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Resolução do Conselho de Ministros 12/87, de 18 de Março

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Sumário

Aprova as grandes linhas orientadoras da acção governativa para o período de 1987-1989.

Texto do documento

Resolução do Conselho de Ministros n.º 12/87

Dos aspectos mais salientes que resultaram da acção do Governo no ano prestes a findar destacam-se dois, pelas repercussões que podem fazer reflectir no médio prazo: o primeiro tem a ver com a nítida inversão das tendências negativas que se vinham verificando nos últimos anos na economia portuguesa; o segundo assinala o comportamento muito positivo que a Administração Portuguesa revelou durante o primeiro ano de adesão às Comunidades Europeias.

Este tipo de constatação torna-se especialmente relevante numa óptica de desenvolvimento - opção fundamental do Governo para os próximos anos.

E, sendo o processo de desenvolvimento, pela sua própria natureza, de grande complexidade, pelas múltiplas vertentes a atender e os muitos factores e elementos a mobilizar, obriga a que se preste um cuidado muito especial ao enquadramento a observar no médio prazo.

Estas razões são, por si só, suficientes para que o Governo defina a sua acção numa perspectiva plurianual, dentro de um quadro mais exigente e de acordo com uma lógica que sirva de suporte a todo um conjunto de decisões a tomar e acções a desenvolver.

Assim, o Conselho de Ministros, reunido em 18 de Dezembro de 1986, resolveu aprovar as grandes linhas orientadoras da acção governativa para o período de 1987-1989.

Essas grandes linhas, desenvolvidas em documento anexo a esta resolução, de que faz parte integrante, dão especial relevo aos seguintes domínios:

A integração de Portugal na CEE e as relações com outros países, especialmente os países de língua oficial portuguesa, reclamam que o País assuma, com clareza, uma vocação que lhe é própria e que lhe é determinada não só pelo passado histórico mas também pela sua posição geo-estratégica. O exercício dessa função, que fundamenta, em grande medida, a existência de Portugal como país livre e independente e que pode proporcionar o exercício mais intenso de uma nova vertente à actuação da Comunidade Europeia, justifica que se dê relevo especial aos aspectos ligados à língua, cultura e património e à valorização do papel de Portugal no Mundo;

Portugal, sendo uma jovem democracia e tendo uma vocação atlântica, que lhe é inerente, terá de assumir, no quadro de relações da organização da OTAN, as responsabilidades que lhe cabem no quadro dessa aliança, em perfeita articulação com o processo de desenvolvimento interno, curando de não sofrer, nesse quadro, processos de desqualificação internacional, que se poderiam vir a revelar extremamente negativos;

A nível interno, haverá que consolidar as estruturas do Estado democrático, reforçando os mecanismos de segurança interna, da eficácia das forças de segurança e procurando uma maior celeridade no que respeita aos aspectos da aplicação da justiça.

O reforço dos mecanismos de participação é de inegável importância num processo de desenvolvimento que se pretende profundo, dinâmico e auto-sustentado, pelo que a atenção a prestar aos aspectos do reforço do papel do escalão da administração local e à criação do novo escalão da administração regional no continente terá de ser encarada à luz de objectivos mais ambiciosos, que, em última análise, têm a ver com a busca de uma maior eficácia em todo o processo de desenvolvimento do País.

A concepção e o modo de funcionamento dos sistemas de formação profissional e educativo são, seguramente, elementos decisivos em todo o processo de desenvolvimento, especialmente quando, na nossa perspectiva, o homem está não só como destinatário mas também como agente no centro desse processo;

Outro tipo de preocupações maiores repousa nos sistemas de solidariedade social e de saúde. Se, por todos os meios, se tem de minorar a situação dos mais desfavorecidos, há, com urgência, que repensar todo o sistema, atendendo, por um lado, aos aspectos financeiros, mas procurando valorizar e incrementar o papel das organizações privadas de solidariedade social, contrariando os excessos da socialização, responsáveis pelo crescimento desmesurado dos sistemas de segurança social e de saúde;

O mundo moderno perspectiva um tipo de concepção de empresa que tem muito pouco a ver com a unidade tradicional. Para além das transformações já visíveis, resultantes da introdução de novas tecnologias e de novos processos e métodos de gestão, o fenómeno mais saliente no próximo futuro tem a ver com a concepção da empresa como espaço de realização profissional e pessoal de todos os que aí exercem actividade;

Um desenvolvimento mais equilibrado do território nacional obrigará a todo um conjunto de actuações que conduzam, por um lado, à existência de verdadeiras comunidades locais viáveis e à execução de medidas de política nos diferentes domínios que possibilitem um esforço convergente dos vários agentes, públicos, privados ou cooperativos, e de acordo com a realidade diferenciada do território nacional, o que vai reclamar uma particular intensificação dos esforços a promover no domínio da política de desenvolvimento regional;

Finalmente, tem de ser dada continuidade à execução da política macroeconómica enunciada, visando a correcção estrutural do comportamento das principais variáveis macroeconómicas, no sentido de dotar o País de uma política equilibrada que vise um crescimento económico a taxas superiores à média europeia, factor determinante para a execução de uma política de desenvolvimento, de cujas linhas essenciais para o período de 1987-1989 se dá conta no documento anexo.

Presidência do Conselho de Ministros. - O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.

1 - A defesa da cultura portuguesa

Portugal terá de se apresentar ao Mundo identificando-se pela diferença que faz das outras pátrias. Essa diferença, que fez e fará a nossa força, encontra-se na língua, na cultura e no património.

Portugal possui, de há muito, todos os materiais de que necessita para se identificar perante si mesmo e perante os outros países. O trabalho a desenvolver não é, por isso, um trabalho criativo, mas de recriação.

A reafirmação da identidade nacional

A necessidade de reafirmar a identidade nacional leva a distinguir entre o que Portugal é - culturalmente e geoestrategicamente - e o que Portugal escolhe ser.

Portugal é um país ocidental e atlântico que escolheu a Europa. É nesta conjugação que se tem de reencontrar o sentido actual da identidade portuguesa.

Da mesma maneira, é prudente distinguir entre o que Portugal tem e aquilo que Portugal tem de fazer. A língua, a cultura e o património são o que tem. Resta saber o que tem de fazer com essa riqueza para preservá-la e aumentá-la.

Faz sentido ainda estabelecer duas zonas de acção. A primeira diz respeito à relação de Portugal consigo mesmo. A segunda, à relação de Portugal com os outros países do Mundo. Ambas estão inevitavelmente ligadas, já que a língua, a cultura e o património nacionais terão uma implantação no Mundo que depende primeiramente da implantação conseguida no próprio país.

Para reafirmar a identidade nacional não faz sentido dissociá-la das condicionantes históricas e geoestratégicas de Portugal. A simultaneidade da adesão de Portugal e Espanha à CEE pode induzir alguns a julgar os dois casos e as duas culturas como semelhantes. Por isso, Portugal não deve deixar de se aproximar de outras culturas europeias menos próximas geograficamente, como já noutros tempos o fez.

A política cultural portuguesa tem de ser extremamente selectiva, sob pena de se dispersarem os poucos recursos e esforços de promoção que somos capazes de mobilizar.

Significa isto que é Portugal onde a língua, a cultura e o património mais se têm de defender e promover, procurando-se reequilibrar os esforços no sentido de preferir a qualidade à quantidade. O conceito distributivo e equitativo vigente até hoje terá de ser substituído por um conceito selectivo e premiador da qualidade que concentre os recursos onde eles retribuam um maior rendimento.

O conceito de cultura deverá ser revisto e actualizado à luz das novas ideias antropológicas e sociológicas. Assim, a cultura define-se como todas aquelas actividades, só às vezes artísticas, que constituem o património vivo de um povo. Há a cultura antropológica, de base, que leva a privilegiar a reportugalização de Portugal através do revigoramento das tradições nacionais e regionais, e há a chamada alta cultura, de cúpula, que se exprime nas artes, que seguem padrões universais, e que pertence, afinal, a toda a Humanidade.

Com o fomento da primeira cultura (às vezes dita, erradamente, «popular») contribuir-se-á para a permanência de Portugal como entidade nacional, diferente das demais. É o que torna Portugal diferente. Com o fomento da segunda cultura contribuir-se-á para a projecção de Portugal como produtor internacional de artes, ideias, investigação científica, etc.

Depois de Portugal, a política cultural privilegiará os países de língua portuguesa, mas somente naqueles países onde a presença cultural portuguesa seja simultaneamente desejada e vantajosa para Portugal.

Essa política será sempre altamente selectiva, visando mais directamente a influência sobre as élites actuais ou futuras, já que é como «língua culta» que o português ganhará em ser promovido, como veículo internacional de comunicação.

Depois de Portugal e dos países de língua portuguesa é a perspectiva atlântica que terá de conduzir a política cultural portuguesa. Atenta, portanto, às duas grandes alianças - a luso-britânica e a atlântica -, parece óbvia a oportunidade de servir de ponte cultural, incidindo sobre a Europa, procurando apresentar a cultura portuguesa como portuguesa, ultramarina e atlântica, pronta a oferecer à Europa o que a Europa não tem e energicamente disposta a receber da Europa o que Portugal em si não possui.

Os jovens e a cultura

Os jovens poderão desempenhar um papel fundamental. Portugal é hoje um dos países com um peso mais elevado de jovens da Europa e onde a juventude tem demonstrado possuir uma grande capacidade de intervenção no processo de transformação da sociedade. Daí que a aposta de fazer dos jovens portugueses um dos veículos fundamentais para a divulgação da nossa cultura seja importante.

O incremento do intercâmbio juvenil, sendo certo que os jovens agora serão dirigentes de amanhã, poderá vir a dar, a médio prazo, frutos no sentido de expandir a nossa cultura, reforçar os laços com outros povos e colocar Portugal, no quadro internacional, em lugar de relevo.

As comunidades portuguesas no Mundo

A política cultural portuguesa deverá, por isso, recusar a utopia do Universo, dispersando esforços por todas as partes do Mundo por onde Portugal andou, e encontrar-se naquelas áreas onde tem uma capacidade realmente maior para se impor, quer pelo enquadramento geoestratégico, quer pela experiência histórica ou pela sua língua.

A diáspora portuguesa é o toque final das acções a empreender no campo da língua, da cultura e do património. O mais urgente ainda é a campanha que se tem de fazer em Portugal junto dos portugueses que cá vivem.

Encorajar a fixação, adaptação e intervenção social dos Portugueses nos países de emigração prestigia a nossa cultura, porque mostra-a como sendo automaticamente aberta e internacional. A esses colonos interessa mostrar, não a cultura local ou provinciana das suas origens próximas, mas sim os exemplos mais magníficos da cultura portuguesa, quando ela atingiu uma dimensão internacional. O que importa é que esses exemplos sejam de boa qualidade, comparados com aqueles de que dispõem os estrangeiros em causa. Sendo a língua portuguesa o principal veículo da nossa cultura, haverá que incentivar o seu ensino aos filhos dos emigrantes.

A preocupação com a defesa da cultura portuguesa deverá também estar presente no apoio ao regresso dos emigrantes. Há que assegurar, através de adequado enquadramento regulamentar, que a integração dos elementos culturais adquiridos pelos emigrantes nos países onde trabalharam e residiram se processe de forma harmónica e, porventura, enriquecedora da cultura portuguesa.

As relações económicas com o Mundo também deverão informar o leque de línguas estrangeiras oferecido pelo sistema educativo, sendo desejável que estivessem disponíveis antes de chegar ao nível universitário.

A divulgação da cultura portuguesa

A interdependência simbiótica do bilingualismo, que, por contraste consciente, ajuda a caracterizar melhor cada uma das línguas, está, finalmente, ligada à divulgação da cultura portuguesa no Mundo (incluindo, prioritariamente, a investigação científica).

A tradução sistemática de obras escritas em português para as línguas universais (o inglês e o francês) não traduz desprimor algum para a língua portuguesa.

Cultura de base e cultura de cúpula, nacionalidade e internacionalidade, língua-mãe e língua-matriz, património utilizável e património futuro - destas dicotomias nasce uma política cultural adequada a Portugal, capaz de tirar partido da sua identificação geoestratégica e preparada para a evolução dinâmica das sociedades modernas.

Como placa giratória situada na zona atlântica, onde Portugal tem maiores oportunidades de ver reaparecer o lugar próprio e decisivo que já ocupou no Mundo, Portugal é perfeitamente capaz de se tornar um intermediário cultural importante.

Como produtor de um volume relativamente baixo de bens culturais nacionais, prestigiado embora pela selectividade e qualidade do que exporta, a sua vocação é intervir activamente na identificação e circulação daqueles bens culturais dotados de universalidade.

2 - O aprofundamento da democracia

A independência política de um país significa, antes de mais, que ele seja capaz de depender de si mesmo, de contar consigo próprio. Num Estado democrático, onde o essencial é preservar o pluralismo criador, é necessário garantir a existência de regras e práticas institucionalizadas que, por serem equilibradamente partilhadas por todos, permitam que as diferenças políticas possam ser livremente expressas e exercidas, sem pôr em risco a unidade ou independência do Estado.

O dinamismo de uma sociedade livre nas suas vertentes política, económica, social e cultural depende, em termos decisivos, da autoridade do Estado, já que é este que garante essa liberdade, possuindo meios eficazes de combater as acções que procuram diminuí-la ou suprimi-la. Compete, por isso, ao Estado proteger a totalidade dos cidadãos contra ameaças internas e exteriores, em nome da segurança e independência nacionais.

A educação cívica

Sem dúvida que é na esfera da educação cívica, como componente essencial da formação do cidadão, que o «perigo» potencial deve ser combatido. Trata-se aqui de uma preocupação constante, sempre renovada, na busca de uma sociedade cada vez menos imperfeita.

Formar cidadãos, não apenas de um ponto de vista técnico, mas pondo sobretudo o acento tónico na sua formação ética, deve ser um dos vectores fundamentais da actuação do Estado democrático. Só dessa maneira se poderão preparar os indivíduos para combater os espectros ameaçadores de instituições e de grupos que, nesta época de mudanças tão profundas, pairam, por vezes, sobre nós.

Assim, a educação cívica dos cidadãos tornar-se-á um precioso mecanismo de defesa das instituições democráticas. O cidadão será mais responsável se formado e educado dentro de um quadro de valores culturais que reforce a sua personalidade e identidade como português e faça reviver o respeito pelas instituições e conhecer perfeitamente os mecanismos do processo da tomada de decisões.

O conhecimento dos valores da democracia depende do nível de educação dos indivíduos de uma sociedade. Daí que esta questão deva ser encarada prioritariamente.

O Governo continuará empenhado no desenvolvimento e fortalecimento da consciência da identidade nacional, através da defesa dos valores éticos, morais e culturais que, historicamente, a formam e lhe dão razão de ser, bem como do reforço da consciência cívica de toda a população, muito em especial da juventude, como contributo importante para o desenvolvimento das capacidades materiais e morais da comunidade nacional.

Em consonância com o conceito estratégico de defesa nacional oportunamente definido, adoptando uma concepção global, integrada e coerente do grande objectivo patriótico que é a defesa nacional, o Governo continuará a desenvolver esforços no sentido de sensibilizar, esclarecer e motivar a opinião pública para as grandes questões da problemática da defesa nacional, quer no plano político, em geral, quer nos planos económico, social e cultural, na área das relações externas, bem como na vertente estritamente militar. Será dado deste modo um forte contributo para o reforço da vontade nacional e da coesão interna, garantindo a soberania, a independência nacional e a determinação dos Portugueses em defender a Pátria sempre que necessário.

Será sobretudo junto dos jovens que se deverá investir, sensibilizando-os, nomeadamente durante o processo educativo, formal e não formal, para os grandes valores nacionais e para a importância das instituições.

É importante que cada português sinta que na complexidade dos factores que nos diferenciam, enquanto membros de uma sociedade dinâmica, há um conjunto de valores que cimentam a unidade do Estado.

A segurança dos cidadãos e do Estado

Mas, independentemente e ao lado dessa actuação, o Estado tem também como obrigação assegurar os direitos dos cidadãos. Os direitos que são meramente admitidos na letra da lei não têm valor se não for viabilizado o seu conhecimento e o seu exercício, precavendo-o contra os riscos incomportáveis e eliminando focos manifestos ou potenciais de insegurança.

As leis de segurança num Estado democrático não se destinam a defender o Estado propriamente dito, mas sim o funcionamento democrático da sociedade.

Num quadro pluralista - em que os diversos grupos sociais concorrem, segundo princípios e regras estabelecidos, uns com os outros, exprimindo e podendo perseguir interesses diferenciados, mediante o exercício participado dos seus direitos, liberdades e garantias -, compete ao Estado assegurar que os mais «fortes» não levem vantagem de partida sobre os mais «fracos» e os menos escrupulosos não se sirvam de meios ilegítimos para levar a melhor sobre todos os outros.

A segurança interna de um sistema político democrático é proporcional à extensão e à profundidade dos direitos, liberdades e garantias de que gozam os seus cidadãos.

Quanto mais protegida estiver a liberdade, mais ampla e livremente ela se poderá exercer, já que estará previamente precavida contra o exercício de meios constrangedores e limitativos, como a força bruta, a concorrência política desleal, a própria concorrência económica desleal e todas aquelas acções que procurem substituir - ou até suprimir - as práticas democráticas consensuais, necessariamente baseadas na igualdade dos direitos, das oportunidades de expressão e do exercício legítimo de influência política.

Daí que o Estado democrático tenha de garantir a defesa das regras de convivência social. Para isso o Estado tem, em primeiro lugar, de possuir meios que lhe permitam actuar com conhecimento. Se assim se proceder, fica o Estado com mecanismos que lhe permitem antecipar-se à produção de danos.

Sem um conjunto de regras e meios destinados a garantir a segurança interna, o sistema político português expõe-se, desnecessariamente, a perigos vários, que podem ameaçar a sua sobrevivência como sistema político democrático e ainda com sistema político internacionalmente independente.

Uma lei de segurança interna é, assim, uma das peças indispensáveis para a afirmação do Estado democrático e uma irrecusável exigência dos nossos dias.

A justiça e o acesso ao direito

Ao Estado cabe velar pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos com a equidade que se lhe exige, o que implica que as estruturas e os processos de administração da justiça possuam atributos de eficácia e credibilidade.

Em Portugal, a vulnerabilidade não radica, felizmente, na credibilidade do sistema judiciário. Há, contudo, muito a fazer e com uma dose de grande prioridade no que se refere ao equipamento que serve o sistema: a construção e remodelação das instalações dos tribunais, a construção de novos estabelecimentos prisionais, a recuperação de casas de função para magistrados, a dignificação das instalações e condições de trabalho dos serviços, são áreas que vão exigir uma atenção muito especial.

Uma outra vertente em que se procurará investir refere-se à formação de oficiais de justiça e dos guardas prisionais. Aqui, como em muitos outros sectores da Administração, o princípio repete-se: a formação permanente dos que servem a Administração Pública, a ser incentivada, proporcionará uma maior garantia e qualidade dos serviços prestados.

O mesmo tipo de justificação se pode aplicar relativamente às medidas de política que se pretende levar a cabo no âmbito da Polícia Judiciária, da Guarda Nacional Republicana, da Polícia de Segurança Pública e do Serviço de Estrangeiros.

