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Acórdão 153/2010, de 25 de Maio

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Sumário

Decide não julgar inconstitucional o artigo 9.º da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, na dimensão em que proíbe a aplicação aos processos pendentes do disposto nos artigos 1906.º e 1907.º, por remissão do artigo 1912.º, n.º 1, todos do Código Civil, na redacção daquela lei. (Proc. nº 19/10)

Texto do documento

Acórdão 153/2010

Processo 19/10

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

Relatório

O Magistrado do Ministério Público instaurou em 16 de Julho de 2008 acção tutelar comum, pendente no 2.º Juízo Cível de Santarém, com o n.º 2336/07.0TBSTR-B, relativamente a Martim Feijó Oliveira, nascido a 24 de Setembro de 2006, filho de Maria Antónia Cruz Magalhães Feijó e de Sérgio Henrique Trigueiro Oliveira, contra os referidos progenitores e também contra os avós paternos, Joaquim Conceição Vaz Oliveira e Alicia Trigueiro Pereira Oliveira, pedindo que fosse regulado o exercício do poder paternal relativamente ao menor, entregando-o à guarda e aos cuidados dos

avós paternos.

O pai do menor após ter sido citado para, querendo, alegar o que tivesse por conveniente, pronunciou-se, aderindo ao requerido pelo Magistrado do Ministério

Público.

A 25 de Novembro de 2008, realizou-se uma conferência na qual intervieram a progenitora do menor e os avós paternos, não tendo sido possível obter qualquer

acordo dos intervenientes na conferência.

Em face de tal desacordo, as partes foram notificadas para, querendo, alegarem o que tivessem por conveniente e oferecerem provas, determinando-se a realização de

diversas diligências instrutórias.

A progenitora do menor apresentou alegações em que pediu que Martim Feijó Oliveira lhe fosse confiado, oferecendo prova documental e requerendo a realização de relatório

social.

Realizadas todas as diligências instrutórias determinadas, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do menor ser confiado à guarda e aos cuidados dos avós paternos, cabendo a estes o exercício das responsabilidades parentais referentes aos actos da vida corrente do menor e devendo consultar os progenitores deste nas questões de particular importância, salvo nos casos de urgência manifesta, em que deverão informar os pais com a maior brevidade possível, podendo a mãe visitar o menor sempre que o desejar, na habitação dos avós paternos ou onde estes designarem, desde que avise previamente os avós paternos.

Em 25-6-2009 foi proferida sentença, constando o seguinte na parte decisória:

"... ao abrigo do disposto nos artigos 13.º, 204.º e 277.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, decide-se desaplicar por inconstitucionalidade material o artigo 9.º da Lei 61/2008, de 31 de Outubro e, em consequência, ao abrigo do disposto nos artigos 1907.º, 1918.º, 1912.º, n.º 1 e 1906.º, todos do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei 61/2008, de 31 de Outubro, regula-se o exercício das responsabilidades parentais relativo a Martim Feijó Oliveira, nascido a 24 de Setembro de 2006, filho de Maria Antónia Cruz Magalhães Feijó e de Sérgio Henrique

Trigueiro Oliveira, nos termos que seguem:

a) Martim Feijó Oliveira fica a residir e à guarda de Joaquim da Conceição Vaz de Oliveira e de Alicia Trigueiro Pereira Oliveira, competindo a estes as responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da criança, devendo consultar os progenitores do menor nas questões de particular importância, com ressalva das situações de urgência em que poderão decidir sem tal consulta, devendo informar os

progenitores, logo que possível;

b) Maria Antónia Cruz Magalhães Feijó e Sérgio Henrique Trigueiro Oliveira poderão visitar e estar com o menor sempre que o desejarem, mediante prévio aviso aos avós paternos, na habitação destes ou em local que estes indicarem e sempre sem prejuízo

do descanso e das actividades da criança;

c) O abono de família relativo a Martim Feijó Oliveira será pago a um dos seus avós paternos Joaquim da Conceição Vaz de Oliveira ou Alicia Trigueiro Pereira Oliveira;

d) Custas dos presentes autos a meias a cargo de Maria Antónia Cruz Magalhães Feijó e Sérgio Henrique Trigueiro Oliveira, sendo o valor da causa de (euro) 30.000,01."

