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Assento 1/77, de 29 de Abril

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Sumário

Recurso n.º 8483, em que é requerente o agente do Ministério Público junto da secção do Contencioso do Trabalho e Previdência Social - conflito de jurisprudência.

Texto do documento

Assento 1/77

(TRIBUNAL PLENO)

Acórdão de 27 de Janeiro de 1977 Assunto:

Assento - Sentença em processo de transgressões - Factos provados.

Sumário:

Observa-se o disposto no n.º 2 do artigo 192.º do Código de Processo do Trabalho quando na sentença se consideram provados os factos constantes do auto de notícia sem directamente se fazer a sua descrição.

Recurso n.º 8483, em que é requerente o agente do Ministério Público junto da secção do Contencioso do Trabalho e Previdência Social - conflito de jurisprudência - e de que foi relator o Exmo. Conselheiro Dr. João Augusto Pacheco e Melo Franco.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo, em tribunal pleno:

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da 3.ª Secção deste Tribunal, ao abrigo do n.º 2 do artigo 195.º do Código de Processo do Trabalho, veio requerer a resolução do conflito de jurisprudência entre os Acórdãos, proferidos por aquela Secção, de 16 de Novembro de 1971 e 8 de Julho de 1975, pois, segundo alega, no primeiro se decidiu que satisfaz à exigência do n.º 2 do artigo 192.º do Código de Processo do Trabalho a declaração, consignada na sentença, de se haverem provado os factos constantes do auto de notícia base do processo, enquanto no segundo se entendeu precisamente o contrário, ordenando-se a baixa do processo para ampliação da matéria de facto, por na sentença, embora se consignando terem sido provados os factos constantes do auto de notícia, nele estes não terem sido descritos.

Foram verificados pela Secção os pressupostos da admissibilidade do recurso para o tribunal pleno e, por isso, mandado seguir o mesmo, tendo aquele ilustre magistrado produzido a sua alegação no sentido de ser proferido assento em que se decida que «observa o disposto no artigo 192.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho o juiz que, na sentença, considera provados os factos constantes do auto de notícia sem directamente os descrever».

Levantada a questão da competência deste tribunal pleno para proferir assentos, há que começar por este ponto.

Segundo a Lei Orgânica (Decreto-Lei 40768, de 8 de Setembro de 1956) e respectivo regulamento, este Supremo Tribunal Administrativo, constituído por três secções, funcionava em pleno, com todos os juízes que o compunham, nos casos ali prescritos.

Não era, porém, só naqueles casos que o Tribunal funcionária em pleno, pois o n.º 2 do artigo 195.º do Código de Processo do Trabalho determinava expressamente que a resolução dos conflitos de jurisprudência discriminados no número anterior eram da competência do Supremo Tribunal Administrativo funcionando em tribunal pleno.

Sucede que, de harmonia com o artigo 2.º do Decreto-Lei 699/73, de 28 de Dezembro, a constituição do tribunal pleno passou a revestir duas modalidades:

a) Com todos os juízes que compõem a secção onde foi proferido o acórdão recorrido e mais um juiz de cada uma das outras secções, sob a presidência do presidente do Tribunal;

b) Com todos os juízes que compõem o Supremo Tribunal Administrativo sob a presidência do presidente do Tribunal nos seguintes recursos:

Dos acórdãos definitivos de qualquer das secções quando contenham resolução contraditória com caso julgado sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, proferidos pela mesma ou por outra secção nos últimos três anos (n.º 4 do § 1.º do artigo 25.º da Lei Orgânica); e Dos conflitos de competência entre secções ou entre tribunais de cujas decisões caiba recurso para secções diversas.

Pode, pois, perguntar-se qual a influência da reforma de 1973 sobre o preceituado no Código de Processo do Trabalho.

Podemos desde já adiantar que se mantém integralmente o prescrito nos artigos 195.º e seguintes daquele diploma.

