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Acórdão 563/96, de 16 de Maio

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Sumário

Não declara a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 295/73, de 9 de Junho; declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante da alínea a) do n.º 7 da Portaria n.º 162/76, de 24 de Março, relativamente aos deficientes das Forças Armadas (Processo n.º 198/93).

Texto do documento

Acórdão 563/96 - Processo 198/93

Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:

I

1 - O Provedor de Justiça requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos artigos 281.º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 51.º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas no artigo 4.º do Decreto-Lei 295/73, de 9 de Junho, e no n.º 7, alínea a), da Portaria 162/76, de 24 de Março, por entender que ambas ofendem o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP.

Para esse efeito, desenvolve a entidade requerente fundamentação, que sintetiza nas seguintes conclusões:

a) As normas cuja fiscalização de constitucionalidade se requer impedem que as vantagens garantidas aos beneficiários de revisão do processo de avaliação e qualificação como deficiente das Forças Armadas (artigo 18.º, n.º 2, do Decreto-Lei 43/76, de 20 de Janeiro) se comuniquem a todos quantos não precisarem de tal revisão por já terem sido como tal considerados, ao abrigo de legislação anterior a 1976;

b) Produzem uma cisão dentro de um conjunto com as mesmas características (portadores de deficiências resultantes das campanhas militares em África no período de 1961-1974, todos eles militares), porquanto, admitido que foi a uns o reingresso no activo [alínea e) do n.º 8 da Portaria 162/76, de 24 de Março], em momento oportuno (Portaria 114/79, de 12 de Março), bem como a reconstituição das respectivas carreiras (cf. Portaria 94/76, de 24 de Fevereiro) antes da passagem à reforma extraordinária/pensão de invalidez [alínea a) do n.º 6 da Portaria 162/76], a outros é mantida a inalterabilidade das pensões (artigo 4.º do Decreto-Lei 295/73, de 9 de Junho) e é vedado o reingresso no activo [alínea a) do n.º 7 da Portaria 162/76, citada];

c) Colidem, por isso, com o princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP), tanto na sua vertente da proibição do arbítrio, como na da proibição do tratamento discriminatório;

d) Não possuem, por outro lado, qualquer fundamento constitucionalmente relevante que sirva de suporte objectivo à desigualdade apontada;

e) Ainda que, por mera hipótese, se verificasse existir tal fundamento, sempre estariam em colisão com o princípio da proporcionalidade, consagrado enquanto corolário da primeira parte do artigo 2.º do texto constitucional.

2 - Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei 28/82, o Primeiro-Ministro veio pronunciar-se, concluindo do seguinte modo:

a) As normas em referência, em conjugação com a restante legislação aplicável aos deficientes das Forças Armadas, estabelecem uma diferença de tratamento entre dois grupos de militares;

b) A diferença de tratamento estabelecida consiste na outorga a alguns de uma faculdade de reingresso no activo e consequente reconstituição da carreira, sem limitações de ordem temporal, enquanto aos restantes se esgotou, no prazo de um ano, a possibilidade de idêntico reingresso;

c) A opção pela reforma extraordinária posterior ao reingresso pode traduzir-se em benefícios ao nível do montante das pensões;

d) A existência de regimes distintos não só não viola o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado como responde a uma exigência da dimensão substancial deste princípio;

e) Com efeito, trata-se da reparação de situações de injustiça resultantes do não reconhecimento, até 1976, da situação de deficientes das Forças Armadas a um grupo de militares incapacitados durante o período da guerra colonial (1961-1974);

f) Nesta perspectiva, atenta a gravidade de tais injustiças, de modo algum pode ter-se como desproporcionada a diferença de regimes estabelecida;

g) Ainda que alguma dúvida surgisse a este respeito, não deveria ser declarada a inconstitucionalidade das normas em análise, já que se deve atender à presunção de racionalidade da legislação ordinária, ilidível apenas em casos de flagrante incompatibilidade com o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP).

Cumpre apreciar e decidir.

II

1 - Pretende-se a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos seguintes preceitos:

Artigo 4.º do Decreto-Lei 295/73, de 9 de Junho:

«A atribuição da graduação não confere ao militar direito a qualquer alteração na pensão de reforma calculada e estabelecida na data da mudança de situação.» N.º 7, alínea a), da Portaria 162/76, de 24 de Março:

«Aos DFA (deficientes das Forças Armadas) nas situações de reforma extraordinária ou de beneficiários de pensão de invalidez que já puderam usufruir do direito de opção nos termos da legislação então em vigor não é reconhecido o direito de poderem optar pelo ingresso no serviço activo.» Sendo este o objecto do pedido, fundamentado na violação do princípio da igualdade e, subsidiariamente, na do princípio da proporcionalidade, nos termos esquematicamente já registados, impõe a sua correcta intelegibilidade que se proceda, de imediato, à alusão do enquadramento legal em que aquelas normas se inserem.

2.1 - Até à entrada em vigor do Decreto-Lei 44 995, de 24 de Abril de 1963, eram afastados do serviço activo os militares dos quadros permanentes das Forças Armadas que, em consequência de ferimentos ou acidentes ocorridos em serviço, mesmo em casos de serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública, ficavam diminuídos na sua capacidade física.

Reconheceu-se, porém, que a plena validez física era dispensável no desempenho de alguns cargos da competência dos militares no activo, sendo certo que o afastamento da carreira das armas imposto aos militares que sofreram diminuição da capacidade física com manutenção de validez suficiente para continuarem a desempenhar utilmente funções para as quais foram preparados e dedicaram a sua vida constituía procedimento não coadunável com o «reconhecimento que a Nação» lhes deve.

