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Acórdão do Tribunal Constitucional 545/2021, de 16 de Setembro

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Sumário

Não declara a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 3.º da Lei n.º 16/2021, de 17 de abril, na parte em que adita o artigo 4.º-C ao Decreto-Lei n.º 8-B/2021, de 22 de janeiro (estabelece medidas de apoio no âmbito da suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais), e, através deste, altera os n.os 7 e 8 do artigo 23.º e os n.os 7 e 8 do artigo 24.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março; não declara a inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º da Lei n.º 16/2021, de 7 de abril, na parte em que introduz uma alínea b) do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 8-B/2021, de 22 de janeiro; declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 3.º da Lei n.º 16/2021, de 7 de abril, na parte em que adita o artigo 4.º-C ao Decreto-Lei n.º 8-B/2021, de 22 de janeiro e, através deste, altera os n.os 2 e 3 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março; declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 2.º da Lei n.º 16/2021, de 7 de abril, na parte em que altera o n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 8-B/2021, de 22 de janeiro; declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 2.º da Lei n.º 15/2021, de 7 de abril, que alterou, em sede de apreciação parlamentar, o n.º 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 6-E/2021, de 15 de janeiro; ressalva, nos termos do n.º 4 do artigo 282.º da Constituição, por motivos de segurança jurídica e de equidade, os efeitos produzidos pelas normas declaradas inconstitucionais, até à publicação deste Acórdão no Diário da República

Texto do documento

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 545/2021

Sumário: Não declara a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 3.º da Lei 16/2021, de 17 de abril, na parte em que adita o artigo 4.º-C ao Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro (estabelece medidas de apoio no âmbito da suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais), e, através deste, altera os n.os 7 e 8 do artigo 23.º e os n.os 7 e 8 do artigo 24.º, ambos do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março; não declara a inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º da Lei 16/2021, de 7 de abril, na parte em que introduz uma alínea b) do artigo 1.º do Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro; declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 3.º da Lei 16/2021, de 7 de abril, na parte em que adita o artigo 4.º-C ao Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro e, através deste, altera os n.os 2 e 3 do artigo 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março; declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 2.º da Lei 16/2021, de 7 de abril, na parte em que altera o n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro; declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 2.º da Lei 15/2021, de 7 de abril, que alterou, em sede de apreciação parlamentar, o n.º 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021, de 15 de janeiro; ressalva, nos termos do n.º 4 do artigo 282.º da Constituição, por motivos de segurança jurídica e de equidade, os efeitos produzidos pelas normas declaradas inconstitucionais, até à publicação deste Acórdão no Diário da República.

Processo 356/2021

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1 - O Primeiro-Ministro requereu, ao abrigo do artigo 281.º, n.º 2, alínea c) da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral:

a) Da norma do artigo 3.º da Lei 16/2021, de 7 de abril, que aditou, em sede de apreciação parlamentar, o artigo 4.º-C ao Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro, na parte em que modifica os artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março e, ainda, por conexão instrumental, da norma do artigo 2.º da Lei 16/2021, na parte em que adita a alínea b) ao artigo 1.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, com fundamento em violação do disposto no artigo 169.º, n.º 1 e no artigo 167.º, n.º 2, da Constituição;

b) Da norma do artigo 2.º da Lei 16/2021, que alterou, em sede de apreciação parlamentar, o artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 8-B/2021, com fundamento em violação do disposto no artigo 167.º, n.º 2, da Constituição;

c) Da norma do artigo 2.º da Lei 15/2021, de 7 de abril, que alterou, em sede de apreciação parlamentar, o artigo 3.º, n.os 1 e 6 do Decreto-Lei 6-E/2021, de 15 de janeiro, com fundamento em violação do disposto nos artigos 13.º e 167.º, n.º 2, da Constituição.

O Primeiro-Ministro requereu ainda, a título subsidiário, a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, das mesmas normas, com fundamento em «violação da Lei do Orçamento do Estado, na qualidade de lei com valor reforçado», invocando a conjugação entre os artigos 112.º, n.º 3 e 281.º, n.º 1, alínea b), da Constituição.

2 - Juntou três documentos: «Relatório sobre o impacto orçamental das alterações aprovadas na Assembleia da República aos apoios sociais», emitido pelos Ministérios das Finanças e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, sem data (documento n.º 1), «Dados do Sistema de Informação da Segurança Social», emitido pelo Instituto de Informática I. P., sem data (documento n.º 2) e «Nota - Conceito de rendimento médio anual mensualizado - Artigo 3.º, n.º 6 do Decreto-Lei 6-E/2021, de 7 de abril», emitido em 8 de abril de 2021 pela Direção Geral da Segurança Social (documento n.º 3).

3 - O pedido de declaração de inconstitucionalidade encontra-se fundamentado nos seguintes termos (transcrição parcial, sem destaques e notas de rodapé):

«1.1 - Da violação do artigo 169.º, n.º 1, da CRP

11.º A norma impugnada, no que tange à nova redação que, por via do novo artigo 4.º-C do Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro, confere aos artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, resulta ser inconstitucional por violação do prazo fixado no artigo 169.º, n.º 1, da CRP para a admissibilidade de propostas de apreciação parlamentar de decretos-leis, nos termos do qual:

"Os decretos-leis, salvo os aprovados no exercício da competência legislativa exclusiva do Governo, podem ser submetidos a apreciação da Assembleia da República, para efeitos de cessação de vigência ou de alteração, a requerimento de dez Deputados, nos trinta dias subsequentes a publicação, descontados os períodos de suspensão do funcionamento da Assembleia da República."

Sucede que,

12.º Pese embora o facto de, no plano puramente imediato e instrumental, a alteração legislativa operada por apreciação parlamentar através do artigo 3.º da Lei 16/2021, de 7 de abril recair sobre o Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro, na observância do prazo do artigo 169.º, n.º 1, da CRP, é incontornável que, no termo deste recurso legislativo indireto ou interpolado, acabou por ser o Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, o ato legislativo que, nos seus artigos 23.º e 24.º, foi objeto principal de uma alteração substancial e constitutiva, sendo certo que:

a) O mesmo Decreto-Lei 10-A/2020, pela circunstância de ter sido publicado no dia 13 de março de 2020, já não poderia ser submetido a apreciação parlamentar, por ter há muito ter transcorrido o prazo de 30 dias estipulado para o efeito no artigo 169.º, n.º 1, da CRP;

b) O Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro, que é objeto imediato da apreciação parlamentar, constitui um mero trampolim ou instrumento intercalar da Lei 16/2021, de 7 de abril, para que esta viesse a aditar-lhe, "tempestivamente", à luz do artigo 169.º, n.º 1, da CRP, o artigo 4.º-C, destinado a modificar dois preceitos de outro decreto-lei, o Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, o qual pelas razões expostas na alínea precedente já não podia diretamente ser sujeito a essa apreciação.

13.º Não se diga, deste modo, que o referido prazo constitucional do artigo 169.º, n.º 1, foi observado, pelo facto de, entre a data de publicação do Decreto-Lei 8-B/2021, objeto imediato da referida apreciação parlamentar, ocorrida no dia 22 de janeiro, e a data de entrada do requerimento originário de apreciação parlamentar desse decreto-lei, que teve lugar no dia 2 de fevereiro, terem transcorrido apenas 11 dias, já que:

a) O Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro, ao qual foi aditado o artigo 4.º-C pelo artigo 3.º

da Lei 16/2021, de 7 de abril, aprovada mediante o instituto de apreciação parlamentar, não estabeleceu a se nenhuma disciplina própria, mas antes operou como expediente formal ou manipulatório para a alteração reflexa de normas de outro decreto-lei que regulava uma matéria distinta e que já não podia ser objeto de apreciação parlamentar por transcurso do prazo revisto para o efeito;

b) A ser juridicamente admissível o referido aditamento, ficaria aberto o caminho para, no futuro, se passar a defraudar repetidamente o prazo-limite para a apreciação parlamentar constante do artigo 169.º, n.º 1, da CRP;

c) Para tanto, bastaria que esse prazo fosse acatado aquando da apresentação de uma proposta de apreciação parlamentar de um qualquer decreto-lei, de modo a introduzir, neste último, aditamentos destinados a modificar sorrateiramente outros decretos-leis que, nos termos do mesmo preceito constitucional, já não fossem suscetíveis de emendas por via da mesma apreciação parlamentar, defraudando-se toda a teleologia deste instituto e respetivos limites.

14.º Assim:

a) A norma do artigo 3.º da Lei 16/2021, de 7 de abril, é inconstitucional, por violação do prazo do artigo 169.º, n.º 1, da CRP, no respeitante as normas dos artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, que foram efetiva e substancialmente objeto principal da alteração realizada já depois do transcurso do prazo constitucional previsto para o efeito e por desvio evidente ao fim que subjaz aos limites do instituto de apreciação parlamentar; e

b) Por mera conexão instrumental, a norma do artigo 2.º da Lei 16/2021, de 7 de abril, é inconstitucional, na parte em que confere uma nova redação à alínea b) do artigo 1.º do Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro, a qual se reporta ou menciona a alteração inconstitucional feita ao Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, nos termos referidos na alínea anterior do presente número do Requerimento.

1.2 - A questão da desconformidade com o artigo 167.º, n.º 2, da CRP

15.º A mesma disposição normativa, por força da redação que conferiu as normas dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 24.º no Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, implica uma majoração do valor do apoio excecional a família para trabalhadores independentes, a qual importa uma despesa pública adicional não inscrita no Orçamento do Estado, estimada em um milhão e quatrocentos mil euros mensais, tendo em conta os trabalhadores abrangidos e os montantes mensais processados multiplicados por três - por passar de 1/3 para 100 % -, de acordo com os dados constantes da base de dados da Segurança Social, disponibilizados pelo Instituto de Informática, I. P., e também refletidos nos documentos anexos que se juntam como Documento 1 e Documento 2 para os devidos e legais efeitos e que aqui se dão por integralmente reproduzidos:

a) Ao invés de o apoio pago pela segurança social ser de 1/3, passará a ser de 100 % da base de incidência contributiva, sendo ainda ampliado o valor máximo elevado de 2,5 IAS para 3 IAS;

b) Esta alteração implica, por conseguinte, um claro desequilíbrio em face da solução estabilizada para os trabalhadores por conta de outrem, uma vez que, em regra, nesses casos, a segurança social suporta 1/3 da remuneração, e para os trabalhadores independentes passa a suportar a totalidade da remuneração;

c) Em suma, o alargamento à totalidade da base da incidência contributiva fará quase triplicar a despesa prevista e orçamentada.

16.º O regime consignado neste artigo 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, insere-se no conjunto de medidas excecionais e temporárias criadas pelo Governo no âmbito do combate a pandemia da doença COVID-19, em resultado da evolução do contexto pandémico que se iniciou em março de 2020.

17.º Tal regime visa prever um mecanismo social que permita continuar a dar resposta célere e eficaz aos constrangimentos e dificuldades sociais e económicas que decorram das medidas adotadas no âmbito da pandemia, cuja evolução, apesar de aparentemente mais controlada, permanece desconhecida, sendo este apoio aplicável e pago sempre que verificados os respetivos pressupostos, como sucede atualmente e não pode excluir-se que volte a suceder em diferentes momentos ao longo do presente ano, à semelhança do que aconteceu na primavera de 2020 e novamente no começo de 2021.

18.º Face ao exposto, tal como se observará infra na Parte III do presente Requerimento, resultando a apreciação parlamentar em análise de uma iniciativa oriunda de deputados que se traduziu numa alteração realizada a dois decretos-leis, dela derivando um aumento da despesa pública não prevista na Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2021, entende-se que a norma sindicada não se conforma com o disposto no artigo 167.º, n.º 2, da CRP.

2 - Artigo 2.º da Lei 16/2021, de 7 de abril, que altera o artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro (Estabelece um conjunto de medidas de apoio no âmbito da suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais)

19.º Por sua vez, a norma do artigo 2.º da Lei 16/2021, de 7 de abril, derivada das propostas de alteração 39 e 41 apresentadas em sede de apreciação parlamentar do Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro, confere nova redação ao n.º 2 do artigo 3.º do mesmo decreto-lei, modificando os critérios atributivos e o valor das medidas de apoio excecional à família no âmbito da suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais [...].

20.º Também a nova redação dada ao n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro, implica uma despesa pública adicional não orçamentada, calculada, no mínimo, em um milhão de euros mensais, o que coloca, de novo, uma questão de incompatibilidade com o disposto no do artigo 167.º, n.º 2, da CRP, tendo em consideração que, de acordo com os dados constantes da base de dados da segurança social (disponibilizados pelo Instituto de Informática, I. P., constantes do Documento 1 e do Documento 2 ora juntos):

a) Se alarga a possibilidade de o progenitor em teletrabalho poder beneficiar da medida caso haja um filho menor de 12 anos, e não, como no regime precedente, com limitação desse apoio se o menor frequentar o 1.º ciclo do ensino básico, pré-escolar ou em equipamento de apoio a infância; e

b) Se procede a um alargamento do pagamento a 100 % a todos os menores até 12 anos nas situações previstas na nova redação do artigo 3.º, o que implica, por estimativa, a entrada de cerca de duas mil crianças.

21.º De igual modo, também o regime ora sindicado se insere no conjunto de medidas excecionais e temporárias de natureza social e adotadas no âmbito do combate à pandemia da doença COVID-19, as quais são implementadas, necessariamente, em razão da evolução do contexto pandémico que se iniciou em março de 2020 e que permanecem vigentes, com especial relevância, no caso concreto, sempre que as atividades letivas presenciais sejam suspensas, seja por determinação das autoridades de saúde nacionais, regionais ou municipais, como sucede atualmente em diversas escolas e pode ocorrer em qualquer local e a qualquer momento (de acordo com o previsto no artigo 22.º, n.º 1, alínea a), ex vi artigo 23.º, ambos do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual), seja por determinação do Governo, como sucedeu nos 2.º e 3.º períodos do ano letivo 2019/20 e novamente nos 2.º e 3.º períodos do ano letivo 2020/21, não podendo excluir-se liminarmente que tal volte a suceder.

22.º Também quanto a este particular, da apreciação parlamentar em análise e da alteração realizada pela Assembleia da República através do artigo 2.º da Lei 16/2021, de 7 de abril, deriva, igualmente, um aumento da despesa pública não prevista na Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2021, pelo que, estando em causa uma atuação legislativa da iniciativa de deputados, entende-se que a norma sindicada não se conforma com o disposto no artigo 167.º, n.º 2, da CRP.

3 - Norma do artigo 2.º da Lei 15/2021, de 7 de abril, que altera o artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021, de 15 de janeiro (extensão das medidas extraordinárias de apoio a trabalhadores independentes, empresários em nome individual e gerentes)

23.º Já a norma do artigo 2.º da Lei 15/2021, de 7 de abril, derivada nomeadamente das propostas de alteração n.os 40 e 42, apresentadas em sede de apreciação parlamentar do Decreto-Lei 6-E/2021, de 15 de janeiro, o qual estabelece mecanismos de apoio no âmbito do estado de emergência, confere a seguinte redação aos n.os 1 e 6 do artigo 3.º deste diploma, cujo objeto envolve uma extensão das medidas extraordinárias de apoio a trabalhadores independentes, empresários em nome individual e gerentes:

[...]

24.º A alteração operada nas duas normas do artigo 3.º do decreto-lei mencionado implica também uma despesa adicional expressiva não orçamentada, estimada em trinta e oito milhões de euros mensais, o que implica uma desconformidade entre o artigo 2.º da Lei 15/2021, de 15 de janeiro, e o disposto no artigo 167.º, n.º 2, da CRP, relevando para esse efeito, o seguinte:

a) O aditamento de um novo n.º 6, com a alteração do referencial para o cálculo do apoio, previsto nos artigos 26.º, n.º 3, e 28.º-A do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, que, até aqui, se fixava na remuneração registada como base de incidência contributiva (rendimento relevante) e passa a ter como referência o rendimento médio anual mensualizado, e, por consequência, envolver valores mais elevados dos apoios, o que implicará um aumento importante da despesa associada à medida;

b) Efetivamente, o critério segundo o qual o apoio seja calculado não sobre o rendimento relevante médio mensal declarado (que em 2019 foi, em média para o conjunto dos trabalhadores independentes de 629,79(euro)) mas antes sobre rendimento médio mensal declarado (...) (que em 2019 foi, em média para o conjunto dos trabalhadores independentes, de 1.403,68 (euro)), implica um aumento de despesa com o sobredito apoio na ordem dos 123 %.

25.º A apreciação parlamentar em causa introduziu a seguinte modificação: enquanto que para o cálculo de todos os apoios pagos a trabalhadores independentes é utilizado o "rendimento relevante", no apoio extraordinário a redução da atividade e na medida extraordinária de incentivo a atividade profissional passa a ser utilizado o "rendimento médio anual mensualizado".

26.º Para que se compreenda a diferença da forma cálculo imposta pela apreciação parlamentar em apreço, é necessário atentar, em primeiro lugar, aos conceitos em causa: "rendimento relevante médio mensal declarado" vs. declarado".

27.º Nos termos legais, o "rendimento relevante médio mensal declarado" do trabalhador independente (com declaração trimestral, isto é, sem contabilidade organizada) é apurado pela instituição de segurança social competente com base nos valores declarados pelo trabalhador, bem como nos valores declarados para efeitos fiscais e é determinado nos seguintes termos:

a) 70 % do valor total de prestação de serviços;

b) 20 % dos rendimentos associados a produção e venda de bens;

28.º Ou seja, no apuramento do rendimento relevante dos trabalhadores - como base de incidência contributiva - não são considerados todos os rendimentos do trabalhador, mas apenas uma parte da sua faturação, que corresponde aos coeficientes referidos (70 % e 20 %), sendo desconsiderada a outra parte, entendida como despesa natural da atividade profissional.

29.º Sendo que os rendimentos não considerados para efeitos de determinação do rendimento relevante - isto é, considerados custos da atividade e por isso não objeto de incidência contributiva - são previstos em legislação regulamentar.

30.º Desde a criação do apoio em causa, a forma de cálculo aplica os referidos critérios que consubstanciam as regras típicas das prestações de segurança social.

31.º Por sua vez, no apuramento do "rendimento médio mensal declarado" do trabalhador independente são considerados todos os rendimentos do trabalhador, ou seja, 100 % da sua faturação - independentemente de o trabalhador ter ou não contabilidade organizada.

32.º Ora, com a alteração do referencial para o cálculo do apoio para 100 % do rendimento do trabalhador impôs-se uma alteração significativa: o valor do apoio aumenta substancialmente, o que se traduz, necessariamente, num aumento da despesa pública associada.

33.º Em segundo lugar, é necessário atentar ao quadro seguinte relativo a evolução do rendimento médio mensal declarado e do rendimento relevante médio mensal declarado trimestralmente em 2019, de acordo com os dados constantes da base de dados da segurança social, disponibilizados pelo instituto de Informática, I. P., e também refletidos no Documento 1 e no Documento 2 ora juntos:

(ver documento original)

34.º Ora, pese embora os montantes constantes do quadro anterior se tratem da média correspondente ao universo dos trabalhadores independentes e não do valor médio relativo a cada um dos trabalhadores independentes beneficiário do apoio, daqueles valores resulta claro que se o rendimento referencial - isto é, o rendimento declarado é significativamente superior ao rendimento relevante, também o valor do apoio a receber é significativamente superior.

35.º O referido aumento implica necessariamente um acréscimo de despesa com o sobredito apoio na ordem dos 123 %, tendo em conta os rendimentos médios e rendimentos relevantes médios mensais de 2019 de todos os trabalhadores independentes contantes da base de dados da Segurança Social (respetivamente, 1.403,68 (euro) e 629,79 (euro) - cf. Documento 2), pelo que seriam executados mais 38M(euro)/mês, atendendo ao número de trabalhadores independentes abrangidos pela medida.