A transparência de procedimentos resulta também, e necessariamente, do fácil acesso ao direito. Este, tomado na sua expressão mais ampla, abrange não só o apoio das populações na solução conflitual de interesses, mas sobretudo a divulgação intensa da forma como os cidadãos podem fazer exercer os seus direitos e de como devem proceder perante a Administração para dela obterem as licenças, documentos e todas aquelas prestações de serviços de que o cidadão carece no dia-a-dia para o exercício legal da sua actividade económica e social.

Compreende ainda uma acessibilidade de serviços em quantidade e proximidade geográfica tais que a sua obtenção se não traduza em consumo de tempo ou necessidade de deslocação pouco razoáveis.

A representatividade democrática

Um Estado democrático também se afirma através do conjunto de regras que rege a concorrência política e, logo, a representação dos cidadãos eleitores e a representatividade dos cidadãos eleitos. Num sistema político pluralista trata-se de procurar estabelecer o melhor equilíbrio possível entre a representatividade e a democraticidade sistemática, por um lado, e a governabilidade e eficácia política do próprio sistema, por outro. Um código eleitoral é um corpo de regras que deve reagir ao próprio funcionamento do sistema político democrático, sempre atento aos resultados que vai conseguindo, com vista a torná-los simultaneamente mais representativos e mais eficazes. Escusado será dizer que o que decidem os governantes terá sempre de depender do que decidem os cidadãos nos actos eleitorais. Um Estado democrático tem como obrigação procurar estreitar esse relacionamento, visando aumentar a capacidade de resposta do sistema eleitoral às exigências livremente expressas dos cidadãos e a responsabilidade perante esses cidadãos dos governantes por esse modo eleitos.

Por outro lado, a própria codificação da legislação eleitoral é, para além de um aperfeiçoamento técnico de grande importância, algo que facilita o acesso do cidadão ao direito eleitoral e, como tal, reforça a confiança daquele no sistema que o rege.

A defesa nacional

A independência nacional e a integridade do território terão de ser acauteladas em todos os casos. A Lei da Defesa Nacional é, por isso, uma estrutura que ultrapassa a natureza do sistema político, embora seja por ele enformada. Isto é, embora possa parecer que uma lei de defesa nacional é, de certo modo, independente da vocação democrática do Estado Português, já que se trata de defender o que se quer eterno e inviolável - Portugal -, a verdade é que, por ser democrático, o Estado Português transporta essa valiosa carga de valores para a própria defesa, por exemplo, na relação entre as Forças Armadas e o Governo democraticamente eleito.

Precavendo a independência nacional, protege-se igualmente o sistema democrático. Não estar dependente de potências estrangeiras significa também que os Portugueses ficam com a liberdade de dependerem exclusivamente de si próprios. A dimensão externa também tem os seus perigos políticos e importa considerá-la com a máxima amplitude. Um posicionamento geoestratégico perfeitamente claro também há-de contribuir para o delineamento de uma defesa nacional eficaz, já que a identificação de áreas de confiança e de perigosidade tem uma influência decisiva sobre qualquer política de defesa nacional.

O Estado democrático afirma-se também enquanto Estado com estruturas adequadas a formas radicais de autoprotecção. Neste domínio, fixar as bases do sistema de protecção civil é uma tarefa cuja importância não carece de maior justificação.

A lei do estado de sítio e estado de emergência tem o mesmo valor preventivo e justifica-se com a mesma naturalidade. Se a protecção civil consiste no conjunto de medidas que se destinam a preparar os cidadãos e o País para reagir a acidentes mais ou menos imprevisíveis, a lei do estado de sítio e estado de emergência define as condições e as circunstâncias em que algumas liberdades ficam temporariamente vedadas aos cidadãos, em nome da democracia, para que, passado o momento de turbulência que pode ter justificado a sua aplicação, o regime possa sobreviver, sem alterações dos seus princípios e regras fundamentais.

Portugal está inserido num quadro geoestratégico e geopolítico que se reflecte sobre as nossas condições fundamentais de vida, na nossa cultura e organização económica e social, na nossa história e nas próprias instituições.

Temos de assumir este quadro com responsabilidade e, simultaneamente, manter a identidade, a unidade e a independência nacionais.

A construção e manutenção do Estado democrático e o reforço das suas estruturas exigem muito da consciencialização de cada cidadão.

O serviço militar obrigatório é uma forma de o cidadão - o jovem - dar o contributo livre e desinteressado ao País. Mas há que ir mais longe, porque este contributo não pode ser encarado como um sacrifício, mas antes como um dever patriótico de todos os cidadãos.

Assume, assim, importância o serviço cívico, que proporciona a todos os cidadãos a oportunidade de darem, durante um período de tempo, o seu contributo ao País e permite ainda introduzir maior justiça entre os jovens. Todos são cidadãos e, constitucionalmente, têm direitos e deveres iguais.

Integrado neste serviço cívico existe ainda o serviço cívico dos objectores de consciência, direito constitucional que deve ser respeitado na sua pureza.

A Administração do Estado

A organização do Estado democrático contém potencialidades a explorar no que respeita às relações dos cidadãos com os órgãos e agentes políticos e administrativos e, por isso, importa, em primeiro lugar, identificar um conjunto de acções a desenvolver, no âmbito da educação cívica, que permita não só dar a conhecer a concepção, organização e modo de funcionamento das instituições políticas e administrativas, mas também o processo que conduz à formulação de decisões que, no imediato ou a prazo, influenciem a vida colectiva dos Portugueses.

Não é no entanto apenas nesta fase do problema que importa concentrar esforços:

constitui verdade evidente que, de um modo geral, as próprias instituições - e os seus agentes - devem ser alvo de medidas e objecto de orientações específicas dirigidas ao aperfeiçoamento das relações com os cidadãos: trata-se agora de reformar a Administração Pública, aproximando-a dos respectivos destinatários, isto é, acentuando e reforçando os órgãos políticos e administrativos descentralizados já existentes - os municípios - e curando de propiciar condições adequadas que tornem viável o processo de criação das futuras regiões administrativas: numa palavra, acentuar e reforçar o papel dos órgãos políticos e administrativos descentralizados. Trata-se ainda de valorizar, no contexto administrativo, as funções de relacionamento com os cidadãos, particularmente em domínios onde é tradicionalmente sensível o «império» do Estado - como é o caso do sistema fiscal.

A experiência dos últimos anos relativa à autonomia regional dos Açores e da Madeira tem constituído um factor de inovação importante no que respeita à organização do Estado democrático. As vantagens inegáveis da experiência já vivida reclamam, sem prejuízo da autonomia regional já consagrada, um apoio mais efectivo quanto à articulação com os órgãos nacionais, designadamente nas tarefas que se prendem com o planeamento do desenvolvimento.

A comunicação social

Factor igualmente caracterizador de um Estado democrático é, sem dúvida, a existência de uma comunicação social livre, independente e pluralista, que contribua para a criação de um salutar espírito crítico na comunidade nacional.

A sobrevalorização do aspecto sócio-político na comunicação social provocou nos últimos anos um dimensionamento sectorial profundamente incorrecto. O gigantismo do sector estatal é bem o espelho de uma concepção superpolitizada e os reflexos negativos que estruturalmente acarreta para o mercado são hoje pacificamente reconhecidos.

Há, necessariamente, que caminhar para a criação de um sector dinâmico de indústria de informação «perecível», sem perder de vista as importantes componentes social, cultural e humanista de satisfação do direito do cidadão à informação.

3 - A posição de Portugal no Mundo

Portugal valoriza-se no Mundo através daqueles valores que o próprio Mundo lhe ensinou: o respeito pelas diversidades e diferenças, o desejo de as dar a conhecer umas às outras e a vocação que pôde provar como agente de intercâmbios entre culturas e povos.

Quer isto dizer que Portugal não tem só Portugal para oferecer - tem também uma visão do Mundo que é portuguesa. Essa visão não é arrogante ou xenófoba, nem redutora ou hierárquica. Traduz-se numa aceitação única da universalidade, que é rica, por não depender de qualquer impulso de uniformização.

Historicamente, Portugal, nos contactos múltiplos que teve com outros povos, solidificou uma feição de intermediário e de interlocutor, capaz de ser aceite por quase todas as partes, em quase todas as partes do Mundo.

Para poder ocupar um lugar internacional próprio é necessário escolher áreas definidas de projecção, conforme a natureza ocidental e atlântica dos Portugueses, e investir nelas com concentração e clareza.

Sem repor e alcançar o prestígio internacional, numa altura em que ele ameaça transformar-se numa memória histórica sem relevância actual, o desenvolvimento e a modernização económica e cultural do País serão forçosamente prejudicados, já que Portugal fenece no isolamento e só se engrandece no contacto comercial e cultural com o exterior.

O valor que para Portugal resulta do seu passado é um capital histórico e cultural.

Não pode ser um capital adormecido ou só consignado à investigação histórica e à celebração de efemérides. Não pode ser um valor passado e passivo, servindo-se somente de investimento na saudade. Tem de ser capital aplicado. Quer isto dizer que o Estado Português tem obrigação de aproveitá-lo para investimentos futuros de carácter marcadamente prático e político. Por isso, competirá ao Estado, sem que tal represente menosprezo pelos pontos de referência do nosso passado, estimular a preparação firme e inovadora do nosso futuro.

A nossa posição geoestratégica não se afirma ou valoriza por si mesma. Há que enriquecê-la, dotando-a de uma cada vez maior pertinácia internacional. De um modo geral, convém a Portugal valorizar-se no Mundo em atenção às suas singularidades, onde se destaca a extraordinária situação atlântica de que dispõe.

Há, por isso, um património geoestratégico que necessita de ser valorizado, com segurança, concentrando os recursos e avançando ao ritmo dos sucessos, seja no quadro da OTAN, seja no quadro das Comunidades Europeias.

Ao escolher os países aliados onde se fará o maior esforço de promoção do lugar e do estar portugueses, é necessário considerar com o maior cuidado as vontades alheias. Quais são os países mais capazes de apreciar globalmente o valor estratégico do território português? Quais são os países cuja segurança depende da nossa política externa e interna? Quais são os países que mais precisam ou desejam investir no fortalecimento da nossa relação com eles? É este tipo de perguntas que carece de resposta adequada.

Valorizar Portugal no Mundo implica, por isso, salvaguardar absolutamente a independência nacional e a identidade cultural, por um lado, e, por outro, definir com a maior clareza o Mundo de que se quer fazer parte, para aí tomar parte activa. Uma política externa própria, dado o posicionamento geoestratégico e o capital histórico e cultural de Portugal, tem de ser uma política corajosa e assumidamente alinhada, sem hesitações ou receios.

Valorizar Portugal no Mundo significa, essencialmente, encontrar um mundo real e possível no qual Portugal possa legitimamente ser cada vez mais importante. É esta a premissa geoestratégica mais fundamental.

Neste particular, a localização geográfica de Portugal, no contexto da confrontação OTAN-Pacto de Varsóvia, confere ao nosso país uma importância fundamental.

Todavia, a potencialidade que anda associada a este facto pode, no médio prazo, transformar-se em vulnerabilidade acrescida, se não for assumida em toda a sua extensão. Na verdade, passando pelo nosso espaço territorial e áreas adjacentes, marítimas e aéreas, interesses vitais de natureza política, económica e militar, tanto para Portugal como para os nossos aliados e, em consequência, para os nossos opositores, os vazios de poder que deixarmos formar por falta de potencial e ou de vontade nacional tenderão, inevitavelmente, a ser preenchidos por outros, com óbvios e elevados custos para Portugal.

No quadro da aliança, a segurança de todos, sendo função da capacidade colectiva integrada, é procurada também, e paralelamente, no esforço de cada Estado para melhorar a sua própria capacidade de defesa autónoma.

E isto é tanto assim quanto é certo que nem todas as fracturas ou choques de interesses no mundo ocidental passam pela confrontação OTAN-Pacto de Varsóvia.

Garantir a Portugal um papel activo e primordial na utilização de um dos seus mais importantes recursos naturais - a atlanticidade - e promover, em todos os domínios, o desenvolvimento e valorização da «plataforma rotativa» que, de facto, constituímos fortalecerá a posição de Portugal no processo de formação de decisões, tanto no que respeita à defesa de interesses próprios e no imediato como a médio e longo prazos, na preservação e alargamento da margem de manobra nas suas relações com a África, as Américas do Norte e do Sul e os restantes países da Europa.

Haverá, pois, por um lado, que consolidar o posicionamento global de Portugal como aliado soberano, estrategicamente relevante e com autonomia suficiente para definir a sua contribuição para as tarefas de defesa comum, que decorrem primordialmente da sua situação geoestratégica, e, por outro, desenvolver, faseadamente, uma capacidade de dissuasão autónoma, com credibilidade suficiente, contra eventuais acções hostis e de exacerbação de poder e influência menos consentâneas com a nossa soberania.

Igualmente haverá que ter presente que, embora o sistema europeu possua instituições diferenciadas para a acção económica e para a acção militar, as unidades decisoras, quer sejam Estados, quer entidades supranacionais, avaliam a importância mútua pelo conjunto das situações prevalecentes aos dois níveis. Em consequência, simultaneamente com o desenvolvimento económico, industrial, social e educativo do nosso país, programar-se-á a execução da política de reequipamento das Forças Armadas de forma correcta e coerente com o elenco de ameaças estimadas susceptíveis de concretização. Ainda neste âmbito, definir-se-ão concretamente os objectivos do desenvolvimento das indústrias de defesa nacionais, para possibilitar um impacte positivo na balança cambial, quer através do acréscimo de exportações de bens e serviços, quer através do aumento da componente nacional dos novos sistemas de armas, da sua manutenção e dos níveis de sustentação das forças constituídas para o cumprimento da missão fundamental de defesa militar. Daqui decorre que Portugal ficará também melhor apetrechado para a tomada de iniciativas de acções frutuosas e em bases mais amplas.

Mas Portugal tem de escolher cuidadosamente os seus destinatários no Mundo, por forma que possa estar cada vez mais perto do centro.

Terá, por isso, de saber ser também intermediário. Geoestrategicamente, Portugal deve meditar activamente entre interesses, aproveitando as naturais divergências existentes em seu próprio benefício.

Neste aspecto, há que ver que não pode haver intermediação eficaz entre partes que estejam desinteressadas em transaccionar. Portugal tem de procurar o seu valor internacional nos países onde a presença de Portugal é desejada ou precisa.

Mas Portugal assume-se como intermediário e, por isso, o capital histórico e cultural que possui vem de outros universos (da África, da Ásia, da América do Sul) e deve ser aproveitado inteligentemente. Não se trata de aplicá-lo nos países onde esse capital teve origem, mas de transmiti-lo para os países onde Portugal quer buscar parte significativa do seu futuro.

As políticas de cooperação têm, neste domínio, um papel a desempenhar. Essa cooperação deve ser sempre processada no interesse de todas as partes envolvidas e deve concentrar a intervenção e o apoio estatais em determinados sectores, dando larga margem à iniciativa privada - na convicção de que um estreito entrelaçamento de interesses empresariais constitui base indispensável para o futuro relacionamento.

Uma via importante de valorização internacional pode ser o turismo. Para que tal se concretize, a aposta fundamental passa pela melhoria substancial da qualidade.

Esta linha de orientação pode ser compatível com as acções a desencadear numa esfera que se sabe ser altamente concorrencial. Mas concorrer eficazmente não significa imitar os países concorrentes, para mais com a desvantagem adicional de menores recursos económicos. Concorrer eficazmente é sobretudo estabelecer uma diferenciação na oferta. Uma política de turismo que valorize Portugal é aquela que concentra os investimentos na diferença, na singularidade, na qualidade de serviços, cada vez mais rara e apreciada.

A posição geográfica de Portugal, que lhe dá a soberania de uma extensa área do Atlântico, implica, por outro lado - e para que essa soberania seja acompanhada por uma posse efectiva de todas as riquezas e recursos marítimos existentes, em particular os da pesca -, que se tenha de alargar e aprofundar o conhecimento da zona económica exclusiva e garantir a sua ocupação, quer em termos de exercício da actividade dirigida à captura desses recursos - que, no domínio das pescas, se enquadrará na política comum das pescas -, quer em termos de fiscalização e vigilância de toda esta vasta zona.

4 - O reequilíbrio estrutural da economia e das finanças

Uma estratégia de desenvolvimento em Portugal, pensada em 1986, pressupõe uma política coerente em matéria de crescimento económico. Mas aquela exige, para além de um elevado grau de coerência entre as diversas medidas de política que lhe darão corpo, um grande esforço na progressiva atenuação dos mais importantes desequilíbrios estruturais.

A não ser prosseguida esta orientação, há o risco de se vir a constituir um colete de forças tal que a margem de manobra passe a ser tão reduzida que se tornará cada vez mais longínqua a possibilidade de se virem a concretizar saltos qualitativos em matéria de desenvolvimento.

O desemprego, teimosamente apegado a uma proporção elevada da população activa e castigando jovens e mulheres, a inflação, significativamente acima da média europeia durante os últimos doze anos, a balança de bens e serviços, pesada e sistematicamente deficitária, embora em situação menos desconfortável nos últimos meses por efeito de factores conjunturais de duração incerta, as contas do sector público, cujos défices têm vindo a ser sucessivamente agravados nos últimos anos, são todos eles disparidades que há que atenuar.

O desemprego

Dos quatro grandes desequilíbrios anunciados talvez seja o desemprego aquele que, em termos quantitativos, é mais próximo dos valores europeus.

Mas, se a taxa de desemprego não é superior à média europeia, ela é, contudo, preocupante quando analisada nos seus aspectos estruturais.

Com efeito:

Cerca de 43% dos desempregados procuram emprego há mais de um ano;

O grupo etário com menos de 30 anos absorve quase 64% da população desempregada;

Um número significativo de trabalhadores migrantes em idade activa e sem qualquer qualificação profissional regressa actualmente a Portugal na sequência do agravamento da situação económica dos países europeus industrializados;

As pequenas e médias empresas, que ocupam mais de 70% da força de trabalho em Portugal, estão mal preparadas para fazer face ao desafio da adesão à CEE e uma grande parte delas tem necessidade de reciclar profissionalmente o seu pessoal.

Há ainda outro tipo de desequilíbrios, que, sendo de outra natureza, terão de ser atacados de forma deliberada e sistemática, pois dizem respeito a domínios que constituem pilares fundamentais no desenvolvimento do País. Estão neste caso o grau de dependência energética e alimentar - afinal uma das faces do desequilíbrio das contas externas -, a fragilidade do sistema de investigação científica e tecnológica e o desenvolvimento desigual do território.

Qualquer dos desequilíbrios enunciados só é superável de forma irreversível mediante políticas dirigidas às raízes mais profundas das suas causas.

No que respeita ao primeiro tipo de desequilíbrios - variáveis de natureza macroeconómica -, e sendo certo que se pretende a sua correcção concertada, assume crucial importância o grau de coerência de todo o edifício que deverá enformar as diferentes medidas de política.

Assim, a ultrapassagem definitiva da situação do desequilíbrio da balança de bens e serviços só pode ser obtida através de uma modificação estrutural da oferta que permite a redução da componente importada da procura global e a penetração acrescida nos mercados externos.