O legislador de 1963 entendeu, a essa luz, que o aproveitamento da capacidade e da actividade dos militares em condições para o desempenho desse serviço beneficiaria não só o Estado como, material e moralmente, os próprios e, por conseguinte, dispôs, no corpo do artigo 1.º daquele diploma, que os militares dos quadros permanentes das Forças Armadas mutilados em consequência de ferimentos ou acidentes produzidos em serviço de campanha ou de manutenção de ordem pública ou em serviço directamente relacionado podem, se assim o desejarem, continuar no serviço activo, ainda que a sua capacidade física apenas lhes permita o desempenho em cargos ou funções que dispensem plena validez (o respectivo § 1.º, por sua vez, diz-nos o que são mutilados, para os efeitos do diploma, e o § 2.º exclui do âmbito do corpo do artigo certas situações relacionadas, de um modo geral, com ferimentos e acidentes intencionalmente provocados).

De acordo com o artigo 2.º, os militares em questão são presentes a uma junta médica, que julgará da aptidão para todo o serviço activo ou apenas para os cargos que dispensem plena validez.

A regulamentação das medidas constantes no diploma veio a ser feita na Portaria 21 776, do Ministério do Exército, de 7 de Janeiro de 1966 (publicada no Diário do Governo, n.º 5, da mesma data), aí se definindo, nomeadamente, os militares considerados abrangidos pela providência legal em causa e o regime da sua sujeição às JHI (juntas hospitalares de inspecção).

Pouco depois, o Decreto-Lei 45 684, de 27 de Abril de 1964, revelando idêntica preocupação - considera-se preambularmente a necessidade de assegurar aos que se inferiorizam ao serviço da Pátria as condições indispensáveis à sua subsistência -, reconhece terem direito à reforma extraordinária os militares que nesta qualidade são subscritores da Caixa Geral de Aposentações e que se tornem inábeis para o serviço por algumas das causas enumeradas no seu artigo 1.º (concretizadas mais claramente pela Portaria 127/72, de 6 de Março), estabelecendo o artigo 3.º os critérios de fixação da pensão de reforma extraordinária e a fórmula do respectivo cálculo, tendo em conta o posto no activo (o último posto no activo, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei 45 684 e, posteriormente, do n.º 1 do artigo 121.º do Estatuto da Aposentação - Decreto-Lei 498/72, de 9 de Dezembro), pensão que é de invalidez para os militares não subscritores daquela Caixa (cf.

o n.º 1 do artigo 127.º deste Estatuto).

2.2 - O Decreto-Lei 210/73, de 9 de Maio, invocando o reconhecimento que «a Nação deve àqueles que, no cumprimento dos seus deveres militares, se sacrificaram por ela», o qual exige se torne extensivo à generalidade dos militares o regime criado pelo texto legal de 1963, vem alargar o universo dos destinatários desse regime, de modo a abranger todos os militares do quadro permanente e do quadro de complemento do Exército e pessoal militar não permanente da Armada e da Força Aérea que se tornem deficientes em consequência de acidentes ou doenças resultantes de serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública ou da prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública (cf. o respectivo preâmbulo e o n.º 1 do artigo 1.º), aos quais se concede poderem continuar na situação de activo ou optar pela passagem à situação de reforma extraordinária.

Mantém-se a possibilidade de opção pela reforma extraordinária (ou pensão de invalidez), enunciam-se de novo as circunstâncias fácticas que originam acidentes ou doenças resultantes do serviço de campanha, para os efeitos do diploma, e revogam-se, entre outros, o Decreto-Lei 44 995 e a Portaria 127/72 (artigo 18.º).

De acordo com o n.º 1 do seu artigo 15.º, os militares que, pelos motivos indicados no artigo 1.º, já se encontrem na situação de reforma extraordinária ou fruindo pensão de invalidez podem voltar à situação de activo desde que o requeiram no prazo de um ano a contar do início da vigência deste diploma (preceitua, por sua vez, o n.º 2 que os vencimentos e demais abonos a que vierem a ter direito são devidos somente a partir da data que coloca esses militares na situação de activo, acrescentando o n.º 3 que os militares que regressem a essa situação serão colocados no posto e no lugar que lhes competiria se não tivesse havido interrupção de serviço).

Pouco depois, o Decreto-Lei 295/73, de 9 de Junho, passou a contemplar o problema das graduações dos militares dos quadros permanentes na situação de reforma extraordinária por alguma das causas indicadas no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei 210/73, determinando-lhes a graduação no posto a que teriam ascendido se não tivessem mudado de situação (artigo 1.º), logo a seguir se prescrevendo, no entanto, não conferir a atribuição da graduação ao militar direito a qualquer alteração na pensão de reforma, calculada e estabelecida na data da mudança de situação. É a norma do artigo 4.º, ora sob sindicância, e que permanece em vigor, como veremos a seguir.

2.3 - Os textos legais referenciados aproveitam aos militares vítimas dos eventos que os deficientaram, desde que ocorridos posteriormente a 1 de Janeiro de 1961 (Decreto-Lei 44 995, artigo 8.º; Decreto-Lei 45 684, artigo 9.; Decreto-Lei 210/73, artigo 17.º).

A eclosão da guerra colonial e o subsequente aumento de acidentes ou doenças em serviço de campanha ou de manutenção de ordem pública constituíram a (não confessada) occasio legis da descrita actividade legislativa, desperto o legislador para a necessidade de exprimir reconhecimento aos que se sacrificaram em cumprimento dos seus deveres militares e, mormente, para uma desejável perspectiva de reintegração desses militares no meio social, permitindo que continuassem em serviço os que sofreram diminuição de capacidade física em consequência de acidentes ou doenças resultantes do serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública ou da prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública, desde que possível o desempenho desse serviço.