O Ministério Público interpôs recurso desta sentença, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, a), da LTC, por nela se ter recusado a aplicação do artigo 9.º, da Lei 61/2008, de 31 de Outubro, com fundamento em inconstitucionalidade material.

Apresentou alegações em que concluiu do seguinte modo:

"1 - A Lei 61/2008, de 31 de Outubro, alterou diversos preceitos do Código Civil, designadamente os artigos 1904.º a 1908.º e 1912.º, fixando num novo regime no que toca ao exercício das responsabilidades parentais.

2 - A norma do artigo 9.º daquela lei, enquanto exclui a aplicabilidade aos processos pendentes daquele novo regime, não viola o princípio de igualdade não sendo, por isso,

inconstitucional.

3 - Termos em que deverá proceder o presente recurso."

Fundamentação

1 - Delimitação do objecto do recurso

Em 16 de Julho de 2008 foi instaurada acção de regulação do exercício do poder paternal, relativamente ao menor Martim Feijó Oliveira.

Na pendência desta acção, em 30 de Novembro de 2008 entrou em vigor a Lei 61/2008, de 31 de Outubro, que alterou vários preceitos do Código Civil, introduzindo, além do mais, modificações no regime do exercício do poder paternal, incluindo na própria nomenclatura da figura jurídica que se passou a chamar exercício

das responsabilidades parentais.

O artigo 9.º desta lei consagrou a seguinte norma transitória:

"O presente regime não se aplica aos processos pendentes".

O tribunal recusou a aplicação desta norma, por considerar que a mesma violava o princípio constitucional da igualdade ao impedir a aplicação do novo regime do exercício das responsabilidades parentais nos processos pendentes.

Tendo em consideração que, no caso concreto, estava em questão a definição desse exercício num caso em que os progenitores não são casados, nem vivem em condições análogas às dos cônjuges, não estando em causa as situações previstas nos artigos 1904.º, 1905.º e 1908.º, do Código Civil, na redacção da Lei 61/2008, de 31 de Outubro, a recusa de aplicação do artigo 9.º, cingiu-se à sua dimensão em que proíbe a aplicação aos processos pendentes do disposto nos artigos 1906.º e 1907.º, por remissão do artigo 1912.º, n.º 1, todos do Código Civil, na redacção daquela lei.

Assim sendo, atenta a natureza instrumental do recurso constitucional, deve apenas ser fiscalizada a constitucionalidade do artigo 9.º, da Lei 61/2008, de 31 de Outubro, na dimensão em que proíbe a aplicação aos processos pendentes, do disposto nos artigos 1906.º e 1907.º, por remissão do artigo 1912.º, n.º 1, todos do Código Civil,

na redacção daquela lei.

2 - Do mérito do recurso

No momento em que foi proposta a acção, o artigo 1911.º, do Código Civil, na redacção do Decreto-Lei 496/77, de 25 de Novembro, dispunha, relativamente ao exercício do poder paternal por pais que não tivessem contraído casamento, nem vivessem maritalmente, que, na falta de acordo, aquele pertencia ao progenitor que tivesse a guarda do filho, presumindo-se que era a mãe que tinha essa guarda, podendo o outro progenitor vigiar a educação e as condições de vida do filho (artigo 1906.º, n.º

4, do Código Civil).

Com as alterações introduzidas pela Lei 61/2008, de 31 de Outubro, na mesma situação, o regime regra passou a ser o exercício em comum das responsabilidades parentais por ambos os progenitores, relativamente às questões de particular importância para a vida do filho, salvo se decisão judicial fundamentada estabelecer que essas responsabilidades sejam exercidas por apenas um dos progenitores (artigo

1906.º, n.º 1 e 2, do Código Civil).

A nova lei inclui uma norma que regula especificamente a sua aplicação no tempo, determinando que a mesma não se aplica aos processos pendentes, o que abrange as acções de regulação do poder paternal já propostas, como sucede com o presente

processo.

