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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 3/2023, de 13 de Fevereiro

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Sumário

«À contagem da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.º do Código Penal aplicam-se, por analogia, nos termos do artigo 4.º do Código de Processo Penal, as regras de contagem da pena de prisão constantes do artigo 479.º do Código de Processo Penal.»

Texto do documento

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2023

Sumário: «À contagem da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.º do Código Penal aplicam-se, por analogia, nos termos do artigo 4.º do Código de Processo Penal, as regras de contagem da pena de prisão constantes do artigo 479.º do Código de Processo Penal.».

Proc. n.º 38/18.1GEACB-A.C1-A.S1

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça

I

RELATÓRIO

1 - O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra veio, em 08.10.2021, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 8.09.2021 proferido no processo 38/18.1GEACB-A.C1 e transitado em julgado em 23.09.2021, alegando encontrar-se em oposição com o acórdão da mesma Relação de 7.07.2021, proferido no processo 178/14.6GTLRA-B.C1, transitado em julgado em 7.09.2021 (acórdão fundamento).

Recebido o recurso no Supremo Tribunal de Justiça, a Conferência da 5.ª secção julgou verificada a oposição de julgados e determinou o seu prosseguimento.

Notificados os interessados, apenas o Ministério Público apresentou alegações, terminando com a seguinte conclusão:

"À contagem da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no art. 69.º do CP aplicam-se por analogia as regras estabelecidas nos arts. 479.º do CPP e 24.º da Lei 115/2009, de 12.10."

2 - Colhidos os vistos, o processo foi à conferência do pleno das secções criminais, cumprindo decidir.

II

FUNDAMENTAÇÃO

a) Da Verificação dos Pressupostos do Recurso de Fixação

3 - Uma vez que o Pleno pode decidir em sentido contrário ao da conferência da secção (art. 692.º, n.º 4, do CPC, ex vi do art. 4.º do CPP), importa verificar se, como esta decidiu, ocorrem ou não, os pressupostos do recurso de fixação, designadamente a oposição de julgados.

Assim.

O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem por finalidade a obtenção de uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça que fixe jurisprudência, "no interesse da unidade do direito", resolvendo o conflito suscitado (art. 445.º, n.º 3, do CPP), relativamente à mesma questão de direito, quando existem dois acórdãos com soluções opostas, no domínio da mesma legislação, assim favorecendo os princípios da segurança e previsibilidade das decisões judiciais e, ao mesmo tempo, promovendo a igualdade dos cidadãos.

O que se compreende, até tendo em atenção, como se diz no ac. do STJ n.º 5/2006, publicado no DR I-A Série de 6.06.2006, que «A uniformização de jurisprudência tem subjacente o interesse público de obstar à flutuação da jurisprudência e, bem assim, contribuir para a certeza e estabilidade do direito.»

Ora, a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende do preenchimento de requisitos formais e de requisitos materiais, que se extraem dos arts. 437.º e 438.º do CPP.

São requisitos formais de admissibilidade deste recurso extraordinário, desde logo, a legitimidade (art. 437.º, n.º 5, do CPP), que pressupõe interesse em agir, a tempestividade na sua interposição (art. 438.º, n.º 1, do CPP), que é de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (que é o acórdão recorrido), a identificação (concretizando) do acórdão fundamento (com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição), incluindo se tiver sido publicado, o lugar da publicação (art. 438.º, n.º 2, do CPP) e o trânsito em julgado do acórdão fundamento (art. 437.º, n.º 4, do CPP).

O interesse do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência ser interposto apenas depois do trânsito em julgado quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, portanto estando esgotadas as possibilidades de recurso ordinário, faz sentido, atenta a finalidade em vista de resolver os conflitos existentes na jurisprudência, uniformizando-a e criando maior estabilidade no direito.

Além disso, neste recurso extraordinário, é igualmente preciso ter em particular atenção se estão ou não preenchidos os respetivos requisitos materiais (art. 437.º n.º 1 a n.º 4, do CPP), a saber:

- que os dois acórdãos (acórdão recorrido, que será o acórdão proferido em último lugar já transitado em julgado e acórdão fundamento, que será o acórdão anterior, transitado em julgado) respeitem à mesma questão de direito;

- tenham sido proferidos no "domínio da mesma legislação" (e, portanto, que não tenha havido alteração legislativa que interfira na parte aplicável ao caso apreciado que será comum ao acórdão recorrido e ao acórdão fundamento);

- "assentem em soluções opostas", partindo de idêntica situação de facto, importando que a oposição dos acórdãos seja expressa (a oposição respeita à decisão e não aos seus fundamentos)(1).

Posto isto, vejamos se, neste caso concreto, estão ou não preenchidos todos os requisitos acima apontados.

Ora, conforme se fundamentou no acórdão preliminar, analisados os autos não há dúvidas que o Ministério Público tem legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência que, para si é obrigatório (art. 437.º, n.º 2 e n.º 5, do CPP), sendo claro o seu interesse em agir, tendo-o apresentado tempestivamente (art. 438.º, n.º 1, do CPP), em 8.10.2021, uma vez que foi interposto dentro do prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, ou seja, do ac. do TRC proferido em 8.09.2021, que apenas transitou em 23.09.2021.