36.º Em terceiro e último lugar, para além do referido aumento objetivo de despesa, importa também considerar que a alteração do cálculo para a consideração de 100 % do rendimento do trabalhador importa um considerável potencial aumento da despesa - pois tal alteração do cálculo é indubitavelmente mais apelativa para o trabalhador beneficiário do que o referencial aplicável até então.

37.º Tal incremento é passível e altamente provável de implicar um aumento do universo de beneficiários e, consequentemente, da despesa associada.

38.º Mas, mesmo tratando-se de um aumento apenas potencial e de difícil estimativa, tal potencialidade não pode ser ignorada ou atendida, designadamente face ao impacto na despesa pública não prevista na Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2021 - ademais, quando o âmbito temporal do apoio em apreço é necessariamente incerto porquanto é imprevisível também a evolução da situação pandémica em Portugal.

39.º Nesta medida, dúvidas não subsistem que da apreciação parlamentar em análise e da alteração realizada pela Assembleia da República, desta feita, através do artigo 2.º da Lei 15/2021, de 7 de abril, resulta, igualmente, um aumento da despesa pública não prevista na Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2021, pelo que, estando em causa uma atuação legislativa da iniciativa de deputados, entende-se que a norma sindicada não se conforma com o disposto no artigo 167.º, n.º 2, da CRP.

IV. Dos fundamentos da violação da "norma-travão" prevista no artigo 167.º, n.º 2, da Constituição e do valor reforçado da lei do orçamento do estado perante todas as normas sindicadas

40.º Tendo sido suscitada a desconformidade das normas referidas nos n.os 15 a 32 do presente Requerimento, com o disposto no artigo 167.º, n.º 2, da CRP, cumpre ao Primeiro-Ministro especificar as razões que o levam a pedir a declaração da inconstitucionalidade dessas disposições normativas, por violação da chamada "norma-travão" e, ainda, por inobservância do valor reforçado da Lei do Orçamento do Estado.

1 - A norma do artigo 167.º, n.º 2, da CRP como uma regra constitucional

41.º As alterações introduzidas sob forma de lei, no Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro, e no Decreto-Lei 6-E/2021, de 15 de janeiro, como efeito da aprovação de iniciativas oriundas de grupos de deputados, ao abrigo do artigo 169.º da CRP, implicam um aumento adicional efetivo da despesa pública orçamentada para o ano de 2021, estimada provisoriamente em 250 milhões de euros anuais.

42.º Dispõe o artigo 167.º, n.º 2, da CRP que:

"Os Deputados, os grupos parlamentares, as Assembleias Legislativas das regiões autónomas e os grupos de cidadãos eleitores não podem apresentar projetos de lei, propostas de lei ou propostas de alteração que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento."

43.º O artigo enunciado consiste num instituto constitucional designado por "norma-travão", uma expressão extraída da tradição constitucional portuguesa.

44.º A referida "norma-travão" é formulada constitucionalmente sob a forma de regra jurídica, ou seja, contém um mandato de definição que determina uma conduta imperativa (...), neste caso com um sentido proibitivo (derivado da injunção "não podem"): a CRP veda, assim, linearmente, iniciativas legislativas de deputados e grupos parlamentares que, sob a forma de projeto-lei ou proposta de alteração de uma lei, aumentem as despesas ou reduzam as receitas previstas no Orçamento do Estado em execução.

45.º Como regra jurídica, a norma-travão conforma um comando determinado e imperativo, não se reconduzindo, por consequência, a natureza de um princípio constitucional, ou seja, a um enunciado normativo de conteúdo indeterminado, concebido como um mandato de otimização dirigido a realização de um fim, cujo preenchimento dependa das possibilidades jurídicas e factuais existentes (...) e cuja aplicação se sujeite a operações de ponderação com princípios concorrentes, passíveis de o afastarem, caso exibam maior "peso" em situações concretas de conflito.

Por conseguinte,

46.º O instituto jurídico previsto no artigo 167.º, n.º 2, da CRP, como regra jurídico-constitucional, não é suscetível de ser sujeito a operações de balanceamento com princípios constitucionais potencialmente colidentes na regulação de uma questão problemática, dado que:

a) Princípios e regras constitucionais têm idêntica hierarquia;

b) Entre normas constitucionais do mesmo grau, existe, no plano da dogmática jurídica, um critério reitor que confere prioridade aplicativa a regra sobre o princípio, pois "um feixe de princípios tolera determinações muito diversas nas relações concretas de preferência, sendo conciliável com regras totalmente diferentes" (...);

c) As antinomias entre regras e princípios solucionam-se através da preferência ou prioridade lógica da regra, já que esta tem uma «pretensão de decidibilidade» (...) que os princípios não possuem, do que decorre que a sua natureza morfológica de lex specialis em relação a um princípio justifica a sua prevalência aplicativa sobre este (cf. artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil).

Em conclusão,

47.º Do exposto, resulta a inexistência de uma credencial constitucional para potenciais operações de ponderação, entre a regra ínsita na "norma-travão" e princípios constitucionais de objeto difuso (tais como os princípios da solidariedade ou da democracia social) ou com normas-princípio programáticas relativas a realização de direitos sociais, cujas polissemia e capacidade de cobertura de determinações muito diferentes as tornam inaptas para fundamentar a derrotabilidade de um comando proibitivo, com semelhante nível de determinação como sucede com o artigo 167.º, n.º 2, da CRP.

48.º Uma solução inversa a acabada de destacar nominalizaria a percetividade normativa da Constituição Financeira, que ficaria exposta a uma interpretação feita ad casum que aplicaria ou desaplicaria regras constitucionais de conteúdo preciso, ao alvedrio e em razão de uma preferência movediça conferida a princípios dúcteis, passíveis de servir opções dominantes, ainda que episódicas e flutuantes, de política conjuntural, incompatíveis com os princípios de equilíbrio, estabilidade, coerência e unidade orçamental.

2 - Precedentes legais e constitucionais internos da "norma-travão" e paralelismo com institutos homólogos em ordenamentos de Estados-Membros da União Europeia

[...]

3 - Fundamentos justificantes da norma-travão na ordem constitucional de 1976

58.º De entre outros, são essencialmente três, os objetivos determinantes de política constitucional que conformam razão de ser da inclusão da "norma-travão" na Lei Fundamental de 1976, a saber:

a) A proteção da estabilidade, equilíbrio, unidade e coerência do conteúdo orçamental, como plano financeiro do Estado durante o ano económico em curso e pressuposto do regular funcionamento da Administração, bem como da sustentabilidade da segurança social e das finanças públicas em geral;

b) A salvaguarda da competência exclusiva do Governo para dar execução a Lei do Orçamento do Estado, após a sua aprovação, no contexto da incidência do princípio da separação com interdependência de poderes entre o Parlamento e o Governo, no processo de produção e concretização da lei orçamental;

c) A garantia de compromissos externos assumidos regularmente pelo Estado Português em matéria financeira, nomeadamente, junto da União Europeia,

Cumprindo examinar cada um destes objetivos, considera-se que

59.º O primeiro fundamento da introdução da norma do artigo 169.º, n.º 2, da CRP, de acordo com os objetivos referidos na alínea a) do número anterior, solda-se a salvaguarda dos princípios constitucionais e legais estruturantes:

a) Do equilíbrio orçamental (previsto no n.º 4 do artigo 105.º da CRP, nos termos do qual o "Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas");

b) Da unidade orçamental (consagrado no n.º 3 do mesmo artigo e de acordo com o qual todas as receitas e despesas devem constar de um único instrumento legislativo orçamental e não de legislação fragmentária que potencie a criação de despesas públicas a margem e a revelia do Orçamento);

c) Da estabilidade orçamental [artigo 10.º-A da Lei de Enquadramento Orçamental (...)] que, como norma legal vinculante do próprio Orçamento, impõe a todas as entidades do setor público administrativo, uma situação de excedente e procura assegurar os resultados orçamentais previstos no plano financeiro anual do Estado, durante a sua fase de execução,

60.º Tendo em vista a prossecução destes princípios reitores do Orçamento do Estado, a norma-travão destina-se, em especial, segundo a doutrina:

a) A tornar "imperturbável o plano financeiro, anualmente delineado pelo Governo" e aprovado pelo Parlamento, constituindo uma "peça fundamental para a concretização de um consentimento parlamentar estável", o qual se revela "hoje fundamental, considerando os compromissos europeus no domínio da consolidação de médio prazo das finanças públicas" (...), tanto mais relevantes, no entender do Governo, quanto a imprevisibilidade dessa consolidação durante uma crise pandémica;

b) A impedir "(...) que o plano financeiro anual vertido na lei do orçamento possa ser perturbado a revelia do Governo (...) no sentido do agravamento das despesas ou da diminuição das receitas, isto é, no sentido do passivo orçamental";

c) A limitar, na vigência do Orçamento do Estado, a faculdade de os deputados em qualquer momento alterarem direta ou indiretamente o mesmo orçamento, configurando, deste modo, uma "justa garantia da estabilidade da execução e do equilíbrio orçamental";

d) A precludir a ocorrência súbita de cenários deficitários, já que "(...) tanto a redução de receitas como o aumento de despesa, feitos deforma inesperada e sem previsão de uma compensação correspondente, colocariam em risco todo o trabalho de execução orçamental", pois tanto "(...) uma como outra situação dariam azo a um défice orçamental".

61.º O segundo fundamento que justifica a "lei-travão", já antecipado no artigo 38 deste Requerimento, prende-se com a projeção do princípio constitucional da separação com interdependência de poderes (consagrado no n.º 1 do artigo 111.º da CRP) no procedimento legislativo agravado de aprovação do Orçamento do Estado, o qual, a par de outros atributos paramétricos para os quais concorre o disposto no artigo 167.º, n.º 2, da CRP, justifica o valor reforçado reconhecido a esta lei.

62.º Assinala-se, a este respeito, a existência de uma competência compartilhada entre Governo e Assembleia da República em todo o ciclo orçamental que, fruto de uma relação fiduciária entre os dois órgãos de soberania no domínio financeiro, não obsta a uma delimitação rigorosa de reservas de competência bem distintas das duas instituições em todo o processo de produção e execução orçamental, a qual espelha, inequivocamente, o reflexo do princípio da separação de poderes.

Efetivamente, por um lado,

63.º A CRP reserva exclusivamente ao Governo:

a) A iniciativa do procedimento legislativo respeitante a aprovação da Lei do Orçamento do Estado (alínea g) do artigo 161.º da CRP), dado ser hoje inequívoco que o Orçamento é "um instrumento político de primeira ordem utilizado pelo Governo para apresentar perante o Parlamento o seu programa político-financeiro anual", a reserva de iniciativa referida representa não apenas a aptidão técnica do Executivo para elaborar o orçamento, mas também "(...) a aceitação de que a definição e a prossecução da política económico-financeira do Estado compete ao Governo, ainda que com aprovação do Parlamento";

b) A faculdade de propor à Assembleia da República emendas a Lei do Orçamento do Estado em vigor, que assim funciona como guarda avançada da reserva de iniciativa governamental ínsita na alínea g) do artigo 161.º da CRP, já que esta última ficaria desvitalizada se, durante a sua execução, o Orçamento pudesse ser desconstruído ou desconfigurado por leis modificativas de iniciativa dos deputados ou grupos parlamentares;

c) A execução do Orçamento aprovado pela Assembleia da República, processo que a alínea b) do artigo 199.º da CRP inscreve numa reserva de Administração atribuída a competência absoluta do Governo, pese que realizada sob a forma de decreto-lei, não podendo nessa atividade o Executivo ser limitado pela ação do Parlamento e cumprindo-lhe respeitar o disposto na Lei de Enquadramento Orçamental (Título V).

Por outro lado,

64.º A CRP reserva a Assembleia da República, por seu turno, a competência exclusiva tanto para aprovar a Lei do Orçamento do Estado, podendo o Parlamento, nesta fase inicial, alterar como pretender a proposta governamental, como para aprovar alterações à mesma lei (alínea g) do artigo 161.º da CRP) sob proposta originária do Governo, sendo que, de acordo com a jurisprudência constitucional, as iniciativas derivadas dos deputados em sede de tramitação de um orçamento retificativo devem respeitar os limites ínsitos na iniciativa do Executivo.

65.º Sintetizando o que foi exposto, assinala-se que, no exercício deste procedimento legislativo complexo, a "norma-travão" opera como instrumento de separação de águas entre os dois órgãos de soberania, reforçando o protagonismo político-institucional do Governo através da fixação de um limite explícito às iniciativas legislativas parlamentares de natureza financeira, cujo âmbito de incidência opera nos seguintes termos e domínios:

a) No que respeita à proposta de Lei do Orçamento do Estado que o Governo anualmente submete à Assembleia da República, os deputados e grupos parlamentares não se encontram limitados pela norma-travão (que apenas incide sobre o Orçamento em execução), podendo, livremente, à luz do princípio democrático-representativo que há muito pontifica em matéria tributária e creditícia, não só rejeitar no todo ou em parte a iniciativa do Governo, como alterar profundamente a sua proposta de lei, aditando, aumentando ou reduzindo as receitas e despesas nela inscritas, mesmo que isso implique a sua descaracterização;

b) Já no que tange a propostas de lei de alteração de um Orçamento do Estado em execução, as iniciativas legislativas supervenientes dos deputados estão limitadas pelo artigo 167.º, n.º 2, na linha clara do já citado Acórdão 317/86, deste Tribunal, a doutrina entende que "(...) a norma-travão «preclude iniciativas que, aproveitando o próprio objeto de uma proposta governativa de modificação orçamental, a alterem de forma a que se produza a (...) efeito de aumento das despesas au diminuição dos créditos»", nada impedindo, contudo, que modifiquem a proposta de lei de alteração, no estrito sentido de reduzir as despesas e aumentar as receitas»;

c) A par do propósito anterior, uma incidência ainda mais clara do instituto-travão recai, naturalmente, sobre iniciativas legislativas avulsas dos deputados e grupos parlamentares, obstando a que as mesmas comprometam, por via indireta, através de leis soltas, a execução do Orçamento em vigor, gerando, mediante expedientes menos identificáveis, desequilíbrios de ordem negativa passíveis de descaracterizar e de contornar a reserva de iniciativa governamental;

d) Finalmente, a norma-travão veda, no contexto de um raciocínio paralelo ao da alínea precedente, propostas de emendas legislativas a decretos-leis em vigor requeridas pelos deputados, em sede apreciação parlamentar (artigo 169.º da CRP), dado que a proibição de "propostas de alteração" ao Orçamento de Estado que aumentem despesas e reduzam receitas, encontra cobertura literal no próprio texto do n.º 2 do artigo 167.º

66.º Dado que no presente Requerimento se impugnam, precisamente, normas constantes de leis da Assembleia da República que alteram decretos-leis do Governo, ao abrigo do artigo 169.º da CRP, entende-se ser pertinente explicitar os termos da respetiva submissão ao regime vinculante do artigo 167.º, n.º 2, da CRP na base das seguintes considerações:

a) Dispõe a norma do n.º 1 do artigo 169.º da CRP:

"Os decretos-leis, salvo os aprovados no exercício da competência legislativa exclusiva do Governo, podem ser submetidos a apreciação da Assembleia da República, para efeitos de cessação de vigência ou de alteração, a requerimento de dez Deputados, nos trinta dias subsequentes a publicação, descontados os períodos de suspensão do funcionamento da Assembleia da República";

b) Do mesmo modo, o n.º 1 do artigo 189.º do Regimento da Assembleia da República segue muito de perto o n.º 1 do artigo 169.º da Lei Fundamental, no que tange aos requisitos de admissibilidade do requerimento de apreciação parlamentar pela Mesa da própria Assembleia:

"O requerimento de apreciação de decretos-leis para efeito de cessação de vigência ou de alteração deve ser subscrito por 10 Deputados e apresentado por escrito na Mesa nos 30 dias subsequentes a publicação, descontados os períodos de suspensão do funcionamento da Assembleia da República";

c) O instituto da apreciação parlamentar, com alterações, deve revestir a forma de lei, de acordo com o n.º 5 do artigo 169.º da CRP, pelo que as "propostas de alteração" resultantes da iniciativa dos deputados e grupos parlamentares que tenham por escopo modificar decretos-leis objeto da mesma apreciação estão, sem margem para dúvidas, sujeitos ao limite do artigo 167.º, n.º 2, da CRP;

d) Está-se, afinal, diante de um procedimento legislativo enxertado num mecanismo de controlo parlamentar que envolve, com adaptações e especialidades, as fases ordinárias da tramitação legislativa comum: iniciativa, instrução, fase constitutiva, controlo de mérito presidencial e fase integrativa de eficácia;

e) Se vingasse interpretação diversa, no sentido de excluir as emendas em sede de apreciação parlamentar do alcance da norma-travão, permitir-se-ia que "entrasse pela janela algo que foi proibido que entrasse pela porta", já que a apreciação parlamentar com alterações a decretos-leis do governo mediante lei parlamentar constituiria uma via livre para defraudar a reserva de iniciativa orçamental do Governo e desconstruir o Orçamento de Estado em execução, reduzindo receitas e aumentando a despesa pública.

67.º Em suma, deve entender-se que a Constituição determina, seja através da reserva de iniciativa orçamental atribuída ao Governo, seja através da norma-travão, que o "Parlamento tem um momento próprio para determinar ao Executivo tarefas concretas orçamentais relevantes" e esse momento, no qual o referido órgão decide em liberdade, é o da aprovação da Lei do Orçamento de Estado, estando, a partir desse momento limitado no respeitante a iniciativas dos seus titulares que tenham por objeto alterar receitas e despesas orçamentadas.

68.º Neste equilíbrio procedimentalizado de poderes, se um Governo maioritário no Parlamento logra reduzir significativamente os riscos de desequilíbrio orçamental oriundos de iniciativas de deputados, o mesmo não se passa com governos minoritários, tornados mais vulneráveis a uma desidratação paulatina da Lei do Orçamento de Estado em execução e a uma desconstrução do plano financeiro anual das suas políticas públicas por maiorias de oportunidade, cumprindo convocar sobre esta delicada questão, que se aplica no caso sub iuditio, alguma doutrina:

a) "Como se vê, um Governo minoritário ou com maioria relativa, poderia facilmente ver diminuída a sua capacidade para governar através de leis aprovadas por maiorias circunstanciais, se fosse possível aprovar leis que envolvessem modificações substanciais para menos recursos dos previstos ou aumentos das despesas estimadas";

b) "Os parlamentos sem maioria absoluta tendem a procurar todos os subterfúgios para aprovarem iniciativas com consequências orçamentais, o que pode comprometer o objetivo constitucional de separação de poderes e de proteção da própria esfera do Governo";

c) "Se o Governo está sustentado por uma minoria partidária, então uma ação concertada da oposição pode vencer e o Governo vê-se constrangido a ter de aceitar e executar um orçamento que não é o seu. O campo de reação que o Governo tem perante iniciativas supervenientes deste tipo é de natureza essencialmente política e passa fundamentalmente pela troca de votos ("logrolling") na cena parlamentar".

69.º Resulta, assim, ser juridicamente inadmissível que, por via indireta, mediante leis avulsas ou apreciações parlamentares com emendas, se vá aumentando, passo a passo, a despesa pública, como no caso sub iuditio, já que tal conduta redunda, não só, numa violação do artigo 167.º, n.º 2, da CRP, mas na desintegração da reserva de iniciativa do Governo em matéria orçamental (artigo 161.º, alínea g) da CRP) e, ainda, na vulneração do princípio da separação de poderes por intervenção legislativa parlamentar nos termos de execução de um Orçamento em vigor, tarefa que integra a reserva de Administração do Governo (artigo 111.º, n.º 1, conjugado com a alínea b) do artigo 199.º da CRP)".

70.º O terceiro e último fundamento da "norma-travão" ganhou uma especial acuidade volvida a crise das dívidas soberanas de 2008 e no contexto dos antigos e novos compromissos internacionais e supranacionais assumidos pelo Estado Português, respetivamente, junto de instituições financeiras internacionais e da União Europeia, com relevo para o controlo da despesa pública [...].

[...]

