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Acórdão 539/2007, de 18 de Dezembro

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Sumário

Não julga inconstitucional a norma do artigo 398.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais

Texto do documento

Acórdão 539/2007

Processo 445/07

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 - Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente Manuel Dias Mártires Pêgo e recorrida Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Olhão, C. R. L., foi interposto recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 07.03.2007, visando a apreciação da constitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

2 - A decisão recorrida surge na sequência de acção declarativa emergente de contrato de trabalho que Manuel Dias Mártires Pêgo intentou contra Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Olhão, pedindo que fosse declarado ilícito o seu despedimento e a ré condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, bem como a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir e uma indemnização por danos não patrimoniais.

Para fundamentar a acção, alegou que, tendo sido eleito para a Direcção da ré em 23.03.1989 e celebrado com esta, no dia 1 de Abril seguinte, um contrato de trabalho para o exercício do cargo de Director Executivo, veio a pedir, em 07.03.1996, demissão do cargo electivo e a passagem à situação de reforma por invalidez relativamente ao vínculo laboral. E depois de tal proposta ter sido aceite e o autor ter entrado em situação de baixa por doença, a ré, na sequência de uma intervenção do Conselho de administração da Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, veio a declarar a nulidade do contrato de trabalho, com fundamento no disposto no artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais, o que corresponderia a um despedimento ilícito por este preceito não ser aplicável ao caso. Subsidiariamente, alegou a inconstitucionalidade, orgânica e formal, do citado artigo 398.º do CSC.

A acção foi julgada improcedente em primeira instância, também quanto à questão da inconstitucionalidade e, em consequência, absolvida a ré dos pedidos.

Inconformado, o autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, renovando a questão da constitucionalidade, tendo este tribunal, após uma sucessão de vicissitudes processuais, confirmado o decidido em primeira instância através de acórdão de 04.07.2006.

Novamente inconformado e reafirmando a questão da inconstitucionalidade orgânica e formal e, ainda, aduzindo novos argumentos no sentido da inconstitucionalidade material, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 07.03.2007, negou a revista e confirmou a decisão recorrida.

3 - Neste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, do qual vem interposto o presente recurso, pode ler-se o seguinte:

«(...)Seja como for, a declaração de nulidade do contrato de trabalho com fundamento no disposto no digo 398º, n.º 1, do CSC não envolve qualquer violação da garantia de segurança no emprego e do direito ao trabalho a que se referem as mencionadas disposições dos artigos 53º e 58º, nº 1, da Constituição.

A primeira e mais importante dimensão do direito à segurança no emprego é a proibição dos despedimentos sem justa causa, o que se traduz no reconhecimento de que as entidades patronais não gozam da liberdade de disposição sobre as relações de trabalho. Uma vez obtido um emprego, o trabalhador tem direito a mantê-lo, não podendo a entidade empregadora pôr-lhe fim por sua livre vontade, mas apenas com invocação de um motivo justificado (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra, pág. 287). Por seu turno, o direito ao trabalho, para além do seu carácter programático de direito de obter emprego ou de exercer uma actividade profissional, releva essencialmente na sua dimensão negativa ou de garantia: a liberdade de procurar trabalho; o direito de igualdade no acesso a quaisquer cargos, tipos de trabalho ou categorias profissionais; o direito a exercer efectivamente a actividade correspondente ao posto de trabalho; o direito a não ser privado do posto de trabalho (idem, pág. 315).

No caso dos autos, o âmbito de protecção constitucional, na dupla vertente de segurança no emprego e do direito ao trabalho - tal como o recorrente o configura -, converge no direito à manutenção do emprego e conduziria a considerar - segundo o recorrente entende - que a declaração de nulidade do contrato de trabalho, nas circunstâncias enunciadas no artigo 398º, n.º 1, do CSC, corresponde a um despedimento sem justa causa.

É patente que a norma não pode ter essa leitura.

O que está em causa não é a ruptura da relação laboral sem qualquer motivo justificativo - única situação que se encontra abrangida pela proibição constitucional -, mas simplesmente a proibição da celebração de contrato de trabalho ou de prestação de serviços entre o administrador e a sociedade por razões de política legislativa que assentam na necessidade de preservar a empresa de medidas de gestão que possam implicar um favorecimento pessoal do administrador. A norma reflecte um princípio da imparcialidade, exigindo do administrador um distanciamento em relação aos interesses pessoais, em vista a garantir o exercício isento e desinteressado da função. Limita-se, por isso, a estabelecer um regime de impedimentos, que obsta a que o administrador possa aproveitar-se da sua posição de autoridade para impor à sociedade a realização de negócios que possam conflituar com o interesse empresarial.

A declaração de nulidade do contrato de trabalho celebrado em preterição do estabelecido na norma resulta, por sua vez, da aplicação de um princípio civilístico que se supõe não ter sido alguma vez suspeito de inconstitucionalidade - artigo 294º do Código Civil.

A extinção da relação laboral não ocorre, por isso, por livre vontade da entidade empregadora, mas antes por simples aplicação dos critérios legais e com fundamento em clara violação do direito societário.

Acresce que a declaração de nulidade do contrato não desprotege o trabalhador, uma vez que o contrato produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, não tendo por isso consequência quanto aos direitos remuneratórios que se venceram na sua vigência (artigo 15º da LCT). E apenas ocorreu quando o Autor tinha já chegado ao termo da sua vida activa.

Em qualquer caso, a norma do artigo 398º, n.º 1, do CSC não pode ser vista como inconstitucional no ponto em que se limita a garantir a aplicação de um princípio de imparcialidade, quando é certo que esse é um princípio que tem também consagração constitucional - artigo 266º, n.º 2, da CRP. Não se põe sequer em causa, nesse caso, o direito ao trabalho, visto que a norma apenas restringe o duplo emprego quando venha a ser constituído em circunstâncias que possam representar um favorecimento pessoal do administrador, pelo que não há também qualquer violação do disposto no artigo 18º, n.º 2, da Constituição.

