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Acórdão 451/95, de 3 de Agosto

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante da primeira parte do nº 1 do artigo 300º (impenhorabilidade de bens penhorados em execução fiscal), do Código de Processo Tributário (aprovado pelo Decreto Lei 154/91, de 23 de Abril), na parte em que estabelece o regime de impenhorabilidade total dos bens anteriormente penhorados pelas repartições de finanças em execuções fiscais, - por violação da garantia do direito do credor a satisfação do seu crédito (que se extrai do nº 1 do artigo 62º da Constituição), conjugada com o princípio da proporcionalidade (que se extrai, entre outros, do artigo 18º da Constituição). (Processo 153/95).

Texto do documento

Acórdão 451/95
Processo 153/95
Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:
1 - O procurador-geral-adjunto em exercício neste Tribunal, como representante do Ministério Público, veio requerer, «ao abrigo dos artigos 281.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e 82.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, que o Tribunal Constitucional aprecie e declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da primeira parte do n.º 1 do artigo 300.º do Código de Processo Tributário, no segmento em que estabelece o regime de impenhorabilidade total dos bens anteriormente penhorados pelas repartições de finanças em execuções fiscais».

Para fundamentar o seu pedido, o recorrente invoca que «tal norma foi explicitamente julgada inconstitucional, por violação da garantia da propriedade privada e do princípio constitucional da proporcionalidade ou da proibição do excesso, constantes dos artigos 62.º e 18.º, n.º 2, da lei fundamental, através dos Acórdãos n.os 494/94, de 12 de Julho (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 290, de 17 de Dezembro de 1994, p. 12792), 516/94, de 27 de Setembro (publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 288, de 15 de Dezembro de 1994, p. 12693), e 128/95, de 14 de Março», tendo juntado fotocópia desses acórdãos.

2 - Notificado para se pronunciar, querendo, sobre o pedido, ao abrigo do disposto nos artigos 54.º e 55.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, o Primeiro-Ministro não apresentou resposta.

Cumpre, pois, decidir.
3 - O n.º 1 do artigo 300.º do Código de Processo Tributário dispunha, na sua redacção originária, como se segue:

Artigo 300.º
Impenhorabilidade de bens penhorados em execução fiscal
1 - Penhorados quaisquer bens pela repartição de finanças, não poderão os mesmos bens ser apreendidos, penhorados ou requisitados por qualquer tribunal, salvo se, em processo especial de recuperação de empresas e de protecção de credores, o administrador judicial requerer o levantamento da penhora e assegurar a sua substituição por uma das garantias previstas no n.º 1 do artigo 282.º, de forma que fiquem assegurados os interesses do exequente.

2 - Salvo o disposto no artigo 264.º, podem ser penhorados pelas repartições de finanças os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem suspensa.

Este artigo viu a sua redacção alterada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei 132/93, de 23 de Abril, diploma que aprovou o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, mas tal alteração não afectou a primeira parte do preceito contido no seu n.º 1 e que se transcreve:

1 - Penhorados quaisquer bens pela repartição de finanças, não poderão os mesmos bens ser apreendidos, penhorados ou requisitados por qualquer tribunal, [...]

4 - Esta norma veio, com efeito, e tal como se alega no requerimento inicial, a ser julgada inconstitucional nos acórdãos deste Tribunal Constitucional aí identificados e cujas fotocópias se juntam com o pedido, por violação da garantia do direito do credor à satisfação do seu crédito (que se extrai do n.º 1 do artigo 62.º da Constituição), conjugada com o princípio da proporcionalidade (que se extrai, entre outros, do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição) e na dimensão referida no pedido, ou seja, no segmento que estabelece o regime de impenhorabilidade total dos bens anteriormente penhorados pelas repartições de finanças em execuções fiscais.

Efectivamente, no Acórdão 494/94 (de 12 de Julho de 1994, da 2.ª Secção) escreveu-se:

Da garantia constitucional do direito de propriedade privada, há-de, seguramente, extrair-se a garantia (constitucional também) do direito do credor à satisfação do seu crédito. E este direito há-de, naturalmente, conglobar a possibilidade da sua realização coactiva, à custa do património do devedor, como, de resto, se prescreve no artigo 601.º do Código Civil, que preceitua que «pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especiais estabelecidos em consequência da separação de patrimónios» (cf., neste sentido, Acórdão 349/91, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 2 de Dezembro de 1991).

E mais adiante:
[...] há que ter em conta que o facto de o credor comum ter de esperar por que a execução seja julgada extinta para, então, tentar a penhora do remanescente dos bens que nela estiveram penhorados pode significar a impossibilidade de esse credor conseguir a satisfação do seu crédito: basta para tanto que outros credores (cujos créditos, vencidos, quiçá, apenas durante aquele período de espera, absorvam totalmente o que sobrou desses bens) instaurem, entretanto, execuções contra o mesmo devedor e que consigam fazer as penhoras antes que aquele credor o consiga. Num tal caso, com efeito, o credor - que, se não fora a disciplina que se contém no mencionado artigo 300.º, n.º 1, tinha penhorado o bem e, sustada a execução, tinha podido reclamar o seu crédito na execução fiscal e, aí, obter satisfação do mesmo - vê o seu direito defraudado. E tudo isso para que o andamento da execução fiscal não seja perturbado com reclamações de créditos comuns e, bem assim, para que se garanta a cobrança das dívidas através do foro fiscal com prevalência total sobre a de quaisquer créditos comuns.

Ora, há-de convir-se ser essa uma consequência excessiva, pois que faz o credor comum correr o risco (desproporcionado) de ver totalmente frustrada a possibilidade de satisfação do seu crédito - uma consequência que, assim, acaba por afrontar o artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, na parte em que neste preceito se contém a garantia do credor à satisfação do seu crédito.