71.º Se bem que a crise pandémica tenha ditado a suspensão temporária de critérios do Pacto de Estabilidade e Crescimento, tal facto não autoriza, ainda assim, impulsos internos que gerem um descontrolo errático do défice e da dívida pública, como o que envolve, com as normas ora impugnadas, um acréscimo da despesa não orçamentada correspondente, situação agravada num contexto de forte contração da economia portuguesa e de alguma incerteza quanto a eficácia temporal da materialização do fundo de recuperação, dependente de vicissitudes de outros Estados-membros.

4 - A violação da norma-travão pelas disposições legais impugnadas como lesão a uma componente estrutural do valor reforçado da Lei do Orçamento do Estado

72.º O valor reforçado da Lei do Orçamento do Estado, sendo aceite por toda a doutrina portuguesa, deriva de uma pluralidade de fatores, tais como:

a) Da reserva de iniciativa legislativa do Governo no respetivo processo de produção e, sobretudo, de alteração (artigo 161.º, alínea g), da CRP), o que confere à mesma lei uma especial rigidez, já que não pode ser revogada ou modificada por iniciativa dos deputados durante o seu ciclo anual de vigência; do artigo 112.º, n.º 3, da CRP, decorre a imposição de uma relação de respeito, em termos de força passiva, relativamente a leis parlamentares que disponham sobre o conteúdo do Orçamento sem observarem o procedimento especial e agravado de edição de leis orçamentais;

b) A "norma-travão" acolhida no artigo 167.º, n.º 2, da CRP constitui um relevante mecanismo complementar de defesa da natureza paramétrica da Lei do Orçamento do Estado, como lei reforçada, já que, ao abrigo da terceiro e quarto critérios do artigo 112.º, n.º 2, da CRP, amplia a exigência de respeito pelo equilíbrio entre receitas e despesas previstas na lei orçamental vigente, por parte de atos legislativos avulsos, de leis resultantes de apreciações parlamentares com emendas e de normas legais resultantes de iniciativas supervenientes de deputados apresentadas no contexto de uma proposta de lei de alteração orçamental formulada pelo Governo;

c) "A lei do Orçamento é uma lei reforçada (vide, infra, artigo 112.º) não só pelo procedimento, uma vez que o n.º 2 deste artigo, tal como mais adiante o artigo 161.º, alínea g), estabelecem uma iniciativa reservada ao Governo, como pelo seu caráter paramétrico, em virtude, especialmente, do disposto no artigo 167.º, n.os 2 e 3, mas também pela influência condicionante em diversas leis ordinárias de natureza financeira. Acresce que uma sólida tradição (...) levou a inclusão na Lei do Orçamento, de autorizações legislativas (...) fazendo com que aquela lei seja de valor reforçado ou reforçada ainda como pressuposto dos decretos-leis autorizados";

d) "O Orçamento é uma lei reforçada, que se insere numa zona nuclear dentro da reserva absoluta da competência legislativa da Assembleia da República e a essa caracterização estão associadas importantes peculiaridades de regime constitucional: (...) uma força vinculativa acrescida quanto a outras leis, o que justifica o regime do n.º 2 do artigo 170.º (presentemente o artigo 167.º, n.º 2).

73.º Em suma, a Lei do Orçamento do Estado é uma lei reforçada "(...) porque durante o ano económico, nenhuma lei que não seja de alteração ou retificação do próprio orçamento o pode afetar".

Ora,

74.º Se, de acordo com o entendimento doutrinal acabado de expor, a Lei do Orçamento do Estado é uma lei de valor reforçado e, como tal, parâmetro vinculativo de outras leis; se a norma-travão é instrumento dessa parametrização; e se, tal como se observou no artigo 47 deste Requerimento, essa mesma norma consiste numa regra constitucional proibitiva, tal significa que leis parlamentares da iniciativa dos deputados, avulsas ou aprovadas em sede de apreciação parlamentar, que aumentem a despesa ou reduzam a receita previstas num Orçamento em execução, a par de eventual ilegalidade por violação de lei reforçada (quarto critério do artigo 112.º, n.º 2, conjugado com a alínea b) do n.º 1 do artigo 281.º da CRP), são inconstitucionais:

a) Por ofensa ao artigo 167.º, n.º 2, da CRP, que reforça autonomamente a Lei do Orçamento como parâmetro vinculante e de validade dessas mesmas leis;

b) Por violação da reserva de iniciativa legislativa do Governo sobre leis que vertam sobre o conteúdo orçamental, afetando o seu equilíbrio (artigo 161.º, alínea g), da CRP);

c) Por eventual violação da reserva de Administração do Governo, na medida que essas leis intentem impor alterações a configuração orçamental, ao arrepio do que se encontra previsto na Lei do Orçamento do Estado em vigor, condicionando e interferindo no processo de execução orçamental, que é competência exclusiva do Governo (artigo 199.º, alínea b), da CRP)".

75.º Pelas razões expostas, essa inconstitucionalidade afeta todas as normas impugnadas, cujo acréscimo de gastos públicos que impõem implicará, no mínimo e no contexto dos montantes passíveis de serem estimados, um aumento da despesa pública, tal com o foi previamente antecipado, num valor superior a quarenta milhões e quatrocentos mil euros mensais e duzentos e cinquenta milhões de euros anuais.

76.º Para o estrito efeito da aplicação da norma-travão, resulta ser constitucionalmente irrelevante que, por força da entrada em vigor das referidas leis de iniciativa parlamentar ora impugnadas, o Governo possa, ou não, acomodar a despesa, fazendo transferências de montantes entre rubricas dentro do mesmo programa ou aumentando o total das despesas de cada missão de base orgânica, mormente, utilizando em sede de execução orçamental saldos de anos anteriores, dado que:

a) Tal hipótese implicaria uma inversão, inadmissível, do critério constitucional, reconhecido pela doutrina referida supra no n.º 72 deste Requerimento, segundo a qual, nomeadamente em virtude da norma-travão, é a Lei do Orçamento que, pelo seu valor reforçado, constitui parâmetro vinculante de leis de iniciativa parlamentar que aumentem a despesa orçamentada e não, obviamente, o contrário;

b) Ao abrigo do n.º 3 do artigo 59.º da Lei de Enquadramento Orçamental compete ao Governo proceder a alterações orçamentais não cometidas a Assembleia da República e, nos termos do artigo 60.º, alínea b) da mesma lei bem como do decreto-lei anual de execução orçamental, cabe-lhe apenas a ele proceder a aumentos de despesa de cada missão de base orgânica que, por exemplo, resultem da utilização de saldos de gerência de anos anteriores, integrando-se as referidas competências na reserva de Administração do mesmo Governo (alínea b) do artigo 199.º da CRP), não podendo atos legislativos avulsos da Assembleia, interferir ou substituir-se ao Governo no processo de execução do Orçamento de Estado, sob pena de usurpação de poderes;

c) A eventual existência de um défice de execução de missões estabelecidas no orçamento confere ao Governo discricionariedade, também em sede de execução orçamental realizada o abrigo da sua reserva absoluta de competência administrativa sobre a matéria, de reafetar saldos não gastos aos objetivos que estime mais pertinentes e não aqueles que forem sendo pontualmente traçados, a margem da Lei do Orçamento, por parte da Assembleia da República de acordo com juízos de oportunidade episódicos;

d) Em síntese, no presente processo, não está em causa o escrutínio da realidade puramente fáctica de não terem sido ainda gastas certas verbas relativas a saldos de gerência de anos anteriores e da competência própria do Governo as poder reafetar, mas antes uma questão intrinsecamente normativa que consiste na violação da "norma-travão" e da reserva de administração do Governo por leis de iniciativa parlamentar criadoras de um aumento da despesa pública.

77.º É também constitucionalmente irrelevante que as despesas em causa possam ser, pela sua natureza, legitimamente consideradas como "justas", "excecionais" ou "socialmente necessárias", dado que a doutrina é clara quando afirma que o dispositivo da norma-travão é "cego", ou seja, indiferente a natureza da despesa ou ao fim proposto para ela: para os devidos efeitos, limita-se a proibi-la, se afetar negativamente o equilíbrio orçamental, o que se compreende, já que se o artigo 167.º, n.º 2, da CRP consiste numa regra de conteúdo fortemente determinado, esta não poderá ficar dependente de ponderações assentes em medidas de valor indefinido que flutuem ao arrepio das opções contingentes de maiorias parlamentares fortuitas ou de um balanceamento, juridicamente inadmissível com princípios constitucionais de conteúdo muito mais geral, conforme se expôs no artigo 47.º deste Requerimento.

Em conclusão

78.º A partir do momento em que a "norma-travão", como regra constitucional indispensável para garantir o equilíbrio, a coerência e a unidade de uma lei estruturante das finanças anuais do Estado, como é a Lei do Orçamento, perca a cogência que a CRP explicitamente lhe confere e passe a ser convertida num princípio fosco, passível de afastamento quando colocado em colisão com quaisquer outros princípios, ficará criado um perigoso precedente ou até incentivo para que futuras iniciativas parlamentares de ocasião:

a) Desidratem, mediante justificações e pretextos conjunturais, a natureza reforçada da Lei do Orçamento de Estado e a garantia do princípio da separação com interdependência de poderes refletida no seu processo de aprovação inicial e de alteração, o qual, nos termos da jurisprudência constitucional (Acórdão 317/86), implica que ao Parlamento caiba "uma ampla liberdade decisória na altura do debate do orçamento, compensada por uma estrita vinculação a esta lei, uma vez aprovada", vinculação que passaria a ficar esmaecida na sua efetividade";

b) Desfigurem, livremente, o conteúdo da Lei do Orçamento do Estado durante o seu tempo de execução;

c) Comprometam a governabilidade de Executivos minoritários, mediante a desconstrução feita, passo a passo, de um plano financeiro estruturante para o funcionamento do Estado e para o equilíbrio das finanças públicas originariamente aprovado pelo próprio Parlamento.

79.º O mesmo precedente crítico poderá, igualmente, ter lugar por razões processuais, se a legislação violadora da norma-travão for declarada inválida perto do termo do processo de execução orçamental, com salvaguarda dos efeitos inconstitucionais passados que tenha produzido, dado que uma dinâmica reiterada de preservação de factos consumados converteria, futuramente, o artigo 167.º, n.º 2, da CRP, em termos jurídicos, num "tigre de papel" desprovido de qualquer consequencialidade sancionatória relevante.

80.º Não obstante, importa ressalvar que as disposições normativas impugnadas, apesar de revestirem uma natureza excecional e temporária, no âmbito do combate a pandemia da doença COVID-19, sempre se continuam a aplicar no contexto de suspensão de atividades ou encerramento de instalações e estabelecimentos por determinação legislativa ou administrativa, o que reforça a efetiva necessidade e urgência no julgamento da sua (in)constitucionalidade.

81.º Dado que as disposições normativas impugnadas têm uma vigência excecional - e consequentemente, transitória, mas com o potencial conhecido de se continuarem a aplicar durante o ano de 2021, onde serão diversas as situações e consequências do atual contexto de emergência sanitária -, mais se refere que:

a) Não haverá, no presente caso, fundamento para o julgamento da sua inconstitucionalidade "ratione tempore", com diferimento da aplicação dessas normas para o próximo ano económico;

b) Face à imprevisibilidade da evolução pandémica em Portugal e, consequentemente, da continuidade dos apoios em apreço, o julgamento da (in)constitucionalidade assume especial relevo, na medida em que o pressuposto material subjacente a constituição das normas sindicadas não se encontra esgotado, antes mantém plena aplicação;

c) Tem-se, salvo melhor opinião, como plenamente justificado, o entendimento de que a declaração de inconstitucionalidade das normas sindicadas postule os efeitos previstos no artigo 282.º da CRP, designadamente no seu n.º 4.

V. Dos fundamentos da violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13 da Constituição por parte do artigo 2.º da Lei 15/2021, de 7 de abril, que altera o artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021, de 15 de janeiro (extensão das medidas extraordinárias de apoio a trabalhadores independentes, empresários em nome individual e gerentes)

82.º Como já houve ocasião de explicar, o novo n.º 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021, de 15 de janeiro, aditado pela Lei 15/2021, de 7 de abril, veio alterar significativamente o critério legal utilizado para a determinação, em concreto, do valor do apoio social em causa (sobre a alteração do referido critério legal e respetivas implicações, vd. o parecer da Direção-Geral da Segurança Social, que se junta como Documento 3); sucede, porém, que tal alteração, para além de implicar necessariamente um acréscimo de despesa não prevista no orçamento do Estado em vigor, como ficou amplamente demonstrado, acarreta ainda uma grave desconformidade com os ditames do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, conforme se explanará em seguida.

83.º Com efeito, até ser introduzida esta alteração legal, o apoio social em apreço era calculado tendo por base os conceitos de remuneração que são considerados nos regimes do sistema previdencial de segurança social, seja por recurso ao conceito de base de incidência contributiva, seja, especialmente para os trabalhadores independentes, por recurso ao conceito de rendimento relevante.

84.º Esta é, aliás, a razão pela qual o artigo 26.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, na redação repristinada pelo Decreto-Lei 6-E/2021, de 15 de janeiro, prevê que o valor do apoio corresponde a percentagens do valor da remuneração registada como base de incidência contributiva, para trabalhadores independentes, para gerentes e para empresários em nome individual (n.os 3 e 14 do artigo 26.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março).

85.º Tal previsão encontra-se concretizada na regulamentação constante da alínea a) do artigo 3.º da Portaria 94-A/2020, de 16 de abril, ao estabelecer que, "para o cálculo do apoio, a remuneração considerada corresponde para os trabalhadores independentes, a média da base de incidência contributiva dos meses em que tenha existido registo de remunerações no período dos 12 meses imediatamente anteriores ao da data da apresentação do requerimento".

86.º Ora, a referida "base de incidência contributiva" não consiste na totalidade dos rendimentos do trabalhador independente ou sócio gerente, nem coincide com a sua faturação, antes equivale a uma parte do respetivo rendimento que é considerada para cálculo das contribuições previdenciais a pagar.

87.º E essa parte não é idêntica para todos os trabalhadores independentes ou sócios gerentes, variando em função do respetivo tipo de atividade, até porque, para este efeito, são desconsiderados os valores que constituem ou refletem diretamente o peso dos encargos com o desenvolvimento da própria atividade, reconduzindo o rendimento relevante ao valor efetivamente disponível para o trabalhador.

88.º Neste sentido, tal como estatui o artigo 162.º, n.os 1 e 3, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, os trabalhadores independentes estão sujeitos a um tratamento distinto em razão da natureza da respetiva atividade, variando a incidência das suas contribuições em função da determinação do seu rendimento relevante nos seguintes termos:

a) 70 % do valor total de prestação de serviços;

b) 20 % dos rendimentos associados a produção e venda de bens;

(nestes dois casos nas situações em que os trabalhadores independentes estão enquadrados no mecanismo de entrega de declarações trimestrais)

c) O valor do lucro tributável, quando o trabalhador independente está abrangido pelo regime de contabilidade organizada, previsto no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

89.º A consideração do tipo de rendimento determina, destarte, uma forma totalmente distinta, e com consideráveis variações, de determinação do rendimento relevante dos trabalhadores, de aferição do montante das respetivas contribuições para a segurança social e, consequentemente, de cálculo dos valores dos apoios sociais a que têm direito.

90.º Pois esses apoios terão necessariamente de refletir ou ter por base o rendimento que a segurança social considera relevante, em função do tipo de atividade em causa, e não o genérico valor da faturação, que - perante a multiplicidade de situações abrangidas - pode esconder rendimentos líquidos muitíssimo distintos (que o legislador, aliás, faz variar entre 20 % e 70 % da faturação, consoante esteja em causa a venda de bens ou a prestação de serviços).

91.º Ora, é em função desse rendimento líquido ou "relevante" - que constitui a "base de incidência contributiva" para o sistema de segurança social - que os apoios sociais são em regra calculados, na medida em que existe uma conexão lógica e racional entre o rendimento de que efetivamente se dispõe, a disponibilidade financeira de cada um para contribuir para o sistema e o montante do apoio a que, em momentos de aflição ou de perda do referido rendimento, se pode aspirar obter desse mesmo sistema.

92.º A Lei 15/2021, de 7 de abril, contudo, veio romper a aludida conexão lógica, ao dissociar o valor do apoio social do rendimento líquido, efetivo ou "relevante" do trabalhador, e consequentemente do montante dos respetivos descontos para a segurança social, passando a atender a um referencial (o "rendimento médio mensualizado" ou o valor da faturação) que, em função das múltiplas realidades abrangidas, compreende situações muito díspares, quer em termos de receita efetivamente disponível (uma vez abatidos os encargos da atividade em causa), quer no que toca as contribuições efetuadas para a segurança social.

93.º E, ao fazê-lo, o legislador parlamentar veio autorizar que uma miríade de trabalhadores independentes, sujeitos por lei a um esforço contributivo diferenciado e, portanto, titulares de um relacionamento com o sistema de segurança social muito distinto entre si, fossem, todavia, objeto de tratamento idêntico por parte dessa mesma segurança social - em flagrante contradição com o princípio constitucional da igualdade.

Acresce que,

94.º Tanto o apoio extraordinário a redução da atividade como a medida extraordinária de incentivo a atividade profissional foram concebidos como apoios sociais, destinados a compensar a perda de rendimentos considerados diretamente como rendimento do trabalho, ou seja, rendimento da atividade disponível para o trabalhador - e não, como resulta da alteração ora introduzida pela apreciação parlamentar, compensar os encargos económicos da atividade.

95.º Esse é, aliás, o fundamento essencial para a sua qualificação como apoios sociais e consequente não sujeição ao imposto sobre o rendimento das pessoas singulares.

96.º Assim, não obstante o financiamento destes apoios pelo Orçamento do Estado, a sua qualificação como "apoio social", afastando a qualificação de "compensação de apoio a atividade económica", conduz a ancoragem do cálculo naquilo que é relevante para a segurança social.

97.º Neste contexto, para além de implicar necessariamente um aumento de despesa, como vimos no capítulo anterior, a alteração do critério legal do cálculo do apoio em causa cria, ainda, uma situação de injustiça ou desigualdade, pois, ao deixar de se ter por referência o montante pelo qual se desconta (o "rendimento relevante" ou "base de incidência contributiva") para se atender a faturação (o "rendimento mensualizado"), passa a tratar-se de forma igual situações diferentes - paga-se o mesmo valor do apoio a trabalhadores que fazem descontos e contribuem para a segurança social de forma absolutamente díspar.

[...]

102.º Com efeito, não há qualquer racionalidade num apoio pago pela segurança social que, no seu cálculo, se aparta por completo do valor do rendimento relevante para efeitos de segurança social. E que, em consequência, confere o mesmo tratamento (isto é, o mesmo montante de apoio social) a trabalhadores independentes cujo histórico de contribuições para a segurança social é notória e expressivamente diferente.

103.º Donde, fruto da apreciação parlamentar em crise, passa a tratar-se, sem fundamento material relevante, de forma igual aquilo que é diferente, ao arrepio do princípio constitucional da igualdade - cuja violação se invoca -, o qual impõe que se dê tratamento igual ao que é igual e tratamento diferente ao que é diferente.

104.º Como é consabido, o princípio da igualdade manifesta-se não só na proibição de discriminações arbitrárias e irrazoáveis, como na obrigação de diferenciar o que é objetivamente diferente.

105.º O que, de resto, está de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, onde há muito se firmou o entendimento de que "O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a Lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais" (Acórdão TC n.º 186/90).

106.º Em síntese, resulta evidente que da apreciação parlamentar em análise e da alteração realizada pela Assembleia da República, desta feita, através do artigo 2.º da Lei 15/2021, de 7 de abril, resulta que a norma sindicada não se conforma com o disposto no artigo 13.º da CRP.»