Assim se compreende também que a norma em causa não represente, em rigor, uma restrição ao direito de liberdade de escolha de profissão, cuja violação o Autor também invoca por referência ao disposto no artigo 47º, n.º 1, da lei Fundamental.

Como resulta desse preceito, "Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade". A liberdade de profissão que aqui se consagra é uma componente da liberdade de trabalho e tem vários níveis de realização: a obtenção das habilitações necessárias ao exercício da profissão; o ingresso na profissão; o exercício da profissão; a progressão na carreira profissional. Ela não se confunde, no entanto, com o exercício livre da profissão. Há liberdade de escolha de profissão, mas isso não impede que o exercício da profissão escolhida se encontre institucionalmente constrangido através de certos limites de actuação. É o direito de livre escolha que pressupõe, nesse caso, a assunção de um estatuto profissional que poderá estar sujeito a um conjunto de condicionantes.

Por isso se considera não constitucionalmente ilícito, nem a atribuição de um estatuto público a certas profissões, nem, muito menos, a submissão de certas profissões a um estatuto mais ou menos publicamente condicionado ou vinculado (idem, págs. 262-263).

É o que sucede, por efeito do preceituado no citado artigo 398º, n.º 1, do CSC, relativamente ao exercício de cargos de administração de sobriedades anónimas. Os respectivos titulares não se encontram impedidos de aceder a esses cargos e de os exercerem. Do mesmo modo que não existe qualquer obstáculo a que abandonem a sua posição profissional e passem a desempenhar outras funções, na mesma empresa ou noutra que esteja com ela em relação de domínio ou de grupo, mediante a celebração de contrato de trabalho ou de prestação de serviços. Mantêm-se, por isso, plena liberada de escolha de profissão; o que não podem é preferir o exercício de cargo de administrador sem se sujeitarem às limitações que para esse exercício a lei impõe.

Assim, a norma do artigo 398º, n.º 1, do CSC não sofre de inconstitucionalidade por violação do artigo 47º, n.º 1, da CRP.

O recorrente invoca, por fim, a inconstitucionalidade formal da norma do digo 398º, n.º 1, do CSC, por se enquadrar em matéria de legislação de trabalho e ter sido aprovada sem a participação das comissões de trabalhadores e das associações sindicais, em violação do disposto nos artigos 54º, n.º 5, alínea d), e 56º, n.º 2, alínea a), da CRP), e, bem assim, a sua inconstitucionalidade orgânica, neste caso, por a referida norma incidir sobre matéria atinente aos direitos, liberdades e garantias e constituir reserva relativa de competência da Assembleia da República, segundo o disposto no artigo 165º, n.º 1, alínea b), da CRP), e ter emanado do Governo sem prévia autorização legislativa.

Quanto ao primeiro dos aspectos em questão, basta relembrar o que se afirmou no acórdão recorrido, que não vem minimamente posto em causa no recurso. Sendo embora certo que, nos termos das citadas disposições constitucionais, constitui direito das comissões de trabalhadores e das associações sindicais participar na elaboração da legislação do trabalho, o ponto é que, segundo a lei 16/79, de 26 de Maio, que estabelece o regime em que deverá processar-se essa participação, por legislação de trabalho entende-se a que "vise regular as relações individuais e colectivas de trabalho, bem como os direitos dos trabalhadores, enquanto tais, e suas organizações" (artigo 2º, n.º 1). E o mesmo preceito exemplifica o tipo de questões que poderão estar em causa, referindo-se aos seguintes temas: contrato individual de trabalho; relações colectivas de trabalho; comissões de trabalhadores; associações sindicais e direitos sindicais; exercício do direito à greve; salário mínimo e máximo nacional; horário de trabalho; formação profissional; acidentes de trabalho e doenças profissionais.

No caso, porém, como se ponderou na decisão sob recurso, "não estão aqui em causa direitos ou interesses dos trabalhadores enquanto tais, e muito menos direitos ou interesses das suas associações representativas. Estarão sim em causa, e tão só, direitos dos administradores das sociedades, que ficarão afectados na medida em que dessa actividade resultam incompatibilidades, definidas na lei, para o desempenho de funções como trabalhadores subordinados".

Não se trata, pois, de legislação de trabalho e não havia que fazer intervir, no respectivo processo legislativo as estruturas representativas dos trabalhadores.

Por outro lado, e pelas razões já anteriormente expendidas, não procede o invocado vício de inconstitucionalidade orgânica.

Não se põe em dúvida que a reserva legislativa da Assembleia da República vale para toda a intervenção legislativa no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, e necessariamente também para as restrições, aí se incluindo as situações em que a Constituição autoriza a lei a estabelecer restrições à liberdade de escolha de profissão com fundamento no interesse colectivo, a que se reporta o artigo 47º, n.º 1, da lei Fundamental.

Simplesmente, só pode falar-se de restrição de direitos, liberdades e garantias depois de se conhecer o âmbito de protecção das normas constitucionais que consagrem esses direitos. Isto é, é necessário antes de mais analisar a estrutura da norma constitucional concretamente aplicável para determinar quais os bens jurídicos que por ela são protegidos e qual a extensão dessa protecção (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2ª edição, Coimbra, 1141).

Já vimos que o direito de liberdade de profissão que o artigo 47º, n.º 1, da CRP consigna, não se confunde com o exercício livre da profissão. As limitações e condicionamentos que possam ser instituídos relativamente ao exercício de um determinado cargo ou função não constituem restrições ao direito de escolha de um género de trabalho, e apenas o seriam se, em si, fossem impeditivas do acesso em liberdade à profissão.

