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Acórdão 650/2004, de 23 de Fevereiro

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Sumário

Declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do primeiro período do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral de transportes, aprovada pela Portaria n.º 403/75, de 30 de Junho, alterada pelas Portarias n.os 1116/80, de 31 de Dezembro, e 736-D/81, de 28 de Agosto, na parte em que a mesma exclui inteiramente a responsabilidade do caminho de ferro pelos danos causados aos passageiros resultantes de atrasos, supressão de comboios ou perdas de enlace. Decide não declarar a inconstituticionalidade das normas constantes dos artigos 78º, nº 1, 79º, nº 1, 80º, nº 1, 81º, nº 1, alíneas a) e b), 82º, nºs 1 e 2, e 83º, nº 1, todos do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei nº 176/88 de 18 de Maio.

Texto do documento

1116/80, de 31 de Dezembro e 736-D/81, de 28 de Agosto, na parte em que a mesma exclui inteiramente a responsabilidade do caminho de ferro pelos danos causados aos passageiros resultantes de atrasos, supressão de comboios ou perdas de enlace. Decide não declarar a inconsti (...)">Acórdão 650/2004
Processo 448/99
1 - O Provedor de Justiça veio solicitar a este Tribunal que o mesmo apreciasse e declarasse a inconstitucionalidade com força obrigatória geral - pois que entende que se verifica violação do n.º 1 do artigo 60.º da lei fundamental, quando articulado "com as normas constitucionais sobre o regime substantivo de restrições a direitos, liberdades e garantias do artigo 18.º, n.os 2 e 3» - das seguintes normas:

A constante do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral de transportes, aprovada pela Portaria 403/75, de 30 de Junho, alterada pela Portaria 1116/80, de 31 de Dezembro;

As constantes do n.º 1 do artigo 78.º, do n.º 1 do artigo 79.º, do n.º 1 do artigo 80.º, do n.º 1 do artigo 81.º, dos n.os 1 e 2 do artigo 82.º e do n.º 1 do artigo 83.º (esta última na parte em que refere que a importância da indemnização não pode exceder o limite a que se refere o citado artigo 78.º), todos do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei 176/88, de 18 de Maio.

Em síntese, sustentou o requerente:
A norma do citado n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral de transportes, ao prescrever que o caminho de ferro não responde pelos danos causados aos passageiros resultantes de atrasos, supressão de comboios ou perdas de enlace, tem por efeito excluir a responsabilidade civil do caminho de ferro por qualquer lesão, patrimonial ou não patrimonial, que lhe seja, objectiva e subjectivamente, imputada, rompendo, assim, o equilíbrio entre dois sujeitos de uma relação jurídica que, não obstante a empresa transportadora possuir um substrato institucional público, deve qualificar-se como uma relação jurídica privada de consumo e que se há-de considerar sob a esfera de protecção do n.º 1 do artigo 60.º da Constituição;

O passageiro consumidor do serviço do caminho de ferro encontra-se numa típica situação contratual de adesão e, por isso, numa posição de franca debilidade contratual e, sendo o direito à reparação dos danos prescrito no n.º 1 do artigo 60.º da Constituição um direito com natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias para efeitos de beneficiar do regime destes últimos, a norma do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral de transportes restringe de forma absoluta aquela norma constitucional e o regime de protecção que lhe é assegurado pelo n.º 1 do artigo 18.º da lei fundamental, não podendo a restrição à reparação dos danos, ditada por aquele n.º 1 do artigo 19.º, ser considerada legítima em face das exigências cumulativas que se consagram nos n.os 2 e 3 do indicado artigo 18.º, já que se não vislumbra a salvaguarda de qualquer outro direito ou interesse constitucional com significado, sendo que, deste modo, se torna diminuída a extensão e conteúdo essencial do direito à reparação dos danos;