A decisão recorrida recusou a aplicação desta norma por entender que a mesma violava o princípio constitucional da igualdade, ao "introduzir um tratamento discriminatório, desigual e injustificado dos progenitores em função da simples propositura da acção e conduz ao absurdo do conteúdo dos poderes-deveres dos progenitores poder divergir tão só por causa daquele critério temporal".

É necessário começar por dizer que a mera sucessão de leis no tempo, em matéria de direitos familiares, não afecta, só por si, o princípio da igualdade.

Apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que realidades substancialmente iguais passem a ter soluções diferentes, isso não significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime legal. Visando as alterações legislativas conferir um tratamento diferente a determinada matéria, a criação de situações de desigualdade, resultantes da aplicação do quadro legal revogado e do novo regime, é inerente à liberdade do legislador do Estado de Direito alterar as leis em vigor, no cumprimento do seu mandato democrático.

Daí que, conforme tem referido o Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade não opere diacronicamente (v. g. acórdãos n.º 34/86, em ATC, 7.º vol., pág. 42, n.º 43/88, em ATC, 11.º vol, pág. 565, n.º 309/93, em ATC, 24.º vol., pág. 185, n.º 188/09, no D.R., 2.ª série, de 18-5-09, e n.º 3/2010, no D.R., 1.ª série, de 2-2-2010).

São as normas de conflitos que, numa situação de sucessão de leis, determinam qual o âmbito de aplicação no tempo da nova lei, existindo normas gerais que fixam os princípios que fornecem ao julgador um critério permanente de solução dos conflitos (v.

g. o artigo 12.º, do Código Civil), e normas específicas, estabelecendo a solução de um conflito particular surgido a propósito duma alteração legislativa determinada, normalmente inseridas na própria lei nova, como sucede relativamente à norma aqui sob

fiscalização.

Na determinação do conteúdo destas normas é reconhecida ao legislador uma apreciável margem de liberdade quanto ao estabelecimento do marco temporal relevante para aplicação do novo e do velho regime legal. Contudo, o critério escolhido terá que respeitar não só o princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, de modo a não violar direitos adquiridos ou frustrar expectativas legítimas, sem fundamento bastante, assim como também não poderá resultar na criação de desigualdades arbitrárias na aplicação da nova lei, após ela ter entrado em

vigor.

Quando se diz que o princípio da igualdade não opera diacronicamente, apenas se abrange as desigualdades resultantes de aplicação de diferentes regimes legais durante a sua respectiva vigência, mas já não quando, após a entrada em vigor duma lei, o legislador restringe a sua aplicação a determinadas situações, mantendo a aplicação da lei antiga, relativamente a outras, sem que se vislumbre fundamento razoável para essa distinção. Neste último caso, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, da C.R.P., imporá um juízo de censura constitucional sobre essa opção.

Segundo os princípios gerais estabelecidos no artigo 12.º, do Código Civil, nomeadamente o que consta do n.º 2, in fine, as leis que regulam o exercício do poder paternal deveriam ter uma aplicação imediata às relações de filiação já existentes (vide, neste sentido, Baptista Machado, em "Sobre a aplicação no tempo do novo Código

Civil", ed. de 1968, da Almedina).

Contudo, no presente caso, o legislador determinou que as alterações introduzidas pela Lei 61/2008, de 31 de Outubro, não se aplicariam aos processos pendentes no momento da sua entrada em vigor, impedindo que elas regulassem as situações cuja solução já havia sido solicitada aos tribunais, salvaguardando, desse modo, as expectativas que as partes poderiam ter na aplicação da lei vigente no momento em que foi requerida ao tribunal a sua intervenção.

Desta norma de conflitos específica resulta que o exercício do poder paternal, relativo aos filhos de pessoas não unidas pelo matrimónio, nem vivendo em união de facto, nos processos entrados em juízo antes de 30 de Novembro de 2008, é regulado segundo o regime previsto para estas situações no Código Civil, na redacção do Decreto-Lei 496/77, de 25 de Novembro, enquanto nos processos entrados posteriormente a esta data, já o exercício do poder paternal é regulado segundo o novo regime do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei 61/2008, de 31 de Outubro.