O Decreto-Lei 43/76, de 20 de Fevereiro, surgido no período subsequente à rotura institucional de 25 de Abril, cessada já a chamada «guerra colonial», visou propósitos mais vastos ao instituir um regime de reabilitação e assistência «aos cidadãos portugueses que, sacrificando-se pela Pátria, se deficientaram ou se deficientem no cumprimento do serviço militar» (do n.º 1 do artigo 1.º), não apenas no serviço de campanha ou situações equiparadas, mas também no exercício de quaisquer funções e deveres militares em condições de que resulte «risco agravado equiparável» ao definido naquelas situações (o diploma foi objecto de várias rectificações: cf. declarações publicadas no Diário do Governo, de 13 de Fevereiro e de 16 de Março, e no Diário da República, de 26 de Junho, todos na 1.ª série de 1976).

Pretendeu-se, em vésperas de vigência de um novo texto constitucional onde o Estado se obrigaria a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos deficientes - cf. o n.º 2 do artigo 71.º da Constituição de 1976 -, afastar o regime instituído pelos anteriores diplomas, que, designadamente, criara injustiças aos que se deficientaram nas campanhas pós-1961 - como se lê do preâmbulo respectivo -, com desrespeito do «princípio de actualização de pensões e outros abonos, o que provocou, no seu conjunto, situações económicas e sociais lamentáveis».

E, na verdade, o novo texto alarga o conceito de deficiente das Forças Armadas - artigo 1.º - e reequaciona o direito de opção pela continuação no serviço activo, previsto no Decreto-Lei 210/73, direito esse que se manteve - cf. artigo 7.º (o preâmbulo refere-se expressamente à manutenção desse direito «ainda e enquanto houver DFA cujas datas de início de acidente sejam relacionadas com as campanhas do ultramar pós-1961, a fim de contemplar todos esses casos do mesmo modo, como é justo»).

Ainda de acordo com o n.º 1 do seu artigo 18.º, consideram-se automaticamente deficientes das Forças Armadas:

a) Os inválidos da 1.ª Guerra Mundial, de 1914-1918, e das campanhas ultramarinas anteriores;

b) Os militares no activo que foram contemplados pelo Decreto-Lei 44 995, de 24 de Abril de 1963, e que pelo n.º 18 da Portaria 619/73, de 12 de Setembro, foram considerados abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei 210/73, de 9 de Maio;

c) Os considerados deficientes ao abrigo do disposto no Decreto-Lei 210/73, de 9 de Maio.

Pelo n.º 2 do mesmo artigo 18.º, aplica-se o diploma aos «cidadãos que, nos termos e pelas causas constantes do n.º 2 do artigo 1.º, venham a ser reconhecidos DFA após revisão do processo», o mesmo sucedendo, por via do n.º 3, aos «militares que venham a contrair deficiência em data ulterior à publicação deste decreto-lei e forem considerados DFA».

O artigo 20.º - cf. a rectificação publicada em 13 de Fevereiro - prescrevia, originariamente, que «todos os direitos, regalias e deveres dos DFA ficam definidos no presente decreto-lei, com expressa revogação do Decreto-Lei 210/73, de 9 de Maio, excepto nos seus artigos 1.º e 7.º», mas logo a rectificação publicada em 16 de Março veio aditar ao eixo sinalagmático «presente decreto-lei» esse outro «e no Decreto-Lei 295/73, de 9 de Junho», redacção que se mantém.

A produção de efeitos foi, por sua vez, reportada a 1 de Setembro de 1975, «data a partir da qual terão eficácia os direitos que reconhece aos DFA» (artigo 21.º do texto rectificado).

A Portaria 94/76, de 24 de Fevereiro, disciplina o regime do serviço activo que dispense plena validez, constante do seu n.º 9:

«Os militares que optarem pela continuação na situação do activo em regime que dispense plena validez podem, mediante declaração, no prazo de um ano, passar à situação de reforma extraordinária se dos quadros permanentes, ou pensão de invalidez, se dos quadros de complemento ou não permanentes, sendo-lhes atribuída a pensão correspondente ao posto em que nessa data se encontrem promovidos ou graduados.» Por seu lado, a Portaria 162/76, de 24 de Março, teve por objectivo regulamentar situações transitórias resultantes da entrada em vigor do Decreto-Lei 43/76, nela se inserindo a segunda das normas postas em crise pelo Provedor de Justiça.

A portaria em causa debruça-se, nuclearmente, sobre a «revisão do processo» prevista no n.º 2 do artigo 18.º do decreto-lei, querendo significar com tal expressão a «elaboração, reabertura, revisão ou simples consulta dos processos, conduzida de forma a pôr em evidência a percentagem de incapacidade do requerente ou a sua inexistência e as circunstâncias em que foi contraída a deficiência, tendo em vista a aplicação da definição de deficiente das Forças Armadas (DFA) constante nos artigos 1.º e 2. ºdo Decreto-Lei 43/76, de 20 de Janeiro», como nos diz o seu n.º 1.

A revisão do processo, adianta-nos o n.º 3, efectua-se a pedido do interessado, mediante requerimento, que entrará na repartição competente no prazo que, na redacção inicial, se fixou em 180 dias contados a partir da data da publicação da portaria, mas que foi sendo sucessivamente prorrogado (Portarias n.º 603/76, de 14 de Outubro, e 197/77, de 12 de Abril), até que a Portaria 114/79, de 12 de Março, veio eliminar definitivamente a exigência de prazo.

Esta Portaria 162/76 pressupõe, na verdade, a existência de dois grupos diferenciados de destinatários: os que já eram considerados deficientes das Forças Armadas anteriormente ao Decreto-Lei 43/76 e os que, não o sendo, requereram a revisão dos seus processos individuais para apreciação das suas situações pela nova definição de deficiente das Forças Armadas constante do artigo 1.º e complementado pelo artigo 2.º do citado Decreto-Lei 43/76.