No que se refere à norma do artigo 398º do CSC, ela fixa um condicionamento ao exercício do cargo de administrador de sociedades anónimas, mas não limita, de nenhum modo, a escolha da profissão. As restrições instituídas nesse preceito quanto ao exercício não estão, por isso, abrangidas pelo âmbito de protecção da norma do artigo 47º, nº 1, da CRP. E, nesses termos, não se integram na reserva legislativa parlamentar.»

4 - Notificado para alegar, o recorrente formulou as seguintes conclusões, na parte que interessa ao objecto do presente recurso de constitucionalidade:

«(...) 9 - Não se conformando o Recorrente com esta decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, e quanto às inconstitucionalidades invocadas, apresenta agora este Recurso para o Tribunal Constitucional com os seguintes fundamentos:

10 - Com efeito, é com base na decisão sobre a aplicação ao caso sub judice do disposto no artigo 398º, n.º 1 do CSC e sua interpretação de que existe nulidade insanável do Contrato de Trabalho celebrado entre o A. e a R. por aplicação automática do artigo 294º do Código Civil, afastando-se, em primeiro lugar a aplicação do artigo 397º n.º 2 do CSC e, em segundo lugar as próprias normas contidas nos artigos 15º e 17º da LCT e 335º do CC que se verificam as alegadas inconstitucionalidades.

11 - Efectivamente, aos casos previstos no artigo 398º nº1 do CSC deverá aplicar-se o disposto no artigo 397º n.º 2 do CSC pois trata-se expressamente de um contrato celebrado entre a sociedade e os seus administradores e não o artigo 294.º do CC.

12 - E, aplicando-se o artigo 397.º n.º 2 do CSC verifica-se que no caso dos Autos o contrato foi formalizado por deliberação da Direcção e do Conselho Fiscal onde não interveio o A. (Acta 69/90 de 28/11/90 da Direcção) e foram ainda, posteriormente, todos os actos da Direcção relativos à celebração do referido Contrato de Trabalho, sua formalização, remunerações, etc, ratificados pela Assembleia Geral (Acta 2/92 de 05/12/92) onde este ponto da ordem de trabalhos foi aprovado por maioria, com a abstenção dos membros da direcção presentes, entre eles o A., que consignaram em acta que se abstiveram porque a matéria em causa lhes dizia respeito,

13 - Pelo que, nessa medida, mesmo por aplicação ilícita do regime contido no Código das Sociedades Comerciais, nunca o Contrato celebrado entre A. e R. poderia ser considerado nulo face aos preceitos em causa e matéria factual dos presentes Autos sob pena de se verificar a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 398.º n.º 1 do CSC assim interpretada por violação do disposto nos artigos 53º, 58.º n.º 1, 18.º n.º 2 e 17º, e artigo 47º n.º 1 todos da CRP.

14 - Acresce que, sempre se deve entender que é manifestamente ilegal e inconstitucional aplicar ao caso dos autos (contrato de trabalho executado) o artigo 398.º n.º 1 do CSC conjugado apenas com o artigo 294.º do CC (cominação de nulidade insanável) afastando-se, igualmente, a aplicação do artigo 17.º n.º 1 da LCT, mesmo o contrato tendo sobrevivido ao desempenho das funções de administração, porque não cessou a causa de invalidade.

15 - Com efeito, o regime do artigo 17.º n.º 1 da LCT encontra respaldo em normas constitucionais, seja o artigo 53.º e 58.º n.º 1 da CRP, ao passo que os interesses tutelados pelo artigo 398.º do CSC não merecem tal protecção.

16 - E, nessa medida, o Acórdão Recorrido desvalorizou ilicitamente os interesses sociais a privilegiar, ou seja, tutelou os interesses societários (para mais ilicitamente suscitados) sacrificando o direito ao trabalho e a proibição dos despedimentos sem justa causa.

17 - Além do mais, mesmo a entender-se que existe no caso dos Autos colisão de direitos (o direito particular da sociedade R. a não ver celebrados contratos de trabalho entre os seus administradores que o direito da sociedade R visa a defesa de interesses colectivos ou mesmo bons costumes), teria aplicação ao caso dos Autos o disposto no artigo 335º n.º 1 do CC, concluindo-se, também assim, pela validade do contrato de trabalho celebrado entre A. e R..

18 - Esta é, aliás, uma das consequências jurídicas que se pode retirar da alegada conduta abusiva da R. na modalidade de "venire contra factum proprium"- a aplicação do artigo 335.º do CC considerando prevalente o direito do A., uma vez que, como se disse, não existiram quaisquer novos elementos de informação com base nos quais fosse legítimo à R. alterar a sua decisão/posição.

19 - Tal via interpretativa agride o que o artigo 18.º n.º 2 da CRP impõe, ex vi do que dispõe o artigo 17.º, também da lei Fundamental.

20 - E face a esta conclusão é legitimo defender que releva a questão de apurar se o contrato de trabalho do A. foi ou não executado e se sobreviveu ao desempenho de funções de administração.

21 - Ora, face à matéria dada como provada, dúvidas não podem subsistir que tal contrato foi executado e que sobreviveu ao desempenho de funções de administração.

22 - Nessa medida, forçoso é concluir que mesmo a considerar-se tal contrato ferido de nulidade (o que não se admite face a tudo o que já se expôs) o contrato revalidou-se com efeitos retroactivos - artigo 17.º n.º1 da LCT.

23 - A assim não se entender, ter-se-á forçosamente concluir que a norma contida no artigo 398.º n.º 1 do CSC interpretado no sentido de poder destruir a subsistência de um contrato de trabalho executado e que sobreviveu às funções de administração (afastando a aplicação, por um lado da norma contida no artigo 335.º do CC e, por outro lado, da norma constante do artigo 17.º n.º 1 da LCT), está ferida de inconstitucionalidade material por violação por violação dos artigos 53º, 58.º n.º 1, 18.º n.º 2 e 17.º e 47.º n.º 1 todos da CRP.