Para além disso, neste seu recurso extraordinário, o recorrente/MP identifica o acórdão fundamento (Ac. do TRC de 7.07.2021, proferido no processo 178/14.6GTLRA-B.C1), ou seja, o acórdão que invoca estar em oposição com o acórdão recorrido proferido no processo 38/18.1GEACB-A.C1 (em 8.09.2021), dando nota do seu trânsito em julgado, tendo sido junta aos autos a respetiva certidão com nota do trânsito (que ocorreu em 7.09.2021).

Portanto, estão preenchidos os pressupostos formais do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

Resta, agora, apurar, se igualmente se mostram preenchidos os seus pressupostos materiais.

Analisando o acórdão recorrido (ac. do TRC de 8.09.2021 proferido no processo 38/18.1GEACB-A.C1) e o acórdão fundamento (ac. do TRC de 7.07.2021 proferido no processo 178/14.6GTLRA-B.C1), verificamos que se reportam à mesma questão de direito, que é a de saber como se deve fazer a contagem da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, se é aplicando os prazos dos arts. 296.º (contagem dos prazos) e 279.º (cômputo do termo) do Código Civil ou se é antes aplicando os prazos do art. 479.º (contagem do tempo de prisão) do CPP.

Além disso, também do confronto do acórdão recorrido e do acórdão fundamento, verifica-se que há identidade de factos entre ambas as decisões, como melhor resulta dos respetivos despachos decisórios impugnados que foram nelas apreciados.

Acresce que, as soluções a que os acórdãos recorrido e fundamento chegaram, foram proferidas no domínio da mesma legislação, ambas se referindo à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no art. 69.º do CP, estando em causa a sua execução (art. 500.º do CPP), havendo divergências pelo facto de haver omissão de uma específica norma sobre a contagem do período de proibição de condução, sendo que, para suprir a dita omissão, no acórdão recorrido recorrem ao CPP (concretamente ao art. 479.º) e, no acórdão fundamento recorrem ao CC (concretamente aos arts. 296.º e 279.º).

Em face do exposto, considera-se verificada a necessária oposição de julgados, em conformidade com o disposto no artigo 437.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, porquanto os acórdãos assentam em soluções opostas, a partir de idêntica situação de facto, sendo expressa a oposição das respetivas decisões.

b) Argumentação do acórdão recorrido e do acórdão fundamento e delimitação da questão de direito a decidir

4.1 - Assim, argumenta-se no acórdão recorrido proferido no TRC de 8.09.2021, no processo 38/18.1GEACB-A.C1, no que aqui interessa, o seguinte:

"Constitui objeto do recurso a contagem da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados.

Não existindo norma que preveja especificamente tal contagem, a questão radica na definição da norma a aplicar:

- art. 296.º do C. Civil - que define a "contagem dos prazos" por remissão para o art. 279.º do mesmo diploma, relativo ao "cômputo do termo" das relações jurídicas - como sustenta o digno recorrente; ou

- artigo 479.º do CPP - que define a "contagem do tempo de prisão" - como entendido no despacho recorrido.

[...]

Alega o digno recorrente, na perspetiva da aplicação do citado art. 296.º, que a pena de prisão e a pena acessória de inibição de conduzir constituem realidades distintas, que a pena acessória não restringe nenhum direito fundamental, inexistindo razão para não considerar o período que medeia entre o início e o termo da pena de inibição como um prazo.

No entanto, como "pena", que é, ainda que acessória, não pode deixar de afetar os direitos do condenado, impedindo-o de exercer a condução de veículos a motor na via pública, afetando, além do mais, o seu direito de circular livremente na via pública para que se encontra legalmente habilitado.

Existindo, aliás, uma proximidade axiológica muito mais intensa entre a contagem da pena acessória e a pena de prisão do que com a contagem dos prazos, para efeitos civis, prevista no Código Civil.

Por outro lado, postula o artigo 4.º do CPP: - Nos casos omissos, quando as disposições deste código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e. na falta delas, aplicam-se os princípios gerais de processo penal.

Assim, para além do pressuposto da existência de uma lacuna, o primeiro postulado para o recurso a aplicação de norma subsidiária consiste, assim, em que "as disposições do CPP não puderem aplicar-se".

Ou seja, apenas deve recorrer-se a disposições de outros diplomas quando não existir no CPP previsão que possa ser aplicada, numa interpretação axiológica.

Mesmo quando exista uma verdadeira lacuna, esta deve ser integrada numa perspetiva tópico-retórica tendo em vista a globalidade, unidade e sentido do ordenamento jurídico.

Salvaguardando o devido respeito pelo entendimento diferente (Cfr. designadamente Ac. TRC de 10-03-2021, no recurso 96/20.9PAACB-A.C1), na aludida perspetiva de inserção da questão na ordem jurídica global, ponderam-se, a favor do entendimento da decisão recorrida, os seguintes argumentos:

- Não existe uma lacuna absoluta no CPP, no sentido de um vazio ou omissão total de previsão da contagem da "pena". Com efeito o Código de Processo Penal prevê a contagem da "pena" de prisão. Prevendo a contagem da pena de prisão, englobará, por argumento de maioria de razão, qualquer "pena" (principal, acessória ou de substituição) que careça de contagem. Bastando uma interpretação teleológica no sentido de que a previsão relativa à "pena" de prisão possa abranger também a "pena" acessória.