Por outro lado, a referida modificação estrutural da oferta exige um forte esforço de investimento.

Esse esforço, cujo papel fulcral se pretende venha a ser desempenhado pelo sector privado, obriga à criação de condições propícias à formação de poupança.

Entre essas condições figura, em primeira linha, a redução da taxa de inflação para níveis próximos da média da CEE. Se durante 1986 este objectivo foi atingido com pleno êxito, ele continuará a ser perseguido nos próximos anos, tendo em vista as metas de 8% a 9% em 1987 e de 4% em 1988. A política de rendimentos e a concertação social têm um papel decisivo a desempenhar nesta trajectória desinflacionária - e é verdadeiramente notável o ponto de partida que os parceiros sociais e o Governo conseguiram realizar com o acordo celebrado em 29 de Julho de 1986 no Conselho Permanente de Concertação Social.

As finanças públicas

Os défices das finanças públicas são outro dos desequilíbrios que têm afectado negativamente a evolução da economia portuguesa. Este desequilíbrio revela-se com consequências nefastas na própria correcção do défice externo, especialmente pelas distorções que arrasta na afectação de recursos e pelas dificuldades que cria no plano do financiamento da economia; além disso, gera tensões inflacionárias reconhecidamente grandes na generalidade das despesas públicas e dificulta o combate ao desemprego, dado que grande parte das despesas públicas tem um baixo multiplicador-emprego.

O peso que foi atingido por tais défices públicos constitui um constrangimento ao financiamento do sector produtivo, comprometendo a disponibilização dos recursos necessários ao investimento num quadro de financiamento não inflacionista da economia. Daí que a redução do desequilíbrio das contas públicas constitua uma condição da superação dos restantes desequilíbrios já referidos.

A rigidez adquirida pela generalidade das empresas públicas e a já fraca elasticidade das receitas impedem porém, um reequilíbrio rápido das contas do sector público.

Por isso, tal questão terá de ser encarada através de um processo de contenção das despesas compressíveis e de uma expansão das receitas largamente assente no crescimento da actividade económica.

Propõe-se também o Governo terminar a tarefa de devolução de total transparência às contas de todas as entidades do sector público administrativo, por forma que possa haver um efectivo controle do défice global do sector público e não apenas do Estado.

O défice externo

Toda a estratégia de correcção estrutural do défice externo será prosseguida no quadro de uma economia de mercado, sem recurso a proteccionismos especiais e em respeito pelas regras decorrentes dos novos compromissos externos, com especial relevância para o Tratado de Adesão às Comunidades Europeias. Esta estratégia ficará explanada no PCEDED - Programa de Correcção Estrutural do Défice Externo e do Desemprego, onde serão desenvolvidos aspectos fundamentais, como o esforço projectado do investimento produtivo para os próximos anos e a sua compatibilização com o financiamento global da economia, bem como as medidas de política macroeconómica, sobretudo as do lado da oferta para redução dos custos unitários de produção, que têm sido tomadas e continuarão a sê-lo no médio prazo.

A dependência energética

No segundo tipo de desequilíbrios conta-se a dependência do País face ao exterior em termos energéticos.

A situação energética portuguesa e a dinâmica que a tem comandado podem sintetizar-se em três pontos:

Importa-se cerca de 85% da energia primária usada;

A importação concentra-se, na sua quase totalidade, no petróleo;

O consumo de energia primária cresce a taxa maior do que a taxa de crescimento do PIB.

Se as duas primeiras afirmações revelam uma situação de extrema vulnerabilidade, a terceira caracteriza uma dinâmica menos conveniente para o País, cuja alteração se deve iniciar.

As acções a desenvolver poder-se-ão agregar em três grandes grupos, que se traduzem na necessidade de diversificar as fontes de energia primária, maximizar a utilização dos recursos energéticos nacionais e reduzir o conteúdo energético do crescimento. Estas acções serão balizadas por dois factores de equilíbrio sistemático: os compromissos do âmbito da política energética comunitária e os mecanismos de ligação a outras vertentes da política económica, nomeadamente em termos de desenvolvimento industrial e do sector exportador.

No âmbito do primeiro destes parâmetros situa-se, fundamentalmente, a obrigatoriedade de redução da dependência externa do petróleo, o que impõe o aprofundamento dos estudos de introdução do gás natural em Portugal, analisado agora num contexto ibérico e comunitário, a manutenção do programa de produção de energia eléctrica em centrais térmicas a carvão, a análise da evolução tecnológica no domínio nuclear e o incremento do programa de utilização racional de energia nos sectores da indústria e dos transportes, bem como ainda a valorização do potencial energético endógeno, no quadro dos programas comunitários.

Mas as características de grande inércia do sistema energético determinam a grande lentidão da responsabilidade destes processos de alteração estrutural, o que impõe a criação de um sistema em equilíbrio em cada instante, com factores de compensação sistématicos, ou seja, em cada momento terá de ser encontrado o factor de compensação para o estádio de desequilíbrio energético instantâneo, o que pressupõe um grande esforço, segundo as seguintes vias fundamentais: reforço da capacidade exportadora, compensando as importações de energia inevitáveis, reformulação gradual das características de intensidade energética da indústria, através de acções de modernização industrial que provoquem redução de consumos energéticos unitários, e de acções de desincentivação à instalação de unidades industriais de elevada intensidade energética.

A análise sistémica impõe-nos ainda um outro tipo de considerações: as acções de equilíbrio não devem ser encontradas ao nível do sistema global e, neste caso, ao nível do sistema económico nacional. É neste contexto de análise que se avaliarão e se tomarão medidas no âmbito dos grandes desequilíbrios estruturais e será também assim que o subsistema energético será considerado.

A dependência alimentar

Um outro tipo de desequilíbrios tem a ver com a vulnerabilidade resultante da dependência de Portugal em termos alimentares, que se terá de reduzir pelo aumento da produção e da produtividade na agricultura e pescas.

A adesão à CEE condiciona largamente as medidas de política a adoptar no próximo futuro, a ponto de se poder afirmar que a política agrícola para Portugal nos próximos anos será, em grande parte, resultado da adaptação do sector à política agrícola comum, que, aliás, está a ser objecto de renovação.

O período de transição consagrado no Tratado de Adesão vem determinar que se faça um grande esforço no domínio do investimento e da reconversão durante os próximos anos, dado que a modernização da agricultura constitui um dos maiores e mais difíceis desafios que Portugal terá de enfrentar. A primeira dimensão para uma opção de correcção de desequilíbrio estrutural e também de reforço da economia e sociedade agrícolas será consciencializar que o desenvolvimento do sector depende tanto dele como, até provavelmente mais, do desenvolvimento de outros sectores da economia.

Assegurar uma transformação acelerada que nos permita enfrentar a concorrência que nos espera no final do período transitório é, pois, um objectivo que só poderá ser alcançado se forem criadas condições que permitam uma diminuição da população activa actual do sector, que, com os seus 22%, é a mais elevada da Comunidade Económica Europeia.

O objectivo de assegurar essa competitividade, naquilo que ela tem a ver com o sector em si mesmo, só poderá ser conseguido pelo aumento das produtividades, a obter mediante uma acção contínua e concertada de melhoria quantitativa e qualitativa das estruturas produtivas, organizacionais, de transformação e de comercialização do sector.

E para isso outra importante dimensão será fundamental: o entendimento de que, face à situação peculiar da estrutura fundiária, a modernização acelerada da agricultura só será possível se as linhas de política e os instrumentos de realização correspondentes partirem do reconhecimento dessa mesma estrutura. Obviamente que não se abdicará, no contexto de acções prioritárias, de promover o emparcelamento, aliás privilegiado no contexto de instrumentos e programas co-financiados pela CEE já em aplicação (casos dos Regulamentos comunitários n.os 797/85 e 3828/85). Mas a experiência do passado leva o Governo a não se basear exclusivamente na actuação directa de um factor tão rígido como a terra. Por isso, privilegiará acções indirectas que, a prazo, possam melhorar essa estrutura, como é, designadamente, a prioridade que será concedida à criação de uma nova geração de agricultores que, com uma nova perspectiva de actividade e com preparação profissional mais adequada, possa, por via da sua dinâmica, contribuir para um melhor redimensionamento das explorações, à medida que as actuais gerações se reformarem ou abandonarem a gestão das explorações.

Uma terceira dimensão, estreitamente relacionada com as anteriores, tem a ver com o carácter envolvente das medidas de política agrícola, às quais será dada prioridade. De facto, e atendendo ao patente constrangimento fundiário, só se poderá obter uma resposta rápida, em termos de maior produção e produtividade, se se actuar com determinação no domínio dos factores variáveis - entre outros, o trabalho (formação profissional), organização, água, sementes, património genético e, de uma maneira geral, capitais circulantes - em simultâneo com a criação de infra-estruturas de enquadramento.

Nas considerações precedentes inclui-se, obviamente, o subsector florestal, que deverá ter um papel central em todo o processo de desenvolvimento agrícola e regional. Não apenas pela sua importância exportadora actual, como principalmente pelo emprego induzido a que dá origem. Para isso o ordenamento florestal orientador do Programa de Acção Florestal (incluído no PEDAP) dará uma particular importância às espécies «nobres» produtoras de madeira de qualidade para indústria de mobiliário nacional.

Como atrás se referiu, a transformação estrutural da agricultura portuguesa não comporta uma dissociação entre a melhoria e o reforço das estruturas produtivas e a das estruturas transformadores e de comercialização. Por isso, os programas específicos sectoriais que o Governo está a preparar para permitir o acesso e a selecção dos projecto, candidatos ao Regulamento (CEE) n.º 355/77 darão prioridade à criação e reorganização das grandes infra-estruturas de comercialização de dimensão nacional e regional, assim como às unidades transformadores de produtos em que Portugal goza de efectivas ou potenciais vantagens comparativas.

Ainda no domínio da comercialização e transformação dos produtos agro-florestais, será preocupação do Governo incentivar as organizações de produtores no sentido de chamarem a si mais elevadas responsabilidades. Para além dos elementos que lhe darão resposta no âmbito do Regulamento 355/77, aplicar-se-ão, com a maior incidência sectorial e regional possível, os instrumentos financeiros que no âmbito do FEOGA - Orientação visam este objectivo, como é, designadamente, o caso dos Regulamentos comunitários n.os 1035/79 e 1360/78.

Esta mesma dimensão de fortalecimento da agricultura associada leva o Governo a criar instrumentos de realização da política agrícola numa base regional que deverão reflectir, designadamente, a dinâmica das organizações de agricultores, apoiadas técnica e financiamento pelo Estado. O objectivo é programar para o médio prazo as infra-estruturas e medidas envolventes - com financiamentos oriundos do PEDAP e de outros regulamentos comunitários - e definir perfis de investimento desejáveis para a actividade produtiva, com base nas condições agro-ecológicas das áreas de aplicação desses instrumentos e nas perspectivas de escoamento e sucesso no mercado.

As pescas constituem um sector de elevada importância estratégica para o País, sendo, por isso, merecedoras de uma particular atenção, nas suas diferentes dimensões.

Para além dos esforços a desenvolver ao nível primário da produção (actividade pesqueira), incluindo a reconversão da frota e a organização dos mercados, será dado um especial destaque ao sector transformador, pela sua influência determinante na resolução dos problemas a montante. Com efeito, o incentivo à indústria transformadora dos produtos de pesca é condição indispensável para um melhor aproveitamento da produção, quer em termos de valorização, quer em termos de regularização e garantia do seu escoamento, para além de aumentar o peso deste último sector na economia, pela incorporação de maior valor acrescentado, a qual não será obtida se os produtos forem escoados em estado bruto (ou em estado fresco).

O desenvolvimento deste segmento da indústria transformadora não requer tecnologias de ponta ou avançadas - envolve processos de fabrico conhecidos facilmente instaláveis - e permitirá a criação de emprego, dando encaixe a mão-de-obra por vezes excedentária do lado da produção do sector primário.

Especificamente na actividade pesqueira, o desenvolvimento da indústria transformadora é uma das condicionantes para a reorientação da frota de pesca, aproveitando os recursos da ZEE ainda subexplorados. A indústria transformadora de pescado contribuirá também para reduzir o desequilíbrio da balança comercial dos produtos de pesca, quer reduzindo o recurso à importação de processados na área dos congelados, quer aumentando as nossas exportações de produtos transformados.

A investigação científica e tecnológica

O Governo considera que, em matéria de investigação científica e tecnológica, o esforço nacional tem sido baixo, reclamando, por isso, uma atenção muito especial.

O desenvolvimento científico e tecnológico que o País exige obriga a uma inflexão profunda no modo de coordenar e planificar o crescimento que se deseja. Assim, é indispensável proceder, equilibrada e paralelamente, em duas vias:

a) Um crescimento moderado e sustentado das verbas destinadas a suportar o tecido científico e tecnológico português, através das actividades correntes dos seus laboratórios e unidades de investigação, corrigindo assimetrias regionais e encorajando a qualidade acima da média; e b) Um crescimento mais rápido das verbas destinadas a actividades programadas e avaliadas rigorosamente, de atribuição definida, em função de um conhecimento pormenorizado das capacidades e mérito de cada unidade.

O desenvolvimento regional

Finalmente, dentro dos desequilíbrios estruturais, a política de desenvolvimento regional terá de ser assumida como a envolvente de todo o conjunto de acções e medidas que possibilitem um crescimento mais equilibrado de todo o território nacional. Com efeito, a atenuação de assimetrias regionais constitui uma condicionante severa para a formulação e concretização das várias políticas dirigidas ao crescimento, nas diversas formas e medidas por que se concretizam.

Importa ter em conta, no entanto, que a veemência sistemática que é assumida pela manifestação de desequilíbrios no território não corresponde a uma fatalidade histórica; bem ao invés, é possível - e naturalmente desejável - contrariar estas tendências, quer propiciando condições adequadas à concretização das potencialidades das regiões que hoje são menos desenvolvidas, quer prosseguindo medidas e acções que deliberadamente contrariem as diferenciações nos ritmos de crescimento, que hoje continuam a favorecer as regiões mais desenvolvidas.

Os longos séculos de história que moldaram o nosso país ajudam-nos a compreender esta situação, cujos traços fundamentais decorrem da vocação marítima e das funções económico-estratégicas que assumimos ou que fomos incentivados a exercer. Esta condicionante - obviamente apoiada por factores de ordem natural - provocou uma concentração industrial no litoral (à qual se foram progressivamente associando os serviços) e, em simultâneo, a respectiva diversificação do tecido económico.

A resposta tradicional dos poderes públicos perante estas tendências tem vindo a ser determinada por preocupações de racionalidade e economicidade conjunturais e, assim, Portugal tem vindo a tornar-se, regionalmente, cada vez mais pobre e mais periférico, no processo bem conhecido de causalidade: as causas da pobreza e da perifericidade acumulam-se, agravando progressivamente um processo de consequências muito negativas.

A redução desta problemática à escala nacional é hoje demasiadamente simplista e enganadora.

É óbvio, por um lado, que Portugal não foi nunca, mesmo antes da integração formal nas Comunidades Europeias, um território isolado do Mundo - que, simultaneamente, evoluiu, designadamente na Europa, em direcções e ritmos diferenciados e frequentemente contraditórios dos nossos: a comparação, mais imediata e fácil, que fazemos em relação a Espanha conduz-nos a concluir que o subdesenvolvimento da periferia portuguesa continental acarreta uma efectiva e crescente integração dessas parcelas do território nacional nas correspondentes regiões do país vizinho.

Parece extremamente incorrecto, por outro lado, reduzir à dimensão nacional a definição das medidas a tomar para corrigir a distribuição territorial da actividade produtiva. Num mundo economicamente aberto, como particularmente se verifica na Europa dos doze, as decisões de localização empresarial realmente relevantes decorrem da verificação das condições existentes a uma escala supranacional - e, assim, a ideia estratégica que construirmos para Portugal deverá reflectir-se nas decisões economicamente estruturantes, cuja dimensão territorial condiciona o nosso futuro colectivo.

A integração do nosso país na Comunidade Europeia disponibiliza, finalmente, recursos financeiros cujo montante utilizável para o desenvolvimento de Portugal - e, portanto, das suas regiões - nunca aconteceu anteriormente. Esta possibilidade histórica exige, no entanto, que não haja desperdícios - quanto mais não seja porque a dimensão do risco de errar é mais do que directamente proporcional à capacidade para investir. E para que não haja desperdícios torna-se necessário ser deliberadamente selectivo e não ceder à tentação fácil de pretender que a correcção dos desequilíbrios regionais vise uniformizar exaustivamente o território nacional.

Equacionar a problemática dos desequilíbrios regionais portugueses a uma escala exclusivamente internacional constitui, todavia, também um erro, porventura mais grave que o decorrente da mera consideração dos fenómenos internos.

As efectivas potencialidades para o desenvolvimento de Portugal - e, portanto, das suas regiões - existem, naturalmente, no território nacional: a primeira, e de todas a mais relevante, corresponde aos Portugueses: a ela se acrescentam depois os recursos naturais, designadamente os que são desbaratados, mal aproveitados ou mesmo ignorados.

A concretização destas potencialidades e a respectiva mobilização para o desenvolvimento do nosso país - condição indispensável à correcção dos desequilíbrios regionais - deverão fazer-se atacando frontalmente as respectivas raízes:

Por um lado, mediante a prossecução de medidas dirigidas à orientação da distribuição territorial do tecido produtivo;

Por outro, através de uma mais adequada ocupação do território, tanto no que se refere aos padrões de urbanização (e associada distribuição de equipamentos colectivos) como às redes de infra-estruturas estruturantes do território nacional.

A concretização destas orientações adequar-se-á, natural e necessariamente, ao pensamento estratégico do País, mas também ao pensamento estratégico definido para cada uma das suas regiões.

5 - O reforço da estrutura produtiva

A economia portuguesa vai atravessar nos próximos anos um período de fortes embates. De entre eles, e desde já, assume a maior importância o problema do emprego. Conciliar reconversão e modernização com aumento de emprego não é tarefa fácil. Mas é possível.

O investimento

Reforço da economia e combate ao desemprego estão indissociavelmente ligados ao aumento do investimento. Por essa razão, a formação bruta de capital fixo terá de crescer nos próximos anos a ritmos elevados, não inferiores a 8% a 10% reais por ano. Considera-se, efectivamente, que uma menor taxa de crescimento não permitirá uma modernização suficientemente acelerada da estrutura produtiva.

A questão fundamental a resolver pela política macroeconómica será a de garantir o financiamento não inflacionista do esforço de investimento sem que se tenha de recorrer a um aumento perigoso da dívida externa, o que significa, por outras palavras, que é necessário obter uma suficiente formação de poupança interna.

Para isso contribuirá significativamente a já mencionada redução do défice das contas públicas. No entanto, esta redução não poderá ser obtida através de um aumento generalizado das taxas de imposição, o que faria certamente diminuir a poupança disponível do sector privado.

Por outro lado, será necessário aumentar a capacidade de autofinanciamento das empresas, incentivando a não distribuição de lucros e o seu reinvestimento. Neste aspecto, os estímulos fiscais serão preponderantes. No que respeita às empresas públicas, a política de preços será definida tendo como objectivo um aumento da sua capacidade de autofinanciamento.