Aos primeiros, «encontrando-se nas situações de reforma extraordinária ou de beneficiários de pensão de invalidez, que já puderam usufruir do direito de opção nos termos da legislação então em vigor, não é reconhecido o direito de poderem optar pelo ingresso no serviço activo», diz-nos a alínea a) do n.º 7 da Portaria 162/76.

Aos segundos - todos os que não se encontram naquela situação ou a ela equiparados -, a alínea a) do n.º 8 permite-lhes, verificado um certo condicionalismo, optarem pelo serviço activo após a revisão do processo, podendo pedir o trânsito para a situação de reforma extraordinária ou de beneficiários de pensão de invalidez, consoante pertençam aos quadros permanentes ou aos quadros complementares ou similares [alínea c) do n.º 8], indo, nos termos da alínea e) do mesmo número, «recuperar o posto e a antiguidade a que teriam ascendido se não tivessem estado desligados do serviço activo».

2.4 - Na tese do Provedor de Justiça, a manutenção da norma contida no artigo 4.º do Decreto-Lei 295/73 e a superveniência da norma da alínea a) do n.º 7 da Portaria 162/76 constituem uma «dupla barreira à comunicabilidade dos benefícios» de que são destinatários os novos deficientes das Forças Armadas, passível de censura jurídico-constitucional.

Na esteira de anterior legislação, aos militares abrangidos pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 210/73 foi permitido manterem-se na situação de activo ou optarem pela passagem à situação de reforma extraordinária (n.º 1 do artigo 1.º), podendo aqueles que já se encontravam nessa situação ou a fruir pensão de invalidez voltar à situação de activo desde que o requeressem no prazo de um ano a contar do início da vigência do diploma, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º (na realidade, «na parte respeitante ao Ministério do Exército», a Portaria 619/73, de 12 de Setembro, veio fixar o dies a quo a contar do início da sua vigência, de acordo com o seu n.º 2).

Pelo artigo 1.º do Decreto-Lei 295/73, aos militares (dos quadros permanentes) na situação de reforma extraordinária por alguma das causas indicadas no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei 210/73 foi atribuída a graduação no posto a que teriam ascendido se não tivessem mudado de situação.

No entanto, a atribuição de graduação não confere ao militar direito a qualquer alteração na pensão de reforma, calculada e estabelecida na data da mudança de situação (artigo 4.º do Decreto-Lei 295/73).

Ou seja, trata-se de uma graduação meramente «honorífica»: os deficientes entre 1961 e 1973, a quem se concedeu, por sua opção, reforma extraordinária, como prova do «reconhecimento da Nação», foram graduados nos seus quadros ou classes como se não tivessem optado pela reforma, sem, no entanto, beneficiarem das respectivas diferenças remuneratórias.

Esta diferenciação manteve-se, não obstante o início da vigência do Decreto-Lei 43/76 e do espírito que o informou: uma norma como a da alínea a) do n.º 7 da Portaria 162/76 veio impedir a verificação plena dos efeitos que normalmente decorreriam do exercício do direito de opção previsto no novo diploma.

2.5 - A possibilidade de ser alterado o montante das respectivas pensões aos beneficiários das pensões de reforma atribuídas como deficientes das Forças Armadas ficou a depender, na tese do Provedor de Justiça, de a qualificação de deficientes das Forças Armadas ser reconhecida anteriormente à vigência do Decreto-Lei 43/76 ou em data posterior, em sede de revisão, o que significa a introdução de um elemento de mera natureza temporal no tratamento a conceder a um corpo homogéneo de destinatários, de tal modo que um dos grupos assim constituído passou a ser negativamente discriminado, barrando-se-lhe a via do acesso aos benefícios resultantes do novo regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, deste modo se criando tratamentos desiguais, que, em sua óptica, são injustificados e desproporcionados.

Para a entidade requerente esta dualidade de regimes ofende o princípio da igualdade, seja porque consubstancia arbítrio legislativo, pois que ditada sem justificação constitucionalmente válida, seja pela adopção de procedimento ilegitimamente discriminatório.

Para o Primeiro-Ministro, no entanto - como resulta da resposta oportunamente apresentada -, a diferenciação de regimes, que reconhece, não é tida como precipitação de complexos normativos globalmente diferentes, antes a considerando decorrente de «soluções diferenciadas quanto ao aspecto particular da faculdade de reingresso ao activo e inerente possibilidade de reconstituição da carreira, com consequências ao nível dos montantes das pensões de reforma auferidas».

A situação de desigualdade não reside na atribuição a certo grupo de militares de um direito que a outros é negado, mas tão-só no distinto âmbito temporal dentro do qual esse direito pode ser exercido, o que, a seu ver, não se recorta como constitucionalmente censurável, uma vez que a iniciativa do legislador de 1976 procurou compensar ou reparar uma injustiça - recusa de qualificação como deficiente antes da entrada em vigor do Decreto-Lei 43/76 -, desse modo justificando a diferença, não desproporcionada ao fim em vista.

No entanto, para o caso de assim se não entender, o Primeiro-Ministro remata as suas considerações com a invocação da presunção de racionalidade da legislação ordinária, no âmbito da margem de liberdade do legislador e do primado da conformação legal que se lhe reconhece, presunção ilidível apenas em casos de «flagrante incompatibilidade com o princípio da igualdade».

Chegados a este ponto, importa abordar a temática da igualdade para, em momento posterior, cuidar da conformidade constitucional das normas objecto do pedido.