- Tanto mais que, nas sucessivas alterações a que foram submetidos desde a respetiva entrada em vigor, quer no Código Penal quer no CPP as penas acessórias têm vindo a ganhar autonomia que não tinham na redação originária dos aludidos diplomas, obrigando a preencher os pontos omissos das penas acessórias com o regime das penas principais - veja-se, a título de exemplo, a necessidade de uniformização da jurisprudência relativamente ao cúmulo jurídico de penas acessórias, resolvida pelo Acórdão do STJ para Uniformização de Jurisprudência (AUJ) n.º 2/2018 de 11.01.2018, publicado no DR SI de 12.02.2018) que decidiu: "Em caso de concurso de crimes, as penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, com previsão no n.os 1, alínea a) do artigo 69.º do Código Penal, estão sujeitas a cúmulo jurídico."

- No mesmo sentido aponta o princípio da "suficiência do processo penal" previsto no art. 7.º do CPP.

Neste sentido decidiu o recente Ac. TRC de 09.06.2021, no recurso n.º 54/18.3GCAB-A.C1, publicado em www.dgi.pt.

Assim, com os aludidos fundamentos aduzidos no Acórdão TRC de 23/06/2021 proferido no âmbito do recurso n.º 34/19.1GEACB-B, conclui-se que a decisão recorrida não merece censura."

4.2 - Por sua vez, argumenta-se no acórdão fundamento (ac. do TRC de 7.07.2021 proferido no processo 178/14.6GTLRA-B.C1), consoante transcrição sem negritos, nem sublinhados, no que interessa à presente decisão:

"Cumpre apreciar e decidir:

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigos 403.º, n.º 1 e 412º, n.º 1 do Código de Processo Penal), uma questão vem colocada pelo recorrente à apreciação deste tribunal:

- Saber se o cômputo do prazo da pena acessória de inibição de conduzir deve obedecer ao previsto nos artigos 296.º e 279.º, do Código Civil.

[...]

O despacho recorrido considera que a duração da pena acessória não é um prazo, mas uma pena, não sendo, por isso, legitimo aplicar ao cômputo da pena acessória uma norma que respeita ao cômputo de prazos.

Não acompanhamos, salvo o devido respeito, a orientação que dele consta, sendo certo que recentemente, no acórdão por nós proferido, no dia 10 de marco de 2021, no âmbito do processo 96/20.9PAACB.C1, publicado em www.dgsi.pt, a propósito desta questão, expandimos o seguinte raciocínio:

"Com efeito, o artigo 69.º, n.º 6, do Código Penal, consagra o seguinte:

"Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coação processual, pena ou medida de segurança." (nosso negrito).

Face ao teor da citada norma, é inequívoco que o tempo de proibição configura um prazo.

Como bem refere o recorrente, não devemos confundir a pena, enquanto consequência jurídica da prática do crime, com a duração dessa mesma pena, correspondente ao lapso de tempo durante o qual a pena produz os seus efeitos.

Estamos perante duas realidades diferentes.

A este propósito, consideramos pertinente citar o Acórdão do STJ n.º 4/2012, publicado no Diário da República n.º 98/2012, Série I, de 21 de maio de 2012:

"[...]

Durante os trabalhos preparatórios do Código Civil foi, efetivamente, sentida a necessidade de firmar regras unitárias sobre a contagem dos prazos (Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.os 50, p. 92, 105, p. 242, e 107, p. 249), havendo-se na oportunidade destacado que, no direito alemão, 'as regras dos §§ 187." a 193." valem, não só para o direito privado, mas também [...] para todas as esferas do direito, valem, como diz o § 186.º, para os prazos e termos contidos nas leis, resoluções judiciais e negócios jurídicos, em especial também para [...] o direito político' (Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 50, p. 93).

Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, 2.ª ed., ano i, p. 250) também reconhecem que, mercê do artigo 296.º, as normas do artigo 279." se aplicam 'tanto no campo do direito privado como no direito público', e outro não foi o entendimento do Assento de 5 de dezembro de 1973 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 232, p. 37) ao ordenar a aplicação da alínea c) do artigo 279.º do Código Civil à contagem da pena de prisão fixada em meses - matéria que não ultrapassa a órbita do direito público.

Técnica defeituosa, sem dúvida, a de, em diploma de direito privado, se traçar o regime de outros ramos de direito; mas, de qualquer modo, orientação preferível à adotada na Itália, onde a disciplina do cômputo do tempo estabelecida no Código Civil a respeito da prescrição é forçada a alargar-se a todos os casos em que o cômputo do tempo tenha relevância jurídica (Santoro-Passarelli, Teoria Geral do Direito Civil, tradução de Manuel de Alarcão, p. 87).»

[...]

O atual Código Civil chamou a si a completa estatuição dos princípios genéricos do cômputo do tempo, por isso que pelo Decreto-Lei 47 690, de 11 de maio de 1967, foram suprimidos os n.os 1 e 3 do citado artigo 143.º do Código de Processo Civil e no artigo 296.º afirmou, a propósito da contagem dos prazos, que 'as regras constantes do artigo 279." são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade'.

[...]." (nossos negritos).

Do exposto, resulta que os princípios da lei civil em sede de contagem de prazos se apliquem a outros ramos do direito.

O artigo 296.º, do Código Civil manda aplicar as regras do artigo 279.º, do mesmo diploma legal, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade.