Como se diz no acórdão da Secção, a reforma de 1973 teve apenas em vista a constituição do tribunal pleno face à competência que lhe era atribuída pela Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, não se tendo ocupado do caso especialíssimo da fixação de jurisprudência em assento que, aliás, não estava previsto nem naquela Lei Orgânica nem no seu regulamento.

Nem há que falar em revogação tácita dos referidos artigos 195.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho, apenas porque a constituição do pleno, face àquela Lei Orgânica, foi alterada.

É que só se verifica a revogação tácita quando, como escreve Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, 2.ª ed., I/104:

Uma lei nova, mesmo nada dizendo expressamente no sentido de revogar uma lei velha, contudo contém disposições que são incompatíveis, no todo ou em parte, com as disposições deste.

Acresce ainda, como ensina o mesmo Mestre, loc. cit., que:

A lei especial posterior revoga sempre a lei geral anterior no caso ou casos sobre que provê; a lei geral posterior não revoga, porém, a lei especial anterior senão quando haja incompatibilidade entre elas. (Cf. artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil.) E por lei especial entende-se a lei que regula só certos aspectos ou sectores de um sistema mais vasto de relações jurídicas, enquanto a lei geral regula todos os aspectos deste sistema em conjunto.

Parece, assim, fora de dúvida, que a Lei Orgânica deste Tribunal, regulando todos os aspectos do seu funcionamento, se deve considerar lei geral, enquanto os preceitos dos citados artigos 195.º e seguintes do Código de Processo do Trabalho constituem lei especial na medida em que regulam apenas determinados aspectos do mais vasto sistema regulado pela Lei Orgânica, onde se integra o Decreto-Lei 699/73, não havendo incompatibilidade entre o prescrito num e noutro diploma.

Deve ainda dizer-se que este Decreto-Lei 699/73 não pretendeu regular de forma exaustiva a competência do Supremo Tribunal Administrativo (secções e pleno), deixando à legislação anterior a regulamentação das matérias de que não tratou. No tocante ao pleno, teve apenas em vista, ante a competência que lhe era atribuída pela Lei Orgânica, subtrair ao próprio a apreciação de determinadas matérias que confiou a um pleno restrito.

Temos, pois, que continuando a existir a atribuição de competência a um tribunal pleno para proferir assentos com força obrigatória geral, nos termos do artigo 2.º do Código Civil, e continuando a existir um tribunal pleno, constituído por todos os juízes que compõem o Supremo Tribunal Administrativo, é este que detém a competência atribuída na lei para aquele fim.

Resolvida a questão da competência, há que averiguar agora a da oposição, visto não ser definitivo o decidido pela Secção. Deve, no entanto, dizer-se que ela não oferece dúvidas, como claramente resultou do que atrás se deixou relatado, motivo por que se passa a entrar na apreciação da questão de fundo.

O problema traduz-se afinal em saber se em processo de transgressões se devem indicar, na sentença, especificadamente os factos que se consideraram provados e constam do auto de notícia base do processo, ou se será legal remeter-se para aquele auto, dizendo-se estarem provados os factos dele constantes sem os descrever.

O processo de transgressões é uma figura relativamente recente no nosso direito processual penal, pois só surge entre nós, com autonomia, com o Código de Processo Penal.

Com efeito, até então, segundo a Lei 300, de 3 de Fevereiro de 1915, todas as contravenções e transgressões seriam julgadas:

a) Em processo sumário quando o contraventor ou transgressor fosse preso em flagrante delito, correspondendo à contravenção pena aplicável em processo de polícia correccional;

b) Em processo de polícia correccional quando a pena fosse alguma das que cabiam nesta forma de processo e não tivesse havido prisão em flagrante delito;

c) Em processo correccional as contravenções puníveis com penas mais graves.

Criado o processo de transgressões, este coincide na sua estrutura com o de polícia correccional, com as alterações estabelecidas nos artigos 543.º e seguintes do Código de Processo Penal (cf. Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, III/91).