24 - Acresce que quanto à invocação do Principio constitucional da Imparcialidade, apenas se pode concluir que se esquece, mais uma vez, no Acórdão Recorrido o disposto no artigo 397.º n.º 2 do CSC bem como a situação concreta e factual dos presentes autos uma vez que por aplicação do disposto no artigo 397.º n.º 2 do CSC às violações do disposto no artigo 398.º n.º 1 ficaria imediatamente garantido tal Principio constitucionalmente consagrado.

25 - Além do mais, ao invocar a violação do disposto no artigo 47.º da CRP referia-se o Recorrente à interpretação da norma contida no artigo 398.º n.º 1 no sentido em que estabelece proibição de celebração de contratos de trabalho sem mais, com a cominação para a violação desta proibição a nulidade insanável por aplicação directa e imediata do artigo 294.º do CC (entendendo-se não aplicável o disposto no artigo 397º n.º 2 do CSC e afastando-se, igualmente, a aplicação do artigo 15.º e 17.º da LCT e ainda, do regime contido no artigo 335.º do CC)

26 - A liberdade aqui violada é a da escolha das funções de trabalhador e não das de administrador, e nessa medida tal preceito legal assim interpretado, viola, indubitavelmente, entre outros, o artigo 47.º n.º 1 da Constituição uma vez que impede a celebração de actos jurídicos constitutivos de relações de trabalho (in Manual de Direito Constitucional, Prof. Dr. Jorge Miranda, Tomo IV, págs. 410 e 411, 1988, Coimbra Editora)

27 - E nem sequer se pode inserir tal preceito assim interpretado nas restrições admitidas pela própria Constituição uma vez que estas só são admitidas se forem legalmente imposta pelo interesse colectivo (Artigos 47º n.º 1, 18.º n.º 2 e 17.º da CRP) e como, também nos ensina o Prof Dr. Jorge Miranda (na obra já citada, págs. 411 e 412 que "[...] em nome do interesse colectivo nunca poderá frustrar-se o conteúdo essencial da liberdade de profissão impondo a alguém certa profissão contra sua vontade ou impedindo arbitrariamente alguém de vir a exercer ou continuar a exercer a sua profissão".

28 - E, embora tal preceito apenas vise defender os interesses particulares de uma sociedade, mesmo que se entendesse que visava defender interesses colectivos, como, por exemplo os bons costumes conforme está na base da tese defendida no Acórdão Recorrido, nunca se poderiam considerar nulos os contratos, sem mais, uma vez que para a defesa dos bons costumes e mesmo para defesa do Principio constitucional da Imparcialidade invocado sempre bastaria aplicar a solução sufragada no artigo 397.º n.º 2 do CSC.

29 - Logo o artigo 398.º n.º 1 do CSC interpretado no sentido de que o contrato de trabalho celebrado entre a sociedade e um administrador, posteriormente à aquisição dessa qualidade de administrador, é nulo por aplicação do artigo 294.º do CC é, igualmente, materialmente inconstitucional por violação do artigo 47.º n.º 1 e, como supra se alegou, de um lado, e também o é face ao afrontamento do que dispõem os artigos 53º, 58.º n.º 1, 18.º n.º 2 e 17.º da CRP.

30 - Ora, face a tudo o que se expôs inequívoca é a conclusão de que o impedimento e suposta restrição previsto no artigo 398.º n.º 1 do CSC assim interpretado cai no âmbito do conceito de "Legislação de Trabalho", uma vez que restringe o âmbito da capacidade e legitimidade substantiva para a celebração de um contrato de trabalho e integra-se na reserva legislativa parlamentar uma vez que mexe com matéria atinente aos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos.

31 - E, nessa medida, por um lado, a norma contida em tal preceito é formalmente inconstitucional por violação dos artigos 54º n.º 5 alínea d) (anterior artigo 55.º, alínea d)), 56.º, n.º 2, alínea a) (anterior artigo 57.º, n.º 2, alínea a)) da CRP, e por outro lado, organicamente inconstitucional por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) (anterior artigo 167.º, n.º 1, aIínea d)), da CRP.

32 - Aliás, o Ac. n.º 1018/96 do TC de 09.10.1996 (Diário da República, II, de 13.12.1996, págs. 17 305 e seg. BMJ 460-238) ao "julgar inconstitucional por violação do disposto na alínea d) do artigo 55.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 57º, um e outro da Constituição, na versão operada pela lei Constitucional 1/82, de 30.09, a norma constante do n.º 2 do at. 398.º do CSC, aprovado pelo D. L. n.º 262/86 de 02.09, na parte em que considera extintos os contratos de trabalho, subordinado ou autónomo, celebrados há menos de um ano contado desde a data de designação de uma pessoa como administrador e a sociedade ou sociedades que com aquela estejam em relação de domínio ou de grupo", só vem confirmar a tese do Recorrente de que o artigo 398.º n.º 1 do CSC padece das diversas inconstitucionalidades invocadas, nomeadamente, formal e orgânica, na interpretação que lhe foi dada no Acórdão Recorrido

33 - Efectivamente, e analisando a fundamentação deste Acórdão, perfilha-se a tese de que, pese embora, o artigo 398.º (na sua globalidade) integre "...um conjunto de disposições visando o estabelecimento de um regime de incompatibilidades entre o exercício das funções de administrador de uma sociedade anónima e a realização de negócios jurídicos com ela ou com sociedades que estejam numa relação de domínio ou de grupo com a mesma e, bem assim, o desempenho, nelas, de funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, autónomo ou subordinado, ou ao abrigo de contrato de prestação de serviços, neste último caso cessadas que sejam as funções de administração, para além, ainda, do estabelecimento da proibição de os administradores, sem consentimento, exercerem, por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade ... tendo em vista impedir que os interesses da sociedade se não vejam eventualmente preteridos por outros interesses, estes dos trabalhadores, dos quais aquela pessoa dificilmente se poderia ver desligado... o que é certo é que não deixa tal norma de ter um reflexo directo e imediato no conteúdo das relações laborais existentes entre aquele que é trabalhador da sociedade (e que veio a ser designado administrador) e esta mesma.

