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Assento 4/78, de 20 de Julho

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Sumário

Processo n.º 66562. - Recurso para tribunal pleno, em que são recorrentes Adelino Moreira e mulher e o Ministério Público e recorrido o Banco Fonsecas & Burnay.

Texto do documento

Assento 4/78

Processo 66562. - Recurso para o tribunal pleno, em que são recorrentes

Adelino Moreira e mulher e o Ministério Público e recorrido o Banco Fonsecas

& Burnay.

...............................................................................

Acordam, em pleno, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça:

O Banco Fonsecas & Burnay, em acção com processo ordinário que correu seus termos na 6.ª Vara Cível de Lisboa, obteve decisão condenatória de Adelino Moreira, Auto Electro Óleos de Quintas e Sousa, Lda., Alberto Lopes da Silva e mulher, Capitolina Rodrigues da Silva, a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de 130943$00, acrescida de juros vencidos e vincendos, e despesas de protesto, como subscritores de quatro letras de câmbio, de que aquele Banco é portador, sacadas pelo primeiro réu, aceites pela segunda ré e avalizadas pelos terceiro e quarto réus.

Transitada em julgado essa decisão, o Banco autor moveu, por apenso, execução daquela sentença, mas só contra o réu Adelino Moreira, pela importância de 135749$80.

Citado o executado, não deduziu este qualquer oposição, nem nomeou bens à penhora, pelo que veio o exequente fazê-lo, indicando, para serem penhorados, dois imóveis, um urbano e outro misto, que identificou, terminando por pedir que fosse ordenada a citação do cônjuge do executado para, nos termos do n.º 2 do artigo 825.º do Código de Processo Civil, requerer, querendo, a separação de bens do casal.

O Mmo. Corregedor indeferiu liminarmente este requerimento, por não se mostrar verificada qualquer das situações que afastam a aplicação da moratória a que se refere o n.º 1 daquele artigo 825.º Esse despacho, porém, veio a ser revogado por acórdão da Relação de Lisboa, por sua vez confirmado por este Supremo Tribunal, por Acórdão de 11 de Junho de 1976, certificado a fl. 8.

É desse aresto que recorrem, para tribunal pleno, o executado e sua mulher e o digno agente do Ministério Público junto deste Tribunal, alegando estar ele em oposição, sobre a mesma questão fundamental de direito, com o Acórdão deste Supremo Tribunal de 1 de Maio de 1970 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 197, p. 349), ambos proferidos no domínio da mesma legislação.

O acórdão a fls. 27 e seguintes, conhecendo da questão preliminar de que trata o artigo 766.º do Código de Processo Civil, declarou verificado o condicionalismo legal, previsto no artigo 763.º do mesmo diploma, para o prosseguimento do recurso.

Foi este doutamente alegado, quer pelos recorrentes, quer pelo recorrido.

O ilustre representante do Ministério Público produziu o seu douto parecer a fl. 34.

O processo correu os vistos legais, estando, por isso, em condições de se conhecer do recurso.

Tudo visto:

Cumpre-nos, em primeiro lugar, de harmonia com o disposto no n.º 3 do artigo 766.º do Código de Processo Civil, reexaminar a questão de saber se existe a alegada oposição de julgados que justifique o recurso para pleno.

No acórdão recorrido, proferido em execução movida pelo portador endossado de letras de câmbio contra o sacador delas, entendeu-se que o exequente, para invocar e chamar a si o benefício que lhe proporciona o artigo 10.º do Código Comercial, de se fazer pagar pela meação do devedor nos bens comuns do casal, antes de dissolvido o casamento não tinha necessidade de provar a comercialidade substancial da dívida, visto aquelas letras terem entrado no domínio das relações mediatas.

No Acórdão de 1 de Maio de 1970, dito em oposição, proferido também em execução movida por um portador endossado contra o aceitante de uma letra, tendo o exequente requerido penhora sobre a meação do executado em bens comuns do casal e a citação da mulher do executado para requerer a separação judicial de bens, nos termos do artigo 10.º do Código Comercial, o tribunal decidiu que, para os efeitos dos artigos 825.º, n.º 2, e 1038.º, n.º 2, alínea c), ambos do Código de Processo Civil, só conta a comercialidade substancial ou material da dívida exequenda, mesmo quando o credor seja um portador mediato da letra.