O artigo 279.º, do Código Civil, dispõe sobre o cômputo do termo, da seguinte forma:

«À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:

a) Se o termo se referir ao princípio, meio ou fim do mês, entende-se como tal, respetivamente, o primeiro dia, o dia 15 e o último dia do mês; se for fixado no princípio, meio ou fim do ano, entende-se, respetivamente, o 1.º dia do ano, o dia 30 de junho e o dia 31 de dezembro;

b) Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr;

c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;

d) É havido, respetivamente, como prazo de uma ou duas semanas o designado por 8 ou 15 dias, sendo havido como prazo de um ou dois dias o designado por vinte e quatro ou quarenta e oito horas;

e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o 1.º dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o ato sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.»

Assim sendo, assiste razão ao recorrente."

Pois bem, sempre salvo o devido respeito, não vemos motivo para alterar a orientação por nós seguida no acórdão acabado de transcrever.»

4.3 - Da oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento conclui-se que a questão sobre a qual importa fixar jurisprudência é a seguinte:

- havendo que executar a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.º do CP em que o arguido foi condenado, para efetuar a contagem do respetivo período, na falta de norma expressa, particular, nessa concreta matéria, entendendo-se que existe uma lacuna carecida de integração (artigo 4.º do CPP), deverá aplicar-se, por analogia, o disposto no artigo 479.º do CPP ou antes recorrer-se ao disposto nos artigos 296.º e 279.º do CC.

c) Natureza da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no art. 69.º do CP

5 - A resposta à questão de direito que importa solucionar pressupõe, em primeiro lugar, que se caraterize ou define a natureza da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.º do Código Penal.

Como sabido, esta pena acessória tem um determinado período de duração (entre 3 meses e 3 anos), sendo aplicável, por referência a determinados tipos legais de crime, a pessoas individuais, no circunstancialismo definido no seu artigo 69.º, do Código Penal.

Aliás, em termos sistemáticos, insere-se na parte geral do Código Penal, no Título III Das consequências jurídicas do facto, Capítulo III Penas acessórias e efeitos das penas, estando a execução das penas acessórias prevista no Código de Processo Penal, no Livro X das Execuções, Título III Da execução das penas não privativas de liberdade, Capítulo IV Da execução das penas acessórias.

Como sintetiza Maria João Antunes(2), «As penas acessórias aplicam-se por referência ao conteúdo do ilícito típico; ligam-se, necessariamente, à culpa do agente, que é o seu pressuposto e limite; justificam-se de um ponto de vista preventivo; e são determinadas concretamente em função dos critérios gerais de determinação da medida da pena prevista no artigo 71.º do CP, a partir de uma moldura que estabelece os seus limites (mínimo e máximo) de duração. Neste sentido, há penas que o legislador denomina de "acessórias" que, em bom rigor, o não são.»

Como resulta do n.º 1 do próprio artigo 69.º, do Código Penal, esta pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor depende da aplicação de uma pena principal, ou de uma pena de substituição, na sentença condenatória(3).

Olhando, em geral, para o leque das reações penais previstas no Código Penal, podemos confirmar que, na lei penal fundamental se preveem penas principais (que são a pena de prisão e a pena de multa), penas de substituição (que, em resumo, são aquelas que vão sendo previstas para substituir ou ser aplicadas em vez das penas principais, verificados determinados pressupostos) e penas acessórias (que são penas adjuvantes das penas principais).

O que, apesar das sucessivas alterações do Código Penal (que não tem sido pródigo a nível da previsão de uma maior variedade de reações penais em geral), ainda se conforma com os ensinamentos de Jorge de Figueiredo Dias(4), quando afirma que "O estudo institucional das penas abrange as penas principais (a pena privativa da liberdade ou pena de prisão e a pena pecuniária ou pena de multa) e as penas acessórias (isto é, aquelas que não podem ser cominadas na sentença condenatória sem que simultaneamente tenha sido aplicada uma pena principal)" e ainda as "chamadas penas de substituição. Nelas se trata de penas que são concretamente aplicadas em vez das penas principais legalmente previstas para os crimes da PE do CP (máxime, das penas de prisão)."

E, como "pena" também foi tratada por Jorge de Figueiredo Dias(5), em reunião de 29 de Maio de 1989 da Comissão Revisora que, teve por base de trabalho o Anteprojeto de Revisão do Código Penal (Ministério da Justiça - Julho de 1987), quando discutiram a norma da "proibição de conduzir veículos motorizados" prevista no artigo 68.º-A, salientando o mesmo Professor que se tratava de uma "uma necessidade político-criminal, correspondendo, com algumas alterações, à formulação proposta no Anteprojeto" do Código Penal que então se discutia.

Apesar das diferentes penas acessórias hoje previstas no Código Penal, também, entre outras, quanto a esta concreta pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor (art. 69.º), Maria João Antunes(6), não tem dúvidas em a classificar como uma "verdadeira pena", precisamente pelas suas caraterísticas, tão próximas das penas principais.

E, no mesmo sentido vai Germano Marques da Silva(7), quando a propósito da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados refere que "é sempre aplicada cumulativamente com a pena principal aplicada aos crimes enumerados no art. 69.º, n.º 1. Neste caso a pena acessória tem mais a natureza de pena cumulativa já que a sua aplicação depende tão-só da condenação pela prática dos crimes previstos no art. 69.º, n.º 1."