Trata-se de um forma de processo em que se pretende simplicidade e rapidez na decisão, e por isso o artigo 554.º daquele Código prescreve que «os actos e termos do processo serão reduzidos ao mínimo indispensável para o conhecimento da causa» e a sentença pode ser proferida verbalmente.

O Código de Processo do Trabalho ainda simplifica mais esta forma de processo, pois, mesmo quando se prescinda de recurso, «os depoimentos prestados em audiência não serão reduzidos a escrito», como se determina no n.º 1 do artigo 192.º daquele diploma legal.

Mas precisamente porque tais depoimentos não ficam escritos, exige-se no n.º 2 do mesmo preceito que se indiquem na sentença os factos considerados provados.

Chega-se agora ao ponto crucial da questão sub judice.

Bastará que o juiz diga que considera provados os factos constantes do auto de notícia, ou terá de os voltar a repetir especificadamente na sentença, mesmo que os considere a todos devidamente provados? Os autos de notícia levantados nos termos legais fazem fé em juízo até prova em contrário, conforme se dispõe no artigo 169.º do Código de Processo Penal, e deles deverão constar os factos que constituíram a infracção (artigo 166.º do Código citado).

Cavaleiro de Ferreira, ob. cit., p. 141, escreve:

O auto deve mencionar, descrevendo-os, «os factos» que constituíram a infracção, e não, como é uso, tão somente a lei violada, o dia, hora e local e circunstâncias em que foi cometida. Só desta forma se individualiza o objecto do processo penal a instaurar e se facilita, como é escopo da lei, a instrução preparatória; um preceito penal não é nunca objecto de processo penal.

Além dos factos, o auto de notícia deverá referir tudo o que o autuante puder averiguar acerca do nome, estado, profissão, naturalidade e residência do infractor, isto é, a identificação do agente da infracção.

Se o auto não satisfizer a tais requisitos, deverá ser devolvido para sua regularização ou instrução do processo, como se preceitua no artigo 47.º do Decreto-Lei 35007.

Não se verificando esta última hipótese e, portanto, quando o auto de notícia contiver todos os requisitos exigidos por lei o juiz designará logo dia para julgamento, e, uma vez que todos os factos dele constantes se provem, dada a simplicidade daquele processo, ao abrigo do mencionado artigo 554.º, que manda reduzir ao mínimo indispensável os actos processuais, ao indicar os factos provados, como ordena o n.º 2 do falado artigo 192.º do Código de Processo do Trabalho, poderá remeter para o auto de notícia base do processo, sem que por tal motivo cometa qualquer irregularidade processual ou se torne necessário mandar ampliar, em recurso, a matéria de facto que afinal lá está bem explícita na sentença - é a constante do auto de notícia.

É evidente que se o juiz repetir na sentença toda a matéria de facto do auto de notícia que entendeu ter sido provada, terá proferido uma decisão correcta e da forma mais desejável, mas não merece censura, nos tempos modernos em que, ante o enorme volume de serviço, se exige, não obstante, celeridade, que por uma questão de rapidez e simplicidade, reduza ao mínimo indispensável o acto processual por excelência que é a sentença, dispensando-se de fastidiosamente repetir factos que estão nos autos, deles fazendo parte integrante, e dê como provados esses mesmos factos, dando-os ali como reproduzidos.

Aliás, este modo de proceder nem sequer foi adoptado com originalidade no simplificado processo de transgressões, pois em acções cíveis de processo comum, na sua forma mais solene que é a ordinária, admite-se que na sentença o juiz se refira à especificação e respostas do tribunal colectivo sem ter necessidade de reproduzir os factos que, de harmonia com aquelas peças processuais, devem reputar-se provados (cf. A. Reis, Código de Processo Civil Anotado, V/140).

E o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 23 de Novembro de 1948, Boletim do Ministério da Justiça, 10/220, decidiu que não se verifica a nulidade do n.º 2 do artigo 668.º do Código de Processo Civil quando um acórdão dá como reproduzidos os fundamentos constantes da exposição escrita do relator, o que mereceu o aplauso daquele Mestre processualista (ob cit., p. 141).