4 - Notificado nos termos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da LTC, o Presidente da Assembleia da República ofereceu o merecimento dos autos e, em resposta a solicitação do Presidente do Tribunal Constitucional, no sentido da remessa de todos os elementos tidos por convenientes quanto ao impacto na despesa pública das normas sob fiscalização, enviou uma nota técnica, elaborada pelos serviços de apoio à Comissão de Trabalho e Segurança Social, relativa aos trabalhos preparatórios que conduziram à aprovação da Lei 15/2021 e da Lei 16/2021.

5 - Discutido o memorando elaborado pelo Presidente do Tribunal, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 63.º, n.º 1, da LTC, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre agora decidir em conformidade com o que então se estabeleceu.

II. Fundamentação

Legitimidade processual

6 - Assiste legitimidade ao Primeiro-Ministro para requerer a declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade de quaisquer normas, com força obrigatória geral, por força do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição.

Delimitação do objeto do pedido

7 - O pedido de declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade versa a norma contida no artigo 3.º da Lei 16/2021, na parte em que adita um novo preceito normativo - o artigo 4.º-C - ao Decreto-Lei 8-B/2021, o qual, por seu turno, procedeu a alterações de redação no enunciado dos artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020.

Cabe notar que o mencionado artigo 3.º contempla o aditamento ao Decreto-Lei 8-B/2021, em sede de apreciação parlamentar, de dois outros preceitos: uma disposição determinando a proibição de as instituições de apoio à infância, educação ou ensino anularem matrículas em certas condições (artigo 4.º-A); e outra relativa à elaboração de planos de pagamento para dívidas àquelas instituições (artigo 4.º-B), os quais não são objeto da pretensão deduzida pelo Requerente.

A pretensão de fiscalização cinge-se, pois, ao segmento do artigo 3.º da Lei 16/2021 que altera os artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020, estabelecendo medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19 (artigo 4.º-C). Na verdade, é neste segmento que a Assembleia da República, através da apreciação parlamentar de um decreto-lei publicado há menos de 30 dias, nos termos do n.º 1 do artigo 169.º da Constituição (o Decreto-Lei 8-B/2021), lhe adita uma disposição que introduz alterações a um decreto-lei anterior (o Decreto-Lei 10-A/2020); e são essas alterações que o requerente sustenta implicarem um aumento de despesa no ano económico em curso e configurarem uma violação da Lei do Orçamento do Estado (LOE).

Por seu turno, tomando a formulação do pedido, verifica-se que o mesmo abrange todo o âmbito da norma do artigo 2.º da Lei 15/2021, que altera o artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021, ou seja, quer a modificação introduzida no n.º 1, quer a modificação do n.º 6.

Todavia, os fundamentos do pedido aduzidos a esse propósito deixam perceber que a pretensão tem um âmbito mais reduzido. Resulta da argumentação que o requerente sustenta a inconstitucionalidade e a ilegalidade tão somente da norma introduzida no n.º 6 do artigo 3.º (que estabelece uma nova fórmula de cálculo de dois apoios sociais), não imputando qualquer vício à nova redação do n.º 1. Todo o discurso do requerente, seja em sede de cumprimento da norma do n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, seja quanto à conformidade com o princípio da igualdade, seja, ainda, no que concerne à sua compatibilidade com a Lei do Orçamento do Estado, é dirigido à modificação introduzida em sede de apreciação parlamentar no n.º 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021.

Em suma, é o novo método de cálculo do apoio extraordinário à redução da atividade económica e da medida extraordinária de incentivo à atividade profissional que concita as dúvidas de constitucionalidade que o requerente suscita perante este Tribunal. E, portanto, é sobre a norma introduzida no n.º 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021, através da Lei 15/2021, que versa o pedido de declaração de inconstitucionalidade e de ilegalidade, limitando-se a esta norma a apreciação do Tribunal.

Enunciado e alcance das normas impugnadas

Medidas de apoio no âmbito da suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais

8 - O artigo 3.º da Lei 16/2021, e o artigo 4.º-C, por ela aditado, têm o seguinte teor:

«Artigo 3.º

Aditamento ao Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro

São aditados ao Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro, os artigos 3.º-A, 4.º-A, 4.º-B e 4.º-C, com a seguinte redação:

[...]»

«Artigo 4.º-C

Alteração ao Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março

Os artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, passam a ter a seguinte redação:

Artigo 23.º

[...]

1 - [...].

2 - [...].

3 - [...].

4 - [...].

5 - Salvo o disposto no n.º 9, sobre o apoio incide a quotização do trabalhador e 50 % da contribuição social da entidade empregadora, devendo o mesmo ser objeto de declaração de remunerações autónoma.

6 - [...].

7 - O previsto no número anterior não impede o direito à partilha do apoio, se os progenitores o pretenderem.

8 - Se um dos progenitores desempenhar a sua atividade noutra forma, nomeadamente por teletrabalho, o outro progenitor mantém o direito ao apoio.

9 - (Anterior n.º 7.)

10 - (Anterior n.º 8.)

11 - (Anterior n.º 9.)

Artigo 24.º

[...]

1 - [...]

2 - O valor do apoio é correspondente à totalidade da base de incidência contributiva mensualizada referente ao primeiro trimestre de 2020.

3 - O apoio a que se refere os números anteriores tem por limite mínimo 1 Indexante de Apoios Sociais (IAS) e máximo de 3 IAS, não podendo, em qualquer caso, exceder o montante da remuneração registada como base de incidência contributiva.

4 - [...].

5 - [...].

6 - [...].

7 - O previsto no número anterior não impede o direito à partilha do apoio, se os progenitores o pretenderem.

8 - Se um dos progenitores desempenhar a sua atividade noutra forma, nomeadamente por teletrabalho, o outro progenitor mantém o direito ao apoio.

9 - (Anterior n.º 7.)»

O segmento normativo fiscalizado introduz no Decreto-Lei 8-B/2021 (na redação dada pelo Decreto-Lei 14-B/2021, de 22 de fevereiro), uma disposição a modificar o Decreto-Lei 10-A/2020, diploma que acolhe um conjunto de «medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID-19». Por efeito da norma em apreço, o legislador parlamentar alterou o regime introduzido por este último diploma, de apoio excecional à família para trabalhadores por conta de outrem (artigo 23.º) e de apoio excecional à família para trabalhadores independentes (artigo 24.º), concedidos a trabalhadores com filhos ou dependentes menores, em função de especiais necessidades de assistência familiar derivadas da suspensão das atividades letivas por razões epidemiológicas, impeditivas do normal exercício da respetiva atividade profissional.

No que concerne ao apoio excecional à família para trabalhadores por conta de outrem (constante do artigo 23.º do Decreto-Lei 10-A/2020), as alterações introduzidas pela Lei 16/2021, exprimem-se, do ponto de vista substantivo, na introdução dos novos números 7 e 8 do artigo 23.º do Decreto-Lei 10-A/2020, procedendo-se depois à renumeração dos demais números. As novas disposições acolhem o direito à partilha do apoio por ambos progenitores (n.º 7) e o direito de aceder a este apoio mesmo quando o outro progenitor preste o seu trabalho noutra forma, designadamente através de teletrabalho (n.º 8).

Quanto a este segmento normativo, imputa-lhe o requerente o vício de inconstitucionalidade, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 169.º da Constituição, em virtude de o legislador, através da apreciação parlamentar de um decreto-lei publicado há menos de 30 dias, ter introduzido neste último uma disposição dirigida a modificar um decreto-lei publicado há mais de 30 dias e que, por essa razão, não podia já ser submetido a apreciação parlamentar.

9 - No que tange ao apoio excecional à família para trabalhadores independentes (artigo 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020), a norma fiscalizada comporta quatro alterações substantivas.

Em primeiro lugar, altera o n.º 2, relativo ao valor do apoio, na sua relação com a base de incidência contributiva: na redação originária estabelecia-se que «o valor do apoio é correspondente a um terço da base de incidência contributiva mensualizada referente ao primeiro trimestre de 2020», passando agora a determinar-se que «o valor do apoio é correspondente à totalidade da base de incidência contributiva mensualizada referente ao primeiro trimestre de 2020». Em segundo lugar, modifica o n.º 3, na parte em que estatui o limite máximo do apoio: na redação originária dispunha-se que "O apoio a que se refere os números anteriores tem por limite mínimo 1 Indexante de Apoios Sociais (IAS) e máximo de 2 1/2 IAS", ao passo que agora se prescreve que "O apoio a que se refere os números anteriores tem por limite mínimo 1 Indexante de Apoios Sociais (IAS) e máximo de 3 IAS, não podendo, em qualquer caso, exceder o montante da remuneração registada como base de incidência contributiva". Em terceiro e quarto lugares, adita-se um n.º 7, que passa a prever o direito à partilha do apoio por ambos progenitores; e um n.º 8, que consagra o direito de aceder a este apoio mesmo quando o outro progenitor preste o seu trabalho noutra forma, designadamente através de teletrabalho.

Também quanto a este segmento normativo, o pedido de declaração de inconstitucionalidade assenta em infração do n.º 1 do artigo 169.º da Constituição, ao ter o legislador, através da apreciação parlamentar de um decreto-lei publicado há menos de 30 dias, introduzido neste último uma norma que se dirige a modificar um decreto-lei publicado há mais de 30 dias; a que se junta a violação do disposto no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, argumentando o requerente que as alterações introduzidas têm por efeito um aumento da despesa no ano económico em curso.

Porque o requerente solicita a declaração de inconstitucionalidade da introdução da norma que, no Decreto-Lei 8-B/2021, passa a alterar o Decreto-Lei 10-A/2020, pede ainda a declaração de inconstitucionalidade, por conexão instrumental, da norma do artigo 2.º da Lei 16/2021, na parte em que introduz uma alínea b) do artigo 1.º do Decreto-Lei 8-B/2021. Nesta disposição define-se o objeto do Decreto-Lei 8-B/2021, determinando a disposição em causa que esse diploma procede à «vigésima nona alteração ao Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID-19». Então, requerida a declaração de inconstitucionalidade das alterações introduzidas neste diploma, requer-se, igualmente, a eliminação da norma que alude a tais modificações legislativas.

Medidas de apoio excecional à família

10 - A segunda dimensão normativa cuja declaração de inconstitucionalidade é peticionada encontra-se no artigo 2.º da Lei 16/2021, na parte em que altera, em sede de apreciação parlamentar, o n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei 8-B/2021. Estes são os seus termos:

«Artigo 3.º

[...]

1 - [...]

2 - O regime em vigor tem as seguintes adaptações:

a) Nas famílias monoparentais com filho ou dependente a cargo, menor de 12 anos, o progenitor pode optar pelo regime de teletrabalho ou pelo apoio excecional à família, ainda que existam outras formas de prestação da atividade, nomeadamente por teletrabalho

b) Nas famílias com pelo menos um filho ou dependente a cargo, menor de 12 anos, um dos progenitores pode optar pelo apoio excecional à família, ainda que existam outras formas de prestação da atividade, nomeadamente por teletrabalho e mesmo que o outro progenitor esteja em teletrabalho;

c) Nas famílias com filhos ou dependentes com deficiência ou doença crónica, um dos progenitores pode optar pelo apoio excecional à família, ainda que existam outras formas de prestação da atividade, nomeadamente por teletrabalho e mesmo que o outro progenitor esteja em teletrabalho.

[...]»

O preceituado no artigo 3.º do Decreto-Lei 8-B/2021, inscreve-se no regime do apoio excecional à família, previsto nos artigos 23.º a 25.º do Decreto-Lei 10-A/2020, estipulando as condições e os montantes das respetivas prestações.

Importa atentar na evolução que sofreu essa disciplina excecional, num quadro epidemiológico reconhecidamente marcado pela oscilação dos níveis de propagação da doença (ondas pandémicas) e decorrentes medidas de prevenção sanitária, acompanhadas de medidas de mitigação dos respetivos efeitos económicos.

Na sua redação originária, a disposição definia a remuneração relevante para o cálculo dos apoios fora dos períodos de interrupção letiva (fixados nos anexos II e IV ao Despacho 6906-B/2020, de 2 de julho, ou definidos pelo estabelecimento escolar ao abrigo da Portaria 181/2019, de 11 de junho, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei 8-B/2021), fazendo-o por referência à remuneração base declarada em dezembro de 2020, no que tange aos trabalhadores por conta de outrem e do serviço doméstico, e à base de incidência contributiva mensualizada referente ao quarto trimestre de 2020, no que tange aos trabalhadores independentes. E, no seu n.º 2, estatuiu que tais apoios não são cumuláveis com outros apoios excecionais ou extraordinários criados para resposta aos efeitos da pandemia da doença COVID-19.

Cerca de um mês decorrido sobre a sua edição, a medida foi alterada pelo Decreto-Lei 14-B/2021, intervenção legislativa animada, como declarado no seu preâmbulo, pelo propósito de alargamento do apoio em certas situações, em face da agudização da situação pandémica sentida no início do corrente ano, e do decorrente prolongamento da suspensão das atividades presenciais letivas e não letivas, fazendo-o, justamente, através da modificação dos requisitos e fórmula de cálculo dos montantes do apoio excecional à família, regulados no aludido artigo 3.º Assim, na redação vigente à data da alteração legislativa sob fiscalização, o n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei 8-B/2021, alterado pelo Decreto-Lei 14-B/2021, de 22 de fevereiro, dispunha:

«Artigo 3.º

[...]

1 - [...]

2 - O trabalhador que se encontre a exercer atividade em regime de teletrabalho tem também direito a beneficiar dos apoios excecionais à família previstos nos artigos 23.º a 25.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, quando opte por interromper a sua atividade para prestar assistência à família, nos termos e para os efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, e se encontre numa das seguintes situações:

a) A composição do seu agregado familiar seja monoparental, durante o período da guarda do filho ou outro dependente, que lhe esteja confiado por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito;

b) O seu agregado familiar integre, pelo menos, um filho ou outro dependente, que lhe esteja confiado por decisão judicial ou administrativa de entidades ou serviços legalmente competentes para o efeito, que frequente equipamento social de apoio à primeira infância, estabelecimento de ensino pré-escolar ou do primeiro ciclo do ensino básico;

c) O seu agregado familiar integre, pelo menos, um dependente com deficiência, com incapacidade comprovada igual ou superior a 60 %, independentemente da idade.

[...]»

Neste contexto, o n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei 8-B/2021, na redação em exame, modificou os termos da faculdade, atribuída a um trabalhador que esteja a exercer atividade em regime de teletrabalho, de a interromper para prestar assistência a filhos e outros dependentes e solicitar o apoio excecional à família, consagrado nos artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020; alteração legislativa que se afirma, em vários planos, no sentido da ampliação subjetiva e objetiva do apoio.

Com efeito, quanto às famílias monoparentais, o benefício era conferido apenas nos períodos em que o trabalhador estivesse com a guarda do filho ou dependente, passando, por força da nova redação da alínea a), a ser conferido sempre que a família monoparental integre filho ou dependente menor de 12 anos e mesmo que seja possível a prestação de atividade através de teletrabalho. Fora desse âmbito específico, enquanto na redação anterior tal prerrogativa era limitada aos agregados familiares que integrassem filhos ou outros dependentes a frequentar equipamento social de apoio à primeira infância, estabelecimento de ensino pré-escolar ou do primeiro ciclo do ensino básico (alínea b) da redação anterior), a medida legislativa passou agora a compreender todos os agregados familiares que integrem menores de 12 anos de idade e mesmo que o outro progenitor esteja em teletrabalho - cf. nova redação da alínea b). Por outro lado, tomando os agregados familiares que integrem dependentes com deficiência ou doença crónica, a configuração da anterior da alínea c) limitava o apoio às famílias que integrassem dependentes com deficiência geradora de incapacidade comprovada de mais de 60 %, limite esse removido, passando o apoio excecional à família a ser conferido a um dos progenitores sempre que o agregado familiar integre filho ou outro dependente «com deficiência ou doença crónica», independentemente do grau de incapacidade.

Neste contexto, invoca o Primeiro-Ministro que as alterações têm por efeito um aumento da despesa pública no ano económico em curso, em violação do disposto no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, para o que sustenta, em síntese, que a nova redação alarga o leque de potenciais beneficiários e a duração daquelas prestações, uma vez que: (i) o apoio às famílias monoparentais passa a ser por todo o período de suspensão da atividade letiva presencial; (ii) o apoio passa a poder ser concedido sempre que haja filhos ou dependentes com menos de 12 anos, e não apenas quando estes frequentem escolas do 1.º ciclo ou jardins de infância; e, (iii) o apoio passa a poder ser concedido quando um filho ou dependente seja portador de deficiência ou doença crónica, independentemente da geração de incapacidade.

Medidas extraordinárias de apoio por redução forçada da atividade económica e de incentivo à atividade profissional

11 - Por último, o requerente peticiona a declaração de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 2.º da Lei 15/2021, na parte em que confere nova redação aos n.os 1 e 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021 (alterado pelo Decreto-Lei 23-A/2021, de 24 de março), com o seguinte enunciado:

«Artigo 3.º

Extensão de medidas extraordinárias de apoio

1 - É conferido aos trabalhadores independentes, aos empresários em nome individual (ENI), com e sem contabilidade organizada e independentemente de terem trabalhadores a cargo, aos gerentes, e aos membros de órgãos estatutários com funções de direção, cujas atividades tenham sido suspensas ou encerradas, o direito a recorrer ao apoio extraordinário a redução da atividade económica pelo período da suspensão de atividades ou encerramento de instalações e estabelecimentos por determinação legislativa ou administrativa de fonte governamental, no estado de emergência, nos termos previstos no artigo 26.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, o qual é repristinado para o presente efeito.

2 - [...]

3 - [...]

4 - [...]

5 - [...]

6 - Para efeitos do cálculo do apoio conferido no âmbito do apoio extraordinário a redução de atividade económica do trabalhador independente, previsto no n.º 1, e da medida extraordinária de incentivo a atividade profissional, é considerado o rendimento médio anual mensualizado do trabalhador no ano de 2019.»

A norma fiscalizada introduz duas alterações ao regime das medidas extraordinárias de apoio.

A primeira comporta, em substância, uma clarificação do âmbito subjetivo da medida, distinguindo-se da redação anterior no segmento inicial da norma, o qual passa a estabelecer que o direito ao apoio dos empresários em nome individual é conferido mesmo que estes não tenham contabilidade organizada e independentemente de terem, ou não, trabalhadores a cargo.

A segunda releva do quantum do apoio e é trazida pelo aditamento do n.º 6, o qual estatui um novo referencial de cálculo, quer do apoio extraordinário à redução da atividade económica (artigo 26.º do Decreto-Lei 10-A/2020, na redação conferida, por último, pela Lei 31/2020, de 11 de agosto), quer da medida extraordinária de incentivo à atividade profissional (artigo 28.º-A do Decreto-Lei 10-A/2020, na redação conferida, por último, pela Lei 31/2020, de 11 de agosto).

Até à introdução dessa nova disposição, o apoio foi determinado de acordo com os critérios previstos no n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei 10-A/2020, ou seja, o seu montante foi apurado em função da remuneração registada como base de incidência contributiva, normação que vigorou durante a primeira fase de instituição dos apoios extraordinários. Veja-se, para melhor esclarecimento, o que diziam os artigos 26.º e 28.º-A do Decreto-Lei 10-A/2020, na redação conferida, por último, pela Lei 31/2020, de 11 de agosto, vigente antes da edição da norma em exame.

«Artigo 26.º

[...]

1 - [...]

2 - [...]

3 - Durante o período de aplicação desta medida, o trabalhador independente tem direito a um apoio financeiro com duração de um mês, prorrogável mensalmente, até um máximo de seis meses, correspondente:

a) Ao valor da remuneração registada como base de incidência contributiva, com o limite máximo do valor de um IAS, nas situações em que o valor da remuneração registada como base de incidência é inferior a 1,5 IAS;

b) A dois terços do valor da remuneração registada como base de incidência contributiva, com o limite máximo do valor da RMMG, nas situações em que o valor da remuneração registada é superior ou igual a 1,5 IAS.

[...]»

«Artigo 28.º-A

[...]

1 - [...]

