada", realidade da qual também resulta que tal imposição deixou de ter na letra da lei qualquer suporte. Nas expressivas palavras do Acórdão de 13.12.2017, já citado, deste Supremo Tribunal de Justiça: "[A] sugestão de que legislador, não obstante a esgrimida alteração de 2003, continuaria a consagrar a exigência de uma sentença transitada em julgado para atestar a alegação da existência da falsidade de depoimentos está para além do significado provável da lei, por ser incompatível com sua letra, perante o diferente tratamento que esta, atualmente, oferece para tal requisito. O texto com que o legislador se exprime inculca, pois, uma resposta terminantemente negativa à questão suscitada neste recurso: [...] presentemente, já não se exige que a apreciação da falsidade de depoimento seja feita em ação autónoma e prévia ao recurso de revisão, podendo ter lugar na própria instância de recurso."

O elemento racional/teleológico também nos esclarece no tocante ao significado das operadas alterações, traduzido nas razões e finalidades que as enformam; e, tudo ponderado, não se vê como possa deixar de concluir-se que com elas se visou facilitar a prova da falsidade, permitindo agora a lei que ela se faça por qualquer forma.

Com efeito, balanceando inovatoriamente os interesses que no plano do instituto em questão conflituam - a necessidade de segurança e certeza jurídica, assegurada pela autoridade do caso julgado, e, por outro lado, as exigências de justiça material (que assumem acrescida centralidade nos modernos sistemas jurídicos) e de salvaguarda do prestígio da função jurisdicional do Estado -, o legislador optou por conferir reforçada tutela aos imperativos de reparação das patologias processuais associadas a iniquidades de especial gravidade.

Na mesma perspetiva aponta ainda o elemento sistemático, enquanto "cânone hermenêutico da coerência e da totalidade" (18), uma vez que apenas esta interpretação confere congruência normativa aos artigos que (nas dimensões que ora relevam) regulam os fundamentos do recurso de revisão e, conexamente, a instrução do respetivo requerimento, permitindo, do mesmo passo, atribuir à alteração legislativa levada a cabo um sentido inteligível, útil e unitário.

21 - Em face do exposto, considera-se ser de uniformizar a jurisprudência no sentido de que admissibilidade de recurso extraordinário de revisão fundado na falsidade de um depoimento não exige que a falsidade tenha sido previamente declarada por sentença transitada em julgado, improcedendo, por conseguinte, o presente recurso.

IV.

22 - Nestes termos, acorda o Pleno das Secções Cíveis e Social do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Negar provimento ao recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência interposto pela Ré e confirmar o Acórdão recorrido, tramitando-se subsequentemente os autos em conformidade com o disposto nos arts. 699.º, n.º 2, e 700.º, n.º 2 e 3;

b) Uniformizar a jurisprudência nos seguintes termos: "A admissibilidade de recurso extraordinário de revisão fundado na falsidade de um depoimento não exige que a falsidade tenha sido previamente declarada por sentença transitada em julgado".

Custas pela recorrente.

(1) Como todas as disposições legais citadas sem menção em contrário.

(2) Proc. n.º 611/17.5T8MTS-B.P1.S1.

(3) Disponível em www.dgsi.pt, como todos os demais acórdãos citados sem menção em contrário.

(4) Código de Processo Civil Anotado, II, Almedina, 2015, pp. 401-402.

(5) Código de Processo Civil Anotado, VI, Coimbra Editora, Reimpressão, 1981, pp. 335 e 336.

(6) Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 9.ª ed., p. 325.

(7) Na imagem de Lucinda Dias da Silva, O (designado Recurso) Extraordinário de Revisão, BFDUC, XCV, II, 2019, p. 1310.

(8) Ibidem.

(9) Loc. cit., p. 1308.

(10) Destaques nossos.

(11) Direito Processual Civil, II, Almedina, 2015, p. 571.

(12) Loc. cit., p. 402.

(13) Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2009, 2.ª edição, p. 294.

(14) Recurso de Revisão no Processo Civil, 2020, FDUL, p. 31. disponível em:

https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/49618/1/ulfd0148996_tese.pdf.

(15) Na redação dada pelo Decreto-Lei 329-A/95, de 12.12.

(16) Aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de junho. 4.ª Edição, 2007, Coimbra Editora.

(17) Sobre a "tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal" (nas palavras do acórdão do STJ de 04.05.2011, Proc. n.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1), v. g. Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, pp. 439-489, e Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª edição, 2000, Coimbra, pp. 175-192.

(18) Cfr. Manuel de Andrade, Sentido e Valor da Jurisprudência, oração de sapiência proferida em 30.10.1953, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, ano XLVIII (1972), P. 275.

Lisboa, 23/11/2023. - Mário Belo Morgado (Relator) - Júlio Manuel Vieira Gomes - Maria da Graça Trigo - Pedro de Lima Gonçalves - Lino José Batista Rodrigues Ribeiro - José António de Sousa Lameira - Fátima Gomes - Graça Amaral - Maria Olinda Garcia - Catarina Serra - Oliveira Abreu - Maria João Vaz Tomé - António Magalhães - Ricardo Alberto Santos Costa - José Maria Ferreira Lopes - João Cura Mariano - Manuel Capelo - António Barateiro Martins - Fernando Batista de Oliveira - Luís Espírito Santo - José Manuel Arcanjo Rodrigues - Nuno Ataíde das Neves - José Luís Ramalho Pinto - Ana Resende - Ana Paula Lobo - Domingos José de Morais - Manuel José Aguiar Pereira - Afonso Henrique - Isabel Salgado - Jorge Leal - Maria Amélia Alves Ribeiro - Emídio Francisco Santos - Nelson Borges Carneiro - Rui Manuel Gonçalves - Luís Fernando dos Santos Correia de Mendonça - Leonel Serôdio - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza - Maria Clara Sottomayor.

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Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5590133.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

  • Tem documento Em vigor 2002-02-26 - Decreto-Lei 38/2002 - Ministério da Saúde

    Estabelece um regime excepcional de equiparações ao estágio da carreira dos técnicos superiores de saúde.

  • Tem documento Em vigor 2003-03-08 - Decreto-Lei 38/2003 - Ministério da Justiça

    Altera o Código de Processo Civil, o Código Civil, o Código do Registo Predial, o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, o Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o Código de Processo do Trabalho, o Código dos Valores Mobiliários e legislação conexa, alterando o regime jurídico da acção executiva.

  • Tem documento Em vigor 2013-06-26 - Lei 41/2013 - Assembleia da República

    Aprova em anexo à presente lei, que dela faz parte integrante, o Código de Processo Civil.

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