34 - E, embora, no caso do disposto no artigo 398.º n.º 1 do CSC se preveja impedimentos e incompatibilidades ainda antes da respectiva celebração, o que é certo é que interpretando tal norma no sentido em que a violação da mesma pela celebração de um contrato de trabalho que esteve em execução por anos "a fio" reconhecido pela própria R. sua Assembleia Geral, etc..., implica a nulidade pura e simples, insanável deste contrato de trabalho, afastando-se a aplicação dos artigos 397.º n.º 2 e 15.º e 17.º da LCT não deixa esta norma, assim interpretada e aplicada ao caso sub judice de ter "... um reflexo directo e imediato no conteúdo das relações laborais existentes entre aquele que é trabalhador da sociedade [...] e esta mesma."

35 - E nessa medida, também por esta razão se deverá concluir mas agora quanto ao disposto no artigo 398.º n.º 1 do CSC assim interpretado e aplicado ao caso dos Autos que "... a norma em apreciação padecer de vício de inconstitucionalidade formal, por ofensa dos preceitos acima indicados".

Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser concedido provimento ao recurso e, consequentemente:

a) Declarada materialmente inconstitucional a norma contida no artigo 398.º n.º 1 do CSC por violação do disposto nos artigos 53º, 58.º n.º 1, 18.º n.º 2 e 17º, e artigo 47.º n.º 1 todos da CRP na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão Recorrido no sentido de que o contrato de trabalho celebrado entre a sociedade e um administrador posteriormente à aquisição dessa qualidade de administrador é imediatamente nulo por aplicação do artigo 294.º do CC (afastando a aplicação da norma constante do artigo 397.º n.º 2 do CSC); b) Declarada materialmente inconstitucional a norma contida no artigo 398.º n.º 1 do CSC interpretado no sentido de poder destruir a subsistência de um contrato de trabalho executado e que sobreviveu às funções de administração (afastando a aplicação, por um lado, da norma contida no artigo 335.º do CC e, por outro lado, afastando a aplicação da norma constante do artigo 17.º n.º 1 da LCT) por violação dos artigos 53º, 58.º n.º 1, 18.º n.º 2 e 17º, e 47.º n.º 1 todos da CRP.

c) Declarada formalmente inconstitucional a norma contida no artigo 398.º n.º 1 do CSC por violação do disposto nos artigos 54.º, n.º 5, alínea d) e 56.º n.º 2 alínea d) da CRP;

d) Declarada organicamente inconstitucional a norma contida no artigo 398.º n.º 1 por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da CRP;

e) Em consequência, revogada o Acórdão Recorrido, e a R. condenada a pagar ao A. todas as quantias peticionadas e ainda condenada na reintegração do mesmo com todos os direitos a esta reintegração inerentes.(...)»

5 - A recorrida contra-alegou, concluindo o seguinte:

«(...) 2 - Diz o Autor - conclusões 10 a 13 - que o artigo 398º do CSC, deverá ser interpretado no sentido de que às situações nele previstas se deverá aplicar o disposto no artigo 397.º/2 do CSC e não o artigo 294.º do CC: sob pena de o mesmo ser inconstitucional por, neste caso, violar os artigos 53.º, 58.º/1, 18.º/2 e 17.º e 47.º/1 da Constituição da República Portuguesa (CRP)

3 - É evidente que a norma do artigo 398.º/1 do CSC é uma norma especial em relação à do artigo 397.º/2 CSC.

O artigo 397º/2 CSC refere-se à generalidade dos contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores.

4.1 - O artigo 398.º/1 CSC refere-se a contratos de natureza especial: contrato de trabalho subordinado ou autónomo. A primeira daquelas normas, visa acautelar a sociedade num conflito de interesses em que esteja em causa o património da sociedade e o património do administrador: neste caso a lei presume que a deliberação do Conselho de administração e o parecer favorável do Conselho Fiscal são suficientes para acautelar o interesse e, por isso, o património da sociedade.

4.2 - Já quando, o que está em causa não é simplesmente o conflito entre dois patrimónios, mas a própria pessoa do administrador - no contrato de trabalho (subordinado ou autónomo) está em causa a própria pessoa - então a lei é mais restritiva: pura e simplesmente proíbe não só o exercício de funções, mas a própria celebração do contrato.

5 - E não se vêem que é que o n.º 1 do artigo 398.º do CSC seja inconstitucional.

5.1 - Ele não viola o artigo 53.º da CRP, pois não havendo qualquer contrato de trabalho válido, a cessação da relação de administração não consubstancia despedimento - isto é, cessação unilateral do contrato de trabalho por declaração da entidade empregadora.

5.2 - Ele não viola o artigo 58.º n.º 1 da CRP, pois esta norma é apenas programática e não significa que o direito ao trabalho tenha ou possa ser exercido contra tudo e contra todos: "Todos têm direito ao trabalho desde que o exerçam nos termos prescritos na lei."

Não é este o caso dos autos: o Autor tem direito a trabalhar, não tinha era direito a, enquanto Director da CCAM, celebrar com esta um contrato de trabalho.

5.3 - E o mesmo se diga quanto ao artigo 47.º/1 da CRP. Aliás, é esta própria norma - na medida em que ele própria ressalva as restrições legais ditadas pelo instrumento colectivo ou inerentes à capacidade do cidadão.