Mutatis mutandis esta doutrina pode aplicar-se, e aqui com maior rigor, à sentença proferida em processo de transgressões.

Acrescente-se finalmente que o Código de Processo Civil, subsidiário do de Processo Penal, não exige, ao tratar dos actos dos magistrados, para as sentenças e despachos o princípio de auto-suficiência consignado no artigo 163.º relativamente aos antas ou termos do processo.

Assim, não havendo proibição, nada obsta a que a sentença contenha indicações per relationem referidas a outras peças com a mesma autenticidade, constantes dos autos.

Nestes termos e em face do exposto, decidem o conflito de jurisprudência formulando o seguinte assento:

Observa-se o disposto no n.º 2 do artigo 192.º do Código de Processo do Trabalho quando na sentença se considerem provados os factos constantes do auto de notícia sem directamente se fazer a sua descrição.

Não são devidas custas.

Lisboa, 27 de Janeiro de 1977. - João Augusto Pacheco e Melo Franco (relator) - Feliciano Tomás de Resende - Félix Alves - Mário Correia Arez - Manuel Salvador - Laurentino da Silva Araújo - Henrique José da Fonseca Ramalho Ortigão - António de Almeida Simões - Eudoro Pamplona Corte-Real - António José Simões de Oliveira - Manuel Gonçalves Pereira - João de Matos - Rui da Fonseca Garcia Pestana - Mário de Brito (vencido. O artigo 659.º, n.º 2, do Código de Processo Civil manda que o juiz exponha na sentença «os factos que considera provados» e o artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do mesmo Código fere de nulidade a sentença que não especifique «os fundamentos de facto que justificam a decisão». Por sua vez, o n.º 2 do artigo 192.º do Código de Processo do Trabalho manda que sejam indicados na sentença «os factos considerados provados». A remissão para outras peças do processo só é permitida para actos de juiz: pode, assim, o juiz remeter para a especificação ou para o acórdão do tribunal colectivo, como o acórdão da Relação pode remeter para a sentença da 1.ª instância. O que se não pode fazer é remeter para actos das partes, e o auto de notícia não é mais do que a acusação. No sentido que proponho são, segundo penso, o Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed., anotação ao artigo 158.º, e vol. V, n.º 2, da anotação ao artigo 668.º, e o Dr. Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho Anotado, nota 439) - Joaquim Pinto da Rocha e Cunha (vencido pelas razões constantes do voto que antecede). - Fui presente, José António Mesquita.

Está conforme.

Secretaria do Supremo Tribunal Administrativo, 1 de Abril de 1977. - O Secretário, (Assinatura ilegível.)

Anexos

  • Texto integral do documento: https://dre.tretas.org/pdfs/1977/04/29/plain-220951.pdf ;
  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/220951.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1915-02-03 - Lei 300 - Ministério da Justiça e dos Cultos - Secretaria Geral - Repartição Central

    Regula a instalação e funcionamento dos tribunais das transgressões, criados nas cidades de Lisboa e Pôrto pela Lei n.º 219, de 30 de Junho de 1914

  • Tem documento Em vigor 1945-10-13 - Decreto-Lei 35007 - Ministério da Justiça - Gabinete do Ministro

    Remodela alguns princípios básicos do Processo Penal.

  • Tem documento Em vigor 1956-09-08 - Decreto-Lei 40768 - Presidência do Conselho

    Regula o funcionamento do Supremo Tribunal Administrativo.

  • Tem documento Em vigor 1973-12-28 - Decreto-Lei 699/73 - Presidência do Conselho

    Introduz alterações na orgânica do Supremo Tribunal Administrativo.

Aviso

NOTA IMPORTANTE - a consulta deste documento não substitui a leitura do Diário da República correspondente. Não nos responsabilizamos por quaisquer incorrecções produzidas na transcrição do original para este formato.

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