III

1.1 - O princípio da igualdade do cidadão perante a lei é acolhido pelo artigo 13.º da CRP, que, no seu n.º 1, dispõe, genericamente, terem todos os cidadãos a mesma dignidade social, sendo iguais perante a lei, especificando o n.º 2, por sua vez, que «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social».

Princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global (cf., neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p.

125), o princípio da igualdade vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legisla-tiva, administrativa ou jurisdicional (cf. ob. cit., p. 129), o que resulta, por um lado, da sua consagração como direito fundamental dos cidadãos e, por outro lado, da «atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (artigo 18.º, n.º 1, da Constituição)» (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 186/90, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 12 de Setembro de 1990).

Muito trabalhado, jurisprudencial e doutrinariamente, o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais) - cf., entre tantos outros, e além do já citado Acórdão 186/90, os Acórdãos n.º 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, 1. série, de 3 de Março de 1988, e 2.ª série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de 1993, 6 de Outubro do mesmo ano e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respectivamente.

1.2 - O princípio não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, «razoável, racional e objectivamente fundadas», sob pena de, assim não sucedendo, «estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes», no ponderar do citado Acórdão 335/94.

Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada (o que importa é que não se discrimine para discriminar, diz-nos J. C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, p. 299).

Perfila-se, deste modo, o princípio da igualdade como «princípio negativo de controlo» ao limite externo de conformação da iniciativa do legislador - cf.

Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 127, e, por exemplo, os Acórdãos n.º 157/88, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 26 de Julho de 1988, e os já citados n.º 330/93 e 335/94 - sem que lhe retire, no entanto, a plasticidade necessária para, em confronto com dois (ou mais) grupos de destinatários da norma, avalizar diferenças justificativas de tratamento jurídico diverso, na comparação das concretas situações fácticas e jurídicas postadas face a um determinado referencial (tertium comparationis). A diferença pode, na verdade, justificar o tratamento desigual, eliminado o arbítrio (cf., a este propósito, Gomes Canotilho, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, p. 327; Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1989, p. 425, e o Acórdão 330/93).

Ora, o princípio da igualdade não funciona apenas na vertente formal e redutora da igualdade perante a lei; implica, do mesmo passo, a aplicação igual de direito igual (cf. Gomes Canotilho, Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra, 1982, p. 381; Alves Correia, ob. cit., p. 402), o que pressupõe averiguação e valoração casuísticas da «diferença», de modo que recebam tratamento semelhante os que se encontrem em situações semelhantes e diferenciado os que se achem em situações legitimadoras da diferenciação.

O n.º 2 do artigo 13.º da CRP enumera uma série de factores que não justificam tratamento discriminatório e assim actuam como que presuntivamente - presunção de diferenciação normativa envolvendo violação do princípio da igualdade -, mas que são enunciados a título meramente exemplicativo: cf., v. g., os Acórdãos n.º 203/86 e 191/88, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 26 de Agosto de 1986, e 1.ª série, de 6 de Outubro de 1988, respectivamente, na esteira do parecer 1/86 da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 1.º, pp. 5 e segs., maxime p. 11. A intenção discriminatória em situações como a presente, não expressamente aludida naquele catálogo, não opera, porém, automaticamente, tornando-se necessário integrar a aferição jurídico-constitucional da diferença nos parâmetros finalístico, de razoabilidade e de adequação pressupostos pelo princípio da igualdade.

Importa, a esta luz, decidir se a normação em causa é materialmente fundada ou, pelo contrário, se se mostra inadequada, desproporcionada e, no fim de contas, arbitrária.

2.1.1 - O Decreto-Lei 43/76 - relembre-se surge teleologicamente orientado para pôr termo a um regime legal que cuidava dos cidadãos portugueses deficientados no cumprimento do serviço militar, mas que, no entanto, proporcionava situações de injustiça tidas por contrariarem, nomeadamente, o princípio de actualização de pensões e outros abonos.

Na sequência do objectivo que o informou, o diploma pretendeu atingir um universo de destinatários com a amplitude que o seu artigo 18.º lhe concedeu:

vasta e indiferenciadamente - também já se consignou -, o novo texto legal propôs-se aplicar o princípio de actualização de todas as pensões e abonos devidos aos deficientes das Forças Armadas «sempre que houver alteração de vencimentos e outros abonos do activo», alargou o regime jurídico do deficiente das Forças Armadas,atribuiu novos direitos e regalias sociais e económicas, tornou possível para todos os deficientes das Forças Armadas o direito à opção entre o serviço activo que dispense plena validez e as pensões de reforma extraordinária ou de invalidez.

Ou seja, o diploma de 1976 tem uma vocação universalista, extensível, na sua vertente benefícios/regalias, a todos os que no cumprimento dos deveres militares se deficientaram, tendo havido o cuidado de manter o estabelecido no Decreto-Lei 210/73 sobre o direito de opção pelo serviço activo, ainda e enquanto houver deficientes das Forças Armadas cujas datas de início de acidente sejam relacionadas com as campanhas do ultramar pós-1961, «a fim de contemplar todos esses casos do mesmo modo, como é justo» (do preâmbulo).

No entanto, a contenção na diferenciação que o texto revela e que se pretendeu consagrar, tomando a situação de deficiente das Forças Armadas como denominador comum, não foi tão longe que não se possa dizer que nem todos quantos se deficientaram, e fariam parte, em princípio, desse universo, beneficiam do respectivo regime, mercê das normas sindicadas, ou, pelo menos, de alguma delas.