Ou seja, o artigo 398.º/1 do CSC é precisamente uma das concretizações da segunda parte do n.º 1 do artigo 47.º da CRP.

6 - E não se vislumbra, pois, em que é que o artigo 398º/1 do CSC viole os artigos 18º/2 e 17.º do CRP.

Diz o Autor que é ilegal e inconstitucional por violação dos artigos 53.º e 58.º/1 da CRP aplicar ao caso dos autos o artigo 398.º/1 do CSC conjugado com o artigo 294.º do CC, afastando-se a aplicação do artigo 17.º/1 da LCT.

E isto porque, diz, o artigo 17.º/1 da LCT está respaldado nos artigos 53.º e 58.º1 da CRP, o que não acontece com o artigo 398.º do CSC, que não merece protecção constitucional.

Conclusão 14 a 16.

7 - O artigo 17.º/1 da LCT dispunha que "cessando a invalidade durante a execução do contrato, este considera-se revalidado desde o início."

8 - Não é, manifestamente, o caso dos autos: o A. nunca executou o contrato de trabalho; o que o A. executou na sua relação com a Ré foi o contrato de administração que teve início em 18.03.1989 e terminou em 07.03.96 com o seu pedido de demissão do cargo de Presidente da Direcção da Ré. E entre 07.03.96 e 30.04.96 o A. esteve de baixa por doença, não tendo exercido quaisquer funções na Ré.

9 - Aliás, se se entendesse que, em 07.03.96, com o seu pedido de demissão do cargo de Presidente da Direcção, renasceu o contrato de trabalho, então ter-se-ia que concluir que a desvinculação do A. teve lugar durante o período experimental.

10 - Mas isso não consubstancia qualquer inconstitucionalidade.

A decisão recorrida não afastou nem deixou de afastar a aplicação do artigo 17º/1 da LCT.

11 - Também nesta parte se não vislumbra qualquer inconstitucionalidade e nomeadamente a violação dos artigos 53.º e 58º/1 da CRP.

12 - A afirmação que o A. faz de que a entender-se haver colisão de direitos - Conclusão 17- então deveria prevalecer o direito do A. a ver convalidado o contrato de trabalho, com efeito retroactivo - conclusão 22 - sob pena de o artigo 398.º/l CSC interpretado no sentido de poder destruir a subsistência de um contrato de trabalho executado e que sobreviveu às funções de administração, violar os artigos 53º, 58º/1, 18.º/2, 17.º e 47.º/1 da CRP, não faz qualquer sentido.

13 - A tal tese já a Recorrida respondeu: na relação do A. com a Ré nunca houve execução de qualquer contrato de trabalho.

E

14 - Ao contrário do que parece ser o entendimento do A., a norma do artigo 398.º/1 do CSC além de visar proteger o interesse da sociedade, visa proteger o interesse público: o negócio celebrado seria até contrário à ordem pública e ofensivo dos bons costumes: é a credibilidade da(s) empresa(s) e, com ela, a de toda a vida económica, que está em causa. Tal como ensina o Professor Raul Ventura, a norma do artigo 398.º/1 do CSC é imperativa e a sua violação provoca a nulidade do contrato, nulidade essa que, se tal norma não existisse, decorreria da contradição com os bons costumes.

15 - E é óbvio que a norma do artigo 398.º/1 do CSC não pode ser considerada legislação de trabalho, nem face à lei 16/79 de 26 de Maio, nem face, agora, ao Código do Trabalho - artigo 524º: manifestamente o artigo 398.º/1 do CSC não regula, nem visa regular os direitos e obrigações dos trabalhadores enquanto tais e suas organizações.

O que no artigo 398.º/1 do CSC está em causa são incompatibilidades dos administradores de sociedades anónimas, no caso dos Directores de uma CCAM.

Tal norma nem viola o artigo 54º n.º 5 alínea d), nem o artigo 56.º n.º 2 alínea a), nem o artigo 165.º n.º 1 alínea b) da CRP.

16 - Ao contrário do alegado na conclusão 34, o contrato de trabalho do A. não esteve em execução "anos a fio". O contrato de trabalho do A. nunca esteve em execução como já se disse (...)».

Cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação

6 - No presente recurso vem questionada a constitucionalidade da norma contida no n.º 1 do artigo 398.º do CSC, nas seguintes vertentes:

a) (In)constitucionalidade material da norma, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido no sentido de que o contrato de trabalho celebrado entre a sociedade e um administrador posteriormente à aquisição dessa qualidade de administrador é imediatamente nulo por aplicação do artigo 294.º do Código Civil (afastando a aplicação da norma constante do artigo 397.º, n.º 2, do CSC), por violação do disposto nos artigos 17.º, 18.º, n.º 2, 47.º, n.º 1, 53..º e 58.º, n.º 1, todos da Constituição;

b) (In)constitucionalidade material daquela norma, quando interpretada no sentido de poder destruir a subsistência de um contrato de trabalho executado e que sobreviveu às funções de administração (afastando a aplicação, por um lado, da norma contida no artigo 335.º do CC e, por outro lado, afastando a aplicação da norma constante do artigo 17.º, n.º 1, da LCT), por violação dos mesmos preceitos legais da Constituição;

c) Inconstitucionalidade formal, por violação do disposto nos artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56..º n.º 2, alínea d), da Constituição;

d) Inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.

O n.º 1 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais (aprovado pelo Decreto-Lei 262/86, de 2 de Setembro, com as alterações posteriores) tem o seguinte teor:

«Artigo 398.º

Exercício de outras actividades

1 - Durante o período para o qual foram designados, os administradores não podem exercer, na sociedade ou em sociedades que com esta estejam em relação de domínio ou de grupo, quaisquer funções temporárias ou permanentes ao abrigo de contrato de trabalho, subordinado ou autónomo, nem podem celebrar quaisquer desses contratos que visem uma prestação de serviços quando cessarem as funções de administrador.