Examinando estas duas decisões, é fácil constatar que em ambas se pôs uma questão fundamental de direito - a de saber se, constando as dívidas de títulos de crédito mercantil, bastaria a comercialidade formal destes para afastar a moratória a que alude o n.º 1 do artigo 825.º do Código de Processo Civil, de harmonia com o preceituado no artigo 10.º do Código Comercial, ou se seria necessário, para tal, demonstrar, mesmo no domínio das relações mediatas, a comercialidade substancial da dívida, por ser esta a natureza da relação jurídica subjacente - e que esta questão teve soluções opostas no dois arestos em confronto.

Existe, pois, conflito de jurisprudência, a que há que pôr termo.

Começaremos por observar que a expressão «dívidas comerciais», empregada pelo artigo 10.º do Código Comercial, deu, muito cedo, lugar a dúvidas de interpretação, centradas principalmente nesta dualidade de entendimentos: enquanto uns a julgavam referida tanto à comercialidade formal como à comercialidade substancial, outros sustentavam que só esta última era de ter em conta. Assim, quando a dívida derivasse da assinatura de título de crédito mercantil, a dívida seria, para os primeiros, sempre de natureza comercial, enquanto, para os segundos, essa comercialidade dependia de a relação jurídica subjacente ser um acto ou operação comercial.

Neste último sentido se manifestaram, na doutrina, Guilherme Moreira (Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, ano 5.º, p. 229), Mário de Figueiredo (Caracteres dos Títulos de Crédito, p. 119) e Alberto dos Reis (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 81.º, p. 30).

Do mesmo modo este Supremo Tribunal adoptou tal interpretação, entre outros, nos seus Acórdãos de 1 de Julho de 1941 (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 74.º, p. 216), de 18 de Abril de 1947 (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 80.º, p. 169), de 6 de Março de 1951 (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 84.º, p.

149), de 2 de Dezembro de 1966 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 162, p. 299), de 6 de Junho de 1967 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 168, p. 285) e de 1 de Maio de 1970 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 197, p. 349), tendo sido esta interpretação, aliás, firmada, quando no domínio das relações imediatas, pelo assento do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Novembro de 1964 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 141, p. 172), nessa parte ainda em vigor.

Esclarecido, assim, que, no domínio das relações imediatas, o artigo 10.º do Código Comercial se deve entender referido à comercialidade da relação jurídica subjacente, resta saber se tal regra também é aplicável quando, derivando a obrigação da assinatura de um título de crédico mercantil, este entrou em circulação.

Este é que é, propriamente, o objecto do presente recurso.

A dificuldade está, agora, grandemente simplificada.

Questão difícil e melindrosa era a primeira: a de saber se o título de crédito mercantil encorpora, ou não, sempre um acto comercial, teoria na afirmativa da qual se bateram, entre nós, alguns eminentes jurisconsultos: Barbosa de Magalhães (Revista da Ordem dos Advogados, ano 11.º, pp. 367 e seguintes), José Gabriel Pinto Coelho (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 97.º, pp. 8 e seguintes), José Gualberto de Sá Carneiro (Das Letras de Câmbio, p. 64) e Fernando Olavo (Manual de Direito Comercial, vol. I, p. 34, 1.ª ed.).

Encerrada, porém, essa questão com a publicação do assento de 27 de Novembro de 1964, o que ficou por decidir é uma dificuldade que parece basear-se num simples equívoco.

Na verdade, quando em linguagem técnico-jurídica nos referimos, relativamente a letras de câmbio, a relações mediatas ou imediatas, queremos distinguir os casos em que tais títulos, saindo do poder do tomador, entraram em circulação daqueles em que o portador é ainda um dos titulares da relação jurídica subjacente. Com essa distinção tem-se apenas em vista a responsabilidade do signatário do título e a definição da espécie de excepções que este ainda pode (relações imediatas), ou já não pode (relações mediatas), opor ao portador. Tal problema está ligado aos caracteres de literalidade, abstracção e autonomia dos títulos de crédito, por força dos quais, se o signatário, a quem se pede o pagamento, não esteve ligado ao portador na criação do título, não pode opor-lhe vícios ou causas de exoneração que daquele não constem.

Este simples enunciado mostra a inaplicabilidade desta distinção à exigência, feita ao cônjuge do executado, de consentir na imediata excussão da meação deste em bens comuns do casal. Não se trata aqui do exercício de qualquer acção cambiária, visto que o cônjuge nem sequer foi subscritor da letra, pelo que se mostra inteiramente inadequada a restrição que, nesta matéria, se vem fazendo ao carácter mediato das relações entre o portador e os subscritores do título.

Assim, a abstracção do título, a sua literalidade e a sua autonomia, caracteres tão importantes para a circulação das letras de câmbio, nada têm a ver com a invocação quer da moratória do artigo 1696.º do Código Civil, quer das excepções que o legislador entendeu abrir-lhe ao pretender equilibrar o interesse na conservação do património familiar com as exigências do comércio.