É o que se depreende claramente do artigo 20.º, após as rectificações a que foi sujeito:

«Todos os direitos, regalias e deveres dos deficientes das Forças Armadas ficam definidos no presente decreto-lei e no Decreto-Lei 295/73, de 9 de Junho, com expressa revogação do Decreto-Lei 210/73, de 9 de Maio, excepto os seus artigos 1.º e 7.º» O que, no fundo, significa manterem-se as «opções de 1973» a par das «opções de 1976» (se assim podemos dizer: as primeiras, geradas em contexto de guerra, a exercerem-se em dado prazo e a darem lugar a uma pensão calculada com base no posto que o militar detinha no momento em que se deficientou, não sendo a graduação posterior mais que honorífica, as segundas, com efeitos reportados a 1 de Setembro de 1975, criadas em diferente contexto histórico como expressão de um reconhecimento nacional, de exercício temporal incondicionado, proporcionando reconstituição integral da carreira, com pensão correspondente (cuidando o legislador de preservar a lógica do novo regime, como ilustra, por exemplo, a alteração ao artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei 43/76, introduzida pelo artigo 2.ºdo Decreto-Lei 203/87, de 16 de Maio).

Situação que a norma sindicanda da Portaria 162/76 fixou.

Ou seja, não obstante se ter visado, com o diploma de 1976, concretizar «um modo de compensar ou reparar uma injustiça» a todos (deficientes) tocante, não se deixou de afastar da plenitude do novo regime parte desse todo, mais propriamente os militares que, qualificados como deficientes das Forças Armadas na vigência do regime anterior, mais exigente, optaram pela passagem à situação de reforma extraordinária, nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei 210/73.

O que, na verdade, proporciona a questão equacionada pelo Provedor de Justiça em sede de controlo do princípio da igualdade.

2.1.2 - Atente-se na inequívoca formação de dois grupos:

Aos militares que se encontravam na situação de reforma extraordinária à data do início da vigência do Decreto-Lei 43/76, por terem sido reconhecidos como deficientes em face do nexo causal diminuição física-campanha e terem, então, exercido o direito de opção, não foi aplicado o novo regime, por força do n.º 7, alínea a), da Portaria 162/76;

Aos militares que a essa data se encontravam na situação de reserva, reforma não extraordinária, passagem ao quadro de complemento ou na disponibilidade, por a junta hospitalar de inspecção não ter reconhecido aquele nexo causal, foi dado o direito de pedirem a revisão do processo e, por essa via, beneficiarem do regime alargado de direitos e regalias previsto na nova legislação de 1976.

Para melhor ilustrar a diferenciação criada, figure-se a hipótese de dois oficiais da mesma patente, com idêntica antiguidade, vítimas de acidente em condições semelhantes:

a) O oficial A, apresentado à junta hospitalar militar, foi reconhecido como deficiente em razão do acidente ocorrido em campanha, em condições de poder continuar na situação do activo ou de optar pela passagem à situação de reforma extraordinária.

Optou por esta última e a sua pensão foi calculada de acordo com o vencimento que na altura auferia (artigos 3.º do Decreto-Lei 45 684 e 121.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação).

Após o Decreto-Lei 295/73, foi graduado no posto a que teria ascendido se não tivesse mudado de situação - por hipótese, o de coronel - (artigo 1.º), mas não beneficiou de qualquer aumento na pensão, mercê do artigo 4.º deste diploma, nem lhe foi permitido o reingresso no activo nos termos do Decreto-Lei 43/76, mercê da alínea a) do n.º 7 da Portaria 162/76.

b) O oficial B, apresentado à mesma junta, viu recusarem-lhe a qualificação como deficiente, nos termos então em vigor, transitando para a reserva.

Com a entrada em vigor do Decreto-Lei 43/76, pediu a revisão do seu processo e foi considerado deficiente das Forças Armadas (artigos 1.º e 2.º do diploma), pelo que reingressou no activo.

Permanecendo no serviço efectivo o mínimo de tempo possível - um ano ou menos: cf. n.º 8, alíneas a), b), c) e e), 10, alínea b), 11, alínea b), e 12, alínea b), da Portaria 162/76 -, pôde reformar-se como coronel, com a remuneração respectiva, pois não se lhe aplica quer o artigo 4.º do Decreto-Lei 295/73 quer a alínea a) do n.º 7 desta portaria.

2.2 - A liberdade de conformação do legislador permite-lhe criar regimes desiguais, que motivações várias, nomeadamente de indirizzo político, aconselhem. Ponto é que esse espaço de actuação tenha como fundamento material a não disponibilidade constitucional, na síntese de Gomes Canotilho (cf. Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, cit., p. 64), isto é, dito de outro modo, que se justifique constitucionalmente a inaplicabilidade do regime mais favorável do Decreto-Lei 43/76 a parte dos militares deficientados, que integrariam naturalmente o universo dos seus destinatários - concretamente, afastando os que exerceram o direito de opção à luz do ordenamento anterior - mercê das normas do artigo 4.º do Decreto-Lei 295/73 e do n.º 7, alínea a), da Portaria 162/76, que lhes vedaram o acesso.

Ora, não parece que a norma do artigo 4.º do Decreto-Lei 295/73, em si considerada, mereça censura na perspectiva constitucional do princípio da igualdadeou do princípio da proporcionalidade: integrada em diploma que contempla a situação dos militares deficientados que, por alguma das causas indicadas no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei 210/73, optaram pela reforma extraordinária, a norma mais não será, afinal, do que mera expressão do que na disciplina geral em matéria de aposentação se dispõe relativamente ao momento de fixação do respectivo regime (cf. o artigo 43.º do Estatuto da Aposentação).

De resto, poderá defender-se não terem os militares nessas circunstâncias feito mais que manifestado a sua opção, em concreto momento histórico e à luz e no âmbito do enquadramento legal então vigente, não se surpreendendo, por conseguinte, censura constitucional se alguma diferenciação resultar da sucessão no tempo de dois regimes, até porque o Tribunal Constitucional já por várias vezes entendeu não operar o princípio da igualdade diacronicamente (cf., v. g., os Acórdãos n.º 34/86 e 309/93, publicados no Diário da República, 2.ª série, de 13 de Maio de 1986 e de 5 de Junho de 1993, respectivamente).