Apresentando estes dois regimes significativas diferenças, como acima vimos, verifica-se um tratamento jurídico diferenciado para o poder paternal que seja judicialmente regulado já após a entrada em vigor da Lei 61/2008, de 31 de Outubro, nos processos iniciados anteriormente ao início da vigência deste diploma legal (30 de Novembro de 2008) e nos processos iniciados em data posterior.

Esta diferença tem como fundamento perceptível e inteligível a salvaguarda das expectativas das partes na aplicação da lei vigente no momento em que foi requerida ao tribunal a sua intervenção, as quais poderão ter determinado a estratégia da sua

intervenção processual.

O legislador atendeu a que as partes poderão ter norteado o exercício dos seus direitos processuais, tendo em vista o conteúdo do direito substantivo então vigente, pelo que não deveriam ser surpreendidas por uma alteração desse quadro legal, relativamente ao qual a estratégia processual por elas seguida se poderia revelar inadequada.

A relevância destas expectativas no domínio da intervenção judicial na definição do conteúdo das relações familiares não é nenhuma novidade legislativa, tendo, por exemplo, igual disposição transitória sido adoptada pelo próprio Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro (artigo 177.º), que havia introduzido o regime agora

alterado.

Independentemente de sabermos se a protecção destas expectativas é exigida pelo princípio constitucional da segurança jurídica e da confiança, ou mesmo sem apreciarmos a sua bondade, pode dizer-se que ela não deixa de ser um fundamento legítimo e razoável para o critério normativo escolhido.

Por isso, não é possível dizer que a diferenciação resultante da norma contida no artigo 9.º, da Lei 61/2008, de 31 de Outubro, se revela arbitrária, uma vez que não se verifica que da escolha do critério de aplicação da lei no tempo feita pelo legislador resultem diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos perceptíveis, inteligíveis e razoáveis, tendo em conta a finalidade que, com

a diferença estabelecida, se visou almejar.

Ora, como ensinam J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 399, da 4.ª Edição revista, da Coimbra Editora), no apuramento das violações ao princípio da igualdade, na vertente da proibição do

arbítrio, importa ter presente que:

«[...] a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da "discricionariedade legislativa" são violados, isto é, quando, a medida legislativa não tem adequado suporte material, é que existe uma "infracção" do princípio do arbítrio.» Tendo sido apurado um suporte material bastante para o tratamento desigual apontado pela decisão recorrida, não se pode considerar que o disposto no artigo 9.º, da Lei 61/2008, de 31 de Outubro, na dimensão recusada, viole o princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º, da C.R.P., pelo que a falta de confirmação do juízo de inconstitucionalidade formulado pelo tribunal recorrido conduz à procedência do recurso interposto pelo Ministério Público.

Decisão

Nestes termos decide-se:

a) Não julgar inconstitucional o artigo 9.º, da Lei 61/2008, de 31 de Outubro, na dimensão em que proíbe a aplicação aos processos pendentes, do disposto nos artigos 1906.º e 1907.º, por remissão do artigo 1912.º, n.º 1, todos do Código Civil, na

redacção daquela lei.

b) E, consequentemente, julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, determinando-se a reforma da decisão recorrida, em conformidade com o

presente julgamento.

Sem custas.

Lisboa, 14 de Abril de 2010. - João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro - Catarina Sarmento e Castro - Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração anexa) - Rui Manuel Moura Ramos (votei vencido por não poder

acompanhar a tese que fez vencimento).

Dispondo as normas em causa directamente sobre o conteúdo das relações jurídicas parentais é evidente que as mesmas seriam imediatamente aplicáveis às relações pendentes de regulação judicial, de acordo com o princípio afirmado na parte final do

n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.

Tal solução foi afastada pelo legislador ordinário através da norma impugnada do artigo 9.º da Lei 61/2008, de 31 de Outubro, ao prescrever que "o presente regime não se aplica aos processos pendentes". Ou seja, contemplou uma eficácia ultra-activa da lei

antiga.