A estratégia agora definida de aumento de investimento exige necessariamente que o consumo cresça a uma taxa bastante inferior, de forma a evitarem-se graves desequilíbrios da balança de bens e serviços, bem como pressões inflacionárias do lado da procura. É fundamental que o mercado nacional não se tome mais apetecível do que o mercado externo para as empresas nacionais, o que tem muito a ver com o dinamismo do crescimento da procura interna versus procura externa.

Mesmo assim, considera-se possível um crescimento entre 2,5% e 3% ao ano para o consumo privado, valor que permitirá uma melhoria significativa das condições de vida.

Uma outra consequência da modernização acelerada da estrutura produtiva será o crescimento mais rápido das importações, principalmente de bens de equipamento, mas também de meios intermédios, que um crescimento sustentado também origina.

No entanto, mesmo considerando que os efeitos de substituição de importações não se farão sentir ainda significativamente até ao final da década, prevê-se que seja possível conseguir uma taxa de crescimento das importações não superior a 5,5% ao ano, que corresponde a uma elasticidade de 1,2% em relação ao PIB.

Admitindo um crescimento de 6% para as exportações, e salvo qualquer alteração radical do enquadramento internacional - que levaria, naturalmente, a alterar a política económica -, será possível manter a balança de transacções correntes com um défice inferior a meio bilião de dólares em 1990, valor que se considera perfeitamente financiável.

O crescimento a bom ritmo do produto (4% a 5%) e do investimento há-de fazer, tendencialmente - não dizemos imperativamente, porque não acreditamos em quaisquer formas de vincular a decisão de investir -, pela lógica das vantagens comparativas, de Portugal uma economia aberta e concorrencial. Seguramente, esta lógica não é no sentido das actividades intensivas em capital e ou sofisticadas em tecnologia, muito embora possa num número reduzido de casos escapar a esse sentido predominante.

Há, por isso, razões para esperar que o crescimento económico projectado para os próximos anos seja feito com significativo crescimento do emprego, a par de sensíveis melhorias da produtividade e da competitividade (não pela via da política cambial, quanto a esta).

A produtividade

Em média, ao longo dos anos de 1987-1989 é razoável projectar que a produtividade cresça na casa dos 3% e o emprego de 1% a 2%. A política económica poderá influenciar - não determinar - que o crescimento do produto se faça um pouco menos pelo lado do emprego. É um caminho arriscado porque pode fazer atrasar ou distorcer a modernização das estruturas produtivas. O Governo vai, com a ponderação que os problemas económicos e sociais em presença exigem, procurar motivar o crescimento um pouco mais pelo lado do emprego. Conta para isso com a efectiva possibilidade de reduzir o custo relativo do emprego, o que pressupõe o preenchimento de cinco condições, que se revestem de importância decisiva.

a) Fazer incidir as medidas da «política de redução dos custos unitários de produção» mais sobre os encargos que oneram o emprego - designadamente os de natureza fiscal ou parafiscal - do que sobre os encargos que oneram os outros factores de produção, sem, obviamente, criar artificialismos, que se pagam caros, nos custos do uso da energia ou dos equipamentos;

b) Restaurar a faculdade de uma empresa gerir pelos processos normais a componente laboral das escalas microeconómicas da produção; os «contratos a prazo» têm constituído um subterfúgio que permite aos empresários atenuar o sobrecusto associado à rigidez laboral da escala; é indispensável acabar com este sobrecusto e com o recurso anómalo aos «contratos a prazo»; durante anos temos assistido, por essa razão, a um encarecimento relativo do factor trabalho, e uma das manifestações mais delicadas deste encarecimento é de ordem psicológica e não contabilizável, mas com severos efeitos na propensão para investir e criar emprego em Portugal;

c) «Europeizar» a legislação laboral - o que abrange o pressuposto anterior -, no sentido de colocar as empresas portuguesas em pé de igualdade com as empresas da CEE, no que respeita ao mercado do trabalho e no sentido de tornar o recurso ao factor trabalho mais condizente com a racionalidade empresarial e, portanto, mais atraente quando posto em comparação com as hipóteses alternativas de simplesmente não investir ou de investir poupando o trabalho e reforçando o capital técnico (acentuando o coeficiente capital/emprego);

d) Investir dinheiros públicos e fundos comunitários na valorização profissional dos recursos humanos, deste modo elevando a sua produtividade potencial e baixando o seu custo relativo;

e) Congregar o entendimento dos parceiros sociais no sentido de uma política de rendimentos que ajude a promover o emprego, em vez de o contrariar; os excessos salariais têm-se revelado efémeros; a moderação salarial é susceptível não só de proporcionar melhorias duradouras do nível de vida, como também de suscitar reduções do desemprego.

São estas cinco condições que conferem ou retiram força ao objectivo que o Governo assume de combater o desemprego. As condições a) e d) estão, em grande parte, nas mãos do Governo, que não deixará de as fazer cumprir ano após ano, com melhorias graduais sensíveis. Referência especial merecem as medidas já tomadas em 1986 quanto a: criação da «taxa social única» e redução em 1% (0,5% por conta da empresa e 0,5% por conta do trabalhador, o que, indirectamente, há-de proporcionar menor pressão sobre os salários brutos); dispensa de contribuições sociais nos empregos dados a jovens; redução do imposto profissional (com efeitos indirectos análogos aos indicados para os 0,5% da taxa social única na parte do trabalhador).

Os pressupostos b) e c) não dependem, porém, só da vontade do Governo.

Considera o Governo ser muito pouco provável que o País consiga resultados excelentes em matéria de combate ao desemprego se não houver novas leis do trabalho; ou seja, os pressupostos b) e c) fogem ao controle do Governo e sem eles não se poderá garantir objectivos ousados de redução do desemprego, ainda que o produto e o investimento venham, de facto, a crescer ao bom ritmo que se projecta.

O pressuposto e) não depende só da posição do Governo. Mas o Conselho Permanente de Concertação Social chegou já a um acordo de grande significância na matéria - o citado acordo de 29 de Julho de 1986. Há que prosseguir nesta linha.

Se os pressupostos a), b), c), d) e e) forem preenchidos em grau satisfatório, tornar-se-á provável que o emprego cresça, em média, mais perto dos 2% do que 1% ao ano, à medida que o PIB for crescendo os 4% a 5% previstos. E, se o emprego tendesse a aumentar não muito longe dos 2% ao ano - difícil, mas não impossível de atingir, a taxa de desemprego poderia diminuir para um nível da ordem dos 7% em 1990.

A política de emprego deverá também garantir uma maior flexibilidade na transferência de emprego entre sectores. Com efeito, o nosso processo de crescimento levará, necessariamente, a uma quebra no emprego no sector agrícola, que terá de ser absorvida por outros sectores, fundamentalmente construção e serviços.

A criação de novas actividades e empregos e de novas profissões tem de ser estimulada também com base nas iniciativas de nível local e regional (PMEs, cooperativas, etc.) a fim de explorar e desenvolver o potencial económico local, menos exigente em capital do que em mão-de-obra.

As acções de formação e reciclagem profissional, programas de emprego específicos e a circulação rápida de informação sobre oportunidades de emprego serão aspectos fundamentais a desenvolver no sentido de minorar os custos sociais, que a inevitável transferência intersectorial de emprego irá originar.

O sistema financeiro

Ligada ao reforço da economia, encontra-se a modernização do sistema financeiro, que se deverá processar por forma a desenvolver com eficiência a promoção do aforro e a aplicação eficiente dos recursos captados, dando resposta às solicitações concretas de aforradores e investigadores. Nesta perspectiva, assumem particular relevo o lançamento de novos instrumentos financeiros, a criação de novas instituições e, em particular, de novos investidores institucionais e o impulso da actividade dos mercados de títulos.

Pretende-se que os novos instrumentos de aplicação constituam alternativas credíveis aos depósitos bancários e que estejam acessíveis a um número crescente de poupanças, independentemente da sua dimensão.

As instituições financeiras a criar, às quais cabe importante papel no processo de inovação e expansão anteriormente referido, deverão inserir-se numa estratégia de multiplicação de iniciativas de intermediação financeira especializada. Tal especialização deverá decorrer, naturalmente, do desenvolvimento da vocação e das vantagens relativas de cada instituição.

A modernização do sistema financeiro não constitui, no entanto, um fim em si. As medidas a tomar intensificarão a concorrência e estimularão a capacidade de inovação, impondo a baixa do custo de intermediação financeira, com benefício quer para os aforradores, quer para os utilizadores dos recursos captados pelo sistema.

O sistema financeiro passará, por outro lado, a proporcionar soluções mais adequadas às necessidades dos agentes económicos. São de salientar neste domínio os benefícios que se poderão obter do lado do financiamento da economia e particularmente do investimento, com a criação de fórmulas cujas características de custo e exigibilidade se adaptam às necessidades das empresas.

A nova dimensão do sistema financeiro adquire, pois, um significado que extravasa as suas fronteiras, induzindo efeitos benéficos no conjunto da economia.

Contribuirá, seguramente, para que seja mais eficiente a afectação de recursos e se faça acumulação de capital nos sectores produtivos - condição indispensável para o reforço da economia.

O sistema fiscal

Não há economia forte sem um forte e justo sistema fiscal. Por isso, o reforço da economia passa pela modernização do sistema fiscal, processo já iniciado na tributação indirecta, com a introdução do IVA, e que prosseguirá, com os trabalhos em curso, na tributação directa, que completará o ciclo da reforma fiscal.

O objectivo é o de alcançar a eficácia do sistema, para o que se apostará nas virtualidades e coerência do imposto único, gerido por uma administração fiscal renovada, onde a componente informática terá um papel de relevo, assim como a fiscalização.

Com esta acção e orientação estratégica caminhar-se-á no sentido dos sãos princípios da prevenção fiscal, que enquadrará os infractores na legalidade, permitindo aliviar algumas taxas de tributação, prémio desejável para quem cumpre as obrigações fiscais. Espera-se, assim, melhorar o nível das receitas fiscais, fazendo crescer o valor percentual destas em função do PIB, sem, todavia, aumentar a carga fiscal sobre o contribuinte cumpridor.

O domínio da problemática fiscal vai permitir ao Governo utilizar a fiscalidade como instrumento de dinamização da actividade económica, política que, aliás, já se iniciara no quadro do Orçamento do Estado para 1986, ao instituir-se o crédito fiscal por investimento (CFI) e ao reformular-se a dedução à matéria colectável dos lucros retidos e reinvestidos pelas empresas (DLRR) - reformulação que inclui a possibilidade de os respectivos investimentos poderem ser feitos noutras empresas.

O Governo vai, pois, prosseguir na política de utilização prudente do instrumento fiscal, quer amenizando a tributação dos rendimentos de trabalho e da actividade produtiva, quer lançando estímulos ao investimento.

Procurar-se-á, muito especialmente, aliviar o custo fiscal do emprego, directo ou indirecto, na linha, aliás, do que já foi referido.

Serão igualmente renovados os estímulos à democratização do capital social das empresas, tendo em vista reforçar, de forma consistente, a dinamização do mercado de capitais e proporcionar formas alternativas de aplicação das poupanças. O forte empenhamento do Governo neste domínio visa também corrigir uma das graves distorções da economia portuguesa, traduzida no excessivo peso do crédito bancário às empresas em função dos seus capitais próprios, endémico factor debilitante do nosso tecido empresarial.

Tão importante, porém, como o ritmo de crescimento de investimento e a concretização das linhas de acção descritas nos sistemas financeiro e fiscal é a orientação sectorial do investimento. Após a recuperação já verificada no investimento em infra-estruturas, no período de 1987-1989 será privilegiado o sector produtivo e, dentro deste, o investimento será orientado por forma a prosseguir a correcção estrutural do défice externo, a redução do desemprego e a modernização e reforço da economia.

A indústria e a energia

No domínio da indústria extractiva e transformadora, que continua a representar cerca de um terço do nosso PIB e que apresenta relações preferenciais e intensas com praticamente todos os sectores da economia, mais importante do que a identificação de um conjunto limitado de programas e acções a desenvolver através dos vários instrumentos de intervenção do Governo é a criação de um enquadramento global adequado e propício ao desenvolvimento empresarial, assente em regras claras e tansparentes nos domínios financeiro, de mercado, tecnológico e fiscal.

A nova realidade, económica que resulta da integração de Portugal na CEE constitui o parâmetro fundamental do modelo económico de enquadramento do programa de desenvolvimento industrial, modelo que pressupõe uma aproximação clara a uma economia de mercado, cada vez mais alargado, mas mais competitivo, e a necessidade de desenvolvimento de uma estrutura empresarial flexível como resposta aos novos desafios que se colocam.

Um relacionamento bem definido e a delimitação clara de atribuições da Administração Pública e dos agentes produtivos são princípios a observar em toda a estratégia a seguir. Entendemos que ao Estado cabe, fundamentalmente, um papel regulamentador, fiscalizador e incentivador, cabendo aos agentes económicos a responsabilidade da criação e modernização do parque produtivo e a adopção das medidas de flexibilização empresarial e adaptação às novas regras de mercado.

A criação de um clima de confiança nos agentes económicos que irão promover a modernização do tecido industrial nacional e a progressiva eliminação da burocracia associada à intervenção administrativa na vida económica são também vectores preferenciais de actuação.

Acompanhar com prudência esta rotura com o modelo industrial tradicional, adoptar os mecanismos de transição adequados, canalizar o desenvolvimento através da intervenção indirecta por intermédio de mecanismos predominantemente incentivadores, constituem as grandes linhas do processo de actuação.

Preconizam-se, assim, componentes de ordem defensiva, ofensiva e infra-estrutural no âmbito da política industrial com características, prazos de desenvolvimento e objectivos muito distintos.

A componente defensiva, que assentará preferencialmente no sistema de estímulos à reestruturação industrial, terá um carácter transitório e selectivo, procurando atingir um adequado equilíbrio sectorial através da conjugação de mecanismos integrados de intervenção, não só pelos organismos do Estado com responsabilidade ao nível dos vários factores do desenvolvimento, como também pela mobilização de outros agentes, com especial relevo para os próprios empresários e instituições do sistema financeiro. Trata-se, como o próprio nome indica, da utilização de instrumentos que melhor defendam uma transição correcta para o novo sistema industrial, incluindo-se aqui, e pelas mesmas razões, as acções de saneamento económico-financeiro das empresas públicas industriais.

A consolidação, implantação e desenvolvimento da infra-estrutura tecnológica de apoio ao desenvolvimento industrial, onde pontificam os centros tecnológicos, constituirão a parcela mais significativa da chamada componente infra-estrutural.

Com uma ligação muito estreita às associações industriais e à comunidade empresarial, em geral, que assumirá a sua gestão no relacionamento directo com as empresas, estes verdadeiros centros de modernização permitirão melhorias progressivas no âmbito do controle e certificação da qualidade, formação e desenvolvimento tecnológico e até mesmo no âmbito da investigação aplicada à indústria, esta última em estreita colaboração com as universidades e institutos de investigação. O processo de maturação das outras unidades de apoio técnico e tecnológico, de que se destacam os centros de tecnologia de informação, a rede de extensão industrial e o próprio centro de conservação de energia, constituirá a restante malha coerente de apoio directo às empresas industriais - apoio que não dispensará, obviamente, a continuação de todo um programa de intervenção que um conjunto de entidades de interesse público indiscutível, designadamente as associações industriais, vêm prestando e com as quais se estabelecerão, pela via protocolar, mecanismos de estreitamento dos laços de cooperação.

Mas será no âmbito do que se convencionou chamar componente ofensiva que o Governo concentrará os seus esforços de actuação, promovendo, com a urgência que o nosso relacionamento europeu exige, a modernização do parque produtivo nacional e a criação de um espírito empresarial moderno.

E este programa, que é também de recuperação da confiança dos agentes económicos nacionais, desenvolver-se-á de acordo com uma aproximação que contempla duas grandes linhas de actuação: consolidação e estabilização de programas de intervenção global, generalizada e horizontal; concentração do maior volume possível de recursos num número limitado de variáveis estratégicas de intervenção ligadas ao processo de transformação estrutural industrial, o que permitirá o surgimento de um fenómeno de difusão de uma nova realidade económica a partir de pequenos núcleos de excelência.

No primeiro conjunto situa-se, em lugar destacado, o sistema de estímulos de base regional, instrumento alargado de intervenção ao nível da modernização do aparelho produtivo nacional e do fortalecimento de embriões empresariais que se vêm desenvolvendo em regiões de menor potencial de crescimento e apetência industrial.

Mas também se integram neste capítulo as acções de consolidação e estabilização dos programas em curso nos vários organismos da Administração Pública do sector industrial e do seu modelo de gestão corrente, de modo a criar um referencial estabilizado e, simultaneamente, consolidar os mecanismos de confiança dos vários agentes económicos. Acções dirigidas às empresas públicas, nomeadamente em termos de racionalização e criação de um novo enquadramento empresarial, flexibilização empresarial, desinvestimento e diversificação do investimento, aumento de eficiência económica e de produtividade e, finalmente, consolidação das acções de desbloqueamento dos constrangimentos ao desenvolvimnto industrial, de reforço dos quadros técnicos e de gestão para as empresas e de desenvolvimento cuidado de novos instrumentos actuais, serão também áreas de actuação a privilegiar.

Foram, por outro lado, identificadas cinco variáveis estratégicas onde se concentrarão os maiores esforços com vista ao desenvolvimento industrial:

qualidade, inovação, pequenas e médias empresas, informação e energia.

A melhoria genérica do sistema de qualidade das empresas no sentido da sua melhor inserção num mercado alargado e mais exigente, a instituição da «semana da qualidade industrial», o estabelecimento de acordos com instituições de qualidade europeias no sentido do reconhecimento mútuo dos certificados de qualidade, facilitando a movimentação dos produtos industriais portugueses nos vários países, e a implementação, a nível nacional, de um sistema de homologação e de normas técnicas e o desenvolvimento de um sistema metrológico nacional coerente (envolvendo as vertentes de metrologia científica, legal e industrial) constituem as bases para a criação de um verdadeiro «espírito de qualidade» na indústria nacional.

Do mesmo modo, a contribuição efectiva, aos vários níveis, para a criação de um «espírito de inovação» na indústria nacional passa pelo incremento dos contratos de desenvolvimento industrial com as universidades e as empresas, pelo reforço da estrutura actual, bem como pela criação de novas empresas industriais de desenvolvimento, pela institucionalização da «semana da inovação industrial» e pelo incremento dos programas de bolsas e estágios para jovens licenciados, criando a atracção para as actividades de investigação aplicada.

Constituindo as pequenas e médias empresas industriais a base alargada do tecido industrial português, importa concentrar esforços no desenvolvimento destas unidades flexíveis, perfeitamente inseridas nas características económicas, sociais e culturais do nosso país e que apresentam considerável potencial de crescimento.

As prioridades mais significativas neste domínio repousam em acções de fomento da melhoria tecnológica, comercial, financeira e de gestão das PMEs, através do fomento de uma maior aproximação ao mercado, de estímulo às acções de agregação de PMEs, constituindo novos grupos empresariais que maximizem o efeito sinergético dessa associação, da dinamização de acções conducentes à utilização dos novos instrumentos financeiros e da promoção e apoio real ao aparecimento de jovens empresários nas PMES.