Acrescenta o mesmo Autor(8) (ob. cit., p. 222), que "O procedimento para a execução das penas acessórias está estabelecido nos arts. 499.º e 500.º do Código de Processo Penal, sendo que a regra é a de que, para além dos casos expressamente dispostos naqueles artigos, o tribunal ordena as providências necessárias para a execução da pena acessória (n.º 6 do art. 499.º do CPP). Esta regra é muito importante porque além das penas acessórias previstas no Código Penal há muitas outras previstas por legislação avulsa e normalmente nada se dispõe sobre o modo da sua execução."

Aliás, Germano Marques da Silva(9), realça a natureza penal da sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados (art. 69.º do CP), quando a distingue da sanção de natureza administrativa prevista no Código da Estrada (então prevista no art. 141.º, hoje correspondente ao art. 147.º do CE) de inibição de conduzir.

De resto, como bem esclarece Maria da Conceição Ferreira da Cunha(10), «as penas acessórias, para serem verdadeiras penas e não efeitos das penas (ou, então, efeitos crimes) "disfarçados" de penas acessórias, por uma "burla de etiquetas", deverão ter por limite a culpa do agente, e perseguir finalidades preventivas, sendo determinadas, em concreto, pelos mesmos critérios que orientam a determinação das penas principais. Terão um efeito preventivo adjuvante destas, não deixando de ser penas, o que pressupõe, desde logo, a sua intransmissibilidade, a sua ligação à censurabilidade pessoal do agente, e a existência de limites mínimos e máximos para a sua duração, claramente determinados na lei. Cremos que, sendo penas, se deverão relacionar com o conteúdo dos ilícitos criminais e não com o quantum da pena principal, podendo, no entanto, relacionar-se ainda com ambos os aspetos.»

A mesma Autora(11), a propósito desta concreta pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, também lhe atribui a natureza de uma pena, atenta as suas caraterísticas (igualmente assinaladas por Maria João Antunes), chamando à atenção que "é também subsidiária (art. 69.º, n.º 7) face à medida de segurança do art. 101.º (cassação do título e interdição da concessão do título de condução de veículo com motor)" e, notando, adiante, "parece fazer sentido que, para casos menos graves se aplique a pena acessória (ancorada na culpa do agente) e, para casos mais graves (de verdadeira perigosidade), se aplique a medida de segurança."

Portanto, em geral, entre a doutrina, podemos afirmar que esta concreta pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º do Código Penal, assume natureza (usando as palavras de Maria João Antunes) de uma "verdadeira pena".

Posição essa que é seguida pela maior parte, senão praticamente por toda a jurisprudência(12), desde que esta pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, foi introduzida e clarificada no Código Penal, com a revisão aprovada pelo DL n.º 48/95, de 15.03, desde logo tendo em atenção as suas características, a sua distinção em relação aos efeitos das penas(13) e também quanto à medida de inibição de conduzir prevista no Código da Estrada.

E, estando a sua aplicação dependente da condenação na pena principal(14), tendo uma "função preventiva adjuvante da pena principal", a pena acessória não é "automática" (arts. 65.º do CP e 30.º, n.º 4, da CRP), tratando-se de «uma "sanção [penal]" (ainda que acessória, mas submetida aos princípios gerais da pena, como os da legalidade, proporcionalidade, jurisdicionalidade), de duração variável, em função da gravidade do crime e/ou do fundamento que justifica a privação do direito»(15).

Portanto, a pena acessória (com a sua moldura abstrata) é uma (ao lado da pena principal) das consequências penais que o legislador previu para determinados crimes que sejam cometidos pelos condenados.

Ora, assim sendo, importa, em segundo lugar, analisar como o legislador previu a execução desta pena acessória.

d) Execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no art. 69.º do CP

6 - Já vimos acima que a execução das penas está prevista no Código de Processo Penal, no seu Livro X (Das execuções), sendo precisamente no Título III, reservado à execução das penas não privativas da liberdade, que o legislador inseriu o capítulo IV, relativo à execução das penas acessórias, regulamentando-a nos seus artigos 499.º (decisão e trâmites) e 500.º (proibição de condução).

Particularmente, dispõe o artigo 500.º (Proibição de condução) do Código Penal

1 - A decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à Direcção-Geral de Viação.

2 - No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.

3 - Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.

4 - A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular.

5 - O disposto nos n.os 2 e 3 é aplicável à licença de condução emitida em país estrangeiro.

6 - No caso previsto no número anterior, a secretaria do tribunal envia a licença à Direcção-Geral de Viação, a fim de nela ser anotada a proibição. Se não for viável a apreensão, a secretaria, por intermédio da Direcção-Geral de Viação, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido a licença.

Por sua vez, dispõe o artigo 69.º (Proibição de conduzir veículos com motor) do Código Penal

1 - É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:

a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291.º e 292.º;

b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada deforma relevante; ou

c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para deteção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.

2 - A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.

3 - No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo.

4 - A secretaria do tribunal comunica a proibição de conduzir à Direcção-Geral de Viação no prazo de 20 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, bem como participa ao Ministério Público as situações de incumprimento do disposto no número anterior.

5 - Tratando-se de título de condução emitido em país estrangeiro com valor internacional, a apreensão pode ser substituída por anotação naquele título, pela Direcção-Geral de Viação, da proibição decretada. Se não for viável a anotação, a secretaria, por intermédio da Direcção-Geral de Viação, comunica a decisão ao organismo competente do país que tiver emitido o título.

6 - Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coação processual, pena ou medida de segurança.