Mas, no nosso entendimento, tal disposição padece, no que às relações jurídicas estão em causa nos autos, de inconstitucionalidade material.

Não que não entendamos que o legislador ordinário não possa dentro da sua competência de autorevisibilidade e discricionariedade normativo-constitutiva prever a ultra-actividade da lei ou até a sua retroactividade ou retrospectividade.

As disposições de direito transitório não são, porém, normas sem sentido prescritivo:

elas correspondem a normas que carregam em si o sentido das normas a que se referem, embora para valerem apenas quando se verificarem certas circunstâncias.

Daí que a sua conformação esteja sujeita aos mesmos parâmetros constitucionais das outras normas, tendo de específico, apenas, o facto de traduzirem uma opção normativa afirmada pelo legislador para valer a título transitório.

A regulação judicial das relações parentais corresponde a um modo de o Estado satisfazer o direito fundamental das crianças à protecção do Estado e da sociedade consagrado no artigo 69.º, n.º 1, da Constituição.

A protecção da criança é um valor constitucional cuja operatividade existe em cada momento da vida da criança, mas que, quando demande a realização de prestações jurídicas de regulação das relações parentais por parte do Estado, é o momento da decisão judicial que o torna actual ou presente e susceptível de concreta pacificação.

Deste modo, tendo o direito fundamental consagrado no artigo 69.º, n.º 1, da Constituição o mesmo conteúdo não pode o legislador discriminar em função do tempo em que se inicie o processo, sob pena de violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, n.º 1, daquela lei fundamental.

Ao contrário do entendido no acórdão, não pode considerar-se consistir razão material bastante para realizar de forma diferente a prestação jurídica de regulação do poder parental consoante o processo se iniciou antes ou depois da nova lei, sob o pretexto de haver de acautelar as expectativas das partes na aplicação da lei vigente no momento em que foi requerida a sua intervenção.

A protecção ou tutela da confiança dos demandantes tem razão de ser quando estão em causa direitos das pessoas, mas já não poderes-deveres e, dentro destes, aqueles poderes-deveres em que os deveres assumem uma intensidade de muito maior grau relativamente aos poderes, como é o caso, como decorre não só do referido preceito constitucional mas também do n.º 5 do artigo 36.º da Constituição: os deveres para com as crianças (os direitos das crianças) sobrepõem-se, sem rebuço de dúvida, aos

poderes dos seus parentes.

Se o legislador entende que a melhor forma de acautelar a protecção do direito fundamental que está em causa é o novo regime legal e só uma tal leitura justifica a revisibilidade, então não pode afastar dele quem, à altura ou momento da sua

aplicação, pode beneficiar dele.

Por outro lado, a falta de fundamento bastante para discriminar manifesta-se ainda no facto de a regulação do regime parental ser revisível a todo o tempo, desde que os superiores interesses das crianças o justifiquem, não havendo aqui lugar para uma definição da relação jurídica para todo o sempre.

A solução adoptada conduz à conclusão de poder ser, de imediato, efectuado pedido de alteração da regulação do poder parental a pretexto de a nova lei acautelar melhor os interesses da criança, o que só por si evidencia que a lei viola o princípio geral da proporcionalidade, ínsito no princípio do Estado de direito consagrado no artigo 2.º da

Constituição. - Benjamim Rodrigues.

203278373

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/2010/05/25/plain-274887.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/274887.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1977-11-25 - Decreto-Lei 496/77 - Ministério da Justiça

    Revê o Código Civil aprovado pelo Decreto Lei 47344, de 25 de Novembro, nos domínios, e quanto à parte geral, do direito internacional privado, fixação da maioridade, regime do domicílio legal dos menores e aquisição da personalidade jurídica das associações. Revê ainda, no direito da família, a disciplina do casamento (e do divórcio), da filiação, da adopção e dos alimentos e, no direito sucessório, a posição do cônjuge sobrevivo.

  • Tem documento Em vigor 2008-10-31 - Lei 61/2008 - Assembleia da República

    Altera o regime jurídico do divórcio. Além do Código Civil, altera ainda o Código do Registo Civil, o Código Penal, e o Código de Processo Civil.

Ligações para este documento

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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