Acórdão doutrinário
Processo 61025. Autos de recurso para tribunal pleno vindos do Tribunal da Relação do Porto. Recorrente, Hidroeléctrica do Douro. Recorrida, Câmara Municipal de Miranda do Douro.
Acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em tribunal pleno:
A Hidroeléctrica do Douro recorre para o tribunal pleno do Acórdão da Relação do Porto de 16 de Junho de 1965 alegando estar em oposição, sobre a mesma questão fundamental de direito, com o Acórdão dessa relação de 5 de Março de 1965.
Estão juntas aos autos cópias dos dois acórdãos e da sua leitura verifica-se que as aludidas decisões encontram-se em oposição sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação.
Com efeito, o problema que nos dois mencionados acórdãos se discutiu consiste em fixar a taxa aplicável no apuramento da contribuição industrial a liquidar à recorrente, para se determinar o montante da licença que a Hidroeléctrica do Douro deve pagar à Câmara Municipal de Miranda do Douro.
No acórdão recorrido decidiu-se que a taxa aplicável é de 3,5 por cento; no Acórdão de 5 de Março de 1965 decidiu-se que a taxa aplicável é de 1,17 por cento.
A oposição é evidente - cumprindo decidir o conflito de jurisprudência, em obediência ao preceituado no artigo 767.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Tudo visto:
Preceitua o § único do artigo 710.º do Código Administrativo, na redacção do artigo 1.º do Decreto-Lei 45676, de 24 de Abril de 1964, que as empresas isentas do pagamento de contribuição industrial, mas não do pagamento do imposto municipal, pagarão imposto de comércio e indústria sobre a colecta que lhes seria liquidada, segundo a lei, se não estivessem isentas.
Em assento de 12 de Maio de 1964 decidiu este Supremo Tribunal que as empresas concessionárias hidroeléctricas são passíveis de imposto de comércio e indústria.
Importa definir a taxa aplicável no apuramento da contribuição industrial que seria liquidada às empresas concessionárias hidroeléctricas, se dela não estivessem isentas, para se fixar o montante do imposto de comércio e indústria.
Nos termos do disposto no artigo 40.º do Decreto 16731, de 13 de Abril de 1929, com a redacção do artigo 1.º do Decreto 18339, de 16 de Maio de 1930, a taxa de contribuição industrial dos contribuintes do grupo B - sociedades anónimas e comanditas por acções - será de 1,17 por cento para os bancos, para as sociedades isentas do imposto de transações pela Lei 1368, de 21 de Setembro de 1922, e para aquelas cujos produtos estão sujeitos ao imposto criado pelo Decreto 17029, de 25 de Junho de 1929, e de 3,5 por cento para as outras sociedades.
A Lei 1368 criara um imposto denominado «sobre o valor das transacções», lançado sobre as pessoas, singulares ou colectivas, nacionais ou estrangeiras, que praticassem os actos de comércio definidos no artigo 2.º do Código Comercial e os actos, embora não de comércio, próprios das indústrias, profissões, artes ou ofícios cujo exercício estivesse sujeito ao pagamento da contribuição industrial (artigo 1.º, n.os 1.º e 3.º, da Lei 1368).
E pelo artigo 3.º deste diploma ficavam isentas do pagamento deste imposto as transacções efectuadas pelo Estado, pelos corpos administrativos e pelas Misericórdias, hospitais, estabelecimentos de beneficência e outros declarados de utilidade pública nos termos legais e associações de socorros mútuos fiscalizadas pelo Estado (n.º 1.º do artigo 3.º) e os actos cuja remuneração estivesse estabelecida em tarifas fixadas ou aprovadas pelo Governo ou corpos administrativos enquanto não fosse permitido acrescer a essa remuneração o custo do imposto (n.º 4.º do artigo 3.º).
Podem as concessionárias de energia eléctrica considerar-se abrangidas pelo citado n.º 1.º do artigo 1.º da Lei 1368?
As referidas empresas concessionárias não são pessoas colectivas de utilidade pública, mas sociedades comerciais com fim lucrativo. São empresas de origem e estrutura privada.
Embora as instalações da rede eléctrica nacional sejam consideradas de utilidade pública, nos termos da Lei 2002, de 26 de Dezembro de 1944 (base XIV), e Decreto-Lei 43335 (artigo 3.º), de 19 de Novembro de 1960, nenhum preceito legal considera de utilidade pública as empresas concessionárias.
O Decreto 8740, de 26 de Março de 1923, determinou, no artigo 2.º, que os actos compreendidos no artigo 1.º da Lei 1368 cuja remuneração foi estabelecida com tarifas fixadas ou aprovadas pelo Governo ou corpos administrativos posteriormente à publicação do mesmo decreto ficam sujeitos ao imposto sobre o valor das transacções.