7 - Cessa o disposto no n.º 1 quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a aplicação de cassação ou de interdição da concessão do título de condução nos termos do artigo 101.º

A questão que se coloca no presente recurso extraordinário, que gerou oposição de julgados, é a de saber como contar a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.º do Código Penal, em que o arguido foi condenado, quando essa pena é executada, visto o disposto no artigo 500.º do Código de Processo Penal.

Conjugando o disposto no artigo 500.º, n.º 4, do Código de Processo Penal com o artigo 69.º, n.º 2 e n.º 3 do Código Penal, deduz-se que a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor é de cumprimento contínuo (como resulta do artigo 500.º, n.º 4, do CPP, particularmente do segmento "pelo período de tempo que durar a proibição."), o que, nesse aspeto, diremos que se torna equivalente à pena de prisão, cuja execução é de cumprimento continuado.

Aliás, nem se prevê no mesmo artigo 500.º do Código de Processo Penal, nem em qualquer outra disposição legal, a possibilidade do seu cumprimento "descontinuado" ou sequer que possa ser substituído por outra forma de cumprimento, que não seja a entrega de título de condução ou a sua apreensão.

Tão pouco é passível de atenuação especial, nem de suspensão na sua execução, até considerando a função e natureza da pena acessória prevista no artigo 69.º do Código Penal.

Claro que, é na sentença condenatória que o juiz ordena a entrega do título de condução no prazo legal, sob a cominação de, não o fazendo, o condenado incorrer no crime de desobediência previsto no artigo 348.º, n.º 1, alínea b), do CP (v.g. ac. fixação n.º 2/2013).

Mas, independentemente do tipo de crime ou crimes em que o condenado pode incorrer, consoante o momento em que entrega ou não entrega o título de condução ou em que posteriormente é intercetado a conduzir (mesmo sem ter entregue o referido título ou após o ter entregue) coloca-se sempre a diferente questão de saber como efetuar a contagem da pena acessória imposta (ou seja, não pode confundir-se a produção de efeitos da proibição de conduzir a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, como determina o art. 69.º, n.º 2, do CP, com a diferente questão da contagem do período de tempo de duração da pena acessória fixada na mesma decisão).

E, se é certo que a contagem continuada do período de tempo de duração de proibição de conduzir veículos com motor será feita, após trânsito em julgado da sentença condenatória, desde a data da entrega de título de condução ou desde a data da sua apreensão (e só desde o trânsito em julgado da sentença condenatória se a apreensão do título de condução tivesse ocorrido anteriormente), a verdade é que articulando o artigo 69.º do Código Penal por um lado e o artigo 500.º do Código Processo Penal por outro lado, não encontramos uma resposta direta à questão colocada, de saber como efetuar a sua contagem.

Ou seja, conclui-se que existe uma lacuna legal carecida de integração (art. 4.º do CPP), para efetuar a contagem do respetivo período de proibição de conduzir veículos com motor, na falta de norma expressa, particular, nessa concreta matéria relativa à dita pena acessória prevista no artigo 69.º do Código Penal.

E isso, não obstante as duas referidas normas (artigos 69.º do CP e 500.º do CPP), apesar das alterações e reformas que vem sendo introduzidas a tais diplomas fundamentais, continuarem a referir-se à Direção-Geral de Viação (DGV), que já foi extinta, sendo hoje a entidade equivalente a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).

e) Integração da lacuna (artigo 4.º do CPP) quanto à forma de efetuar a contagem do período de proibição de conduzir veículos com motor (artigo 69.º do CP)

7 - Importa, agora, verificar como integrar a lacuna existente relativa à ausência de uma resposta expressa à questão colocada, de saber como se efetua a contagem da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.º do Código Penal.

Dispõe o artigo 4.º (integração de lacunas) do Código de Processo Penal

Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.

Ora, sobre a questão da contagem da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.º do Código Penal formaram-se essencialmente duas correntes:

- uma, maioritária, que segue a posição do acórdão recorrido(16), no sentido de ser aplicável, por analogia, o disposto no artigo 479.º do CPP; e,

- outra, minoritária, que segue a do acórdão fundamento(17), no sentido de ser antes aplicável o disposto nos artigos 296.º e 279.º do Código Civil.

Acima já foi exposto, o essencial da argumentação de cada uma das referidas posições opostas.

Neste caso concreto, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor (artigo 69.º do CP) não perde a sua natureza e características, pelo facto de ter um determinado período de duração, como sucede, com as demais penas, sejam principais ou acessórias.

E, também a sua execução (que pressupõe sempre o trânsito em julgado da decisão penal condenatória, visto o disposto no art. 467.º, n.º 1, do CPP) é de cumprimento contínuo, tal como sucede, com qualquer pena, nomeadamente com a pena de prisão.

Por sua vez, quanto à questão de "não contar para o prazo de proibição", ou seja, não contar para efeitos de desconto no prazo de proibição, o período de tempo que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coação processual, pena ou medida de segurança previsto no art. 69.º, n.º 6, do Código Penal, apenas revela uma preocupação do legislador, relacionado com razões de justiça material.

O que mostra que, nesse aspeto, o legislador quis distanciar-se do regime que estabeleceu (com oposto conteúdo) relativo ao desconto que estabeleceu quanto ao cumprimento, nomeadamente, da pena de prisão, previsto nos artigos 80.º a 82.º do CP.