O artigo 300.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário viola, pois, o artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, lido conjugadamente com o princípio da proporcionalidade, que se extrai, entre outros, do artigo 18.º, n.º 2, da mesma Constituição.

Por seu turno, no Acórdão 516/94 (de 27 de Setembro de 1994, da 1.ª Secção), para o qual remeteu o Acórdão 128/95 (da mesma 1.ª Secção), pode ler-se:

Entende-se que o artigo 300.º, n.º 1, primeira parte, do Código de Processo Tributário sofre de inconstitucionalidade, por violação da garantia de propriedade privada e do princípio constitucional da proporcionalidade ou da proibição do excesso, aflorado este último na nossa Constituição em preceitos como o do n.º 2 do artigo 18.º da lei fundamental.

[...] o direito patrimonial do credor exequente em execução não fiscal vê-se anulado na sua consistência prática, ficando à mercê da evolução da situação patrimonial do devedor no futuro, o qual pode vir a ser declarado falido, acarretando a declaração falimentar evidentes prejuízos para tal credor, mas não para o Estado ou credor público equiparado (cf. artigos 264.º e 300.º do Código de Processo Tributário). Por outro lado, o credor que penhorou um bem do devedor e viu levantada a penhora, por já haver penhora fiscal, poderá ser ultrapassado por um credor mais recente que logre penhorar o bem, logo que seja levantada a penhora fiscal. É evidente a injustiça da solução, com violação da regra da preferência resultante da prioridade da penhora ou do seu registo.

Além de o artigo 300.º, n.º 1, primeira parte, do Código de Processo Tributário violar o n.º 1 do artigo 62.º da Constituição, ele viola igualmente o princípio da proporcionalidade, afectando ilegitimamente as expectativas fundadas dos outros credores, pois impede o funcionamento do sistema concursual previsto na lei processual civil e na lei processual tributária, sem que tal solução avantaje decisivamente os créditos do exequente na execução fiscal, pois não confere a este quaisquer privilégios ou garantias, antes podendo redundar numa situação benéfica para o devedor único, que vem a optar por pagar em prestações a sua dívida à entidade pública credora, pondo os seus bens ao abrigo de quaisquer agressões patrimoniais impulsionadas por outros credores, só restando a estes últimos aguardar longos períodos pela extinção da execução fiscal (cf. Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário Comentado e Anotado, Coimbra, 1991, criticando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 1972, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 222, p. 360, que procurou interpretar restritivamente a impenhorabilidade prevista no artigo 193.º do antecedente Código);

5 - Estando, pois, preenchidos os requisitos constitucionais e legais que permitem requerer a este Tribunal Constitucional, à luz dos artigos 281.º, n.º 3, da Constituição, e 82.º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, a apreciação e declaração de inconstitucionalidade de uma norma, com força obrigatória geral, verifica-se que nas três decisões apontadas a norma da primeira parte do n.º 1 do artigo 300.º do Código de Processo Tributário veio a ser declarada inconstitucional na mesma e única dimensão considerada, isto é, quando estabelece a regra seguinte:

[...] uma vez penhorados por uma repartição de finanças certos bens do executado, enquanto essa penhora se mantiver, tornam-se eles absolutamente inapreensíveis em qualquer execução que corra termos em qualquer outro tribunal (não tributário).

Ora, nada há que acrescentar ao que se escreveu nos acórdãos citados, que acolhem uma orientação jurisprudencial que vem sendo firmemente mantida por este Tribunal Constitucional, pelo que continua a entender-se que a norma em apreço, e na dimensão assinalada, é inconstitucional.

6 - Termos em que, decidindo, declara-se a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral - por violação da garantia do direito do credor à satisfação do seu crédito (que se extrai do n.º 1 do artigo 62.º da Constituição), conjugada com o princípio da proporcionalidade (que se extrai, entre outros, do artigo 18.º da Constituição) -, da norma constante da primeira parte do n.º 1 do artigo 300.º do Código de Processo Tributário, na parte em que estabelece o regime de impenhorabilidade total dos bens anteriormente penhorados pelas repartições de finanças em execuções fiscais.

Lisboa, 6 de Julho de 1995. - Guilherme da Fonseca Bravo Serra - Armindo Ribeiro Mendes - Fernando Alves Correia - Antero Alves Monteiro Dinis - Messias Bento - Maria Fernanda Palma - José Sousa e Brito - Luís Nunes de Almeida - Vítor Nunes de Almeida - Maria da Assunção Esteves (vencida nos termos do Acórdão 516/94) - Alberto Tavares da Costa (vencido nos termos da declaração aposta ao Acórdão 516/94) - José Manuel Cardoso da Costa (tal como referi em declaração junta ao Acórdão 494/94, não contesto que o princípio da proporcionalidade represente um limite constitucional à «liberdade de conformação» do legislador mesmo fora do «núcleo duro» dos direitos fundamentais; e também não excluo que haverá algum «excesso» na solução legislativa em apreço. Porque ainda não me convenci, todavia, de que este aparente «excesso» haja de fundamentar uma censura constitucional, continuei a propender para decisão diversa do acolhido pelo Tribunal).

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/68277.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1993-04-23 - Decreto-Lei 132/93 - Ministério da Justiça

    Aprova o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, visando auxiliar as empresas nacionais em dificuldades financeiras, mas economicamente viáveis. Altera também o Código de Processo Civil, o Estatuto Judiciário, o Código das Custas Judiciais, o Código Penal e o Código de Processo Tributário, bem como demais legislação avulsa.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1995-12-12 - Decreto-Lei 329-A/95 - Ministério da Justiça

    Revê o Código de Processo Civil. Altera o Código Civil e a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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