Mas é ao nível da informação que mais há para fazer.

É necessário descentralizar completamente a transmissão de informação; é urgente que a enorme quantidade de informação disponível nos diversos organismos da Administração Pública e outras entidades chegue aos seus utilizadores terminais, ou seja às empresas e, mais especificamente ainda, às PMEs. Como todos os processos de difusão, este processo é longo, mas é necessário iniciá-lo imediatamente, introduzindo-lhe um factor de aceleração elevado. E é nesse contexto que se promoverá a implementação de um «banco de dados» com informação de ordem tecnológica, técnica, comercial e financeira, em articulação com as associações empresariais, a melhoria da capacidade informativa das direcções de serviço regionais da indústria e, de um modo global, a melhoria do sistema de informação recíproca nos vários domínios de intervenção ao nível industrial e energético.

Finalmente, importa considerar a energia como um factor de desenvolvimento, e não como uma utilidade que se tem de produzir e consumir. Esse facto exige, para além de uma constante preocupação ao nível da adequação dos custos e preços das várias formas de energia, a interligação entre os processos de conservação e diversificação energética e a modernização industrial das empresas, o fomento das acções de utilização racional de energia e desenvolvimento de novas formas de energia, a flexibilização do sistema electroprodutor, atendendo ao incremento dos pequenos aproveitamentos hidroeléctricos, e o fomento da autoprodução de energia, assim como a divulgação e utilização dos vários instrumentos comunitários no âmbito energético. Instrumento preferencial de actuação será, assim, o novo sistema de estímulos à utilização racional de energia, que estabelece como linha prioritária de actuação as acções de conservação e eliminação do desperdício energético no sector industrial. Energia em melhores condições para as empresas e para os cidadãos, em geral, é o objectivo genérico, com acções preferenciais para as primeiras, porque são instrumentos de desenvolvimento cujo progresso se reflecte directamente nos segundos. Esta óptica exige também especial atenção ao nível da produção concentrada de energia e, por reflexo, a necessidade de uma informação actualizada sobre os diferentes processos de produção de energia eléctrica e o cumprimento dos compromissos assumidos ao nível da política energética comunitária.

Alguns elementos de base enquadram este programa de actuação no domínio industrial e energético. Realçaremos apenas três, pelas suas implicações reais e importância relativa em relação aos restantes: a nova realidade económica que resulta da integração de Portugal na CEE; os recursos financeiros disponíveis, e o relacionamento entre a Administração Pública e os agentes económicos. O primeiro elemento de base constitui o parâmetro fundamental do modelo económico de enquadramento do programa de desenvolvimento industrial, que pressupõe uma aproximação a uma economia de mercado, a consideração do mercado cada vez mais alargado, mas mais competitivo, e a necessidade de desenvolvimento de uma estrutura empresarial flexível, como resposta aos novos desafios. Aliás, a flexibilidade é uma constante do próprio programa, que se desenvolverá com taxas de crescimento diferentes, de acordo com os recursos financeiros que se possam canalizar para o mesmo; as potencialidades de crescimento serão consideravelmente acrescidas com a aprovação pela Comunidade do Programa Específico para o Desenvolvimento da Indústria Portuguesa, em apreciação nas instâncias comunitárias. O terceiro elemento de base é quase óbvio: a manutenção e consolidação do sistema democrático exige uma economia saudável, agentes económicos dirigidos para a criação de riqueza, um Estado redistribuidor e justo no tratamento dos cidadãos, uma administração organizada, eficiente e prestigiada. É assim que se revela como factor fundamental a consolidação do sistema inter-relacionamento entre os vários organismos públicos da área industrial e de relacionamento com a comunidade empresarial e do seu sistema de gestão interna e de controle de gestão.

O comércio e a concorrência

Na área do comércio, e com vista a superar os principais problemas do sector, é primordial promover, através da reciclagem, formação e assistência técnica a empresários e empregados, a elevação do nível de produtividade e aumento do grau de concorrência, de transparência e encurtamento de circuitos de distribuição, bem como a melhoria da relação qualidade/preço dos produtos e serviços oferecidos ao consumidor.

Ao integrar-se nas Comunidades, o País optou claramente por um regime de economia de mercado, pelo que optou também, implicitamente, pela utilização de uma política de «concorrência» como meio indispensável para a concretização de grandes objectivos económicos inerentes a tal regime.

As bases de um regime de concorrência entre agentes económicos são a liberdade contratual, a liberdade do comércio e de indústria e a liberdade de escolha da procura resultante daquelas. A implementação controlada destas liberdades deverá ser desenvolvida no quadro das normas comunitárias estabelecidas no Tratado de Roma e dentro de limites que garantam os direitos e liberdades da maioria, o que exigirá por parte dos poderes públicos o estabelecimento de regras libertas de dirigismo económico, mas criadoras de condições para o são exercício entre aqueles agentes.

As regras básicas já estão consignadas em legislação própria. Haverá que mantê-las sistematicamente adaptadas aos interesses do Estado, em termos de liberdade de aprovisionamento, produção, distribuição e preços.

A política de concorrência que se desenvolverá, não sendo um fim em si mesma, é, contudo, uma componente muito eficaz na luta contra a inflação, será motivadora da diversificação de agentes económicos, estimulará a inovação, a racionalização da produção e de distribuição e o progresso técnico, originando produtos que cheguem ao consumidor nas melhores condições de qualidade/preço e escolha alargada.

O fomento desta política permitirá ainda, na medida em que acaba com entraves artificiais regulamentares ou resultantes de indesejáveis comportamentos de agentes económicos, corrigir desequilíbrios estruturais, quer na indústria, quer no comércio, dado que criará melhores condições de competitividade aos agentes económicos mais débeis face aos mais poderosos.

Esta política dinamizará ainda um novo conceito de empresário e de empresa, posto que aquele terá de assumir com plena responsabilidade a liberdade que lhe é dada, decidindo autonomamente e enfrentando os riscos, procurando desenvolver estratégias activas no mercado.

As posições de mercado terão de ser defendidas, não de forma artificial, pelo recurso a práticas restritivas da concorrência ou ajudas proteccionistas, mas pela melhoria da qualidade dos produtos e dos serviços prestados, por preços mais competitivos, por políticas comerciais mais agressivas, pela conquista de novos mercados.

A procura de mercados exteriores será um meio de colmatar a exiguidade do mercado interno nalguns sectores, o que conduzirá, por certo, a salutares formas de cooperação entre PMEs para a conquista desses mercados. Alguns sectores terão de passar por processos de concentração económica, ganhando dimensão e corrigindo desequilíbrios estruturais.

Na área de distribuição dinamizar-se-ão os seus circuitos, desenvolvendo e modernizando as infra-estruturas indispensáveis.

Ligada directamente aos interesses dos produtores, será estimulada a implementação de mercados de origem em regiões de produção significativa, visando uma mais fácil colocação dos produtos no mercado, com consequentes reflexos benéficos na organização da produção e melhoria dos produtos, em termos de normalização, classificação e qualidade.

Imediatamente a jusante destes, dinamizar-se-á a implementação de mercados abastecedores, visando a racionalização dos circuitos de distribuição inseridos na fase grossista de abastecimentos dos grandes centros urbanos e suas zonas de influência, condição indispensável para uma maior transparência na formação de preços.

Na área da distribuição/venda directa ao consumidor procurar-se-á conciliar a modernização desejável das infra-estruturas urbanas de distribuição, ligada à implementação de grandes superfícies, com os interesses dos pequenos comerciantes, fomentando-a, mas também disciplinando, em colaboração com as autarquias, o desenvolvimento urbanístico e a actividade dessas infra-estruturas.

Da concretização dessa política no seu conjunto, a qual garante a liberdade de acesso ao mercado e a liberdade de acção aos agentes económicos em situação concorrencial, fica assegurada uma maior transparência do mercado e, particularmente, a defesa dos consumidores.

Será ainda objectivo, no âmbito do comércio, a desburocratização e flexibilidade das normas jurídicas, tendo em conta a já referida modernização do aparelho comercial, a sua dinâmica e ainda a harmonização decorrente da recepção, no direito interno, das directivas da CEE.

Os transportes

O sistema de transportes tem um papel essencial no desenvolvimento das trocas comerciais, quer no mercado nacional, quer no externo.

Um sistema de transportes flexível, permitindo soluções alternativas, funcionando sem estrangulamentos e a custos relativamente baixos, é um factor essencial para o crescimento económico. Por outro lado, o sistema de comunicações, sobretudo das telecomunicações, é o instrumento indispensável para que as informações úteis para os processos decisórios fiquem disponíveis em tempo oportuno, sem o que não há eficácia na utilização dos recursos produtivos.

O sector empresarial do Estado

No que respeita ao sector empresarial do Estado, este não poderá ser abordado numa óptica global, dado que se trata de uma entidade que não tem existência económica coerente. A análise dos problemas no sector passa pela análise individualizada das várias empresas que o constituem, essas sim unidades económicas coerentes. A diferenciação existente entre as empresas condicionará, inevitavelmente, as soluções a adoptar no futuro.

Haverá ainda que ter em conta a diferente natureza das empresas, distinguindo as prestadoras de serviços sociais daquelas que operam ou deveriam operar em mercado aberto e concorrencial. Se às primeiras, sem deixar de se exigir uma correcta gestão, haverá que prestar adequado apoio criterioso e previamente fixado em função dos serviços prestados, as segundas, a menos que se verifiquem razões de natureza estratégica nacional ou de vital interesse para a comunidade, terão de se submeter às regras da concorrência em mercado aberto.

Quanto a estas últimas, e sendo certo que se adoptarão soluções diferenciadas para cada empresa, face aos resultados de análise de diagnóstico, ter-se-á especial preocupação ao nível da flexibilização das estruturas empresariais e do aumento da produtividade e da eficiência económica, da racionalização económica e da consolidação das estruturas económico-financeiras das empresas. Procurar-se-á adoptar modelos de gestão de aproximação aos mercados e de responsabilização dos gestores em função dos resultados de índole económico-financeira. No que respeita à flexibilização da estrutura de capitais e do modelo empresarial global, concretizar-se-ão acções de desinvestimento e promover-se-á, nos termos da lei, a abertura do capital social das empresas, no sentido de se virem a converter ou em sociedades de capitais exclusivamente públicos (Estado e outros entes públicos) ou em sociedades anónimas de economia mista (maioria do Estado ou outros entes públicos, com intangibilidade do capital inicial do Estado).

6 - Um novo conceito de empresa

A empresa, no mundo moderno, não pode ser somente o local de coordenação de factores produtivos com vista ao aumento do valor acrescentado. A empresa moderna não se pode limitar a contribuir para o robustecimento do tecido produtivo nacional - tem também, e cada vez mais, de se tornar um espaço de realização pessoal e profissional para todos aqueles que aí exerçam as suas actividades. A empresa que se limita a criar «empregos» está condenada a ter trabalhadores mal empregados. A empresa moderna, em contrapartida, emprega criativamente os trabalhadores, sabendo empregar devidamente a criatividade de cada um.

Neste reequilíbrio da empresa, entendida como comunidade produtiva, que tanto produz valor material como valor humano, os gestores são o recurso mais raro, já que é a eles que compete assegurar o justo equilíbrio entre a produção de bens e a criação e estímulo do brio profissional. Os empreendedores têm de se transformar em empresários, identificados com a comunidade laboral e pessoalmente realizados pelo próprio trabalho de gestão, e não apenas pelo seu lugar hierárquico ou pela sua maior compensação material.

A empresa moderna é flexível e adaptável e varia a composição, a disposição e a estratégia conforme os problemas que enfrenta e os campos onde tem de actuar.

Tudo pode mudar, à excepção da identidade e dignidade individual dos seus membros e colectiva daquela associação. É, precisamente, porque tudo o resto pode mudar que se consegue manter essa identidade.

A empresa moderna é uma comunidade produtiva à qual se pertence e, ao mesmo tempo, uma comunidade que pertence a cada trabalhador. O poder de decisão não depende da propriedade da empresa, mas da propriedade de cada decisão no quadro da identidade e dos objectivos da empresa.

Finalmente, a empresa moderna pertence a uma sociedade mais larga, na qual todas as empresas estão envolvidas, e partilha com as outras um mesmo respeito pelas regras que garantem uma coexistência competitiva, mas comum.

Com a aceleração do progresso tecnológico desapareceu o conceito de negócio estável. A alternativa que se põe para a maior parte das empresas é quase entre a expansão/diversificação e o desaparecimento. O conceito de empresa tende a sobrepor-se à noção de negócio ou sector de actividade, pois que a sobrevivência da empresa pode obrigá-la a abandonar o negócio actual e a encetar novas actividades.

O rápido desenvolvimento das novas tecnologias de informação constitui um desafio à capacidade criadora e ao espírito de adaptação do tecido empresarial. Este terá de repensar os esquemas de organização ao nível da lógica geral dos actos concretos de gestão e de produção.

Daqui decorre que a empresa terá de ser mais flexível, no sentido de reduzir a influência dos seus elementos de rigidez, para um maior desenvolvimento de produtividade, portanto da sua competitividade. E, por isso, da preservação do emprego existente.

A imperiosa necessidade de uma maior flexibilidade nos mercados de trabalho e emprego surge, assim, não só por razões económicas ligadas ao declínio de certas actividades tradicionais e à transferência de recursos para novos sectores de actividade, mas também por razões técnicas e sociais.

Estamos, assim, no limiar de um novo sistema económico, naturalmente ainda com contornos indefinidos, mas onde se evidenciam novas tendências, novos mercados, novos princípios, novas tecnologias, talvez novas ou diferentes instituições, mas seguramente exigindo um novo tipo de empresa, mais leve, mais flexível, mais ajustável ao contexto envolvente.

Neste novo conceito de empresa que desponta torna-se necessário atender a alguns aspectos, entre os quais se destacam: a necessidade de encorajar os inovadores, os empreendedores, os que assiscam, incentivando a sua capacidade criativa; a assumpção do princípio dos valores partilhados ou da cultura da empresa, reconhecendo-se que a filosofia fundamental de uma organização e o espírito de equipa contribuem mais para os seus resultados do que os recursos económicos ou a estrutura organizativa; a operacionalização de estruturas simples e ligeiras com um número muito limitado de gabinetes de estudo e de estruturas não directamente operacionais; o conhecimento do princípio de produtividade através do elemento humano, aceitando-se o facto de que os trabalhadores não são apenas pares de braços, mas também, e sobre tudo, fontes de ideias; a eliminação da errada concepção de gestão em que se julga que os problemas das empresas se resolvem criando mais órgãos intermediários ou mais holdings, e não, afinal, através das pessoas certas nos lugares certos e próximas dos clientes, que são, afinal, a razão de ser das empresas.

No contexto da modernização do tecido empresarial, se as novas tecnologias encarnam uma nova revolução industrial, não geram, por si só, nem o crescimento económico, nem o emprego. A modernização tecnológica não é o desenvolvimento, em si, da informática e da robótica, mas muito mais a capacidade de estas irrigarem as empresas.

Mas as mutações tecnológicas em curso só podem frutificar completamente quando se atingir uma nova coerência entre os modos de produção, de consumo, de repartição de rendimentos e de intervenção estatal, o que implica profundas transformações sociais. É, pois, necessário pensar nas novas formas de organização social, de divisão da organização do trabalho e de repartição de rendimentos entre a população que permitam tornar o sistema sócio-económico coerente.

Portugal não tem tirado partido de muitas das mudanças do mundo contemporâneo.

A crise portuguesa não é, de facto, só energética, monetária ou tecnológica. É, sobretudo, uma crise sócio-organizacional, derivada de uma rigidez acumulada ao longo dos tempos num mundo em permanente mutação.

Por isso, urge criar ou revitalizar um tecido industrial, associado a um modelo de industrialização (descentralizado) em que os processos de desenvolvimento industrial e regional se encontrem ligados. Esse modelo assentará em PMEs nacionais com capacidade inovadora e tecnologia própria, propiciadora de auto-suficiência empresarial futura no domínio tecnológico.

A ligação entre os desenvolvimentos industrial e regional é vital para o aparecimento de uma nova geografia do emprego em Portugal. Com efeito, a animação da actividade económica e a criação de emprego junto dos locais onde os cidadãos nascem e vivem deverá ser linha de actuação a privilegiar, através da busca constante de valorização dos recursos endógenos das regiões.

Mas para que tal se concretize é necessário que surjam nas regiões iniciativas empresariais geradoras de emprego articuladas com a política de desenvolvimento regional. Entre essas iniciativas empresariais destacam-se as iniciativas locais de criação de emprego (ILEs), novo conceito de pequena empresa potenciada pelas comunidades locais, ligada aos recursos naturais da região e potencialmente propiciadora de um desenvolvimento autêntico e auto-sustentado.

É preciso também incentivar que as grandes empresas favoreçam a saída de alguns dos seus quadros para que estes criem e desenvolvam PMEs, o que tornará mais denso o tecido industrial, mas também o tornará mais leve e flexível nas respostas que todos os dias é necessário dar aos novos mercados.

Não se pode, porém, admitir que seja possível construir uma indústria nova a partir do nada, passando por cima daquilo que já existe. É nesse sentido que a promoção tecnológica e de marketing de segmentos dos nossos sectores industriais tradicionais é vital.

Se as empresas portuguesas se encontram perante um sério desafio resultante do processo crescente de internacionalização da nossa economia, é necessário que façam uma opção decidida pela qualidade e pela inovação, como forma de conquista de segmentos especializados de mercado. Nessa opção os vectores tecnológicos e de marketing são extremamente importantes. As nossas empresas e os nossos empresários têm de passar de uma atitude estática e de mera administração de um património existente para uma postura dinâmica e agressiva constante da procura de novas combinações mercado/produto e do aperfeiçoamento dos aspectos tecnológicos organizacionais, de inovação e de marketing.

Mas para que essas mudanças se concretizem é essencial a adesão, a formação e a informação dos trabalhadores, bem como a reorganização do tempo e do trabalho, o que implica a participação activa dos trabalhadores na empresa.

A empresa não deve ser, por isso, um local de conflito e de afrontamento ideológico numa época em que o desenvolvimento económico e social estilhaçou a divisão simples entre patrões e assalariados, entre bons e maus, visão maniqueísta e simplista do velho e estereotipado conceito de luta de classes. Já passámos da sociedade bipolar para a sociedade multipolar, em que cada um tem múltiplos interesses a defender.

O mito da luta de classes nasceu da convicção de que havia antagonismo absoluto entre o lucro dos patrões e a remuneração dos assalariados. Ora, é preciso compreender o papel fundamental do lucro na empresa. É saudável que se assuma na economia portuguesa que as empresas têm de dar lucro.

É neste contexto que o Estado e todas as forças sociais devem desenvolver um diálogo social, a todos os níveis - nacional, regional, sectorial e na própria empresa -, para que o processo de inovação e desenvolvimento tecnológico, irreversível e imparável a prazo, não seja bloqueado no curto prazo por reacções negativas do contexto envolvente devido aos custos sociais que tal processo, inevitavelmente, gera.

É neste quadro ainda que deve ser equacionado o binómio solidariedade-competição. É preciso que as empresas sejam válidas e competitivas para que possam pagar atempadamente não só os impostos, mas também as contribuições para a Segurança Social. Só assim é que o Estado terá meios para melhorar os esquemas de protecção social, designadamente os esquemas de cobertura no desemprego.