De resto, como já foi assinalado, a aplicação desta pena acessória depende da aplicação de uma pena principal ao condenado (art. 69.º, n.º 1, do CP), pelo que está em causa a execução de penas, que naturalmente, consoante os casos, tem um determinado período de duração de cumprimento continuado, que devem seguir um regime que seja encontrado no âmbito do mesmo sistema processual-penal em que se inserem.

Não se pode é confundir o fim daquela norma aludida no artigo 69.º, n.º 6, do CP, que era assinalar o "não desconto" de determinadas medidas na contagem do prazo da proibição, com a retirada da ilação de que o tempo de duração da pena acessória configura nada mais do que um "prazo", como se pretende no acórdão fundamento, para depois se invocar, sem mais, ser de aplicar as regras relativas ao prazo previstas no Código Civil (arts. 296.º e 279.º).

Com efeito, a leitura atomística que é feita no acórdão fundamento, retirando de uma só palavra ("prazo"), contida numa norma relativa ao dito "não desconto" contido no n.º 6 do artigo 69.º do CP, desvirtua o sentido que o legislador pretendeu atribuir a esse dispositivo e, para além disso, ao ignorar os passos prévios previstos no artigo 4.º do CPP, atropela as regras do preenchimento das lacunas, na medida em que nem averiguou se havia alguma disposição do Código de Processo Penal que pudesse ser aplicada por analogia.

Aliás, a solução sugerida no acórdão fundamento levaria até à inutilidade, entre outras normas, do disposto no artigo 479.º (contagem do tempo de prisão) do CPP e do próprio artigo 41.º, n.º 4, do Código Penal, quando se refere, em primeiro lugar, aos critérios estabelecidos na lei processual penal.

Com efeito, segundo o n.º 4 do artigo 41.º (Duração e contagem dos prazos da pena de prisão), do Código Penal, "A contagem dos prazos da pena de prisão é feita segundo os critérios estabelecidos na lei processual penal e, na sua falta, na lei civil."

Ora, com essa norma, para a contagem dos prazos da pena de prisão, o legislador deu preferência aos critérios estabelecidos na lei processual penal (nomeadamente ao disposto no artigo 479.º do CPP) e, na falta de regulamentação, é que remeteu para a lei civil.

O que faz todo o sentido, olhando até aos fins do próprio processo penal e unidade que deve presidir ao sistema penal.

Não se pode fazer dessa norma letra morta e, seguindo o mesmo raciocínio do acórdão fundamento (aqui apenas para evidenciar a sua falta de razão) interpretar, porque há uma referência à palavra "prazos" no art. 41.º, n.º 4, do Código Penal, que então haveria que atender, para efeitos de contagem dos prazos da pena de prisão, à lei civil.

Portanto, estando o processo na fase da execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, o facto de a mesma se reportar ao cumprimento de um determinado período de tempo, não altera a sua natureza, nem o seu regime de execução.

E essa conclusão não é alterada pelo facto de a lei estabelecer no art. 69.º, n.º 6, do CP, que não operam no prazo de duração da proibição de conduzir veículos com motor, o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coação processual, pena ou medida de segurança.

Acrescenta-se que, não há razão para que haja um tratamento diferenciado, a nível da contagem do período de duração, entre a execução da pena de prisão e a execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, sabido que esta também restringe direitos fundamentais (abrangendo a proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria - artigo 69.º, n.º 2, do Código Penal) e tem uma natureza penal próxima, para efeitos de contagem, à da pena de prisão, até considerando a data do seu início (na pena acessória acontece, por regra, no dia da entrega do título de condução ou da sua apreensão e, no caso da pena de prisão acontece com a detenção/prisão do arguido, sem prejuízo da eventual aplicação das regras relativas ao desconto se for o caso, para efeitos de liquidação da pena), justificando-se, em nome da unidade do sistema penal e processual penal, que a mesma equivalência ocorra a nível da data do termo da sua duração.

As interpretações efetuadas neste acórdão estão de acordo com o princípio da legalidade, com o "fim almejado pela norma", mostrando-se, ainda, racional e funcionalmente justificadas.

Apelando, ainda, ao artigo 9.º do Código Civil, podemos acrescentar que não há quaisquer ambiguidades quanto às interpretações apontadas, atendendo "ao espírito do legislador, à unidade do sistema jurídico, às circunstâncias em que a Lei foi elaborada e ao contexto em que a mesma deverá ser aplicada".

De resto, considerando até o sentido pedagógico e ressocializador subjacente à pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, enquanto verdadeira pena estabelecida no artigo 69.º do Código Penal, compreende-se que a sua execução acompanhe as regras de contagem do cumprimento da pena de prisão, sob pena de se esvaziar o seu (da pena acessória) conteúdo útil, atendendo ao seu escopo, às exigências de socialização que lhe são inerentes, bem como considerando os objetivos de defesa da sociedade.

Impõe-se, pois, concluir, que a lacuna legal existente (art. 4.º do CPP), relativa ao cômputo da pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor, deve ser suprida pela aplicação, por analogia, do disposto no artigo 479.º do CPP.

Daí que, nos termos do mesmo artigo 4.º do CPP, haja um impedimento legal, para suprir a apontada lacuna, com recurso a outras normas, como pretendido no acórdão fundamento.