O Decreto-Lei 32429, de 24 de Novembro de 1942, dispõe, no artigo 2.º, que é de 3,5 por cento a taxa da contribuição industrial do grupo B a aplicar ao capital tributável que for determinado às empresas singulares ou colectivas, ainda que concessionárias de serviços monopolizados, que tenham perdido a isenção do extinto imposto sobre o valor das transacções, pelo facto de se terem modificado as suas tarifas.
Este decreto-lei veio restabelecer a taxa normal de 3,5 por cento para as empresas que tivessem perdido a isenção do mencionado imposto sobre o valor das transacções, pelo facto da modificação das suas tarifas, pondo termo ao regime excepcional da taxa de 1,17 por cento de que beneficiavam as empresas isentas do citado imposto e que viram as suas tarifas de preços actualizadas.
Vem provado pelas instâncias que a constituição da sociedade recorrente é posterior ao Decreto-Lei 32429 e a respectiva tarifa foi fixada em 1954 no seu caderno de encargos, sendo actualizada em relação à que vigorava na data do Decreto 18339, que fixou a percentagem de 1,17 por cento. Sendo assim, é aplicável a taxa de 3,5 por cento.
É certo que o artigo 6.º, alínea i), da Lei 2117, de 19 de Dezembro de 1962, dispõe que no ano de 1963 será aplicável a taxa de 1,17 por cento para o cálculo da contribuição industrial em relação às sociedades sujeitas a esta contribuição, nos termos do Decreto-Lei 43335.
Mas a expressão «sociedades sujeitas a esta contribuição» não abrange a recorrente; refere-se às sociedades que ficam sujeitas a esse imposto nos termos do Decreto-Lei 43335, isto é, que, de harmonia com este diploma, não beneficiam da isenção. São as centrais térmicas que utilizem combustíveis estrangeiros.
Pelo exposto, negam provimento ao recurso, condenam nas custas a recorrente e formulam o seguinte assento:
O montante do imposto de comércio e indústria devido pelas empresas hidroeléctricas, cujas tarifas tenham sido fixadas após a vigência da Lei 1368, incide sobre a importância da contribuição industrial que seria devida se dela não estivessem isentas, calculada pela taxa de 3,5 por cento.
Lisboa, 20 de Dezembro de 1966. - Gonçalves Pereira - Torres Paulo - Ludovico da Costa - Joaquim de Melo - H. Dias Freire - Fernando Bernardes de Miranda - Francisco Soares - Adriano Vera Jardim - Lopes Cardoso - Albuquerque Rocha (vencido, pois daria provimento ao recurso) - A. J. S. Carvalho Júnior (vencido, porque a orientação contrária é a da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, do Tribunal de 2.ª Instância das Contribuições e Impostos e da Repartição de Finanças do 3.º bairro do Porto e é defendida também pelo Prof. Marcelo Caetano e pela Revista dos Tribunais, ano 83, p. 221. Se dúvidas pudesse haver impunha-se resolvê-las pela forma mais favorável à contribuinte) - Eduardo Correia Guedes [vencido pelos seguintes fundamentos: a aplicação da taxa de 3,5 por cento sobre o capital da hipotética colecta em contribuição industrial aplicável à Hidroeléctrica do Douro, apenas para o efeito de cálculo da licença de estabelecimento comercial, hoje imposto de comércio e indústria, a pagar à Câmara Municipal de Miranda do Douro (visto que de contribuição industrial está a mesma empresa isenta), só podia fundar-se em que o artigo 2.º do Decreto 32429, de 24 de Novembro de 1942, suprimira a isenção do imposto sobre o valor das transacções de que esta beneficiaria (se ainda estivesse em vigor a Lei 1368), em virtude do disposto no n.º 4.º do artigo 3.º desta lei, isenção essa que, nos termos do artigo 40.º do Decreto 17631, com a redacção do Decreto 18339, condicionava a aplicação da taxa da 1,17 por cento sobre o valor de capital para o cálculo da hipotética contribuição industrial a determinar para os efeitos referidos.
Esse artigo 2.º do Decreto 32429 é uma disposição transitória, só aplicável às empresas que na data da sua publicação tinham visto as suas tarifas aumentadas e não pode aplicar-se a uma empresa criada em 1945.
A lei que regula para casos especiais não pode aplicar-se à generalidade deles.
Como admitir que essa disposição legal determinava uma isenção de um imposto que já não existia?] - António Teixeira de Andrade (vencido pelos mesmos fundamentos) - José Cabral Ribeiro de Almeida (vencido pelas razões expostas nos votos que antecedem).
Está conforme.
Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Janeiro de 1967. - O Secretário, Joaquim Múrias de Freitas.