É que a faculdade reconhecida ao credor pelos preceitos que fazem excepção ao disposto no n.º 1 do artigo 1696.º do Código Civil - artigo 56.º do Código da Estrada, artigo 10.º do Código Comercial, artigo 161.º do Código das Custas e artigos 1692.º, alínea b), e 1696.º, n.º 3, do Código Civil - apresenta-se inteiramente distinta e independente da eventual forma que revistam os créditos a reclamar.

Tendo o aludido assento de 27 de Novembro de 1964 fixado, pois, a doutrina de que, no domínio das relações imediatas, se pode discutir, para os efeitos do artigo 10.º do Código Comercial, se as obrigações cambiárias têm ou não natureza substancialmente comercial, a mesma interpretação é de fazer, pelas razões expostas, quando tais títulos tiverem já entrado em circulação.

Não interfere com esta solução a nova redacção que o Decreto-Lei 363/77, de 3 de Setembro, veio dar àquele artigo 10.º do Código Comercial.

Realmente, o novo preceito não pode ser tido em conta no aspecto jurisdicional deste acórdão - em que se decide o caso concreto -, porque, na parte em que não reproduz a disposição anterior, é um preceito inovador, que rege para o futuro, sendo inaplicável à disciplina de relações jurídicas já findas; e não influencia o aspecto normativo desta decisão - em que se resolve o conflito de jurisprudência -, porque nem a anterior redacção do artigo nem a actual se referem ao ponto concreto agora apreciado e decidido.

Pelos fundamentos expostos, concede-se provimento ao recurso, para o efeito de ficar subsistindo nos autos o despacho da 1.ª instância, e, para resolução do conflito de jurisprudência, lavra-se o seguinte assento:

Nas execuções fundadas em títulos de crédito, o pagamento das dívidas comerciais, de qualquer dos cônjuges, que tiver que ser feito pela meação do devedor nos bens comuns do casal, só está livre da moratória estabelecida no n.º 1 do artigo 1696.º do Código Civil, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Código Comercial, mesmo no domínio das relações mediatas, se estiver provada a comercialidade substancial da dívida exequenda.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 13 de Abril de 1978. - Rodrigues Bastos - Costa Soares - Alberto Alves Pinto - Octávio Dias Garcia - João Moura (vencido. Entendi que o portador mediato de letras de câmbio, que obteve sentença condenatória dos respectivos montantes contra o devedor casado, pode na subsequente execução fazer penhorar bens comuns do casal, mesmo que o outro cônjuge não tivesse intervindo por qualquer forma na respectiva acção declarativa. Isto porque o Decreto-Lei 363/77, de 2 de Setembro, que tem de aplicar-se à hipótese em causa, pois não há qualquer situação definida que afaste tal aplicação, preceitua que pode ser exigido de qualquer dos cônjuges o cumprimento de uma obrigação emergente de acto de comércio, ainda que este o seja apenas em relação a uma das partes e afastando textualmente a moratória do n.º 1 do artigo 1696.º do Código Civil.

Ora, a letra é acto de comércio por especialmente regulada na lei comercial; a interpretação dada pelo Acórdão de 27 de Novembro de 1964 foi afastada pelo mencionado decreto, como consta do relatório, e o desconto bancário que o título incorpora é acto comercial, pelo menos em relação ao Banco. Além de tudo, face ao artigo 17.º da L. U., ao portador mediato não pode ser aposta a natureza não substancial da dívida incorporada no título) - Daniel Ferreira (vencido. Votei no sentido da prevalência da doutrina do acórdão recorrido, que subscrevi como relator). - Tem voto de conformidade dos Exmos. Conselheiros Abel de Campos, Santos Vítor, Eduardo Botelho de Sousa, Avelino da Costa Ferreira, Hernâni de Lencastre, Aquilino Ribeiro, Amândio Cruz, Acácio de Carvalho, José Montenegro e José Garcia da Fonseca, que não assinam por não se encontrarem presentes, tendo os dois últimos destes deixado de pertencer a este Tribunal. Tem voto de vencido dos Exmos.

Conselheiros Bruto da Costa, Artur Moreira da Fonseca, António Viana Correia Guedes, Rui de Matos Corte Real e Adriano Vera Jardim, que não assinam por não estarem presentes.

Está conforme.

Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Maio de 1978. - O Escrivão da 2.ª Secção, Hernâni Cardita.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1978/07/20/plain-214162.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/214162.dre.pdf .

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