2 - Durante o período de aplicação desta medida, o trabalhador independente tem direito a um apoio financeiro com duração de um mês, prorrogável mensalmente até um máximo de três meses, correspondente ao valor calculado nos termos do n.º 1 do artigo 162.º do CRCSPSS, com base na média da faturação comunicada para efeitos fiscais entre 1 de março de 2019 e 29 de fevereiro de 2020, com a ponderação prevista n.º 8 do artigo 26.º do presente decreto-lei, tendo como limite máximo metade do valor do IAS e mínimo correspondente ao menor valor de base de incidência contributiva mínima.

[...]»

Assim, antes do aditamento do n.º 6 ao artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021, a medida legislativa utilizava como critério de determinação do rendimento relevante do trabalhador independente, para efeitos do cálculo do valor dos apoios, o valor de remuneração registada como base de incidência contributiva, por força do reenvio para o regime do artigo 162.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS). Aí se estabelece que o rendimento relevante é determinado com base nos três meses anteriores ao mês da declaração trimestral, o que equivale:

- Quanto aos trabalhadores sem contabilidade organizada (n.º 1 do artigo 162.º do CRCSPSS), a 70 % do valor total das prestações de serviços e/ou a 20 % dos rendimentos associados à produção de venda de bens. Ou seja, não se associa o rendimento relevante ao total da faturação de certo trabalhador independente, mas apenas a uma sua parcela, presumindo o legislador para efeito da prestação de apoio, à semelhança do que sucede para efeitos contributivos, que nem toda a faturação corresponde a um acréscimo económico efetivo do trabalhador, devendo ser deduzidos os encargos que suporta como despesa natural da sua atividade profissional;

- Quanto aos trabalhadores independentes abrangidos pelo regime de contabilidade organizada (n.º 3 do artigo 162.º do CRCSPSS), ao valor do lucro tributável.

Por outro lado, no que concerne à medida extraordinária de incentivo a atividade profissional, estabelecia-se que o período a ter em conta para apuramento do rendimento relevante nos termos do artigo 162.º do CRCSPSS era a «média da faturação comunicada para efeitos fiscais entre 1 de março de 2019 e 29 de fevereiro de 2020», sendo o valor do benefício sujeito a um limite máximo (metade do valor do IAS) e a um limite mínimo (o menor valor de base de incidência contributiva mínima).

Ora, a norma fiscalizada aditou um n.º 6 ao artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021 (alterado pelo Decreto-Lei 23-A/2021, de 24 de março), que substitui o anterior referencial pelo rendimento médio anual mensualizado do trabalhador no ano de 2019. Deste modo, passa a ser tida em conta a totalidade do rendimento auferido pelo trabalhador, independentemente de ter ou não contabilidade organizada.

Sustenta o requerente que tal modificação, não apenas tem por efeito o acréscimo de despesa para cada beneficiário - porquanto passa o apoio a ser calculado com base num referencial mais elevado - como pode gerar um aumento do número de beneficiários, face à natureza mais favorável do cálculo, implicando então um aumento da despesa no ano económico em curso, com violação do disposto no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição. Mais defende que, por atender ao rendimento médio anual mensualizado, a norma consubstancia uma ofensa do princípio da igualdade, por conduzir à concessão do mesmo valor de apoio a trabalhadores independentes que contribuem de forma dissemelhante para o sistema de segurança social. Alega-se que, ao tomar em consideração o rendimento total dos trabalhadores independentes, o legislador não atende a quaisquer diferenças contributivas, nem ao rendimento disponível de cada beneficiário, o que, de acordo com o Requerente, conduz ao tratamento idêntico de situações materialmente distintas, em violação do disposto no artigo 13.º da Constituição.

Posto isto, vejamos, então, se essas normas violam os invocados parâmetros constitucionais, seguindo a ordem do pedido.

Do disposto no n.º 1 do artigo 169.º da Constituição: prazo de apreciação parlamentar de um decreto-lei

12 - Relativamente a uma das normas fiscalizadas - a contida no artigo 3.º da Lei 16/2021, na parte em que adita o artigo 4.º-C ao Decreto-Lei 8-B/2021 -, imputa o requerente a verificação de vício de inconstitucionalidade formal, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 169.º da Constituição (artigos 11.º a 14.º do requerimento em apreço).

Através dessa disposição, o legislador constituinte prescreve um prazo para que a Assembleia da República possa proceder à apreciação parlamentar de decretos-leis que não sejam da competência exclusiva do Governo: 30 dias subsequentes à sua publicação. Sucede que a norma contida no artigo 3.º da Lei 16/2021, na parte em que adita o artigo 4.º-C ao Decreto-Lei 8-B/2021, introduz no decreto-lei sob apreciação parlamentar uma disposição que se dirige a alterar os artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020. Isto é, a Assembleia da República procedeu à apreciação de um decreto-lei nos trinta dias subsequentes à sua publicação, mas que se dirige a introduzir uma modificação num decreto-lei muito anterior.

Nessa medida, sustenta o requerente a verificação de vício de inconstitucionalidade formal, com referência à parte do artigo 3.º da Lei 16/2021 que adita o artigo 4.º-C ao Decreto-Lei 8-B/2021, por se dirigir materialmente à apreciação parlamentar de um ato legislativo mais antigo.

Importa, pois, determinar se é constitucionalmente legítima, através de apreciação parlamentar, a adição ao Decreto-Lei 8-B/2021, do artigo 4.º-C, que por sua vez altera os artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020, que já não podia ser sujeito a apreciação parlamentar.

13 - No sistema jurídico-constitucional português, goza o Governo de competência legislativa própria e normal, salvo nas matérias da competência reservada à Assembleia da República, não carecendo de autorização para adotar atos legislativos, nem de qualquer confirmação parlamentar para que estes entrem em vigor - sendo certo que leis e decretos-leis têm igual valor (n.º 2 do artigo 112.º da Constituição).

Nessa medida, dúvidas não há de que pode a Assembleia da República, mediante aprovação de uma lei, revogar, modificar ou derrogar as normas de decretos-leis anteriores (in casu, constantes nos artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020). O problema que se põe ao Tribunal é o de saber se essa alteração pode ocorrer através de lei que procede à apreciação parlamentar de um outro decreto-lei ou se, pelo contrário, a modificação apenas poderia ocorrer mediante iniciativa legislativa autónoma, nos termos do artigo 167.º da Constituição.

Com relevância para a questão, importa frisar que a introdução do artigo 4.º-C ao Decreto-Lei 8-B/2021 - que insere neste decreto-lei uma disposição que se dirige a alterar os artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020 -, se enquadra no âmbito de aplicação material quer do ato legislativo sob apreciação parlamentar, quer do ato legislativo que a norma aditada visa modificar (Decreto-Lei 10-A/2020). De facto, o Decreto-Lei 8-B/2021 (submetido a apreciação parlamentar), regula as condições de acesso ao apoio excecional à família, fixando as condições de acesso, os seus beneficiários e as regras de cálculo desse apoio social (artigo 3.º). Ora, a Assembleia da República modificou tal decreto-lei, como se viu supra, alterando os critérios de acesso e das regras de cálculo do seu montante (artigo 2.º da Lei 16/2021, na parte em que altera o artigo 3.º do Decreto-Lei 8-B/2021). Sucede que, além de modificar as condições de acesso ao apoio excecional à família que o Governo tinha introduzido no Decreto-Lei 8-B/2021, a Assembleia da República interveio em outros aspetos do mesmo apoio social (o apoio excecional à família), regulados nos artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020: na espécie, a viabilidade de partilha do apoio entre dois progenitores, a consagração do direito àquele apoio em situações em que o progenitor se encontre em teletrabalho e, ainda, o método de cálculo do montante do apoio dos trabalhadores independentes.

Ainda que a Assembleia da República haja utilizado a apreciação parlamentar de um decreto-lei publicado há menos de 30 dias (o Decreto-Lei 8-B/2021), para aí introduzir uma norma modificativa de um decreto-lei mais antigo (o Decreto-Lei 10-A/2020), não se pode dizer que os dois atos legislativos em causa regulem matérias distintas. Bem pelo contrário: o decreto-lei que foi submetido a apreciação parlamentar, por ter sido publicado há menos de 30 dias (Decreto-Lei 8-B/2021) materializou uma intervenção legislativa do Governo relativa ao âmbito subjetivo do apoio excecional à família que foi instituído pelo Decreto-Lei 10-A/2020. E a Assembleia da República, ao modificar as regras do apoio excecional à família, interveio não só nas normas editadas pelo Governo no Decreto-Lei 8-B/2021 - quanto à atribuição do apoio a famílias monoparentais, progenitores em situação de teletrabalho e a famílias com crianças portadoras de deficiência - como, também, na disciplina do mesmo apoio social que estava consagrada no Decreto-Lei 10-A/2020 (designadamente, quanto à viabilidade de partilha do apoio e à fórmula de cálculo).

É neste contexto que importa apurar se a introdução, no decreto-lei sob apreciação parlamentar, de uma norma de alteração de outro decreto-lei (que disciplina a mesma matéria - o apoio excecional à família) consubstancia, como sustenta o requerente, um mero expediente, de forma a obstar ao prazo constitucional de apreciação parlamentar dos atos legislativos.

A resposta a este problema depende, pois, da determinação das razões que levam a Constituição a fixar um prazo de 30 dias para que o Parlamento proceda à apreciação dos decretos-leis em matérias de competência não reservada ao Governo, sabido que sempre poderia a Assembleia da República, mediante iniciativa legislativa autónoma, alterar ou derrogar decretos-leis. É identificando os motivos fundamentantes da limitação temporal que se pode avaliar a legitimidade de, através deste procedimento, modificar normas constantes de outro ato legislativo relativas ao mesmo instituto versado no ato sujeito a apreciação parlamentar.

14 - Não obstante a amplitude da competência governativa legiferante, a Constituição reconhece preeminência legislativa ao Parlamento, prevendo a viabilidade de decretos-leis se submeterem a «um processo de fiscalização parlamentar específico, que pode conduzir a sua imediata cessação, sem que a AR tenha de recorrer ao seu próprio poder legislativo e ao processo próprio das Leis» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª Edição, 2010, p. 361).

Na sua origem encontra-se o instituto da ratificação, previsto na Constituição Política de 1933: ao atribuir poderes legislativos ao Governo, prescrevia-se a necessidade de este submeter os decretos-leis a ratificação da Assembleia Nacional.

Na versão originária, determinava-se que o Governo apenas tinha poderes legislativos quando autorizado pela Assembleia Nacional «ou nos casos de urgência e necessidade pública» (artigo 108.º, n.º 2, da Constituição de 1933), cabendo-lhe nesta última circunstância «apresentar num dos cinco primeiros dias de sessão da Assembleia Nacional a proposta para ratificação dos decretos-leis que houver publicado». No caso de não se conceder a ratificação parlamentar, perderia o decreto-lei a sua vigência (artigo 108.º, n.º 4, § 3.º, da Constituição de 1933).

Este regime viria a ser alterado pela Lei 2009, de 17 de setembro de 1945, que atribuiu ao Governo competência normal para fazer decretos-leis (novo n.º 2 do artigo 108.º), embora sujeitos a ratificação parlamentar (artigo 108.º, n.º 4, § 3.º). Simplesmente, esta ratificação passou a poder ser tacitamente concedida sempre que «nas primeiras dez sessões posteriores à publicação, cinco Deputados, pelo menos, não requeiram que tais decretos-leis seja submetidos à apreciação da Assembleia» (artigo 108.º, n.º 4, § 3.º). O que implicou que «o Governo se transformou, na prática, no principal órgão legislativo» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, cit., vol. II, p. 361).

Nesta configuração do instituto da ratificação parlamentar, não restam dúvidas do propósito do estabelecimento do prazo. No fundo, a competência legislativa do Governo não era conferida em igualdade com a Assembleia Nacional: aquele poderia legislar, mas os decretos-leis careciam de uma ratificação parlamentar (mesmo que tácita) para que vissem a sua produção de efeitos definitivamente consolidada. Só depois dessa ratificação se tornavam os decretos-leis inatacáveis pelo Parlamento, pelo que razões de clarificação e de estabilidade legislativa aconselhavam que a ratificação tivesse lugar num prazo curto.

A Constituição democrática recebeu na sua redação originária, sem grandes alterações, o regime pretérito, na versão que foi dada na revisão de 1945, prevendo-se uma ratificação tácita dos decretos-leis publicados pelo Governo (artigo 172.º, n.º 1, da versão originária da Constituição: «No caso de decretos-leis publicados pelo Governo durante o funcionamento da Assembleia da República, considerar-se-á concedida a ratificação se, nas primeiras quinze reuniões posteriores à publicação do diploma, cinco Deputados, pelo menos, não requererem a sua sujeição a ratificação»). A fixação de um prazo continuava a compreender-se na perspetiva de definitiva estabilização na ordem jurídica do decreto-lei do Governo.

As revisões constitucionais subsequentes, todavia, alteraram a configuração do instituto da ratificação parlamentar. Desde logo, na versão conferida pela Lei Constitucional 1/82, a ratificação (expressa ou tácita) deixa de ser necessária à estabilização do decreto-lei. Pelo contrário, à Assembleia da República foi atribuída a faculdade de submeter os decretos-leis a sua apreciação, para efeitos de alteração ou recusa de ratificação (artigo 172.º, n.º 1, da Constituição, na versão de 1982: «Os decretos-leis, salvo os aprovados na competência legislativa exclusiva do Governo, podem ser submetidos a apreciação da Assembleia da República, para efeitos de alteração ou de recusa de ratificação, a requerimento de dez Deputados, nas primeiras dez reuniões plenárias subsequentes à publicação»), sistema que, embora com importantes alterações, se manteve nas revisões constitucionais de 1989 e 1992. A revisão constitucional de 1997 alterou a designação do instituto (para apreciação parlamentar de atos legislativos), o prazo para o seu exercício (que deixa de ter em conta o número de reuniões parlamentares, mas o período de 30 dias subsequentes à publicação), e determinou a prioridade no processo legislativo (n.º 6).

Deste modo, é inequívoco que, desde 1982, os decretos-leis não carecem de qualquer ratificação (nem mesmo tácita) para a sua definitiva produção de efeitos, o que é «congruente com a autoridade legislativa do Governo constitucionalmente reconhecida, pelo que não é necessário o assentimento da AR, ainda que tácito (ratificação tácita), para fundamentar a competência legislativa do Governo» (Manuel Afonso Vaz, Lei e Reserva de Lei - A causa da lei na Constituição portuguesa de 1976, Universidade Católica Editora, 1992, p. 435, nota 171). A competência legislativa do Governo não se encontra subordinada a qualquer ato, expresso ou implícito, de concordância da Assembleia da República, sendo que a apreciação parlamentar (seja dirigida à cessação de vigência, seja à modificação dos decretos-leis) é configurada como uma faculdade do Parlamento, a exercer nos 30 dias subsequentes à publicação do ato legislativo.

Acresce que, quando a Assembleia da República procede à apreciação parlamentar de atos legislativos tendente à sua modificação, ainda que as alterações sejam introduzidas através de lei (artigo 169.º, n.º 2, da Constituição), o processo legislativo conhece algumas especificidades face àquele que decorre do regime das iniciativas legislativas autónomas (artigo 167.º). Por um lado, o «poder para chamar os DLs a apreciação da AR cabe apenas aos deputados - só podendo ser exercido por um conjunto de 10 -, e não também aos grupos parlamentares» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, cit., vol. II, p. 363), nem a um único deputado (Jorge Miranda, "Anotação ao art. 169.º", Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, 2.ª Edição, Universidade Católica Editora, 2018, p. 578); por outro, apenas pode ser desencadeado «nos trinta dias subsequentes à publicação» (artigo 169.º, n.º 1, da Constituição); por fim, os processos de apreciação parlamentar gozam de prioridade (artigo 169.º, n.º 6, da Constituição).

Neste quadro, deixando a ratificação de ser exigida, desde 1982, para a cristalização dos efeitos dos decretos-leis, importa saber por que razão a Constituição impõe que, em matérias de competência legislativa concorrente, só possa a Assembleia da República iniciar a apreciação parlamentar de decretos-leis num certo prazo, quando poderia (a todo o tempo) aprovar uma lei sobre a mesma matéria, nos termos do artigo 167.º da Constituição, que revogasse, derrogasse ou alterasse as normas de certo decreto-lei.

A alteração da configuração da apreciação parlamentar dos atos legislativos (no sentido de uma faculdade atribuída ao Parlamento) não parece ter por efeito a imprestabilidade das razões que motivavam a respetiva previsão no instituto da ratificação. Em consonância com a origem histórica do instituto, a razão persiste no propósito de assegurar estabilidade legislativa: exercendo o Governo a sua competência legislativa normal, pretende-se que as normas que a Assembleia da República pretenda modificar sejam rapidamente objeto de apreciação parlamentar, de modo a evitar a sua sedimentação na ordem jurídica, materializando a fiscalização política da atividade legislativa governamental como «um dos grandes momentos da afirmação da supremacia legislativa da Assembleia da República em relação à atividade legislativa do Governo» (Luís Sá, O lugar da Assembleia da República no sistema político, Caminho, 1994, p. 239).

Esta ideia é confortada pelo disposto no artigo 169.º, n.º 6, ao prever a prioridade do processo de apreciação parlamentar. No fundo, ainda que os decretos-leis não tenham qualquer eficácia provisória, estão «pendentes de condição; porém, não de condição suspensiva, e sim de condição resolutiva», pelo que o prazo se dirige à opção, «no caso de uma postura crítica ao decreto-lei, entre a utilização de dois processos constitucionais e regimentais para fazer cessar a sua vigência ou para o modificar» (Jorge Miranda, Funções, órgãos e atos do Estado, Lisboa, 1990, p. 510. No mesmo sentido, Joaquim Freitas Rocha, Constituição, ordenamento e conflitos normativos, Coimbra Editora, 2008, p. 650, e Rita Calçada Pires, "Da supremacia funcional da lei parlamentar", Estudos de Direito Público, org. João Caupers e Jorge Bacelar Gouveia, Âncora, 2006, p. 284).

Em segundo lugar, a imposição do prazo estará também associada à particularidade do processo legislativo das apreciações parlamentares tendentes à alteração de um decreto-lei. Nestes casos, desencadeia-se «um processo legislativo específico - não iniciado com um projeto de Lei, mas sim com as propostas de alteração ao decreto-lei em apreciação - que se consuma numa lei, no caso de alguma proposta vir a ser definitivamente aprovada» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, cit., vol. II, p. 363). Isto é, trata-se de «um processo legislativo especial, reduzido ou centrado nas emendas propostas e não em todo o decreto-lei na especialidade» (Jorge Miranda, "Anotação ao art. 169.º", cit., p. 582). O Regimento da Assembleia da República dá respaldo a esta especificidade constitucional: enquanto que as iniciativas legislativas obedecem ao processo legislativo comum (artigos 118.º e seguintes do Regimento) - envolvendo a intervenção de uma comissão parlamentar para emissão de parecer e nota técnica (artigos 129.º e ss.); a audição das organizações representativas dos trabalhadores na legislação do trabalho (artigo 134.º), das associações das autarquias (artigo 141.º) e dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas (artigo 142.º); a discussão na generalidade e na especialidade (artigo 147.º e ss. do Regimento) -, a apreciação parlamentar de decretos-leis constitui um processo legislativo especial (artigo 189.º e segs.). Quando a apreciação se dirija à alteração do decreto-lei, as propostas de alteração são imediatamente discutidas na especialidade, sem necessidade de emissão de pareceres ou notas técnicas (artigo 196.º do Regimento).

Compreende-se a previsão de um processo legislativo simplificado. Estabelecendo a Constituição que a apreciação parlamentar de decretos-leis apenas ocorre nos 30 dias subsequentes à sua aprovação, todos os documentos e audições que presidiram à aprovação do ato legislativo governamental podem ser tidos em conta na alteração das respetivas normas - ainda que se não dispensem audições constitucionalmente determinadas quanto às novas regras a introduzir (Acórdão 167/2003). Acresce que a previsão constitucional da submissão de decretos-leis a apreciação parlamentar radica justamente no intuito de «permitir a AR intervir com presteza sobre a atividade legislativa do Governo, sem necessidade de recorrer ao seu poder legislativo (através de uma iniciativa legislativa formal tendente a revogação ou alteração do DL em causa)» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, cit., vol. II, p. 364).