2 - (...)

3 - (...)

4 - (...)

5 - (...)».

7 - Entende o recorrente que a norma em causa é formalmente inconstitucional, por ter sido aprovada sem a participação das comissões de trabalhadores e das associações sindicais, em violação do disposto nos artigos 54.º, n.º 5, alínea d), e 56.º, n.º 2, alínea a), da Constituição.

Sem razão, porém.

A Constituição prevê a participação das estruturas de representação colectiva dos trabalhadores na elaboração de legislação do trabalho (regulamentada na Lei 16/79, de 26 de Maio, entretanto revogada e, actualmente, nos artigos 524.º e s. do Código do Trabalho), não definindo, porém, a noção de legislação do trabalho.

Para além da noção que nos é dada pelo legislador infraconstitucional (artigo 2.º da Lei 16/79 e actual artigo 524.º do Código do Trabalho), o conceito tem sido densificado pela doutrina e pela jurisprudência, podendo dizer-se que nele se inclui a legislação que «verse qualquer ponto do estatuto jurídico dos trabalhadores e das relações de trabalho em geral, incluindo, naturalmente, os trabalhadores da função pública» (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, I, 4.ª ed., Coimbra, 2007, 724).

Em sentido próximo, tem-se pronunciado o Tribunal Constitucional - v., entre outros, os Acórdãos n.º 201/90 e n.º 362/94, publicados, respectivamente, no Diário da República, 2.ª série, de 21 de Janeiro de 1991, e no Diário da República, 1.ª série, de 15 de Junho de 1994, e demais arestos neles citados.

No Acórdão 1018/96 (Diário da República, 2.ª série, de 13 de Dezembro de 1996), citado pelo recorrente, considerou-se que a norma do n.º 2 do artigo 398.º do CSC - na parte em que considera extintos os contratos de trabalho celebrados há menos de um ano contado desde a data da designação de uma pessoa como administrador da sociedade - era incluível no conceito de legislação do trabalho, por ter uma repercussão directa e imediata no conteúdo das relações laborais existentes entre aquele que é trabalhador da sociedade (e que veio a ser designado administrador) e esta mesma.

Já no Acórdão 259/2001, que se debruçou sobre n.º 2 do artigo 398.º - na parte que determina a suspensão dos contratos de trabalho celebrados há mais de um ano com pessoa nomeada administrador da sociedade - decidiu-se não julgar inconstitucional esta dimensão normativa do n.º 2, por não implicar uma directa repercussão na situação jurídica dos trabalhadores, na medida em que não inova na regulamentação jurídica substantiva desses trabalhadores.

As situações previstas no n.º 2 do artigo 398.º são diversas das contempladas no seu n.º 1: enquanto que naquele estão em causa duas situações em que a pessoa que foi designada administrador da sociedade detinha, à data da designação, um vínculo laboral com a mesma sociedade, já na hipótese em apreço (a do n.º 1), previne-se a circunstância de o administrador designado adquirir, durante o exercício das funções de administração ou mesmo após a sua cessação, qualquer vínculo (laboral ou de prestação de serviços) com a sociedade administrada ou sociedades que com esta estejam numa relação de domínio ou de grupo.

Ou seja, na hipótese do n.º 1 do artigo 398.º não se verificam as razões em que o citado Acórdão 1018/96 se fundamentou para incluir o n.º 2 do preceito, na parte citada, no conceito de legislação laboral.

Na verdade, o n.º 1 não regula posições jurídicas de trabalhadores, enquanto tais, nem tem qualquer efeito directo e imediato numa relação de índole laboral. Pelo contrário, a norma tem como destinatário o administrador da sociedade - nessa exacta qualidade - e visa obstar a que este adquira a qualidade de trabalhador ou prestador de serviços da sociedade. Trata-se, assim, de vedar ao administrador a vinculação a outras actividades de colaboração pessoal na sociedade administrada, dado o risco que a confusão no mesmo sujeito das qualidades de administrador e administrado podia acarretar para a prossecução, de forma idónea, dos interesses sociais.

É, pois, manifesto, que tal norma não pode incluir-se no conceito de legislação do trabalho e, portanto, não havia que facultar a participação dos organismos representativos dos trabalhadores no respectivo processo legislativo.

Pelo que improcede a alegada inconstitucionalidade formal.

8 - Também carece de razão o recorrente quando invoca a inconstitucionalidade orgânica do n.º 1 do artigo 398.º, com base no entendimento de que a referida norma incide sobre matéria atinente a direitos, liberdades e garantias e, por isso, constituiria reserva relativa de competência da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea b) da CRP), tendo sido emanada do Governo sem prévia autorização legislativa.

O entendimento do recorrente parte do pressuposto de que a norma em causa, estabelece uma restrição à liberdade de escolha de profissão, enquanto direito fundamental acolhido no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição.

Mas como é sabido - e bem salientado na decisão recorrida - para que se possa falar em restrição a um direito fundamental, há primeiro que definir o conteúdo desse mesmo direito.

A norma que está em discussão prevê um impedimento de exercer "funções de trabalhador" numa sociedade, por parte daquele que escolheu, de acordo com a sua autodeterminação, aceitar as funções de administrador dessa mesma sociedade. O que significa que a incompatibilidade prevista no n.º 1 do artigo 398.º nasce de uma escolha (opção pelo cargo de administrador) do próprio interessado e, além disso, apenas se verifica no seio da sociedade onde exerce o cargo de administrador ou de sociedades que com esta estejam numa relação de domínio ou de grupo.