A melhoria das prestações da Segurança Social, designadamente o seguro de desemprego, aparece, assim, como uma coadjuvante extremamente válida do ponto de vista social e de uma política correcta de adequação do volume de emprego nas empresas ao seu mercado real ou potencial. Por aqui se reforçará a ligação entre uma política económica adequada em que as empresas tenham capacidade e agilidade para se adaptarem ao contexto envolvente e a indispensável política social, o que fará que as empresas não continuem, como muitas vezes tem acontecido, a substituir-se à Segurança Social e a manter recursos humanos inadequados às suas necessidades.

Num mundo em constante evolução, como e aquele que caracteriza o tempo em que vivemos, a empresa e a sua força de trabalho, como sistemas que são, não se podem manter imunes ou alheias a todos os outros sistemas complexos que operam na sociedade.

É preciso que todos na empresa - empresários e trabalhadores - compreendam que o fim último da empresa é servir um dado mercado e que a afectação de recursos na empresa só é socialmente justificável se os serviços ou produtos gerados por essa afectação de recursos produtivos estiverem ao serviço de um conjunto de utilizadores/consumidores. É através desta óptica que a empresa ganha legitimidade social.

Se queremos ter uma economia de mercado, é preciso haver empresas, mas para que estas se criem e desenvolvam é essencial o surgimento de empresários. Para que este surgimento se concretize é necessário aproveitar aqueles que já existem e que são válidos, mas é também necessário estimular os novos empresários, sobretudo os jovens quadros. É que as empresas não aparecem normalmente por decreto e o Estado não tem demonstrado vocação e aptidão nem para empresário nem para gestor.

O acesso à função empresarial tem estado condicionado pela herança ou uso da propriedade como riqueza. É, pois, preciso que esse acesso seja facilitado a quem tem capacidade humana, profissional e ideias válidas para avançar com novos projectos. Só assim a sociedade disporá de novos intérpretes do exercício empresarial.

São, pois, muitas e variáveis as acções a desenvolver e que podem conduzir rapidamente ao desenvolvimento acelerado de empresários e empresas capazes de enfrentar a concorrência internacional. Mas para isso é necessário deixar funcionar o mercado, pois só com mercado e competição é que podem surgir bons empresários e, por isso, boas empresas.

7 - A valorização dos recursos humanos

Uma sociedade que se moderniza é a que procura valorizar cada vez mais os recursos humanos, repondo o homem no centro do processo de desenvolvimento, de acordo com o círculo mais largo e rico das suas relações.

O sistema educativo

Aquilo que caracteriza a sociedade moderna é a sua imprevisibilidade, onde a única certeza com que se pode contar é a mudança, a inovação e até mesmo a surpresa.

Um sistema educativo concebido para enfrentar realidades predeterminadas, onde o «amanhã» é pouco mais que uma amálgama estática do «ontem» e do «hoje», é um sistema que prepara os seres humanos para um tempo e um mundo inexistentes ou já ultrapassados. Em contrapartida, um sistema educativo moderno prepara o homem para aquilo que é inultrapassável e permanente. Nomeadamente para a comunicação com o desconhecido: com o tempo, e o mundo, e os homens de amanhã.

Preparando o homem para a mudança e cultivando mesmo a apetência pela mudança, o sistema educativo moderno não se limita a transmitir conhecimentos adquiridos - aventura-se a transmitir a aventura de adquirir novos conhecimentos.

Numa frase, ensina a aprender e motiva para empreender. O que o homem tem de mais espantoso não é a sua vivência, é a sua sobrevivência, ou seja, a capacidade de se adaptar ao mundo e de, arriscadamente, procurar adaptar o mundo a ele.

O gosto pelo risco, as capacidades de imaginação e de criação, bem assim como o talento para o desembaraço e para a negociação do elemento passado com o futuro, são apenas algumas das qualidades mais necessárias a uma sociedade que não só precisa de se desenvolver, como deseja desenvolver-se.

O homem não pode contar com um futuro que não consegue prever, nem tão-pouco com um passado que não conseguirá jamais presenciar, tornando-o presente. O homem conta, antes do mais, consigo mesmo e com uma sociedade que, por sua vez, conta com outros homens e mulheres como ele. Valorizar os recursos humanos significa dar-lhes o mais real e alto valor que podem ter - o de enfrentar o que está para a frente. A única coisa que não muda é a capacidade e a vontade dos homens para enfrentar e criar essa mudança permanente.

A opção inteligente não é investir no que já é inteligível, é investir na inteligência. É apostar na inteligência propriamente dita, precisamente por ela ser tão imutável como são infinitamente mutáveis os tempos e as situações aos quais ela se aplica.

A valorização profissional, tal como o sistema educativo, terá de seguir entre 1987 e 1989 esta mesma concepção.

Valorizar os recursos humanos significa dar valor ao homem, de maneira a fazê-lo sentir-se valioso, com vista a transferir voluntariamente esse valor acrescentado para a comunidade de que faz parte. Quanto mais se acreditar na nobreza e na força que são permanentes no homem, nas suas qualidades, mais se poderá arriscar na sua adaptação ao processo constante de inovação que caracteriza (actualmente, como quase sempre) a sociedade em desenvolvimento.

Valorizar os recursos humanos passa, em grande parte, pelo reconhecimento do potencial dos jovens.

No dobrar deste século os jovens de hoje - entre os 14 e os 30 anos - constituirão a parte mais importante da população activa, em termos de potenciação da actividade económica.

Com efeito, a tendência que se verifica para o envelhecimento da população portuguesa e para a diminuição da taxa de natalidade poderá alterar, significativamente, a pirâmide etária no início do próximo século.

É, por isso, uma prioridade apostar na formação dos jovens de hoje, valorizando e potenciando as suas capacidades criativas e intelectuais, preparando os para enfrentar os desafios da mudança e proporcionando-lhes novas oportunidades.

Não é só no sistema educativo e no sistema de valorização profissional que se deve procurar dar o justo valor ao homem. Também a saúde e o desporto, ao desenvolverem os meios físicos do homem, tão permanentes e naturais como os meios imateriais, permitem que o homem realize as condições de partida da sua potencialidade.

A relevância particular a atribuir à valorização dos recursos humanos justifica-se pelo facto de que não chegará o relançamento económico, pelo lado da procura, para a criação de emprego produtivo. Torna-se necessário dar especial atenção aos estrangulamentos do lado da oferta e nestes assumem primordial e decisiva importância os recursos humanos.

A chamada reforma das mentalidades é um assunto eterno na cultura política portuguesa e justificação sempre repetida para alterações avulsas que vão disfarçando o fulcro da questão. É que as mentalidades não se reformam. Vão-se reformando. E o sistema educativo é apenas uma parcela do universo formador.

No fundo, o erro das diversas tentativas de reforma tem sido duplo: por um lado, o voluntarismo, que supõe possível começar de novo sem atender à influência enraizada da longa cadeia de antecedentes, e, por outro, a noção de que o sistema educativo é independente ou «independentizável» da cultura nacional, podendo seguir um modelo estrangeiro de reconhecida e confirmada qualidade.

Valorizar os recursos humanos é, antes do mais, dar-lhes o valor que já possuem, dignificando-os. Só depois, atendendo a esse valor anterior e forçosamente condicionante, é que uma política educativa poderá ser traçada, de modo a reforçar potencialidades já existentes e atenuar as respectivas vulnerabilidades.

A experiência demonstra que a riqueza de um processo educativo é proporcional à autonomia que concede ao estudante, dentro de um quadro geral bem definido, que regula e consagra as regras dessa autonomia. Esse quadro geral não é artificialmente estabelecido - é função do carácter profundo da cultura matriz. É por isso que nunca poderá existir um sistema educativo universal.

Sendo assim, o melhor que pode fazer um sistema educativo nacional é multiplicar os planos de entendimento. Até aqui a ênfase tem sido dada à transformação de conhecimentos e não se deve descurar esta herança. Os conhecimentos, porém, não valem só por si. Devem ser entendidos como matérias-primas do pensamento e da criatividade. Cair no extremo oposto, dando primazia à expressão, à custa da instrução, à interpretação, à custa da matéria, criar um processo oco de transformação automática e autogenética, sem matérias-primas sobre as quais trabalhar.

Em Portugal a educação tem sido exageradamente concebida em termos macrossociais. A verdade é que um processo de educação dirige-se, antes do mais, ao indivíduo, dependendo, em última instância, da adaptação e do aproveitamento do próprio indivíduo perante um conjunto de alternativas com graus vários de obrigatoriedade.

Sendo assim, qualquer política educativa ganha em não ser excessivamente preconcebida, devolvendo um máximo de decisões teleológicas (os objectivos do estudo) ao indivíduo. Resta dar-lhe matérias bastantes para que essa decisão seja fundamentada. Essas matérias definem-se, evidentemente, por um leque de conhecimentos transmissíveis, mas também através dos métodos eficazes com que há-de livremente decidir. Ensinar também é ensinar a optar, a determinar um curso próprio, o proceder sozinho.

O sistema educativo tende a oscilar entre o autoritarismo, que procura conter essa tendência, e, no outro extremo, o libertarismo, que ainda a encoraja mais. No primeiro modelo, há uma transmissão rígida de conhecimentos (o que não significa que sejam inúteis), e no segundo, uma devolução de responsabilidades formativas a quem é incapaz de exercê-las por falta de formação (o que também não significa que essa autonomia seja inútil).

Por outro lado, importa compreender o sistema educativo como um sistema de distribuição de aptidões altamente diferenciadas, abandonando a massificação e privilegiando a individualidade.

Por toda a parte se verifica a importância da competição entre os jovens no seio do sistema educativo, bem como uma ligação entre a hierarquia das formações ou dos estabelecimentos educativos e a escassez dos empregos facultados aos principiantes. O sistema educativo desempenha, pois, o duplo papel de formação e de diferenciação.

Valorizar os recursos humanos não significa tentar arrastar as pessoas para o ponto mais alto de uma pretensa escala hierárquica, onde uns ocupam os lugares mais altos e outros os mais baixos. Significa, sim, gerir o sistema de forma que a qualidade profissional seja maximizada no caso de cada indivíduo e de cada aptidão.

A democraticidade do sistema de ensino não reside na meta de transformar todos os portugueses em licenciados ou doutorados. Reside em atribuir igual valor social ao bom artífice e ao bom licenciado.

Sendo assim, um sistema de ensino tem de ser altamente democrático, e academicamente primoroso na base, para que cada indivíduo consiga chegar onde é capaz de chegar, e altamente selectivo no topo, para permitir essa mesma excelência com menores recursos. Compete ao Estado oferecer e facilitar uma educação básica de excelente qualidade a todos os portugueses. A selectividade e dificuldade de acesso devem atingir o ponto máximo no ensino superior, onde só deverá contar o critério da excelência académica.

Estas as linhas de força que, conjugadas com os imperativos constitucionais e com a lei de bases, orientarão os trabalhos - já iniciados - para a reforma do sistema educativo. Reforma que abrange todas as vertentes, porque se pretende global e coerente. Reforma que se completerá no horizonte próximo de dois anos e mudará a face do País. Essa reforma assentará em quatro grandes pilares-objectivos:

A melhoria da qualidade do ensino;

O fomento da criatividade e inovação;

A modernização da gestão do sistema;

A adequação do sistema educativo ao desenvolvimento regional e à dinâmica do mundo do trabalho.

A formação profissional Numa estratégia de valorização do homem português surge também como elemento chave a formação profissional, a qual deve ser encerada como:

Vector de valorização de recursos humanos;

Instrumento de reconversão de desemprego em emprego;

Dissuasor de desactivação de emprego, garantindo aos que estão empregados a adptação permanente à inovação tecnológica e às exigências concorrenciais, já que com a evolução tecnológica dos nossos dias não será mais possível a atitude estática de, uma vez terminado um curso, adoptar uma atitude de auto-suficiência para o resto da vida;

Forma de minimizar os desperdícios decorrentes das oportunidades de emprego a preencher e geradora de oportunidades de emprego industrial em zonas deprimidas;

Perspectiva de solidariedade social, quer na reactivação social dos empregados, quer como forma de evitar a concentração de desemprego em grupos críticos, nomeadamente jovens e mulheres;

Forma de suprir as carências do sistema de ensino num passado recente, pois que a supressão do ensino técnico-profissional veio lançar no desemprego estrutural milhares de jovens, enquanto os empresários se debatem com escassez de mão-de-obra qualificada para substituir a que progressivamente se vai reformando.

A formação profissional tem de passar a fazer parte integrante da política económica global e da estratégia de desenvolvimento definida para cada empresa.

Num período de crise económica a formação aparece, assim, não apenas como um mecanismo de adequação e equilíbrio entre a oferta e a procura de mão-de-obra, mas sobretudo como um projecto, em si mesmo, criador de emprego, não só pela pressão que pode exercer sobre a economia, como, e sobretudo, pela capacidade que ele próprio cria nos formandos para inovarem e inventarem o seu próprio emprego e empresa.

O carácter de continuidade da formação profissional implicará favorecer a alternância entre os centros de formação e os locais de produção, bem como a alternância entre os tempos de trabalho e os de formação, renovando os esquemas de aprendizagem e concebendo a formação contínua de modo a permitir a adaptação de qualificação dos trabalhadores, evolução das empresas.

Portugal necessita de estruturas adequadas, nomeadamente em formadores de emprego no que respeita às pessoas tendo uma experiência em orientação profissional e em colocação.

Há também a necessidade de se fazer um grande esforço no campo da formação profissional dos jovens, pois, por um lado, eles são os mais afectados pelo desemprego e, por outro, os mais motivados para a mudança que a introdução de novas tecnologias determina.

Outros estratos populacionais também fortemente afectados pelo desemprego, como são as mulheres, os deficientes e os desempregados de longa duração, merecem ser considerados como destinatários privilegiados das acções de formação profissional a empreender, tendo em vista a consecução de uma verdadeira igualdade de oportunidades de emprego.

Em termos institucionais, torna-se essencial concretizar o princípio que permita o ajustamento rápido dos instrumentos de formação profissional às novas e contínuas necessidades do mercado de trabalho.

A articulação das políticas de ensino do Ministério da Educação e Cultura, sobretudo ao nível do ensino técnico-profissional e superior politécnico, com as leis da formação em aprendizagem e com os esquemas de formação profissional do Ministério do trabalho e Segurança Social é outro dos aspectos a encarar. Neste quadro, é importante o prosseguimento e expansão dos programas de aprendizagem/formação, através de incentivos às empresas, com vista à sua adesão, à garantia de plena equiparação pedagógica e como resposta concreta aos problemas de integração no mundo do trabalho e como obtenção de uma qualificação profissional.

Importará ainda optimizar equipamentos, edifícios e infra-estruturas existentes nos dois ministérios, os quais, numa utilização concertada, podem servir para ministrar cursos técnico-profissionais, ao nível escolar, em paralelo com acções de formação profissional, ao nível do mercado do trabalho.

O ritmo e a amplitude das transformações económicas e tecnológicas são de tal modo rápidos no presente que impõem que a formação seja concebida como um processo caracterizado por formações longas, polivalentes e modulares, cuja flexibilidade permita a sua contínua actualização e reconversão.

A formação profissional no sector primário da economia, em especial na agricultura e pescas, tem de merecer uma atenção e um estímulo particularmente relevantes, de modo a valorizar e dignificar as profissões do sector, carentes de rejuvenescimento, o que só pode ser conseguido pela atracção de jovens, que até agora se têm afastado para os sectores secundário e terciário.

Finalmente, um grande esforço no domínio da formação de formadores e de técnicos de orientação e colocação profissionais é outra das orientações básicas a prosseguir.

A saúde

Uma das componentes essenciais na valorização dos recursos humanos é a saúde. Melhorar o nível de saúde dos Portugueses e garantir o efectivo exercício do direito à saúde é um objectivo que tem de ser progressivamente alcançado.

De facto, a saúde das populações, sendo um elemento essencial de qualidade de vida, é também, em si mesma, um factor de desenvolvimento.

A necessidade de perspectivar resultados para os próximos anos obriga a concentrar a atenção em alguns objectivos intermédios, que devem ser atingidos a médio prazo:

Melhorar a qualidade dos cuidados de saúde;

Reduzir as assimetrias existentes;

Melhorar a eficácia e a eficiência nos cuidados de saúde.

Promover a saúde e o bem-estar, nomeadamente através do reforço de protecção a grupos especialmente vulneráveis, investir na prevenção e educação para a saúde, incentivar a modernização e humanização da rede de serviços e a criação de novos empreendimentos indispensáveis em certas áreas críticas; desenvolver a investigação tecnológica, criar melhores condições de qualidade nos serviços de saúde e, sobretudo, de bem-estar pessoal e social, porque na dependência da saúde física e psíquica estão as condições de fruição de qualidade e estilo de vida dignos, a nível individual e da comunidade, são as medidas de política que enformam os objectivos intermédios propostos, que se podem sintetizar em quatro grandes vectores: racionalizar os recursos; rendibilizar os serviços; moralizar o consumo e o acesso, e garantir a qualidade.

Mas há ainda, e fundamentalmente, que introduzir uma mentalidade inovadora no sector da saúde.

Por um lado, há que definitivamente conceder-lhe um novo posicionamento, no processo global de desenvolvimento do País. Por outro lado, há que reconhecer que o actual sistema de saúde se tem revelado excessivamente estatizante, estático e imobilista. É indispensável exprimir o inconformismo perante esta realidade sombria.

Urge modernizá-lo, introduzir-lhe novos processos de gestão, novas tecnologias, assumir que, em nome do bem comum e dos valores que prossegue, é mais importante a satisfação dos direitos dos doentes do que a dos interesses dos restantes protagonistas do sistema, quando ambos se antagonizam, há que retirar-lhe a sobrecarga ideológica, que o asfixia e que compromete a melhor utilização dos recursos existentes, incluindo os humanos. Há que criar condições e desencadear mecanismos que realmente estimulem a iniciativa privada, verdadeiramente autónoma, e que esta se possa assumir, sem ambiguidades nem subterfúgios, como alternativa à estatal e com ela possa coexistir e competir em produtiva emulação.

Há ainda que criar condições para que ao cidadão sejam oferecidas as possibilidades reais de optar por qualquer dos esquemas possíveis e, sobretudo, delimitar com precisão o âmbito e o papel que ao Estado e às outras iniciativas competem.

8 - O reforço da solidariedade social

Importa reconhecer que, no âmbito da tensão dinâmica que caracteriza as sociedades contemporâneas, um sistema de protecção social não pode furtar-se às incidências do movimento de todo o tecido social.

É neste quadro que emerge com particular significado o reforço da solidariedade social, por duas ordens fundamentais de razões:

Primeiro, porque essa solidariedade é condição vital para se ganhar a aposta na valorização e dignificação de todos e de cada um dos portugueses;

Segundo, porque a ideia-força de segurança contra certas vicissitudes da existência - do desemprego à morte, passando pela doença, pelo acidente de trabalho, a invalidez, a velhice e outras eventualidades - se mantém como factor psicológico fundamental para mobilizar energias, vencer inércias e trilhar os caminhos da inovação e da mudança indispensáveis na nossa sociedade.