Assim, confirma-se o acórdão recorrido, impondo-se que a lacuna legal existente (art. 4.º do CPP), relativa ao cômputo da pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor prevista no artigo 69.º do CPP, seja suprida pela aplicação, por analogia, das regras da contagem da pena de prisão constantes do artigo 479.º do CPP.

IV

DISPOSITIVO

Em face do exposto, os Juízes que constituem o Pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, decidem:

a) confirmar o acórdão recorrido; e,

b) fixar a seguinte jurisprudência:

«À contagem da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.º do Código Penal aplicam-se, por analogia, nos termos do artigo 4.º do Código de Processo Penal, as regras de contagem da pena de prisão constantes do artigo 479.º do Código de Processo Penal.»

Sem custas.

Oportunamente, cumpra-se o disposto no artigo 444.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

(1) Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição, Universidade Católica Editora, 2011, p. 1192. Na jurisprudência, por exemplo, acórdãos do STJ de 27.09.2006 (Armindo Monteiro), de 2.10.2008 (Simas Santos) publicados no site da dgsi.pt.

(2) Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, p. 43.

(3) Assim, Maria João Antunes, ob. cit., p. 26.

(4) Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, p. 43.

(5) Jorge de Figueiredo Dias, in Código Penal, Actas e Projecto da Comissão Revisora, Ministério da Justiça, Rei dos Livros, Lisboa, 1993, p. 75.

(6) Maria João Antunes, Consequências jurídicas do Crime, Lições para os alunos da disciplina de Direito Penal III da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2007-2008, pp. 18-19, salientando: "Estão aqui em causa verdadeiras penas: ligam-se, necessariamente, à culpa do agente, justificam-se de um ponto de vista preventivo, e são determinadas concretamente em função dos critérios gerais de determinação da medida da pena previstos no artigo 71.º do CP, a partir de uma moldura que estabelece o limite mínimo e máximo de duração. Em matéria de execução vale o disposto nos artigos 499.º e 500.º do CPP [...]."

(7) Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III Teorias Das Penas e Medidas de Segurança, 2.ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, Lisboa, 2008, p. 82.

(8) Germano Marques da Silva, ob. cit., p. 222.

(9) Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários Pena Acessória e Medidas de Segurança, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1996, pp. 29-30.

(10) Maria da Conceição Ferreira da Cunha, As Reações Criminais no Direito Português, 1.ª edição, Universidade Católica Editora, Porto, 2022, pp. 274-275.

(11) Maria da Conceição Ferreira da Cunha, ob. cit., pp. 285-286.

(12) E isso, não obstante alguma discussão que surgiu, designadamente, sobre a constitucionalidade do art. 69.º, n.º 1, do CP, a que o TC respondeu que não era inconstitucional - ver, por todos, ac. do TC n.º 53/2011 (relatado por Cura Mariano) - , mas que para a decisão da questão de direito aqui em questão não releva.

(13) Tratando-a igualmente como "uma verdadeira pena acessória" e, assim, excluindo que seja um efeito da pena, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2021, p. 377.

(14) Como se diz no Ac. do TC n.º 202/2000, DR 2.ª série de 11/10/2000, "As sanções penais acessórias são aquelas que só podem ser pronunciadas na sentença condenatória conjuntamente com uma pena principal. [...] De um ponto de vista puramente teorético distinguem-se, pois, tais sanções dos chamados efeitos das penas, que são consequências determinadas pela aplicação de uma pena, principal ou acessória; e, em particular, distinguem-se das penas acessórias por não assumirem a natureza de verdadeiras penas, por lhes faltar o sentido, a justificação, as finalidades e os limites próprios daquelas.". E, mais à frente, acrescenta-se: "Como se disse, as penas acessórias distinguem-se das penas principais uma vez que a condenação nestas é condição necessária (embora não suficiente) da sua aplicação, sendo, porém, ainda necessário que o juiz comprove, perante o facto, a existência de uma justificação material para a sua aplicação."

(15) Assim Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 338.

(16) Ver do TRC, entre outros, o ac. de 9.06.2021, proferido no processo 54/18.3GCACB-A.C1, ac. de 10.11.2021, proferido no processo 214/20.7GAACB-AC1, ac. de 19.01.2022, proferido no processo 111/19.9GBACB.C1;

(17) Ver ac. do TRC de 10.03.2021, proferido no processo 96/20.9PAACB-A.C1.

Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Dezembro de 2022. - Maria do Carmo da Silva Dias (relatora) - Pedro B. Ferreira Dias - Leonor Furtado - Teresa de Almeida - Ernesto Carlos dos Reis Vaz Pereira - Helena Moniz - José Luís Lopes da Mota - Maria da Conceição Simão Gomes - Nuno António Gonçalves - Paulo Jorge Fonseca Ferreira da Cunha - Maria Teresa Féria Gonçalves de Almeida - Eduardo Almeida Loureiro - António Gama - Sénio Alves - João Guerra - Ana Maria Barata de Brito - Orlando M. J. Gonçalves.

116153217

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/5232863.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1967-05-11 - Decreto-Lei 47690 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Introduz modificações nos textos do Código de Processo Civil a fim de consagrar as inovações e as alterações exigidas pela entrada em vigor da nova Lei Civil (Código Civil aprovado pelo Decreto Lei 47344, de 25 de Novembro de 1966).

  • Tem documento Em vigor 2009-10-12 - Lei 115/2009 - Assembleia da República

    Aprova e publica em anexo o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

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