O mesmo se não dirá, no entanto, quanto à segunda das normas questionadas, a contida na alínea a) do n.º 7 da Portaria 162/76.

O próprio diploma «justifica» a sua existência na medida em que a promulgação do Decreto-Lei 43/76 tornou necessário regulamentar as «situações provisórias» previstas neste texto, sendo a alínea a) do n.º 7 respeitante a um desses casos, o dos deficientes das Forças Armadas em situação de reforma extraordinária ou de beneficiários de pensão de invalidez que, nos termos da legislação então em vigor, «já puderam usufruir do direito de opção».

A esses não se lhes reconhece a possibilidade de poderem optar pelo (re)ingresso no serviço activo, em contraste evidente com os demais deficientes das Forças Armadas, beneficiários do novo regime do Decreto-Lei 43/76 - em termos que a lógica de uma argumentação diacrónica não justifica.

Na verdade, se todos podem (ou puderam) optar, seja porque o Decreto-Lei 210/73 o permitiu a alguns, seja porque o regime de 1976 o proporcionaria aos restantes, as condições de exercício do direito de opção são desiguais:

àqueles, qualificados deficientes das Forças Armadas em contexto legal mais exigente, foi reconhecido um dado prazo para a opção, num específico circunstancialismo sócio-político; aos últimos, de estatuto como deficiente das Forças Armadas recente, ou porque o obtiveram mediante a revisão dos seus processos nos termos que passaram a ser permitidos pelo diploma de 1976, ou porque o novo regime lhes veio permitir a sua qualificação como deficientes das Forças Armadas, mesmo com dispensa de qualquer relacionação com campanha ou equivalente, a esses reconheceu-se-lhes poderem exercer a sua opção sem qualquer limitação temporal (após sucessivas prorrogações dos prazos).

A norma da alínea a) do n.º 7 da portaria não se compagina com uma visão holística e igualitária do Decreto-Lei 43/76. Como se diz no preâmbulo deste diploma, o direito à opção entre o serviço activo, que dispensa plena validez, e as pensões de reforma extraordinária ou de invalidez «será agora possível para todos os DFA [...]», e se o preceituado sobre o direito de opção pelo serviço activo no Decreto-Lei 210/73 é mantido em vigor, «ainda e enquanto houver DFA cujas datas de início de acidente sejam relacionadas com as campanhas do ultramar pós-1961», o objecto confessado é o de «contemplar todos esses casos do mesmo modo, como é justo».

Não parece que a norma da portaria se compagine com a filosofia subjacente ao decreto-lei. A norma introduz um tratamento diverso para situações essencialmente iguais, não razoavelmente justificado: não só parte dos militares deficientes é afastada da plenitude de fruição do novo regime, que, no entanto, visou alcançar «um modo de compensar ou reparar uma injustiça» a todos tocante, sem que se apercebam ou denunciem as razões de marginalização assim provocada - o que figura arbítrio -, como a diferença de tratamento se modela inadequada e injustificadamente.

A situação é relevantemente diferente da contemplada em acórdão deste Tribunal - n.º 330/93, no Diário da República, 2.ª série, de 30 de Julho de 1993 -, onde se julgou não violar nem o princípio da igualdade nem o princípio da confiança a interpretação então feita das normas dos artigos 7.º do Decreto-Lei 43/76 e 121.º do Estatuto da Aposentação (na redacção do Decreto-Lei 75/83, de 8 de Fevereiro), pois nesse caso entendeu-se ser intenção do legislador, claramente, a de introduzir uma relação de proporção entre o tempo de exercício da actividade geradora do risco (salto em pára-quedas), que é a própria razão da gratificação em causa, e a sua repercussão no valor da pensão de reforma - o que afasta o arbítrio e não põe em crise a certeza e a segurança jurídicas.

Considera-se, sim, que existe violação do princípio da igualdade quando, como é o caso, não existe adequado suporte material para a diferença. Esta deve ser materialmente fundada sob o ponto de vista da segurança jurídica, da praticabilidade, da justiça e da solidariedade e não se basear em qualquer motivo constitucionalmente impróprio, como frisou este Tribunal no Acórdão 80/86 (in Diário da República, 1.ª série, de 9 de Junho de 1986).

O que, do mesmo passo, afasta a procedência da argumentação contida, por último, na resposta ao pedido do requerente, relativa à presunção de racionalidade da legislação ordinária.

IV

Em face do exposto, decide-se:

a) Não declarar a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4.º do Decreto-Lei 295/73, de 9 de Junho;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante da alínea a) do n.º 7 da Portaria 162/76, de 24 de Março, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, n.º 2, da Constituição da República.

Lisboa, 10 de Abril de 1996. - Alberto Tavares da Costa - Luís Nunes de Almeida - Antero Alves Monteiro Dinis - Messias Bento - Fernando Alves Correia - Guilherme da Fonseca - Assunção Esteves - Bravo Serra - Maria Fernanda Palma - Vítor Nunes de Almeida - José de Sousa e Brito - Armindo Ribeiro Mendes - José Manuel Cardoso da Costa.

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1996/05/16/plain-74560.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/74560.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1963-04-24 - Decreto-Lei 44995 - Presidência do Conselho - Gabinete do Ministro da Defesa Nacional

    Determina que podem continuar no serviço activo os militares dos quadros permanentes das forças armadas mutilados em consequência de ferimentos ou acidentes produzidos em serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública eou em serviço directamente relacionado. As disposições deste diploma são aplicáveis aos militares feridos ou vítimas de acidentes posteriores a 1 de Janeiro de 1961, ainda que, por virtude da incapacidade sofrida, hajam já mudado de situação anteriormente à sua entrada em vigor.