Assim, tal norma não é susceptível de interferir com a liberdade de escolher livremente uma profissão ou com a «escolha das funções de trabalhador», na expressão utilizada pelo recorrente. Na verdade, o âmbito da norma é antes o de associar, ao cargo de administrador (a que o interessado acedeu no exercício da sua liberdade de escolha), uma incompatibilidade ou proibição de exercício de outras funções, por razões que se prendem com a própria natureza do cargo.

Em sentido próximo, no que respeita à delimitação do âmbito da liberdade de escolha da profissão, embora versando situações diversas, vejam-se os Acórdãos n.º 328/94 e n.º 368/2003, publicados, respectivamente, no Diário da República, 2.ª série, de 9 de Novembro de 1994, e de 21 de Outubro de 2003.

Conclui-se, assim, que esta norma não versa sobre direitos, liberdades e garantias, designadamente, sobre o direito de livre escolha da profissão, pelo que não se integra a reserva legislativa parlamentar.

9 - O recorrente sustenta a inconstitucionalidade material da interpretação dada pelo acórdão recorrido ao n.º 1 do artigo 398.º, por violação dos artigos 17.º, 18.º, n.º 2, 47.º, n.º 1, 53..º e 58.º, n.º 1, da Constituição.

A interpretação normativa questionada é, por um lado, a que considerou o contrato de trabalho, celebrado entre o administrador e a sociedade após o início das funções de administrador, como imediatamente nulo, por aplicação do artigo 294.º do Código Civil, afastando-se a aplicação da norma do n.º 2 do artigo 397.º do CSC; e, por outro, a norma interpretada no sentido de poder destruir a subsistência de um contrato de trabalho executado e que sobreviveu às funções de administração, afastando a aplicação da norma contida no artigo 335.º do CC e da norma constante do artigo 17.º, n.º 1, da LCT.

A questão de constitucionalidade colocada pelo recorrente, é, assim, a de saber se a cominação de nulidade do contrato de trabalho (celebrado pelo administrador com a sociedade, após o início das respectivas funções de administração), com fundamento no n.º 1 do artigo 398.º do CSC, colide com a protecção constitucional da liberdade de escolha da profissão, da garantia de segurança no emprego e do direito ao trabalho (artigos 47.º, n.º 1, 53.º e 58.º, n.º 1, conjugados com os artigos 17.º e 18.º, n.º 2, todos da CRP). Nesse sentido, e no entender do recorrente, a declaração de nulidade do contrato de trabalho, por aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 398.º do CSC, corresponde a um despedimento sem justa causa.

Tal leitura não tem qualquer fundamento.

Como se salienta na decisão recorrida, não está em causa uma extinção do contrato de trabalho, por exercício da vontade da entidade empregadora, mas antes a aplicação das normas que impõem a invalidade do contrato celebrado, por violação de regras do direito societário.

Como já se teve oportunidade de salientar, a norma do n.º 1 do artigo 398.º do CSC contém uma proibição de os administradores em exercício celebrarem qualquer contrato de trabalho ou de prestação de serviços (para valer no decurso ou após a cessação das funções) com a sociedade administrada ou com outra que com esta esteja numa relação de domínio ou de grupo.

A ratio subjacente à norma é, evidentemente, a de impedir qualquer aproveitamento daquelas funções em benefício próprio, estabelecendo-se tal proibição independentemente de se saber se, em concreto, tal situação era ou não susceptível de causar prejuízos à sociedade. Mas é também um impedimento que se destina a salvaguardar o exercício desinteressado (imparcial) das competências que estão atribuídas à administração de uma sociedade e que, em muitos casos, serão conflituantes com um vínculo de subordinação jurídica com essa mesma sociedade.

Assim, a declaração de nulidade de contrato, celebrado em violação do disposto no n.º 1 do artigo 398.º, na medida em que traduz a sanção prevista no ordenamento jurídico para a violação de uma proibição legal, fundada em razões do direito societário, em nada contende com a protecção constitucional da segurança no emprego e do direito ao trabalho.

Finalmente, no que respeita à liberdade de escolha da profissão, remete-se para a análise efectuada a propósito da (in)constitucionalidade orgânica da norma, concluindo-se, sem necessidade de outros considerandos, que o campo de intervenção da norma, mesmo na dimensão que determina a nulidade do contrato de trabalho celebrado, não é susceptível de afectar tal liberdade, por nem sequer se poder concluir que está incluída no seu âmbito de protecção, pelas razões acima explicitadas.

III - Decisão

Nestes termos, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.

30 de Outubro de 2007. - Joaquim Sousa Ribeiro - Mário José de Araújo Torres - Benjamim Rodrigues - João Cura Mariano - Rui Manuel Moura Ramos

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/1631278.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1979-05-26 - Lei 16/79 - Assembleia da República

    Regula a participação das organizações de trabalhadores (comissões de trabalhadores e respectivas comissões coordenadoras, bem como associações sindicais) na elaboração da legislação de trabalho. Aprova e publica em anexo o modelo do impresso destinado ao pronunciamento das referidas organizações sobre os projectos e propostas de legislação, nos prazos e condições estipulados neste diploma.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-30 - Lei Constitucional 1/82 - Assembleia da República

    Aprova a primeira revisão Constitucional, determinando a sua entrada em vigor no trigésimo dia posterior ao da publicação no diário da república, bem como publicação conjunta da Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, no seu novo texto.

  • Tem documento Em vigor 1986-09-02 - Decreto-Lei 262/86 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código das Sociedades Comerciais.

Ligações para este documento

Este documento é referido no seguinte documento (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 2020-01-27 - Acórdão do Tribunal Constitucional 774/2019 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do n.º 2 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, na parte em que determina a extinção do contrato de trabalho, celebrado há menos de um ano, de titular que seja designado administrador da sociedade empregadora, por violação do disposto na alínea d) do artigo 55.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 57.º da Constituição, na redação vigente à data em que a norma f (...)

Aviso

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