E é inequívoco que essa segurança não pode deixar de ter a solidariedade social bem entendida como esteio fundamental. Daí a indispensabilidade do seu reforço.

E não é por acaso que se alude à necessidade de uma solidariedade social bem entendida. É que, entre outras evidências contraditórias da sociedade actual, foi-se recortando aquela que, com clara nitidez, nos mostra os excessos da socialização da responsabilidade face aos riscos da existência, traduzidos no crescimento desmesurado dos sistemas estatais de segurança social e de saúde, em flagrante contraponto com um individualismo crescente, de tal modo que no novo modelo de sociedade o indivíduo, como tal, se reafirme como valor de referência dominante.

O reconhecimento destas tendências contraditórias não é de somenos, uma vez que a crise dos actuais sistemas de segurança social e de saúde é largamente explicada pelo facto de estes grandes aparelhos estatais tenderem a funcionar como uma grande interface, substituindo o frente a frente dos indivíduos e dos grupos. Ora, é hoje inquestionável que a perda de autonomia e o isolamento crescente dos indivíduos, para quem o Estado é o principal, quando não o único, recurso, alimentam a crise dos sistemas estatais como o da Segurança Social ou do Serviço Nacional de Saúde. O Estado-Providência, ou o Estado de bem-estar social, tem na Segurança Social, combinação de Keynes, no campo económico, com Lord Beveridge, no plano social, a sua expressão por excelência.

Por outro lado, o carácter frio e impessoal assumido pelas respostas que esses sistemas proporcionam à população potência essa crise, tornando imperiosa a necessidade da sua reformulação, por forma que a solidariedade social não seja apenas a mera expressão mecânica de uma ajuda pecuniária ou da prestação de certo tipo de serviços assegurada pelo Estado, mas se afirme antes como verdadeira dimensão humana e sentido de fraternidade.

Só assim o indivíduo em situação de carência económica ou social se sentirá verdadeiramente integrado no tecido social que somos, e não apenas como mais um elemento administrativo e estatisticamente incluído na máquina da solidariedade estatal, porque a Constituição da República, a lei ordinária ou o Programa do Governo assim o determinam.

O que está em causa é compreender que o Estado, como forma social e política, não pode ser arvorado em suporte único das intervenções e dos progressos sociais e muito menos em agente monopolista da solidariedade social, embora os sistemas de segurança social e de saúde possam e devam continuar a ser instrumentos privilegiados da solidariedade do Estado.

Compete ao Estado criar e assegurar uma rede sólida de relações, caracterizadas, precisamente, pela existência plural de possíveis compromissos e contratos sociais.

O Estado democrático é aquele que dá prioridade absoluta à liberdade de criar compromissos dentro de um quadro envolvente que assegura essa criatividade.

Investir na solidariedade social, à parte a manutenção activa de valores e práticas solidárias comuns a uma sociedade, é também investir numa estrutura capaz de estimular e recompensar o voluntariado. É da associação voluntária que se criam os laços mais fortes, verdadeiras células da sociedade.

Ao longo das últimas décadas os sistemas de segurança social, acusados de efeitos perversos sobre a economia, foram arrastados para o centro das atenções das forças sociais, políticas e económicas, enfrentando hoje uma situação de verdadeira encruzilhada, em que a urgência de reformas é insistentemente reclamada.

É, precisamente, neste quadro que se impõe substituir a lógica unívoca e desumanizante da estatização da solidariedade social por uma nova lógica apoiada em duas coordenadas fundamentais:

Racionalização, desburocratização e descentralização dos grandes equipamentos e funções colectivos, por forma a colocá-los mais próximos dos utilizadores, em termos mais acessíveis e mais ajustados às concretas realidades sócio-económicas locais, mas também às concretas situações de necessidade individual, familiar e comunitária;

Reencaixamento da solidariedade na sociedade, por forma que se ultrapassem as barreiras da mera liberdade formal e possa afirmar-se uma justa liberdade contra a insegurança das vicissitudes da vida individual e familiar no quadro das novas formas de solidariedade social que estimulem a imaginação e o sentido de generosidade e que, sobretudo, humanizem a acção social.

Com efeito, importa reconhecer a falência de fazer apoiar toda a protecção social na simples solidariedade profissional de base cumutativa, solidariedade tornada obrigatória pelos poderes públicos no auge das concepções do Estado protector dos finais do século passado, solidariedade também necessária, mas fria, por ser desumanizada e imposta mecanicamente, e insuficiente, por se reportar tão-só ao mundo do trabalho, o qual constituía, de resto, o objectivo da técnica do seguro social obrigatório, que esteve na base dos sistemas de previdência social.

Por isso, a opção pelo reforço da solidariedade social significa também optar por uma combinação equilibrada e harmónica daquela técnica de protecção social com a técnica da acção social.

A relevância da acção social é indiscutível:

Como via para completar e suprir as lacunas ou insuficiências dos regimes de prestações pecuniárias de segurança social;

Como instrumento de prevenção de situações de carência, disfunção e marginalização social;

Como conjunto de métodos a promover a integração comunitária e social;

Como forma institucionalizada de enquadramento de programas de organização de recursos e desenvolvimento das comunidades locais;

Como factor insubstituível de humanização do sistema de segurança social;

Como forma de exercício e campo fecundo de estímulo do voluntariado social e, portanto, de novas formas de solidariedade livre e assumida.

As instituições particulares de solidariedade social Reforçar a solidariedade social é também reconhecr, valorizar, estimular e apoiar as iniciativas das instituições particulares de solidariedade social (IPSS), incluindo no domínio da saúde, sem prejuízo de medidas julgadas necessárias de racionalização do apoio estatal que lhes é prestado.

As IPSS representam o pólo aglutinador fundamental do voluntariado social organizado, cujo papel no desenvolvimento de novas formas de solidariedade social familiar, de vizinhança e comunitária se revela do maior alcance.

Nesta óptica, há que aproveitar e integrar em acções descentralizadas e flexíveis as experiências de voluntariado social, com profundas tradições na sociedade portuguesa.

Reforçar a solidariedade social é ainda estimular e apoiar a acção das associações de socorros mútuos, promovendo o desenvolvimento de um mutualismo sadio e actuante.

Reforçar a solidariedade social não pode deixar de ser igualmente estimular o desenvolvimento de esquemas complementares privados de segurança social, incluindo a criação de fundos de pensões.

Só assim será possível transpor os acanhados horizontes da solidariedade de base meramente laboral, projectando-a em termos de uma verdadeira solidariedade global de alcance redistributivo.

Só assim se combinará equilibradamente a solidariedade horizontal com a solidariedade vertical, em termos de verdadeiros objectivos de integração social dos nossos concidadãos social e economicamente mais desfavorecidos e mais vulneráveis, nomeadamente as crianças e os jovens - em particular os privados de meio familiar -, os deficientes e os idosos.

O financiamento da Segurança Social Com o início da década de 70 e o alargamento a toda a população do sistema de segurança social, os encargos financeiros cresceram a um ritmo que excedeu todas as previsões e o nosso país começou a sentir, agravados, os problemas da crise geral do Estado-Providência.

Isso aconteceu não só porque aumentaram as exigências, nomeadamente no que diz respeito aos cuidados de saúde, como sobretudo porque entraram para o sistema de segurança social centenas de milhares de portugueses que nunca aí haviam estado integrados, nomeadamente os rurais. Assim, hoje uma parte das pensões de reforma não tem base contributiva, isto é, quem as recebe nunca descontou para a Previdência. Consequentemente, os descontos sobre os salários - que penalizam os rendimentos do trabalho e as empresas com mão-de-obra intensiva - já nem sequer são suficientes para cobrir as despesas do sistema de segurança social. Isto apesar de os gastos com a saúde terem sido transferidos para o Orçamento do Estado.

É um facto que as prestações sociais pecuniárias são baixas e insuficientes, mas a verdade é que elas já consomem uma parte significativa do PIB, que é elevada para uma economia com o nosso grau de desenvolvimento. O grande problema é que todo o dinheiro tem de ser distribuído universalmente por uma população de reformados que, relativamente ao número de trabalhadores activos, é a maior da Europa. Em Portugal para cada dois trabalhadores activos há um reformado.

O envelhecimento da população, o retorno maciço de África, o alargamento da Previdência aos rurais e àqueles que não descontavam para o sistema, fizeram que o número de pensionistas passasse de 165000 em 1970 para cerca de 1900000 em 1985.

Pelos motivos apontados, as pensões assumem um peso crescente nas despesas correntes do sistema, o que torna a sua gestão financeira cada vez mais rígida e implica que a Segurança Social tenha perdido parte da sua capacidade redistributiva de rendimentos. Em 1984 a repartição das despesas da Segurança Social está bem expressa no quadro seguinte:

(ver documento original) O aumento das quotizações seria inexequível, pois os descontos já são pesados para a actividade económica, podendo mesmo gerar-se o efeito perverso de a um aumento de taxas corresponder uma diminuição das receitas.

Por outro lado, o sistema actual penaliza excessivamente o factor trabalho ao fazer depender as contribuições dos salários pagos, quer quanto à parte patronal, quer quanto aos trabalhadores. E, se será lógico que entre o trabalhador (beneficiário) e a Segurança Social se mantenha uma ligação directa, pelo que a sua contribuição deverá continuar a incidir sobre a remuneração, no que respeita à contribuição da parte patronal, deve ser taxada de forma diferente, por forma que esta não incida sobre a massa salarial global da empresa, mas sobre outro indicador da mesma, para não penalizar excessivamente as situações de trabalho intensivo, como acontece agora. Tal será tratado em conjunto com a reforma fiscal.

É inviável pensar pedir ao Orçamento do Estado, isto é, aos contribuintes, um esforço suplementar para, por exemplo, aumentar substancialmente o valor pecuniário das pensões de reforma porque, entre outras razões, o volume que assim seria imobilizado poderia dar resultados mais positivos se fosse canalizado de outra forma.

De resto, há algo de ilógico, se não mesmo de imoral, na forma como o sistema está montado. Com efeito, ao depender totalmente das contribuições dos assalariados, o sistema não possui reservas - logo, as reformas que amanhã serão pagas aos trabalhadores activos de hoje dependerão, em absoluto, dos assalariados de amanhã. Isto quer dizer que as gerações presentes decidem dos benefícios que as gerações futuras lhes irão pagar.

Este sistema enfrenta ainda o desafio de uma evolução demográfica desfavorável, pois a população portuguesa tem vindo a envelhecer, o que acarretará o agravamento da situação que temos vindo a caracterizar. É também a esta luz que se deve equacionar a questão da idade da reforma, pois o seu abaixamento geral não é neutro, nem do ponto de vista social, nem do económico.

Com efeito, não é líquido que tal tenha uma influência significativa no emprego dos jovens, atendendo que os seus níveis de aptidão profissional serão normalmente diferentes dos dos trabalhadores mais idosos. Não se poderá substituir, pura e simplesmente, um trabalhador idoso por um jovem.

Por outro lado, os encargos financeiros de um abaixamento da idade de reforma não permitiriam a generalização de uma tal medida.

O que se poderá e deverá fazer é caminhar para um sistema flexível, adaptado às condições económicas, demográficas, profissionais e individuais, estabelecendo, designadamente, regimes de pré-reformas financeiramente caucionadas.

Tal consistirá, pois na implementação de medidas selectivas e temporárias, compatíveis e coerentes quer com a situação económica, quer com as necessidades de reconversão e mecanização das empresas, quer ainda com a determinação e conversão individuais.

Em primeiro lugar, é necessário que o sistema de protecção social não introduza elementos de distorção nocivos no funcionamento da economia.

Em segundo lugar, o sistema deve promover a máxima equidade possível, com a menor perda de eficiência económica, o que implicará uma flexibilização dos esquemas vigentes de segurança social.

Em terceiro lugar, o sistema deve ajudar à mobilidade nos mercados de trabalho e emprego, quer facilitando-se a passagem dos benefícios da Caixa Geral de Aposentações para o Centro Nacional de Pensões, e vice-versa, através da acumulação dos tempos de desconto em cada um deles, quer promovendo medidas que permitam a modulação das taxas para a Segurança Social e incentivo ao emprego de grupos sociais desfavorecidos, como os jovens e os deficientes.

Em quarto lugar, o sistema deve ajudar à flexibilidade nos mercados de trabalho e emprego, através da melhoria dos esquemas de protecção social no desemprego, aperfeiçoando-se o seguro de desemprego. Trata-se de gerir o binómio solidariedade-competição, possibilitando às empresas uma gestão mais adequada dos recursos humanos e o pagamento atempado das suas contribuições para a Segurança Social, por forma que esta tenha recursos para pagar a solidariedade social e profissional àqueles que transitoriamente perderam o emprego.

Finalmente, é necessário que o sistema de segurança social suporte o choque da transição económica, o que implica que a sua gestão deva ser feita de forma maleável, de maneira a acorrer às situações ou regiões mais afectadas pela recessão, idealizando-se programas específicos de acção em função das necessidades.

Para alcançar estes objectivos há que modificar profundamente os critérios e a lógica com que são afectados os recursos, ao mesmo tempo que se altera a forma como o Estado exerce a sua responsabilidade no sistema.

Uma nova filosofia de segurança social A preocupação não deve ser a de chamar ao Estado novas tutelas, mas sim a de transferir para fora dos serviços oficiais uma parte cada vez maior das responsabilidades, favorecendo, quer fiscal, quer institucionalmente, a procura e a oferta de esquemas de cobertura dos riscos colectivos fora dos regimes públicos.

A ideia é incentivar todos os regimes contratuais, isto é, aqueles em que o interessado escolhe o tipo de protecção que deseja vir a auferir, determinando igualmente a prestação pecuniária que lhe destina. Este sistema permite uma maior liberdade e responsabilização do cidadão, ao mesmo tempo que aumenta o grau de mobilidade e determinação das pessoas relativamente à cobertura dos riscos sociais que correm.

Esta filosofia, sendo nova, implica uma revisão do actual sistema de cobertura da Segurança Social, contribuindo também para a necessária libertação da sociedade civil.

Uma segurança social repensada poderá e deverá manter-se como instrumento privilegiado de solidariedade social.

Nesta óptica, o sistema de segurança social português deverá evoluir para uma cobertura tripartida, segundo a fórmula dos «três patamares»:

1.º Prestações universais (tendencialmente sujeitas a condições de recursos), sem base contributiva, de modo a assegurar a toda a população um valor mínimo («rede de segurança»);

2.º Prestações contributivas, através de um seguro social obrigatório sobre as remunerações, até um determinado limite máximo ou plafond. As prestações seriam concedidas em substituição dos rendimentos perdidos pela verificação dos riscos sociais (doença, invalidez, acidentes de trabalho, doenças profissionais, morte, viuvez e desemprego);

3.º Prestações complementares, através de esquemas de seguro voluntário (individual ou colectivo). A evolução deve ser no sentido da capitalização das pensões neste regime. A capitalização baseia-se na aplicação das receitas para investimentos em activos financeiros, que, no futuro, suportarão o pagamento das pensões. Este sistema tem ainda a vantagem de libertar poupança para investimento e de dinamizar o mercado de capitais. Conjuga, pois, o económico com o social.

Este modelo oferece três grandes vantagens: em primeiro lugar, permite a afectação de recursos mais eficiente do que o actual sistema; em segundo lugar, pode revelar-se, financeiramente, mais equilibrado, o que significa ser mais «protector» das pessoas, e, finalmente, aumenta o grau de mobilidade e determinação das pessoas relativamente à cobertura das eventualidades sociais.

Deve procurar-se sempre a evolução para o terceiro patamar, onde os cidadãos se tornam autores autónomos da própria segurança, seja como indivíduos, seja como membros de alianças sociais efectivamente solidárias.

No primeiro patamar, onde o Estado ajuda aqueles que ainda não se podem ajudar a si mesmos, deve assegurar-se uma grande qualidade de assistência, até para possibilitar que alguns desses agentes se possam promover e, assim, deixar de requerer essa segurança, menos satisfatória do ponto de vista social (porque não se baseia em solidariedades naturais) e do ponto de vista pessoal (porque o beneficiário se sente «auxiliado», ou seja, não responsável). Para permitir uma grande melhoria neste patamar há que seleccionar os benefícios e os beneficiários com o maior rigor para conceder mais benefícios verdadeiramente benéficos a menos beneficiários verdadeiramente necessitados.

Sempre que possível, o Estado deverá incentivar a livre e voluntariosa responsabilização de instituições nacionais que aliam à assistência uma função solidarizadora e congregadora, como é o caso das misericórdias e mutualidades.

Sobretudo na assistência aos idosos, aos deficientes, aos doentes crónicos e às crianças, procurar-se-á estimular as instituições existentes a especializarem-se e responsabilizarem-se, criando incentivos fiscais para as contribuições caritativas e tomando medidas para a sua autonomização.

Não é apenas no plano da Segurança Social e da saúde que se reforça a solidariedade social. Reconhecendo a diversidade de interesses dos diversos agentes e a utilidade da livre concorrência e do conflito regrado entre eles, competirá também ao Estado providenciar os mecanismos de concertação e de conciliação artificiais, mas legítimos, que sejam capazes de reparar alguma quebra no processo contratual natural.

Tudo o que separa os agentes, distinguindo-os e identificando-os, dando origem à concorrência e aos processos naturais de compromisso e pacto social, não deve constituir zona de intervenção do Estado. A solidariedade numa sociedade democrática nunca significará unanimidade. Quantos mais fortes forem os elos naturais (a identidade nacional, no sentido mais lato, de língua, cultura e património comum, a protecção da família, como célula base da sociedade, a lealdade maioritária a um sistema político capaz de respeitar e proteger o maior número possível de diferenças políticas, etc.), mais liberdade se poderá conceder à forma de criação e ao exercício de elos institucionais que prolongam os primeiros, enriquecendo-os com o confronto das diferenças.

Para incentivar a renovação da cultura política portuguesa, marcadamente estatista e negativa, em que a atitude de desprendimento (ou desprezo) em relação ao papel social do Estado está aliada a um conjunto acerrado de exigências junto do mesmo Estado, é necessário que o Estado Português se desdramatize, se modere nas suas pretensões e se descongestione administrativamente. A comunidade portuguesa tem sentido, e faz sentido que o Estado a represente, nessa zona de generalidades, mas, sociologicamente, ela está desmultiplicada numa grande quantidade de comunidades distintas, diversamente caracterizadas, localmente, profissionalmente, economicamente, etc. O Estado, sendo uno, não pode senão representar bem uma instância da comunidade - a superior, a compartilhada, a duradoura e consensual. Deve o Estado restituir às diversas comunidades as responsabilidades e os poderes que têm o direito (e a maior facilidade) de gerir, concentrando os seus esforços e recursos no que é comum a todas essas comunidades.

Quanto mais diferenciadas forem essas unidades e melhor estiverem identificadas, mais serão as cadeias de solidariedade abertas a cada cidadão - desde a família aos partidos políticos. A solidariedade social não se obtém quando um cidadão é «solidário» com os restantes cidadãos - o que é impossível. Obtém-se quando a grande maioria dos cidadãos dispõe de uma variedade de veículos próprios de solidariedade, onde se exerçam, com a máxima autonomia, os processos de contribuição e recompensa e onde se participe activamente nas decisões pontuais que vão determinando a distribuição dos recursos numa determinada cadeia natural.