Em suma, a apreciação parlamentar de atos legislativos tendente à respetiva alteração dirige-se a permitir à Assembleia da República, através de processo legislativo expedito, modificar normas que não estão ainda sedimentadas na ordem jurídica e que são objeto de uma postura crítica - por razões de mérito e conveniência - quanto às opções político-legislativas do Governo no momento da sua edição. Na síntese de Jaime Valle, «parece ajustado que a sua iniciativa tenha de ocorrer num período de tempo determinado e relativamente curto, para reduzir ao mínimo indispensável os efeitos que esta situação de incerteza acarreta para a certeza e segurança jurídicas relativamente à subsistência dos decretos-leis» (ob. cit., p. 278).

É, portanto, a esta luz que se pode determinar a legitimidade constitucional de a Assembleia da República, submetendo à sua apreciação um decreto-lei que versa sobre determinado instituto (in casu, o regime do apoio excecional à família), regular o mesmo instituto (in casu, a viabilidade de partilha do apoio e as regras de apuramento do montante do apoio para trabalhadores independentes), alterando normas que constam de ato legislativo diferente daquele que é submetido a apreciação parlamentar.

Ora, as razões da especificidade do processo legislativo em sede de apreciação parlamentar e, especialmente, a sua ratio legis (a fiscalização política das opções legislativas do Governo), pressupõem a introdução no ordenamento jurídico de novas normas que espelhem opções do Governo, cuja subsistência a Assembleia da República pode evitar. O propósito de uma atuação parlamentar expedita, ditado pelo prazo e pelo procedimento, é a apreciação da emanação de uma certa disciplina normativa inovatória, cujas opções político-legislativas são reponderadas, pelo que é sobre as normas governamentais editadas ex novo que se pode exercer a apreciação parlamentar. A contrario, se a Assembleia da República pretender modificar uma disciplina já sedimentada no ordenamento jurídico, constante de decreto-lei anterior, apenas poderá fazê-lo (a todo o tempo) através do seu poder de iniciativa legislativa, nos termos do artigo 167.º da Constituição, obedecendo ao processo legislativo comum regimentalmente previsto.

Se assim é, quando a Assembleia da República sujeita à sua apreciação uma nova disciplina jurídica e pretende alterar o ato legislativo inovatório - antes de os seus efeitos se consolidarem no tempo -, não lhe é vedado que a reponderação das opções de política legislativa do Governo vertidas no decreto-lei apreciado envolva, designadamente para assegurar a coerência do sistema jurídico e evitar antinomias normativas, a adaptação de disposições de outros diplomas. Neste caso é admissível que o ato legislativo sob apreciação possa determinar alterações, expressas ou tácitas, a regras estatuídas em outro ato normativo. Ponto é que tais modificações se prendam com a reponderação da nova disciplina normativa inaugurada pelo ato legislativo sob apreciação parlamentar e cuja subsistência se afetou.

Deste modo, o problema que se põe ao Tribunal é o de saber se ao proceder à apreciação parlamentar do Decreto-Lei 8-B/2021 (que estabelece um conjunto de medidas de apoio no âmbito da suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais), e aí introduzindo alterações a normas do Decreto-Lei 10-A/2020, a Assembleia da República atuou sobre as opções político-legislativas vertidas pelo Governo no Decreto-Lei 8-B/2021 (que foi submetido a apreciação parlamentar) - caso em que a modificação daqueloutro decreto-lei é constitucionalmente legítima, desde que para o coordenar com a disciplina jurídica sob apreciação -, ou se se tratou da utilização da figura consagrada no artigo 169.º da Constituição para alterar a normação de um ato legislativo já consolidado no tempo, insuscetível de apreciação parlamentar.

Assim, importa olhar à disposição em questão - a introdução, no Decreto-Lei 8-B/2021, do artigo 4.º-C, que altera os artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020 - e apurar se a norma fiscalizada ainda se reconduz à reponderação das opções legislativas do Governo no decreto-lei sob apreciação ou se, ao invés, a Assembleia da República visou alterar normas consolidadas no ordenamento jurídico.

15 - Como se viu supra, o novo artigo 4.º-C do Decreto-Lei 8-B/2021, aditado em sede de apreciação parlamentar, altera os artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020, relativos ao apoio excecional à família de trabalhadores por conta de outrem (artigo 23.º) e de trabalhadores independentes (artigo 24.º). Em ambas as disposições foram estabelecidas normas que determinam a viabilidade de partilha do apoio excecional à família pelos dois progenitores e a faculdade de àquele aceder mesmo quando o outro progenitor esteja em situação de teletrabalho. Ademais, no caso do apoio excecional à família dos trabalhadores independentes, são alteradas as regras de cálculo do montante do apoio.

No que concerne à fixação do direito à partilha do apoio pelos progenitores e à faculdade de requerer a prestação mesmo que o outro progenitor esteja em situação de teletrabalho - n.os 7 e 8 do artigo 23.º; n.os 7 e 8 do artigo 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020 -, a Assembleia da República limitou-se a modificar a definição do apoio excecional à família de modo a ajustar a mesma às opções que resultaram da apreciação parlamentar do Decreto-Lei 8-B/2021, não tendo, por isso, transgredido o disposto no n.º 1 do artigo 169.º da Constituição.

Em sede de apreciação parlamentar, a Assembleia da República modificou a norma do artigo 3.º do Decreto-Lei 8-B/2021, aí determinando a viabilidade de acesso ao apoio excecional à família mesmo quando seja possível o teletrabalho e ainda que o outro progenitor esteja em teletrabalho (alíneas a) e b) do n.º 2.º do artigo 3.º, na redação conferida pela apreciação parlamentar - Lei 17/2001, de 7 de abril). Nessa medida, o aditamento do artigo 4.º-C, que modifica o Decreto-Lei 10-A/2020, quanto a esta parte, limita-se a compatibilizar a definição do apoio excecional à família com a regulação que saiu da apreciação parlamentar. De facto, a Assembleia da República limitou-se a evitar uma antinomia normativa entre a definição legal do apoio em causa (constante dos artigos 23.º e 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020) e a disciplina que foi objeto de apreciação parlamentar.

Por tal razão, quanto a este segmento normativo, não pode assacar-se qualquer desvio ao prazo constitucional de submissão de atos legislativos a apreciação parlamentar, pois a Assembleia exerceu os seus poderes legislativos sobre a disciplina jurídica sujeita a apreciação parlamentar. Nessa medida, não pode prosperar o pedido de declaração de inconstitucionalidade da norma do artigo 3.º da Lei 16/2021, com tal fundamento, na parte que adita o 4.º-C ao Decreto-Lei 8-B/2021, quanto ao seu segmento normativo que adita os números 7 e 8 ao artigo 23.º e os números 7 e 8 ao artigo 24.º (todos do Decreto-Lei 10-A/2020), porquanto tais alterações se dirigem somente a assegurar coerência normativa com a disciplina jurídica do Decreto-Lei 8-B/2021, submetido a apreciação parlamentar.

16 - Todavia, o mesmo não pode ser dito relativamente à alteração operada pela Assembleia da República relativamente às normas introduzidas pelo artigo 4.º-C do Decreto-Lei 8-B/2021, nos números 2 e 3 do artigo 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020. De facto, tal alteração modifica o modo de cálculo do apoio excecional à família para trabalhadores independentes, que estava consolidada no tempo e não foi objeto do decreto-lei submetido a apreciação parlamentar.

Quanto a este segmento normativo, a Assembleia da República introduziu no ato legislativo sob apreciação uma norma que altera outro ato legislativo mais antigo e que regula matéria distinta daquela que consta da disciplina do decreto-lei apreciado. Na verdade, o ato legislativo sob apreciação não inaugurava qualquer novo método de cálculo do montante do apoio excecional à família dos trabalhadores independentes que, por não estar ainda consolidado no ordenamento jurídico, admitisse a reponderação parlamentar; bem pelo contrário, as regras de cálculo do apoio excecional à família remontam ao Decreto-Lei 10-A/2020, não podendo já ser objeto de apreciação parlamentar. Ou seja, quanto a tal segmento normativo, o Parlamento utilizou um processo legislativo simplificado e expedito para modificar uma disciplina consolidada no tempo e que não mais poderia ser submetida a apreciação parlamentar, por exaurido o seu prazo constitucional.

Assim, padece de inconstitucionalidade formal, por violação do n.º 1 do artigo 169.º da Constituição a norma do artigo 3.º da Lei 16/2021, na parte que adita o 4.º-C ao Decreto-Lei 8-B/2021, quanto ao segmento normativo que altera os números 2 e 3 do artigo 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020, porquanto tais alterações modificam uma disciplina jurídica distinta da que foi introduzida pelo ato legislativo sob apreciação parlamentar.

Do disposto no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição (norma-travão)

17 - O Primeiro-Ministro sustenta, por outo lado, que todas as normas sindicadas infringem o disposto no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, uma vez que foram aprovadas na sequência de pedidos de apreciação parlamentar apresentados por deputados e importam um aumento da despesa pública orçamentada para o ano económico em curso (artigos 15.º a 81.º do requerimento).

Com efeito, as normas sob fiscalização constantes da Lei 16/2021, resultaram dos pedidos de apreciação parlamentar do Decreto-Lei 8-B/2021, n.º 39/XIV/2.ª, apresentado pelos deputados do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) em 2 de fevereiro de 2021, e n.º 41/XIV/2.ª, apresentado pelos deputados do grupo parlamentar do Partido Comunista Português (PCP) em 3 de fevereiro de 2021. Por seu turno, as normas sob fiscalização constantes da Lei 15/2021, tiveram origem nos pedidos de apreciação parlamentar do Decreto-Lei 6-E/2021, n.º 40/XIV/2.ª, apresentado pelos deputados do grupo parlamentar do PCP em 3 de fevereiro de 2021, e n.º 42/XIV/2.ª, apresentado pelos deputados do grupo parlamentar do BE em 4 de fevereiro de 2021.

Estes pedidos de apreciação parlamentar - que apresentam apenas, nos termos do n.º 2 do artigo 189.º do Regimento da Assembleia da República, uma sucinta justificação de motivos - foram admitidos. E nessa sequência, vários deputados e grupos parlamentares apresentaram propostas de alteração dos decretos-leis sob apreciação, que vieram a resultar na aprovação das Leis n.os 15/2021 e 16/2021.

18 - A norma constante do n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, habitualmente designada como norma-travão, por referência à lei-travão (Lei de 15 de março de 1913, aprovada pelo Congresso da República sob proposta do Ministro das Finanças), estabelece um limite ao poder de iniciativa legislativa de deputados, grupos parlamentares, Assembleias Legislativas das regiões autónomas e grupos de cidadãos, em matéria de receita ou despesa públicas.

As suas origens remontam ao Regulamento Geral da Contabilidade Pública de 1870, tendo passado, com algumas alterações, para o Regulamento da Contabilidade Pública de 1871. Já então as respetivas normas «foram criadas para proteger o programa financeiro do Executivo e o seu equilíbrio» (António Lobo Xavier, "O orçamento como lei", Boletim de Ciências Económicas, vol. XXXIV, 1991, pp. 198-201; cf. também Tiago Duarte, A lei por detrás do Orçamento, Almedina, 2007, p. 104 e Alexandra Leitão, Os poderes do Executivo em matéria orçamental, Lisboa, 1997, p. 42). Este regime foi depois consagrado na lei-travão de 1913 e subsequentemente acolhido na Constituição Política de 1933, no artigo 97.º, depois da revisão introduzida pela Lei 1885, de 23 de março de 1935: «A iniciativa da lei compete indistintamente ao Governo ou a qualquer dos membros da Assembleia Nacional; não poderão porém estes apresentar projetos ou fazer propostas de alteração que envolvam aumento da despesa ou diminuição da receita do Estado».

Como aponta a doutrina, a ratio da norma-travão «decorre diretamente dos princípios gerais da Constituição em matéria orçamental, impedindo que o plano financeiro anual vertido na lei do orçamento possa ser perturbado à revelia do Governo - a quem compete executar o orçamento - no sentido do agravamento das despesas ou da diminuição das receitas» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, cit., vol. II, p. 349). Trata-se fundamentalmente de resguardar o ano económico e a execução orçamental de alterações inesperadas, preservando a integridade do plano financeiro elaborado pelo Governo e aprovado pela Assembleia da República (nesse sentido, entre outros, cf. Sousa Franco, "Sistema financeiro e Constituição financeira no texto constitucional de 1976", Estudos sobre a Constituição, vol. III, 1979, p. 513; Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Vol. 1, 4.ª Edição, Almedina, 1992, p. 412; Alexandra Leitão, cit., p. 69 e segs.; Guilherme d'Oliveira Martins, "Paradoxos constitucionais", Polis, Ano VI, n.º 7/8, 1999, p. 21; Jaime Valle, A participação do Governo no Exercício da Função Legislativa, Coimbra Editora, 2004, p. 125; Tiago Duarte, cit., pp. 151 e 609; Guilherme d'Oliveira Martins, Guilherme Waldemar d'Oliveira Martins e Maria d'Oliveira Martins, Lei do Enquadramento Orçamental Anotada e Comentada, 2.ª Edição, Almedina, 2009, p. 251; Nazaré da Costa Cabral e Guilherme d'Oliveira Martins, Finanças Públicas e Direito Financeiro, AAFDL, 2014, p. 408; João Ricardo Catarino, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 6.ª edição, Almedina, 2020, p. 371; Nazaré da Costa Cabral, "A 'Lei-Travão' e o direito de emenda parlamentar no domínio orçamental: relações entre estas duas matérias", Conselho das Finanças Públicas, n.º 1/2020, p. 4; e Maria d'Oliveira Martins, Lições de Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4.ª edição, Almedina, 2021, p. 295).

Como sublinha Cardoso da Costa «as grandes linhas da política financeira são fixadas de uma vez por todas para o ano económico, através da Lei do Orçamento», passando depois para o Governo a incumbência de pôr em prática aquelas políticas ("Sobre as autorizações legislativas da Lei do Orçamento", Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro, vol. III, 1983, p. 430).

Note-se que o limite imposto pelo n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, fica aquém do que sucedia com os regimes pregressos, quer na lei-travão de 1913, quer na Constituição de 1933. A restrição versa exclusivamente aos efeitos financeiros no ano económico em curso, nada obstando a que as iniciativas legislativas venham a produzir efeitos nos anos subsequentes, além de que tem por referência apenas a Lei do Orçamento, e não a proposta de Orçamento ou as leis anteriores (sobre tais diferenças, referidas como versão dura e versão suave, Nazaré da Costa Cabral, cit., pp. 5 a 7. Cf. igualmente, Sousa Franco, Finanças..., cit., p. 412; Guilherme d'Oliveira Martins, Lições sobre a Constituição Económica e Financeira, vol. II - Constituição Financeira, 1985, p. 321; António Lobo Xavier, cit., vol. XXXIV, 1991, pp. 209 e 215, p. 567; Alexandra Leitão, cit., p. 70; Tiago Duarte, cit., p. 605; e Jorge Miranda e Jorge Pereira da Silva, "Anotação ao artigo 167.º", Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, 2.ª edição, 2018, p. 566-567).

Incumbe à Mesa da Assembleia da República rejeitar as iniciativas legislativas que envolvam um aumento de despesa pública no ano económico em curso (n.º 2 do artigo 120.º do Regimento da Assembleia da República, que reproduz o preceituado no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição).

19 - A convocação da norma-travão como parâmetro de controlo dos atos normativos da Assembleia da República indicados no pedido, impõe a resolução de alguns problemas prévios, de cuja resposta depende a sujeição ou não das normas em crise a este parâmetro constitucional.

Trata-se, em primeiro lugar de saber se a proibição abrange apenas as iniciativas legislativas que acarretem diretamente um aumento de despesas ou diminuição de receitas orçamentais, ou se atinge também as que o façam por via indireta. E, em segundo lugar, apurar se o parâmetro apenas se aplica às iniciativas legislativas (projetos e propostas de lei), ou atinge as iniciativas de sujeição de decretos-leis à apreciação da Assembleia da República.

Observe-se que um outro problema conexo, que passa por saber se a norma-travão proíbe o aumento de qualquer despesa e a diminuição de qualquer receita ou se é permitido aos deputados apresentar iniciativas que aumentem certa despesa e diminuam outra, de modo que a despesa total fique idêntica (sobre a questão, Teixeira Ribeiro, "Os poderes orçamentais da Assembleia da República", Boletim de Ciências Económicas, vol. XXX, 1987, p. 184), não se coloca nestes autos, uma vez que os efeitos financeiros das normas em exame encontram projeção unicamente no lado das despesas, e não também no lado das receitas inscritas no Orçamento do Estado. Sobre esse problema não há, então, que tomar aqui posição.

20 - Relativamente à questão de saber se a norma-travão impede as iniciativas legislativas que apenas resultem em aumento indireto da despesa, a jurisprudência e a doutrina convergem no entendimento de que os efeitos financeiros indiretos se encontram abrangidos pelo n.º 2 do artigo 167.º da Constituição.

O Tribunal tomou posição sobre o problema no Acórdão 297/86, no qual considerou violada a disposição constitucional por uma norma legal que permitia a rescisão de contratos de trabalho a todo o tempo e, em consequência, a viabilidade de indiretamente mais pessoas acederem a prestações de desemprego - independentemente de essa eventualidade se vir efetivamente a verificar. A mesma conclusão é afirmada na doutrina (António Lobo Xavier, cit., vol. XXXV, p. 90; Alexandra Leitão, cit., p. 69; Guilherme d'Oliveira Martins; Guilherme Waldemar d'Oliveira Martins e Maria d'Oliveira Martins, cit., p. 251; Guilherme d'Oliveira Martins, "Paradoxos...", cit., p. 23; e Jaime Valle, cit., p. 126).

Não existem razões para afastar esse entendimento.

Desde logo, «é difícil distinguir quais são as matérias com efeitos financeiros diretos, até porque são raras as normas que não possuem nenhuma implicação financeira» (Alexandra Leitão, cit., p. 88). A isto acresce que a ratio legis da lei-travão é, como se viu, a tutela do plano financeiro do executivo para o ano económico em curso, baseado no Orçamento que a Assembleia da República aprovou e cuja execução incumbe ao Governo. Esse propósito seria frustrado caso se permitisse que os deputados adotassem normas que, não criando uma despesa imediata, tivessem efeitos financeiros negativos naquele ano económico.

Em apoio deste entendimento concorre o argumento histórico: a atual formulação da norma-travão partiu da proposta apresentada pela 5.ª Comissão na Assembleia Constituinte, que proibia as iniciativas legislativas que diretamente constituíssem um aumento de despesa ou diminuição de receita; ora, a versão final eliminou o advérbio «diretamente», o que não pode ser tido como simples «mudanças de cosmética jurídica» (Tiago Duarte, cit., p. 152).

Aceitando-se esta interpretação, perde relevância a questão de saber se a previsão de novos apoios sociais ou a modificação das respetivas condições de concessão aumenta diretamente a despesa ou se cria condições para o seu aumento indireto: qualquer das condutas comporta à violação da norma do n.º 2 do artigo 167.º da Constituição.