  • Tem documento Em vigor 1964-04-27 - Decreto-Lei 45684 - Presidência do Conselho - Gabinete do Ministro da Defesa Nacional

    Actualiza as disposições reguladoras da concessão de pensões de reforma extraordinária e de pensões de invalidez aos militares dos três ramos das forças armadas.

  • Tem documento Em vigor 1966-01-07 - Portaria 21776 - Ministério do Exército - Repartição do Gabinete do Ministro

    Aprova e manda pôr em execução, a título provisório, as condições em que os militares que tenham sofrido perda anatómica, prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função, em consequência de ferimentos ou acidentes produzidos em serviço de campanha ou de manutenção da ordem pública ou em serviço directamente relacionado, são considerados abrangidos pelas disposições do Decreto-Lei n.º 44995 - Revoga a Portaria n.º 21385.

  • Tem documento Em vigor 1972-03-06 - Portaria 127/72 - Presidência do Conselho e Ministérios do Exército e da Marinha

    Define os casos em que um ferimento ou mutilação deva ser considerado em campanha, para efeitos de atribuição de pensão de reforma extraordinária prevista no Decreto-Lei nº 45684 de 27 de Abril de 1964.

  • Tem documento Em vigor 1972-12-09 - Decreto-Lei 498/72 - Ministério das Finanças - Secretaria de Estado do Tesouro - Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência

    Promulga o Estatuto da Aposentação.

  • Tem documento Em vigor 1973-05-09 - Decreto-Lei 210/73 - Presidência do Conselho e Ministério das Finanças

    Amplia as regalias dos inválidos militares.

  • Tem documento Em vigor 1973-06-09 - Decreto-Lei 295/73 - Presidência do Conselho e Ministério das Finanças

    Determina que aos militares dos quadros permanentes das forças armadas na situação de reforma extraordinária por alguma das causas indicadas no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 210/73 seja atribuída a graduação no posto a que teriam ascendido se não tivessem mudado de situação.

  • Tem documento Em vigor 1973-09-12 - Portaria 619/73 - Ministério do Exército - Repartição do Gabinete do Ministro

    Regulamenta, na parte respeitante ao Ministério do Exército, as determinações constantes do Decreto-Lei n.º 210/73, de 9 de Maio que amplia as regalias dos inválidos militares.

  • Tem documento Em vigor 1976-01-20 - Decreto-Lei 43/76 - Ministério da Defesa Nacional

    Reconhece o direito à reparação material e moral que assiste aos deficientes das forças armadas e institui medidas e meios que concorram para a sua plena integração na sociedade.

  • Tem documento Em vigor 1976-02-24 - Portaria 94/76 - Ministério da Defesa Nacional

    Regulamenta o regime de serviço activo que dispense plena validez, para efeitos de execução do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, respeitante aos deficientes das forças armadas.

  • Tem documento Em vigor 1976-03-24 - Portaria 162/76 - Ministério da Defesa Nacional

    Regulamenta as situações transitórias previstas no Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, que reconhece o direito à reparação material e moral que assiste aos deficientes das forças armadas.

  • Tem documento Em vigor 1979-03-12 - Portaria 114/79 - Ministério da Defesa Nacional

    Altera o n.º 3 da Portaria n.º 162/76, de 24 de Março, relativa à revisão dos processos de qualificação como deficientes das forças armadas.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1983-02-08 - Decreto-Lei 75/83 - Ministérios da Defesa Nacional e das Finanças e do Plano

    Altera o artigo 121.º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, respeitante à base de cálculo das pensões.

  • Tem documento Em vigor 1986-09-09 - ACÓRDÃO 80/86 - TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

    Declara com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do artigo 6.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 233/80, enquanto conjugada com o artigo 5.º, n.º 1, também deste diploma legal,(permite que o ajudante de escrivão que transitou para a categoria de escrivão de direito seja provido como escrivão de direito de 1.ª classe), inconstitucionalidade derivada da violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição.

  • Tem documento Em vigor 1987-05-16 - Decreto-Lei 203/87 - Ministério das Finanças

    Revoga vária legislação que estabelece as limitações ao quantitativo mensal recebido a título de pensões de reforma ou de invalidez ou qualquer outro título relativo à cessação de prestação de trabalho.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1997-05-31 - Decreto-Lei 134/97 - Ministérios da Defesa Nacional e das Finanças

    Promove ao posto a que teriam ascendido os militares dos quadros permanentes deficientes das Forças Armadas, nos termos das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 18º do Decreto Lei 43/76, de 20 de Janeiro, na situação de reforma extraordinária com um grau de incapacidade geral de ganho igual ou superior a 30%, e que não optaram pelo serviço activo, revendo as respectivas pensões de reforma.

  • Tem documento Em vigor 2001-11-07 - Acórdão 423/2001 - Tribunal Constitucional

    Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, e do artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 319/84, de 1 de Outubro, na medida em que reservam a nacionais portugueses a qualificação como deficiente das Forças Armadas ou equiparado, limitando os efeitos da inconstitucionalidade, de modo que estes apenas se produzam a partir da publicação oficial do acórdão. (Processo 774/99).

  • Tem documento Em vigor 2003-06-17 - Acórdão 232/2003 - Tribunal Constitucional

    Pronuncia-se pela inconstitucionalidade do segmento normativo que contém o critério respeitante aos candidatos que tenham acedido ao ensino superior integrados no contingente da Região Autónoma dos Açores, constante da parte final da alínea a) do n.º 7 do artigo 25.º do Regulamento do Concurso do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário.(Pocesso nº 306/2003)

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