O cooperativismo natural, por exemplo, não é aquele que se constitui para beneficiar o Estado - é aquele que se constitui para se beneficiar a si mesmo, muitas vezes em resposta à força de um mercado ou até à força de um Estado.

Em Portugal o conceito de solidariedade social tem sido, geralmente, entendido na sua forma mais redutora, utópica e vazia, sem atender à riqueza e à multiplicidade da sociedade portuguesa e aos estímulos e benefícios da concorrência e do conflito regrado. Daí que tenha cabido ao Estado procurar, debalde, impô-la de cima para baixo, mediante grandiosas concertações, a par de pequenos consertos e remendos. Nesta série de fracassos, descontando algum progresso na Segurança Social de primeiro grau, a autonomia das agências sociais tem sido negativamente afectada pela dependência do Estado. O Estado deve centralizar os serviços de solidariedade social que se dirigem à comunidade inteira e permitir que, na pluralidade de comunidades, se radique e fortaleça o espírito de solidariedade de acordo com as suas características próprias. Numa palavra, o Estado democrático tem de ser igualitário e primoroso no patamar da «rede de segurança», combatendo energicamente a pobreza (até por constituir o mais perigoso factor de desagregação da solidariedade social), equitativo e regulador no segundo patamar, vigiando a protecção e segurança que os cidadãos necessitam de preservar contra os riscos habituais da vida, e liberal e desinteressado no terceiro patamar, onde se exerce mais plenamente aquela autonomia que está na base da verdadeira solidariedade social.

Assim será possível colher os frutos de uma opção que, reduzindo as intervenções injustificadas do Estado, também faça crescer o sentido de responsabilidade individual, familiar e comunitário na prevenção e reparação de situações de carência social e, económica.

9 - O ordenamento do território

Portugal é um país com grandes disparidades entre o interior e o litoral, entre o Norte e o Sul, entre as duas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto e o resto do tecido urbano, etc.

O reflexo espacial de todas estas considerações revela contradições insanáveis entre objectivos por falta de uma metodologia eficaz na gestão das múltiplas utilizações do solo. Ora, optando-se por ordenar o território português, a primeira grande tarefa é estabelecer os princípios e as regras básicas desse ordenamento.

Estabelecer e fazer com que, imanente ou estimuladamente, todos adiram a eles e os façam cumprir.

Para isso os princípios têm de ser límpidos e largamente consensuais e as regras muito claras e simples, para que todos possam cumpri-las. Só assim poderão ser estáveis, condição fundamental da sua eficácia. Pouco importará o ajuste do pormenor da regra ou da lei se o seu princípio estiver correcto. Valerá bem mais a sua estabilidade, que é corolário da sua força.

A este respeito, haverá que atender, de forma muito particular, às questões de natureza institucional, designadamente à articulação entre os diversos níveis da Administração.

A realidade corrente e diferencial das diferentes parcelas do território obriga à definição de medidas de política que, sendo enquadradas nos grandes objectivos nacionais, terão de atender à especificidade dos espaços em que vão actuar. Isso obrigará ao estabelecimento de esquemas de coordenação entre as diversas políticas sectoriais, adaptando-as às realidades e objectivos das parcelas do território a que se destinam.

A análise da questão através da convencional dicotomia urbano/rural tende a esbater-se, sendo nesta perspectiva que devem ser equacionadas as acções de organização dos espaços ainda caracteristicamente rurais.

Todavia, isso não invalida o reconhecimento da especificidade dos problemas que as populações rurais enfrentam, no que respeita ao exercício das suas actividades, qualidade de vida, acesso à educação e outros bens das sociedades modernas.

Novas soluções se impõem para abrir a essas populações as vias de progresso e de bem-estar, visando a integração progressiva das formas de vida urbana e rural.

A difusão dos meios de comunicação tem contribuído para atenuar, no plano cultural, a marginalização do mundo rural. Contudo, a nível das estruturas espaciais, o processo descontrolado da urbanização vem acentuando a segregação existente.

Este processo tem, igualmente, consequências no plano produtivo: o alastramento da urbanização, nas suas múltiplas formas, tem, estruturalmente, dificultado o reordenamento rural segundo padrões tecnicamente satisfatórios.

Sobretudo nas zonas de grande concentração urbana ou de crescimento turístico vastas superfícies de boa aptidão agrícola têm sido subtraídas à produção.

Raramente tal acontece em resultado de opções fundamentadas numa identificação rigorosa de alternativas viáveis; na maior parte dos casos, é consequência da desarticulação orgânica dos sectores responsáveis. Torna-se, por conseguinte, prioritário estabelecer processos de decisão viáveis, mas desburocratizados, que permitam, a cada caso, adoptar e fazer prevalecer as soluções que optimizem, de todos os pontos de vista, o uso do solo.

A preservação do solo de elevado potencial agrícola, sendo porventura o mais importante, não é, contudo, o único objectivo a perseguir. De forma geral, a necessidade de racionalizar a utilização do solo, que constitui um recurso escasso, sublinha o relevo que o estabelecimento de uma política de gestão, envolvendo dispositivos institucionais adequados, assume neste contexto.

Há, pois, que inventariar todos esses recursos, procurando conhecê-los e demarcá-los mais perfeitamente, acelerando o cadastro e a cartografia actualizada do território, das reservas agrícola, ecológica, histórica ou paisagística, mas fazê-lo para facilitar a sua divulgação, interessando, assim, todos na sua protecção, na mira de preparar e facilitar a sua utilização social, razão, afinal, que os identifica como recursos.

A protecção do património não será entendida como uma função de «arame farpado e polícia» - a efectiva protecção há-de ser activa e mobilizadora.

Se a exploração agrícola for intensa e acompanhada eventualmente de emparcelamento agrícola que lhe acresça a rentabilidade, se o povoamento florestal for ordenado convenientemente e o proprietário proceder à limpeza das matas, se a intensa procura de recursos cinegéticos for capazmente aproveitada, se o interessado na pesca e na agricultura assegurar a exploração do que a natureza lhe oferece, cumprindo o seu papel de autêntico fiel depositário, teremos conseguido multiplicar os protectores e os sistemas de protecção dos nossos recursos da melhor forma possível, que é a sua renovada fruição.

O sistema urbano Mas, na óptica do ordenamento do território, o sistema urbano constitui um eixo fulcral de definição política.

De facto, a pujança do desenvolvimento social e económico, quer seja referido a objectivos regionais, quer nacionais encontra-se sempre associada, por um lado, ao potencial da rede urbana, entendida como um sistema, e, por outro, à efectividade e funcionalidade de cada área urbana, considerada individualmente.

Ora, como é bem conhecido, o sistema urbano português apresenta, na actualidade, desajustamentos que, de facto, representam a longa sedimentação da evolução social, económica e tecnológica da sociedade portuguesa, que se podem caracterizar, sucintamente, do seguinte modo:

Escalonamento típico de uma estrutura «primacial», apresentando uma enorme lacuna entre as principais aglomerações (Lisboa e Porto) e os centros de ordem imediatamente seguintes;

Debilidade dos centros de média dimensão e deficiente especialização da rede urbana, que se encontra densificada ao longo da faixa litoral - com existência dos maiores pólos e dispersão excessiva de lugares ao longo das vias de transporte - e rarefeita no interior;

Notório subequipamento, sobretudo em termos qualitativos, dos centros de nível intermédio (com possível excepção de Coimbra);

Economias urbanas antiquadas, predominando o terciário «banal» e ou sectores industriais tradicionais;

Diminuta diversificação das actividades produtivas e uma distribuição não uniforme das mesmas pelo território, o que contribui para uma maior fragilidade urbana e, portanto, do potencial de desenvolvimento no interior.

Se, de um ponto de vista global, não se têm registado alterações significativas de tendência nesta descrição, a nível local assinalam-se importantes modificações, potencialmente introdutoras de transformações estruturais. Assim, o reforço acentuado nos últimos anos do poder político e dos recursos financeiros dos municípios tem já produzido resultados que se projectarão no futuro: promoção de infra-estruturas e equipamentos dirigidos principalmente à satisfação de necessidades básicas das populações; aprofundamento das problemáticas locais e regionais, traduzindo-se numa mais aguda sensibilidade às questões do ordenamento e desenvolvimento; muito maior capacidade de iniciativa e participação, numa perspectiva de desenvolvimento descentralizado e auto-sustentado.

Mas o território nacional é um contínuo espaço vivencial que apresenta concentrações demasiado fortes de interesses e actividades que especulam entre si em determinados pólos e outras áreas cuja desmobilização de interesses permite a continuação da sua improdutividade total para a sociedade. Se num caso é necessário tornar transparente e aberto o confronto entre esses interesses, criando, por exemplo, «bancos» e «bolsas» de terrenos, no outro é necessário evitar que o uso passivo do direito de propriedade se sobreponha ao mobilizador direito à iniciativa, através da oneração da passividade ou do incentivo à transacção. O mercado fundiário funciona, assim, como importantíssimo instrumento do equilíbrio do uso do território e, consequentemente, do seu ordenamento, havendo, pois, que o favorecer.

Não basta, no entanto, deixar livre curso ao crescimento urbano, intervindo apenas de uma forma supletiva e descoordenada no reforço do seu equipamento. Tal prática levou à contínua expansão dos dois grandes aglomerados metropolitanos, concentrando aí perto de dois terços da nossa população urbana e, consequentemente, das actividades não directamente ligadas ao território, em detrimento das restantes cidades portuguesas, criando desequilíbrios que urge corrigir.

Impõe-se adoptar uma estratégia de reestruturação urbana que faça despertar cidades, animando equipamentos e serviços, cuja viabilidade e dinâmica exige um suporte populacional razoável. E procurar fazer convergir o esforço estatal com os impulsos espontâneos que o desenvolvimento citadino desperta e com os centros históricos que a tradição foi enobrecendo e afirmando como caracteristicamente portugueses.

O reordenamento tem, finalmente, que prevenir a segurança territorial e a qualidade estética das novas intervenções locais. Áreas que a experiência das gerações foi sempre preservando da implantação de valores construídos, por riscos de cheia ou de catástrofe sísmica, como é o caso das baixas margens do Tejo ou das falhas geológicas, deverão continuar a sê-lo, desempenhando o Estado o seu papel face à desinformação dos interessados que para aí se dirijam. Outra catástrofe menos evidente, mas porventura mais imanente, é a que todos os dias se potencia em resultado do incremento sistemático dos níveis de poluição hídrica, aérea e de alguns solos. Há, pois, que a suster e prosseguir a sua reparação.

Entre as diversas componentes do enquadramento ambiental que mais se têm deteriorado entre nós avulta a visual: constroem-se imóveis sem qualidade arquitectónica ou, mesmo tendo-a, implantam-se construções onde a boa lógica levaria a não as tolerar; autoriza-se a circulação dos veículos automóveis em todos os vasos do sistema urbano, mesmo nos capilares ou naqueles que um estilo de vida mais exigente levaria a poupar a essa agressão; colam-se cartazes de publicidade comercial ou política e fazem-se inscrições em edifícios históricos ou banais, velhos ou novos, de valor arquitectónico ou sem ele, nada distinguindo e não respeitando nem o suporte nem o passante, que se vê agredido ao ponto de se tornar insensível ao que o rodeia. E, todavia, quando, por qualquer circunstância, se vê uma paisagem não desfigurada ou uma construção não desfeiteada por qualquer daquelas formas, todos mostram o seu aprazimento, nunca se regateando elogios aos países onde se encontram definidas e se impõem normas eficazes que protegem das intrusões visuais nefastas o ambiente que nos rodeia.

Tal significa que vão existindo condições para se inverter o processo de degradação a que se tem assistido nesta matéria.

As infra-estruturas de transportes

É conhecida a insuficiência do nosso sistema de transportes e comunicações. Mas, se os recursos, sendo escassos, impõem a escolha, deve dar-se então prioridade às redes principais, às ligações entre aquelas cidades que, cobrindo todo o território, asseguram proximidade e segurança ao fruir da urbanidade. Aliás, lesar-se-á pouco o mundo rural, pois este vive pautado pelo compasso da Natureza e das estações do ano, garantida que seja a cobertura geral do território por toda essa rede integrada de estradas, caminhos de ferro, portos e aeroportos, de serviços e infra-estruturas de comunicações e transportes e a sua ligação facilitada às redes internacionais.

Procurar-se-á acelerar o programa de construção de auto-estradas e será intensificado o programa de execução dos itinerários principais e complementares, na linha do que já se fez em 1986, permitindo a ligação rápida de qualquer capital de distrito aos grandes centros urbanos da faixa atlântica e mais desenvolvida do nosso território e, por outro lado, às fronteiras terrestres e aos grandes itinerários europeus.

Mas de nenhum modo é de subalternizar a importância da rede ferroviária, no âmbito dos transportes interiores e internacionais, quer de passageiros, quer de mercadorias, dando-se prioridade a acções nas linhas do Norte, do Minho até Braga, do Douro até à Régua, do Leste, da Beira Alta e do Sado até Faro e nos nós ferroviários de Lisboa e Porto, sempre na perspectiva de que a rede ferroviária nacional carece de uma remodelação profunda da sua estrutura, eliminando o que é economicamente inviável e beneficiando e modernizando o que deve permanecer e ser convenientemente explorado.

Os elevados investimentos realizados na rede de estradas possibilitarão o estabelecimento de serviços rodoviários em qualidade e a preços capazes de substituir, com vantagem para os utilizadores e para a colectividade, a exploração do serviço público ferroviário onde os níveis de tráfego actual e potencial não justificam a sua continuação e a limitação dos recursos financeiros a tornam cada vez mais precária.

Igualmente, continuar-se-á a dar atenção ao desenvolvimento da rede de aeroportos internacionais e de aeródromos secundários, no seguimento das acções já concretizadas em 1986. Então poderá ser encarado com maior optimismo o estabelecimento de novas unidades produtivas no interior e, por essa via, poderá contemplar-se o estancamento da emigração a partir dessas zonas. Desse modo se conseguirá resolver um dos problemas maiores do desenvolvimento do País, que é o da criação de verdadeiras comunidades locais viáveis.

Distribuída a actividade produtiva ao longo do território, em consonância com a exploração dos seus recursos endógenos, e articulada com uma rede urbana que permita aos cidadãos ter acesso aos benefícios dos serviços do equipamento social, conciliar-se-á a distribuição da riqueza com a do equipamento ou, de outro modo, o nível com a qualidade de vida.

Mas o ordenamento do território também pode ser visto na perspectiva da protecção dos recursos que correm perigo, de forma a evitar que se degradem definitivamente.

São, com certeza, os parques e reservas naturais já classificados e aqueles que merecem essa classificação, mas também aqueles recursos que, porque menos acessíveis ou utilizados pelo cidadão comum ou menos patentes na sua manifestação, tendem a ser menos preservados e apreciados. É o caso das áreas cujas potencialidades de produção agrícola são manifestas e vão sendo subtraídas a essa valorização em favor de outras actividades ou das áreas onde o património florestal e cinegético ou outros ecossistemas mais característicos exigem uma intervenção que os proteja de nefastas explorações ou dos ataques a que são sujeitos, como é também o caso dos recursos hídricos e fluviais, da costa e plataforma marítima continental, especialmente nas zonas mais sensíveis, ou mesmo da nossa zona económica exclusiva. Mas há ainda um outro recurso, tão evidente que nem chega a ser visto, que importa muito particularmente ser defendido - a paisagem; tão diversa e variada a temos nós que vamos aceitando, devido a inconsciente adaptação, que aqui e ali ela se vá degradando a olhos vistos, sem percebermos que o «aqui e ali» se vai aproximando da totalidade do nosso território.

A protecção e defesa desses recursos incumbe a todos nós, mas numa sociedade organizada é aos organismos do Estado que há-de caber o papel regulador do seu uso e a sua garantia final. Ora, se tem de haver uma orientação nacional para a sua identificação e reconhecimento como património comum, tal não pode nem deve prescindir do envolvimento, desde início, dos níveis locais e regionais que lhes estão mais próximos e mais prontos a desfrutá-los e a identificar-se com eles.

Mas importa definir melhor os objectivos a perseguir.

Recuperar coisas e actividades obriga, antes de mais, a sentir a comunidade em que se integrarão esses valores. Sem a revitalização das cidades e das povoações rurais, sem se lançar uma dinâmica que transforme locais de concentração de população em sociedades em que mereça a pena viver, não é possível recuperar:

só é possível depauperar e degradar.

O esforço basilar da recuperação do ordenamento territorial passa, pois, pela dinamização das comunidades urbanas e rurais. A dinâmica das instituições locais que ajudam a exprimir e realçar as vontades latentes de ser e fazer pode ser estimulada por apoio à sua actividade, e não só ao seu equipamento, colocando, por exemplo, sob a sua responsabilidade a gestão ou conservação de equipamentos ou de valores patrimoniais, dentro de um sentido de exploração dos equipamentos públicos assente em regras fixas de captação de comparticipações e de gestão autónoma por instituições não públicas, devidamente responsabilizadas para o efeito.

O desenvolvimento regional

A política de ordenamento do território, conferindo uma base espacial ao desenvolvimento, dependerá, por um lado, da maior ou menor articulação e influência que exercer sobre as políticas sectoriais das grandes infra-estruturas e equipamentos e, por outro, da eficácia dos instrumentos específicos de planeamento urbanístico.

A conjugação do ordenamento do território com a política de desenvolvimento regional e com outras políticas horizontais, como as do ambiente e emprego, é igualmente factor decisivo para a concretização do seu objectivo principal: o de gerir de forma racional e optimizada o recurso «espaço».

Tendo presente a situação existente, podem considerar-se como objectivos instrumentais para o ordenamento do nosso território para o período de 1987-1989 os seguintes:

Reestruturar e modernizar o sistema urbano, com particular incidência na promoção do desenvolvimento de centros urbanos de média dimensão, procurando, por um lado, desenvolver uma armadura urbana capaz de sustentar as medidas de política de desenvolvimento regional que estejam ou venham a ser propostas e, por outro, promover uma correcta articulação com as políticas de transporte, de modo a garantir maior acessibilidade a todas as regiões;

Melhorar a qualidade e eficiência do meio urbano, maximizando o rendimento dos equipamentos e infra-estruturas existentes;

Remover os obstáculos ao desenvolvimento, principalmente através da melhoria dos processos administrativos de planeamento e gestão do espaço;

Procurar, através de planos de ordenamento, devidamente conjugados com as políticas de desenvolvimento regional, promover uma distribuição mais correcta e uniforme dos sectores produtivos em todo o território;

Apoiar as iniciativas de base local, numa perspectiva de descentralização, visando a materialização das potencialidades endógenas e o desenvolvimento da criatividade;

Reforçar a capacidade técnica e financeira das autarquias e promover a necessária reorientação dos investimentos para projectos bem dimensionados e de reconhecido impacte económico;

Racionalizar o uso do solo e garantir a boa gestão dos recursos naturais;

Ordenar o exercício de actividades marítimas, em especial as da pesca, em ordem a garantir um aproveitamento racional de recursos.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1987/03/18/plain-40846.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/40846.dre.pdf .

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NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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