21 - Por outro lado, o Tribunal não foi ainda chamado a tomar posição quanto à questão de saber se a disciplina do n.º 2 do artigo 167.º da Constituição vale somente para as iniciativas legislativas em sentido próprio ou se se estende às apreciações parlamentares de atos legislativos, que não estão expressamente referidas na regra constitucional. Já a doutrina converge na conclusão de que também a apreciação parlamentar de atos legislativos está vinculada à norma-travão, apesar de não explicitamente referida, atenta a respetivo ratio legis: proíbe-se, em sede de apreciação parlamentar, o estabelecimento de normas que aumentem a despesa pública face ao orçamentado - e não por referência à versão do decreto-lei apreciado (cf. Jorge Miranda, Funções, órgãos e atos do Estado, Lisboa, 1990, p. 392; Guilherme d'Oliveira Martins, cit., p. 325; Alexandra Leitão, cit., p. 73; Tiago Duarte, cit., p. 620; Jaime Valle, cit., p. 274; Nazaré Costa Cabral, "Breves notas sobre o enquadramento do Orçamento do Estado", Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, vol. II, 2013, p. 443; Jorge Miranda e Jorge Pereira da Silva, "Anotação ao art. 167.º", cit., p. 567; e Jorge Miranda, Atos Legislativos, Almedina, 2019, p. 249).

Este entendimento afigura-se correto. O instituto da apreciação dos atos legislativos não pode deixar de se considerar sujeito ao comando da norma-travão, sob pena de esta ficar esvaziada da sua eficácia. Se assim não fosse, nada impediria a Assembleia da República de impor ao Governo alterações não previstas na execução orçamental, bastando-lhe que as normas de aumento da despesa não fossem inseridas em novos diplomas, mas em decretos-leis do Governo que o Parlamento decidisse submeter à sua apreciação.

Em consequência, a circunstância de as normas objeto do pedido terem a sua origem em apreciações parlamentares de decretos-leis não obsta a que seja sindicável pelo Tribunal a violação do disposto no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição.

Das considerações precedentes resulta, pois, que haverá inconstitucionalidade caso as normas fiscalizadas comportem, direta ou indiretamente, um aumento de despesa pública no ano económico em curso. Importa, então, determinar os respetivos efeitos financeiros.

A norma do artigo 3.º da Lei 16/2021, na parte em que adita o artigo 4.º-C ao Decreto-Lei 8-B/2021, e, através deste, altera os n.os 2 e 3 do artigo 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020

22 - O primeiro segmento normativo que o requerente sustenta infringir o parâmetro de inconstitucionalidade em apreço é aquele que introduz, através do aditamento do artigo 4.º-C ao Decreto-Lei 8-B/2021, uma modificação do regime do apoio excecional à família para trabalhadores independentes (artigo 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020). Em concreto, o requerente baseia o seu juízo de desconformidade constitucional na nova redação do n.º 2 do artigo 24.º, referente ao valor do apoio (antes da alteração, este correspondia a um terço da base de incidência contributiva mensualizada no primeiro semestre de 2020, passando a ser da totalidade daquela base de incidência contributiva) e na redação do n.º 3 (que estabelecia como limite máximo o valor de 2,5 IAS, passando agora a ser de 3 IAS).

Invoca o requerente que «o alargamento à totalidade da base da incidência contributiva fará quase triplicar a despesa prevista e orçamentada» [artigo 15.º, alínea c) do pedido]. No documento 1, anexo ao pedido, o requerente indica que a medida não tem por efeito o alargamento do universo de beneficiários (cuja previsão mantém em cinco mil beneficiários) e sustenta que o aumento da despesa mensal é de 1,4 milhões de euros, tendo em consideração que, por referência aos pedidos de apoio na segunda quinzena de janeiro de 2021, o montante previsto para este apoio foi de 700.000 euros por cada mês. Deste modo, a partir da premissa de que o apoio passou a ser calculado sobre a totalidade do montante de referência, e não sobre um terço do mesmo, conclui o requerente que o acréscimo de despesa induzida pela alteração em exame será da mesma ordem de grandeza, ou seja, corresponde ao triplo do valor inscrito provisionalmente no Orçamento do Estado.

Esse raciocínio e a estimativa avançada suscitam reservas. Porque as normas de cálculo dos apoios têm limites mínimos e máximos, mostra-se reduzida a probabilidade de que se venha a atingir um aumento de despesa correspondente exatamente a três vezes aquele que seria despendido antes das alterações legislativas. Atente-se que no universo de beneficiários cuja base de incidência contributiva mensualizada no primeiro semestre de 2020 seja inferior ao valor do IAS, o limite mínimo de apoio fixado no n.º 3 do artigo 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020 (1 IAS) implica que o trabalhador beneficiará do mesmo exato montante de apoio em ambos os regimes. E, no outro extremo do espetro, quanto aos trabalhadores independentes cuja base de incidência contributiva mensualizada no primeiro semestre de 2020 seja muito elevada, estes não beneficiarão de um aumento em três vezes do apoio, por a tal se opor o limite máximo do benefício, que, apesar de mais elevado, não aumenta naquela ordem de grandeza: deixa de ser de 2,5 IAS e passa a ser de 3 IAS.

Não se ignora, porém, que o exercício orçamental de previsão das despesas é sempre mais contingente perante despesas ou medidas novas, preponderando, quando assim sucede, os métodos empíricos de previsão (cf. Nazaré Costa Cabral e Guilherme d'Oliveira Martins, cit., pp. 386-389), por confronto com despesas já existentes em anteriores exercícios orçamentais, relativamente às quais existe já uma base de referência, facilitando o apelo a outros métodos, seja por estimativa de índole incremental, seja por modelização. Dificuldades acentuadas na espécie, dada a forte incerteza da evolução epidemiológica, designadamente ao nível da duração da suspensão, geral ou local, das atividades letivas e não letivas presenciais.

De todo o modo, qualquer que seja a abordagem econométrica mais correta, mostra-se seguro afirmar, à luz de um critério de evidência, que a modificação legislativa tem como efeito necessário um aumento da despesa no ano económico em curso, por referência ao Orçamento aprovado e em execução, o que viola o disposto no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição.

Com efeito, ao determinar-se que o apoio atribuído (com os limites mínimo de 1 IAS e máximo de 3 IAS) deixa de ser de um terço base de incidência contributiva mensualizada no primeiro semestre de 2020 para passar a ser a totalidade daquele mesmo referente, beneficiários haverá que passarão a beneficiar de um montante superior àquele a que tinham direito no regime anterior. Do mesmo modo, os contribuintes cuja base contributiva seja muito elevada passam a ter por limite máximo o montante de 3 IAS (em vez de 2,5 IAS), o que envolverá necessariamente uma maior despesa pública. Apenas assim não sucederia, ou seja, a medida só não teria por efeito o aumento da despesa pública, se todos os beneficiários tivessem por base de incidência contributiva mensualizada no primeiro semestre de 2020 um montante inferior a 1 IAS, caso em que sempre lhes seria concedido (quer pelas novas, quer pelas anteriores regras) o montante de 1 IAS, nos termos do n.º 3 do artigo 24.º Ora, não é crível que não haja nenhum trabalhador independente a solicitar o apoio excecional à família cuja base de incidência contributiva seja superior àquele valor e que, por isso, a despesa pública não seja aumentada face àquela que ocorreria antes da edição da norma agora fiscalizada.

Assim, sendo vedadas as iniciativas legislativas que importem um aumento de despesa pública, independentemente da incerteza sobre o seu exato montante, impõe-se concluir que o ato legislativo editado pela Assembleia da República viola o parâmetro do n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, padecendo a norma fiscalizada do vício de inconstitucionalidade.

A norma do artigo 2.º da Lei 16/2021, na parte em que altera o n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei 8-B/2021

23 - Vejamos agora a norma que modificou as condições de que depende a faculdade de um trabalhador que preste a sua atividade em regime de teletrabalho optar por suspender a sua atividade e solicitar apoio excecional à família. Por um lado, essa opção é agora conferida sempre que haja filho ou outro dependente menor de 12 anos (e não, como no regime precedente, com limitação desse apoio se o menor frequentar o 1.º ciclo do ensino básico, pré-escolar ou em equipamento de apoio a infância) e, por outro, quando o agregado familiar integre filho ou dependente com deficiência ou doença crónica (e não, como no regime anterior, apenas quando aquele seja portador de deficiência geradora de incapacidade superior a 60 %).

Invoca o requerente que, apesar da incerteza quanto à eventualidade de autoridades de saúde virem a suspender as atividades letivas em algumas ou todas as escolas do país, se estima um aumento de dois mil novos beneficiários (os trabalhadores cujos filhos ou dependentes são menores de 12 anos e não frequentam o 1.º ciclo do ensino básico) e um incremento da despesa pública de 1 milhão de euros por cada mês de encerramento das escolas (Documento 1, anexo ao pedido), sem que, todavia, sejam detalhados o método e as operações que conduzem a esses cálculos.

Todavia, independentemente da precisa quantificação do seu efeito económico, é também aqui evidente que a alteração da medida tem impactos financeiros materialmente relevantes, implicando seguramente um aumento da despesa pública. Ao alargar o número de beneficiários (atribuindo-se o apoio quando os filhos ou dependentes sejam menores de 12 anos e não que frequentem até ao 1.º ciclo do ensino básico; e quando os filhos são portadores de deficiência ou doença crónica, independentemente da sua incapacidade), é de esperar que venha a ocorrer uma atribuição do apoio excecional à família a mais trabalhadores do que sucederia antes da alteração legislativa. Apenas assim não seria caso nenhum trabalhador com um filho menor de 12 anos e que frequente o segundo ciclo do ensino básico venha a requerer o apoio, o que não é crível. Em termos idênticos, não é de esperar que nenhum trabalhador com filho ou dependente com deficiência ou doença crónica (mas sem incapacidade demonstrada superior a 60 %) venha a solicitar tal apoio.

Assim, por força da norma fiscalizada, na eventualidade de as atividades letivas serem suspensas (em todas ou apenas em algumas escolas), haverá previsivelmente um leque de beneficiários do apoio excecional à família mais amplo do que aquele que haveria na anterior conformação da medida. O que implica, pois, que também a aprovação desta norma violou o disposto no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição e, em consequência, padece de inconstitucionalidade.

A norma do artigo 2.º da Lei 15/2021, que alterou, em sede de apreciação parlamentar, o artigo 3.º, n.os 1 e 6 do Decreto-Lei 6-E/2021.

24 - Quanto à alteração introduzida no Decreto-Lei 6-E/2021, a Assembleia da República veio determinar, por um lado, que o apoio extraordinário à redução de atividade económica é conferido a trabalhadores independentes, empresários em nome individual, gerentes e membros de órgãos estatutários com funções de direção, cujas atividades tenham sido suspensas ou encerradas, independentemente de terem ou não contabilidade organizada ou trabalhadores a cargo (nova redação do n.º 1 do artigo 3.º). E, por outro, que o cálculo do apoio extraordinário à redução de atividade económica e da medida extraordinária de incentivo a atividade profissional passa a ter por referencial «o rendimento médio anual mensualizado do trabalhador no ano de 2019», em detrimento do valor de remuneração registada como base de incidência contributiva para a segurança social (novo n.º 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021). É sobre esta última norma que incide o pedido de declaração de inconstitucionalidade, por violação do disposto do n.º 2 do artigo 167.º da Constituição.

O montante do apoio extraordinário à redução de atividade económica, nos termos das normas vigentes antes da alteração operada pela norma fiscalizada, correspondia «ao valor da remuneração registada como base de incidência contributiva, com o limite máximo do valor de um IAS, nas situações em que o valor da remuneração registada como base de incidência é inferior a 1,5 IAS» (alínea a) do n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei 10-A/2020, na redação conferida, por último, pela Lei 31/2020, de 11 de agosto); ou a «dois terços do valor da remuneração registada como base de incidência contributiva, com o limite máximo do valor da RMMG, nas situações em que o valor da remuneração registada é superior ou igual a 1,5 IAS» (alínea a) do n.º 3 do artigo 26.º do Decreto-Lei 10-A/2020, na redação conferida, por último, pela Lei 31/2020, de 11 de agosto). Do mesmo passo, a medida de incentivo à atividade profissional tinha o valor da base de incidência contributiva, tendo como limite máximo metade do valor do IAS e como limite mínimo o valor correspondente ao menor valor de base de incidência contributiva mínima (n.º 2 do artigo 28.º-A do Decreto-Lei 10-A/2020, na redação conferida, por último, pela Lei 31/2020, de 11 de agosto).

Deste modo, o valor de ambos os apoios era calculado a partir da «base de incidência contributiva», que é apurada nos termos do artigo 162.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS): 70 % do valor total das prestações de serviços e/ou 20 % dos rendimentos associados à produção e venda de bens (ou, quanto aos trabalhadores com contabilidade organizada, o valor do lucro tributável). Quer isto dizer, que o valor do apoio não correspondia à totalidade da faturação do beneficiário, mas a uma sua parcela (70 %, nos casos de prestação de serviços; 20 % nos casos de produção e venda de bens; ou, quanto aos trabalhadores com contabilidade organizada, o valor do lucro tributável), a que acresciam limites máximos e mínimos.

A opção legislativa de considerar, como base de incidência contributiva, apenas uma parte dos rendimentos do trabalhador independente, mostra-se fundada na consideração de que uma parcela do seu rendimento corresponde ao custo que o trabalhador independente suporta na sua atividade, desconsiderando-a na incidência contributiva. O que é especialmente evidente pela circunstância de, quanto aos trabalhadores independentes submetidos ao regime da contabilidade organizada, a base de incidência contributiva coincidir com o lucro tributável.

Ora, a norma fiscalizada altera o referencial constante do n.º 3 do artigo 26.º e do n.º 2 do artigo 28.º-A, ambos do Decreto-Lei 10-A/2020, na redação conferida, por último, pela Lei 31/2020, de 11 de agosto: o montante dos apoios deixa de ter em conta a base de incidência contributiva, mas o «rendimento médio anual mensualizado do trabalhador em 2019» (n.º 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021). O que significa que o apoio passa a poder corresponder à totalidade dos rendimentos do trabalhador - a 100 % da sua faturação - e, nos demais casos, a ser calculado a partir desse montante. O que implicará, de acordo com o requerente, um aumento do valor do apoio em todos os casos e, consequentemente, um aumento da despesa pública no ano económico em curso.

Para demonstrar que a norma sob fiscalização tem por efeito o aumento da despesa pública, o requerente juntou aos presentes autos dois documentos comparando os valores médios dos trabalhadores independentes apurados em 2019, tendo em conta o referencial anterior à introdução da regra em crise ((euro)629,79) e o parâmetro determinado pela norma do n.º 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021, ((euro)1403,68). A partir de tais premissas, conclui que a medida fiscalizada comporta um aumento de 123 % na despesa pública associada ao pagamento daquele apoio e, consequentemente, uma despesa adicional mensal de 38 milhões de euros (artigo 35.º do requerimento). Ademais, sustenta o requerente que a vigência da nova norma tem por efeito uma maior atratividade do apoio social em causa, o que pode gerar um aumento substancial do número de requerentes (artigo 36.º do requerimento), ainda que impossível de quantificar (artigos 37.º e 38.º do requerimento).

Novamente, não é possível acompanhar o cômputo previsional avançado pelo requerente, fruto das dificuldades geradas pela referenciação do valor do rendimento relevante médio mensal à totalidade dos trabalhadores independentes, e não ao leque, mais reduzido, daqueles elegíveis para o apoio. Acresce que a existência de limites máximos aos apoios (nas situações, respetivamente, da alínea a) do n.º 3 do artigo 26.º, da alínea b) do n.º 3 do artigo 26.º e do n.º 2 do artigo 28.º-A, todos do Decreto-Lei 10-A/2020, na redação conferida, por último, pela Lei 31/2020, de 11 de agosto) sempre irá restringir o incremento do benefício, podendo até, em certos casos, manter-se inalterado o montante do apoio quando a base de incidência contributiva já conduzia à sua fixação pelo limite máximo.

De todo o modo, também neste plano de análise, segundo critério de evidência, dúvidas não há que a alteração da medida tem reflexos necessários no aumento da despesa pública, mesmo que de montante inferior à estimativa constante do pedido.

Com efeito, no regime sindicado, deixando o apoio atribuído de ter por referencial a base de incidência contributiva (que corresponde apenas a uma parcela do rendimento dos trabalhadores), para passar a ser a totalidade daquele rendimento, é bom de ver que alguns beneficiários irão auferir um montante superior àquele que receberiam no regime anterior, o que implicará, em qualquer caso, um aumento da despesa pública no ano económico em curso. Mais uma vez, a medida só não teria por efeito o aumento da despesa pública se todos os beneficiários tivessem uma base de incidência contributiva que sempre conduzisse à fixação do apoio por referência ao limite máximo legalmente previsto. Ora, não é crível que não haja nenhum trabalhador a solicitar o apoio excecional à redução da atividade económica ou a medida extraordinária de incentivo à atividade profissional cuja base de incidência contributiva não conduzisse a um apoio inferior ao limite máximo e, por isso, que a despesa pública não seja aumentada face àquela que ocorreria antes da publicação da norma agora fiscalizada.

Deste modo, sendo vedadas as iniciativas legislativas que importem um aumento de despesa pública, foi violada pela Assembleia da República a norma do n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, implicando para as normas sindicadas o vício de inconstitucionalidade.

Efeitos jurídicos da violação do n.º 2 do artigo 167.º da Constituição

25 - Atingida a conclusão de que as normas impugnadas no pedido infringem a norma-travão, coloca-se a questão de saber quais os efeitos jurídicos dessa violação.

Dúvidas não subsistem sobre a natureza formal do vício, como foi afirmado no Acórdão 297/86: «Trata-se de uma inconstitucionalidade por infração de uma norma sobre o processo de formação das leis - precisamente o n.º 2 do artigo 170.º [atual 167.º] - e que, por isso mesmo, é qualificada na doutrina como inconstitucionalidade formal». Já quanto aos seus efeitos temporais, o problema é mais complexo.

Na doutrina, Gomes Canotilho e Vital Moreira propõem o recurso ao instituto da ineficácia da norma durante o ano económico em curso (cit., vol. II, p. 350), ideia que colhe o acordo de Guilherme d'Oliveira Martins (cit., p. 324), Alexandra Leitão (cit., p. 73), e de Jaime Valle (cit., p. 127). Posição essa, por sua vez, acolhida no Acórdão 317/86: «a inconstitucionalidade daí resultante só releva no ano económico em curso, isto é, nas suas incidências financeiras sobre o ano económico de 1986».

No Acórdão 297/86, o Tribunal obteve o mesmo efeito - a relevância da inconstitucionalidade somente no ano económico em curso - de outro modo: «Pensa-se, todavia, que para resolver a dificuldade não é necessário lançar mão da figura da ineficácia. Basta que se fale em inconstitucionalidade parcial (ratione temporis) para se poder concluir que as normas em questão só são inconstitucionais na medida em que são aplicáveis ao ano económico em curso». Em sentido concordante, António Lobo Xavier apela a uma interpretação adequadora, de modo que tais normas permaneçam na ordem jurídica, «aguardando a eficácia plena que o Orçamento do ano seguinte lhes poderá proporcionar» (cit., vol. XXXV, p. 96).

Porém, o entendimento de que a declaração de inconstitucionalidade restringe os seus efeitos ao ano económico em curso - seja através da figura da inconstitucionalidade parcial ratione temporis (como se decidiu no Acórdão 297/86), seja pela figura da ineficácia das normas apreciadas (como referido no Acórdão 317/86) - não é pacífico.

Em anotação ao Acórdão 317/86, Teixeira Ribeiro discorda do aproveitamento parcial da norma, sublinhando que a Constituição proíbe a própria apresentação de projetos ou propostas, pelo que considera «chocante que venha a ser considerada parcialmente válida uma norma provinda de proposta que não devia, sequer, ter sido discutida» (Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 119, n.º 3752, p. 340). Também Tiago Duarte objeta que «o que o Tribunal fez foi declarar inconstitucional a norma de entrada em vigor e substituí-la por outra que dissesse «a referida lei entra em vigor juntamente com a Lei do Orçamento do próximo ano». Ora, uma opção como esta releva do poder legislativo e não do poder jurisdicional, pelo que o Tribunal acaba por usurpar funções que se lhe não encontram cometidas» (cit., p. 618). A isto acresce a dificuldade de ocorrer uma repristinação temporária das normas que a lei inconstitucional tiver revogado, «já que, sendo declarada inconstitucional (ainda que só por alguns meses), dever-se-ia entender que, durante esse tempo, se promoveria a repristinação das leis eventualmente revogadas, sendo que estas normas seriam, depois, aparentemente, novamente consideradas revogadas, já não por decisão legislativa, mas por determinação do Tribunal Constitucional, na medida em que este órgão concedia como que uma segunda vida à referida lei (temporalmente) inconstitucional» (ibidem, p. 619).

Crê-se, com efeito, que a resposta constitucionalmente adequada para a violação da norma-travão radica na eliminação definitiva das normas legais que a hajam transgredido, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 282.º da Constituição.

Em primeiro lugar, porque é nesse sentido que aponta a própria redação da norma-travão: pretende a Constituição que as iniciativas legislativas que procedem a um aumento de despesa no ano económico em curso nem sequer sejam admitidas, determinando o artigo 120.º do Regimento da Assembleia da República a sua rejeição, não parece adequado que o Tribunal Constitucional preserve a sua vigência para os anos económicos subsequentes. No fundo, ainda que o fundamento da inconstitucionalidade radique no aumento de despesa pública temporalmente delimitado (no ano económico em curso), o efeito da inconstitucionalidade não é sincrónico, porquanto se prevê um vício de natureza procedimental que, em qualquer caso, sempre determinaria que as normas não pudessem ter sido aprovadas.

Em segundo lugar, porque o controlo de constitucionalidade das normas a que o Tribunal Constitucional procede em sede de fiscalização abstrata não admite a modelação das normas fiscalizadas, nem a atestação da sua conformidade constitucional para o futuro. A declaração de inconstitucionalidade com efeitos apenas no ano económico em curso significaria que o Tribunal Constitucional alteraria o início de vigência das normas fiscalizadas - opção que cabe ao legislador - e estaria a asseverar a conformidade constitucional de uma norma cuja declaração de inconstitucionalidade não lhe foi pedida (a norma que existiria caso o legislador tivesse previsto a aplicação deste regime a partir de 2022). Tal solução não é condicente com os poderes do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização abstrata: cabe-lhe, tão-somente, apreciar a constitucionalidade das regras fiscalizadas tal como foram modeladas pelo legislador.

Por fim, porque a declaração pelo Tribunal Constitucional de que as normas com repercussões orçamentais passam a ser eficazes no próximo ano económico sempre dependerá da sua previsão na Lei do Orçamento para 2022. Caso se conclua que as normas sob fiscalização têm efeitos na despesa pública, a sua provisão no próximo ano económico carece de inscrição orçamental. Nessa medida, nada impede que a própria Assembleia da República, na Lei do Orçamento do Estado para o próximo ano, proceda a distinta ponderação e, explícita ou implicitamente, derrogue as normas fiscalizadas que incrementam a despesa pública, sem que tal constitua uma violação do n.º 2 do artigo 105.º da Constituição (cf. Tiago Duarte, cit., pp. 230-250).

Como é sublinhado no Acórdão 303/90, permanece a possibilidade de a lei do orçamento reponderar as opções financeiras de leis anteriores: «É evidente que, devendo os orçamentos de Estado ter em conta as obrigações decorrentes de lei, se se desejasse que o Orçamento para 1989 não incluísse a previsão de despesas acarretadas pela Lei 103/88, necessariamente que, ou em lei anterior à da aprovação desse orçamento ou na lei que o aprovava, teria de constar a estatuição revogadora ou determinadora da suspensão das obrigações estaduais impostas pela tal Lei 103/88». Assim, a declaração pelo Tribunal Constitucional de que as normas fiscalizadas produzem efeitos no ano económico subsequente sempre ficaria condicionada ao juízo da Assembleia da República em sede orçamental,

Em suma, a declaração de inconstitucionalidade das regras fiscalizadas por violação da norma-travão comporta a produção dos efeitos previstos no n.º 1 do artigo 282.º da Constituição, implicando a nulidade ipso jure de tal normação, com efeitos ex tunc, não ficando estes limitados ao ano económico em curso, sem prejuízo da restrição de efeitos prevista no n.º 4 do mesmo preceito.

26 - Com efeito, nos termos do n.º 4 do artigo 282.º da Constituição, o Tribunal pode restringir tais efeitos quando razões de segurança jurídica, de equidade ou de interesse público de excecional relevo o justifiquem. No seu requerimento, o Primeiro-Ministro pronuncia-se expressamente nesse sentido, considerando «plenamente justificado» o recurso a essa faculdade.

De facto, ao expurgar do ordenamento jurídico as normas ao abrigo das quais foram concedidos e percebidos apoios sociais, ou fixados os respetivos montantes, o alcance ex tunc da declaração de inconstitucionalidade significa que os respetivos beneficiários seriam confrontados com a invalidade de tais atos e correspondente obrigação de restituição, total ou parcial, dos montantes recebidos e que, num quadro de fragilidade económica, afetaram à satisfação de necessidades prementes. Ora, tais consequências, para além de comprometerem o próprio propósito na base das medidas extraordinárias de apoio económico quando os efeitos da pandemia COVID-19 ainda se fazem sentir, são idóneas a gerar instabilidade e incerteza no tecido socioeconómico, lesando a segurança jurídica, impondo-se, então, proceder a uma limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade, por forma a proteger as situações concretas que se tenham constituído à sombra das normas agora eliminadas do ordenamento jurídico.

Nestes termos, entende o Tribunal, por razões de segurança jurídica e de equidade, usando a faculdade que lhe é concedida pelo n.º 4 da Constituição, restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, de modo que só produza efeito útil a partir da data da sua publicação no Diário da República.

27 - Para além dos vícios formais que se vem de apreciar, o requerente invoca ainda, nos termos relatados, que a norma introduzida pela Lei 15/2021, no n.º 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.

Porém, sempre se impondo, por outros fundamentos, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dessa norma, mostra-se dispensável a apreciação de tal questão.

O mesmo sucede relativamente ao pedido de declaração de ilegalidade, que versa as mesmas normas objeto do pedido de declaração de inconstitucionalidade, aliás, articulado pelo requerente numa relação de subsidiariedade com este, ou seja, para o caso de não proceder o pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral.

III. Decisão

Pelo exposto, decide o Tribunal Constitucional:

a) Não declarar a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 3.º da Lei 16/2021, de 17 de abril, na parte em que adita o artigo 4.º-C ao Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro e, através deste, altera os números 7 e 8 do artigo 23.º, e os números 7 e 8 do artigo 24.º, ambos do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março;

b) Não declarar a inconstitucionalidade da norma do artigo 2.º da Lei 16/2021, de 7 de abril, na parte em que introduz uma alínea b) do artigo 1.º do Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro;

c) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 3.º da Lei 16/2021, de 7 de abril, na parte em que adita o artigo 4.º-C ao Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro e, através deste, altera os números 2 e 3 do artigo 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 167.º e no n.º 1 do artigo 169.º da Constituição;

d) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 2.º da Lei 16/2021, de 7 de abril, na parte em que altera o n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição;

e) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 2.º da Lei 15/2021, de 7 de abril, que alterou, em sede de apreciação parlamentar, n.º 6 do artigo 3.º do Decreto-Lei 6-E/2021, de 15 de janeiro, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição;

f) Ressalvar, nos termos do n.º 4 do artigo 282.º da Constituição, por motivos de segurança jurídica e de equidade, os efeitos produzidos até à publicação deste acórdão no Diário da República pelas normas cuja declaração de inconstitucionalidade se opera nas alíneas c), d) e e).

O relator atesta o voto de conformidade do Senhor Conselheiro Pedro Machete, que não assina por não se encontrar presente e remeteu declaração de voto. Atesta-se igualmente o voto de conformidade da Senhora Conselheira Mariana Canotilho (que apresenta declaração) e dos Senhores Conselheiros Lino Ribeiro e Teles Pereira, que intervieram por meios telemáticos. Fernando Vaz Ventura

Lisboa, 14 de julho de 2021. - Fernando Vaz Ventura - Maria de Fátima Mata-Mouros - José João Abrantes - Joana Fernandes Costa - Maria José Rangel de Mesquita (com declaração que se junta) - Assunção Raimundo - Gonçalo Almeida Ribeiro - João Pedro Caupers - Pedro Machete - Mariana Canotilho.

Declaração de voto

Acompanha-se a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante da alínea c) da Decisão - da norma contida no artigo 3.º da Lei 16/2021, de 7 de abril, na parte em que adita o artigo 4.º-C ao Decreto-Lei 8-B/2021, de 22 de janeiro e, através deste, altera os números 2 e 3 do artigo 24.º do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de março - mas apenas com fundamento na violação do n.º 1 do artigo 169.º da Constituição. Isto, já que, tendo-se concluído ser constitucionalmente vedado o aditamento do artigo 4.º-C, na parte em que altera os números 2 e 3 do referido artigo 24.º, por via de apreciação parlamentar (pelas razões constantes do ponto 16 da Fundamentação do acórdão), fica prejudicada, por aquele juízo de inconstitucionalidade se colocar a montante, a apreciação da conformidade da norma em causa com o disposto no artigo 167.º, n.º 2, da Constituição. - Maria José Rangel de Mesquita.

Declaração de voto

Não acompanho o presente acórdão na parte em que o mesmo se afasta da jurisprudência dos Acórdãos n.os 297/86 e 317/86 deste Tribunal relativamente aos efeitos jurídicos da violação da norma-travão (a eliminação definitiva das normas que a hajam transgredido). Como sufragado naquelas duas decisões, julgo que as normas ora declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, por violação do disposto no artigo 167.º, n.º 2, da Constituição, só são inconstitucionais, em razão da incompatibilidade com tal parâmetro, na medida em que são aplicáveis ao ano económico em curso.

Esta invalidade parcial qualitativa (ratione temporis) é, em meu entender, a consequência jurídica mais ajustada ao princípio da preferência constitucional pela decisão redutiva e a única conforme com a opção constitucional de atribuir o exclusivo do poder orçamental à Assembleia da República (artigos 106.º, n.º 1, e 161.º, alínea g), ambos da Constituição) e com a consequente subordinação do Governo, seja em matéria de elaboração da proposta do Orçamento do Estado, seja no que se refere à execução do mesmo ao princípio da legalidade (v. respetivamente, os artigos 105.º, n.º 2, e 199.º, alínea b), ambos da Constituição).

i) No tocante ao primeiro aspeto, tenham-se presentes as considerações de Rui Medeiros: o «princípio da conformidade funcional, como também os princípios da segurança jurídica e da separação de poderes, conjugados com a máxima da proporcionalidade, apontam para uma ideia de conservação de normas. [Ora, a] fiscalização da constitucionalidade visa a proteção da Lei Fundamental e, por isso, só deve ser utilizada em conformidade com o fim para que foi criada. De acordo com o princípio da conformidade funcional, a lei não deve ser declarada in toto inválida nos casos em que a garantia da Constituição não exija que se vá tão longe. O respeito pelo legislador, ínsito no princípio da separação de poderes, e a segurança jurídica não consentem, outrossim, decisões de inconstitucionalidade excessivas. Isto significa, no que toca especificamente ao problema da redução da lei inconstitucional, que a decisão de inconstitucionalidade se deve limitar ao estritamente necessário para defesa da Constituição [...]» (v. Autor cit., A Decisão de Inconstitucionalidade, Universidade Católica Editora, Lisboa, 1999, p. 440; no mesmo sentido, v. João Tornada, A Modificação da Lei Inconstitucional, Almedina, Coimbra, 2021, pp. 124-125). Antes da passagem transcrita, aquele Autor refere como exemplo de decisão de invalidade parcial qualitativa admissível uma decisão de inconstitucionalidade fundada na violação da proibição da apresentação de projetos de lei que envolvam, no ano económico em curso, aumento das despesas do Estado previstas no Orçamento, que seja limitada ao referido ano económico (cf. idem, ibidem, p. 438).

ii) Relativamente ao segundo aspeto, cumpre recordar que o poder orçamental, traduzido na autorização política anual de realização de despesas públicas e de cobrança de receitas e na consequente limitação jurídica da Administração (cf. Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. I, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 1992, pp. 339-340), encontra-se, desde a Revisão Constitucional de 1982, atribuído em exclusivo à Assembleia da República (v. idem, ibidem, pp. 342-345; v. também Eduardo Paz Ferreira, Ensaio de Finanças Públicas, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 262 e ss.). Esta opção constitucional, sem prejuízo do concomitante estabelecimento de condicionamentos como, por exemplo, a reserva de iniciativa originária (mas já não da superveniente) ou a própria norma-travão (sobre a questão, v., por último, Nazaré da Costa Cabral, "A 'lei-travão' e o direito de emenda parlamentar no domínio orçamental: relações entre estas duas matérias" in Conselho das Finanças Públicas, n.º 01/2020, passim), não deixa de significar o reconhecimento de uma primazia do papel da Assembleia da República, também no campo orçamental e financeiro, enquanto centro da vida democrática. Daí que os limites constitucionais aos poderes do parlamento devam ser perspetivados no quadro das exigências estritas da própria autonomia reconhecida à execução orçamental, inexistindo justificação para que os mesmos se projetem para além desta última, nomeadamente para além do período de vigência anual do orçamento erigido constitucionalmente como "travão" (sobre a regra da anualidade do orçamento, v. o artigo 106.º, n.º 1, da Constituição e o artigo 14.º da Lei 151/2015, de 11 de setembro - Lei de Enquadramento Orçamental).

Esta compreensão restritiva dos limites dos poderes do parlamento no domínio em análise adquire uma importância reforçada face ao entendimento adotado - e que acompanho, atenta a respetiva ratio legis - de que a da lei-travão também se aplica a iniciativas legislativas que apenas resultem num aumento indireto de despesas ou numa diminuição indireta de receitas previstas no Orçamento do Estado. - Pedro Machete.

Declaração de voto

Votei a decisão, que me parece não poder ser outra. O n.º 2 do artigo 167.º da CRP consagra uma regra constitucional, cuja aplicação não pode ficar dependente de juízos de ponderação com outras normas ou princípios constitucionais, sob pena de erosão da força normativa da Constituição.

Gostaria, contudo, de deixar assinalado que entendo que o critério de evidência mobilizado neste Acórdão para justificar o juízo de inconstitucionalidade exige, por um lado, a apresentação, por parte do Governo, de elementos mínimos de ponderação que permitam sustentar a verificação de um "aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas no Orçamento"; no caso de inexistirem, ou se revelarem inverosímeis, prevalecerá o princípio do favor legislatoris, admitindo-se a intervenção do legislador parlamentar. Por outro lado, creio também que o mesmo critério de evidência implica, no que respeita à despesa indireta, a existência de uma materialidade relevante, que preencha a ratio da norma constitucional, enquanto limite à competência legislativa da Assembleia da República.

Por fim, quanto à decisão de não limitação temporal da inconstitucionalidade das normas questionadas, encontro-me na posição simétrica do Conselheiro Cardoso da Costa, na declaração aposta ao Acórdão 297/86. Entendo que há razões logradas e jusconstitucionalmente sólidas para fundamentar a conclusão a que agora se chegou - e por isso a votei - mas não me repugnaria, de igual modo, a manutenção da que tem sido a posição tradicional do Tribunal Constitucional a esse respeito. - Mariana Canotilho.

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Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/4663632.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1935-03-23 - Lei 1885 - Presidência do Conselho

    Introduz alterações à Constituïção Política da República Portuguesa.

  • Tem documento Em vigor 1945-09-17 - Lei 2009 - Presidência da República

    Introduz alterações na Constituição Política da República Portuguesa e no Acto Colonial.

  • Tem documento Em vigor 1982-09-30 - Lei Constitucional 1/82 - Assembleia da República

    Aprova a primeira revisão Constitucional, determinando a sua entrada em vigor no trigésimo dia posterior ao da publicação no diário da república, bem como publicação conjunta da Constituição da República Portuguesa de 2 de Abril de 1976, no seu novo texto.

  • Tem documento Em vigor 1986-11-21 - Acórdão 297/86 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade parcial das seguintes normas da Lei n.º 17/86 (salários em traso): n.º 1 do artigo 25.º, conjugado com os artigos 24.º, 26.º, 27.º e 31.º; n.º 1 do artigo 3.º, artigo 6.º, alínea b), e artigo 7.º; e n.º 3 do artigo 7.º.

  • Tem documento Em vigor 1987-01-14 - Acórdão 317/86 - Tribunal Constitucional

    Não declara a inconstitucionalidade da norma do artigo 3.º da Lei n.º 32/86, de 29 de Agosto, - alteração ao orçamento geral do Estado para 1986, aprovado pela Lei 9/86, de 30 de Abril -, declara a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma do artigo 4.º da mesma lei, na parte que é aplicável ao ano económico em curso; declara a inconsticucionalidade com força obrigatória geral da norma do artigo 1.º da citada lei, na parte em que introduz alterações aos mapas I e II do Orçamento. (Proc.º 20 (...)

  • Tem documento Em vigor 1988-08-27 - Lei 103/88 - Assembleia da República

    Medidas tendentes a resolver a situação dos ex-regentes escolares e dos professores habilitados com o curso especial.

  • Tem documento Em vigor 1990-12-26 - Acórdão 303/90 - Tribunal Constitucional

    Declara inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do n.º 11 do artigo 14.º da Lei n.º 114/88, de 30 de Dezembro, por violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.(Processo n.º 129/89)

  • Tem documento Em vigor 2001-07-03 - Lei 17/2001 - Assembleia da República

    Primeira alteração, por apreciação parlamentar, do Decreto-Lei n.º 10/2001, de 23 de Janeiro, que «estabelece as disposições aplicáveis à constituição e à manutenção das reservas de segurança em território nacional de produtos de petróleo, transpondo para o direito interno a Directiva da Comissão n.º 98/93/CE (EUR-Lex), de 14 de Dezembro».

  • Tem documento Em vigor 2015-09-11 - Lei 151/2015 - Assembleia da República

    Lei de Enquadramento Orçamental

  • Tem documento Em vigor 2020-03-13 - Decreto-Lei 10-A/2020 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19

  • Tem documento Em vigor 2020-04-16 - Portaria 94-A/2020 - Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

    Regulamenta os procedimentos de atribuição dos apoios excecionais de apoio à família, dos apoios extraordinários à redução da atividade económica de trabalhador independente e à manutenção de contrato de trabalho em situação de crise empresarial, do diferimento das contribuições dos trabalhadores independentes e do reconhecimento do direito à prorrogação de prestações do sistema de segurança social

  • Tem documento Em vigor 2020-08-11 - Lei 31/2020 - Assembleia da República

    Primeira alteração, por apreciação parlamentar, ao Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, que altera as medidas excecionais e temporárias relativas à pandemia da doença COVID-19

  • Tem documento Em vigor 2021-01-15 - Decreto-Lei 6-E/2021 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece mecanismos de apoio no âmbito do estado de emergência

  • Tem documento Em vigor 2021-01-22 - Decreto-Lei 8-B/2021 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece um conjunto de medidas de apoio no âmbito da suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais

  • Tem documento Em vigor 2021-02-22 - Decreto-Lei 14-B/2021 - Presidência do Conselho de Ministros

    Alarga o apoio excecional à família no âmbito da suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais

  • Tem documento Em vigor 2021-03-24 - Decreto-Lei 23-A/2021 - Presidência do Conselho de Ministros

    Estabelece medidas de apoio aos trabalhadores e empresas, no âmbito da pandemia da doença COVID-19

  • Tem documento Em vigor 2021-04-07 - Lei 15/2021 - Assembleia da República

    Alteração, por apreciação parlamentar, ao Decreto-Lei n.º 6-E/2021, de 15 de janeiro, que estabelece mecanismos de apoio no âmbito do estado de emergência

  • Tem documento Em vigor 2021-04-07 - Lei 16/2021 - Assembleia da República

    Alteração, por apreciação parlamentar, ao Decreto-Lei n.º 8-B/2021, de 22 de janeiro, que estabelece um conjunto de medidas de apoio no âmbito da suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais

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