As normas do n.º 1 do artigo 78.º, do n.º 1 do artigo 79.º, do n.º 1 do artigo 80.º, do n.º 1 do artigo 81.º, dos n.os 1 e 2 do artigo 82.º e do n.º 1 do artigo 83.º, todos do Regulamento do Serviço Público de Correios - ao disporem, respectivamente: que, no caso de perda, espoliação total ou avaria total do conteúdo de uma correspondência registada, a indemnização não pode exceder a quantia equivalente a 20 vezes a taxa de registo paga; que, no caso de perda, espoliação ou avaria de cartas com valor declarado, a indemnização é a correspondente ao valor real dessas perda, espoliação ou avaria, não podendo exceder o valor declarado; que, no caso de perda ou inutilização nos circuitos da empresa operadora do documento apresentado para reprodução, a indemnização é a correspondente ao valor real da perda ou valor do documento, não podendo exceder o limite estabelecido para a perda da correspondência registada; que, no caso de perda, espoliação ou avaria de encomenda registada, a indemnização não pode exceder, consoante as situações, o valor declarado, para as encomendas com valor declarado, ou a importância correspondente ao produto da taxa de registo em vigor na data da aceitação pelo factor 20, 30 ou 40, para encomendas até 5 kg, até 10 kg ou de mais de 10 kg; que, no caso de perda, espoliação ou avaria de um objecto à cobrança, a indemnização é a correspondente à fixada para uma correspondência ou encomenda simplesmente registada ou com valor declarado, ou, sendo o objecto à cobrança entregue sem o pagamento da totalidade da quantia devida, a correspondente à importância não cobrada; que, no caso de perda de títulos à cobrança, a indemnização é a correspondente à importância do real prejuízo causado, não podendo exceder o limite estabelecido para as correspondências registadas -, vêm estabelecer uma limitação ao direito de ressarcimento integral dos danos que podem ser sofridos pelo utente, representando um injustificado benefício concedido pelo legislador ordinário aos Correios de Portugal, S. A., com o correlativo benefício negativo do consumidor que, se se servisse de uma outra empresa postal, teria, em casos similares, direito a um montante indemnizatório que seria alcançado com os meios próprios do regime da responsabilidade civil, designadamente o resultante dos preceitos do Código Civil.

Terminou a entidade requerente o seu pedido concluindo:
"A) As relações contratuais entre os passageiros do caminho de ferro, transportados pelos Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., são relações jurídicas de consumo para o efeito da protecção constitucional garantida no artigo 60.º, n.º 1, na parte em que esta norma consagra o direito à reparação de danos;

B) Esta norma possui natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pelo que ex vi do artigo 17.º beneficia do regime destes;

C) O direito dos consumidores à reparação de danos vincula directamente todas as empresas públicas em sentido estrito e as sociedades de capitais públicos, como é o caso, respectivamente, dos Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., e dos CTT - Correios de Portugal, S. A.;

D) Violam a norma contida no artigo 60.º, n.º 1, quando articulada com o disposto no artigo 18.º, n.º 1, da CRP, as normas impugnadas ao afastarem o dever de indemnizar, num caso totalmente e nos outros não permitindo o ressarcimento integral dos danos causados aos utentes;

E) Violam a norma contida no artigo 60.º, n.º 1, quando articulado com o disposto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, as normas impugnadas ao restringirem o direito à reparação sem fundamento em outro direito ou interesse constitucionalmente protegido;

F) Violam a norma contida no artigo 60.º, n.º 1, quando articulada com o disposto no artigo 18.º, n.º 3, as normas impugnadas, ao restringirem o dano indemnizável a jusante da fronteira do conteúdo essencial do direito à reparação, num caso afastando o dever de indemnizar consumidores por lesão típica de incumprimento ou defeituoso cumprimento do contrato de transporte ferroviário, no outro caso, por arredarem totalmente do domínio do dano ressarcível os lucros cessantes e por não permitirem mesmo, em alguns casos, o ressarcimento dos danos emergentes».

Notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54.º e 55.º, n.º 3, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, veio o Primeiro-Ministro apresentar "pronúncia» sobre o pedido, a qual rematou com as seguintes "conclusões»:

"A) Não há inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral de transportes, por violação do disposto no artigo 60.º, n.º 1, in fine, quando articulado com o preceituado no artigo 18.º, n.os 2 e 3, ambos da Constituição da República.

A cláusula específica limitativa da responsabilidade contratual prevista na norma cuja constitucionalidade se impugna funda-se num interesse público de especial relevo que encontra suporte no disposto nos artigos 2.º, 9.º, alínea d), e 91.º, alíneas a), d) e i), da Constituição da República.

A cláusula específica limitativa da responsabilidade prevista na tarifa geral de transportes, relativa unicamente a atrasos, falta de correspondência e supressão de comboios, mostra-se constitucionalmente admissível, legítima e razoável face ao fim de interesse público relevante que visa satisfazer.

Do mesmo modo, e por idêntica ordem de razões, não afecta o âmbito e conteúdo essencial de aplicação, o reduto intransponível do direito à reparação de danos consagrado no artigo 60.º, n.º 1, in fine, da Constituição da República;

B) Não há inconstitucionalidade das normas constantes do n.º 1 do artigo 78.º, do n.º 1 do artigo 79.º, do n.º 1 do artigo 80.º, do n.º 1 do artigo 81.º, dos n.os 1 e 2 do artigo 82.º e do n.º 1 do artigo 83.º (na parte que refere que a importância da indemnização não pode exceder o limite a que se refere o artigo 78.º) do Regulamento do Serviço Público de Correios, por violação do disposto no artigo 60.º, n.º 1, in fine, quando articulado com o preceituado no artigo 18.º, n.os 2 e 3, ambos da Constituição da República.

A cláusula específica limitativa da responsabilidade contratual quanto a certo tipo de produtos, serviços e danos prevista nas normas cuja constitucionalidade se impugna funda-se num interesse público de especial relevo que encontra suporte no disposto nos artigos 2.º, 9.º, alínea d), e 81.º, alíneas a), d) e i), da Constituição da República.

A cláusula específica a que se faz referência supra mostra-se constitucionalmente admissível, legítima e razoável face ao fim de interesse público relevante que visa satisfazer.

Consequentemente, não afecta o âmbito e conteúdo essencial de aplicação, o reduto intransponível do direito à reparação de danos consagrado no artigo 60.º, n.º 1, in fine, da Constituição da República;

C) O direito nas distribuições - o princípio da justiça distributiva - em que assenta o fim de interesse público reclamado pelo Governo impõe que no domínio dos serviços públicos a actuar em sectores relevantes da economia nacional o interesse colectivo possa sobrelevar o interesse individual.

A ordem pública constitucional é, antes de mais, nesta sede, sinónimo de paz e bem-estar económico e social, de uma forma de realização de uma 'democracia económica e social' (artigo 2.º da Constituição) com desenvolvimento sustentado e padrões exigentes de qualidade elevada que satisfaçam as necessidades colectivas e a universalidade dos cidadãos. Nisto consiste a passagem de um sistema liberal de individualismo possessivo a um sistema liberal social-integrativo.»

Fixada a orientação do Tribunal, após a apresentação de memorando elaborado pelo seu Vice-Presidente, foi o processo distribuído ao relator por designação efectuada pelo Presidente.

2 - As normas em apreço rezam do seguinte jeito:
Tarifa geral de transportes, aprovada pela Portaria 403/75, de 30 de Junho, alterada pelas Portarias 1116/80, de 31 de Dezembro e 736-D/81, de 28 de Agosto (parte I).

"Artigo 19.º
Atrasos. Falta de correspondência. Supressão de comboios
1 - O caminho de ferro não responde pelos danos causados aos passageiros resultantes de atrasos, supressão de comboios ou perdas de enlace. No entanto, quando, em consequência de atraso, um comboio perder o enlace com outro ou um comboio for suprimido em todo ou em parte do percurso, o caminho de ferro apenas se obriga a fazer seguir o passageiro e a sua bagagem, sem qualquer acréscimo de preço (independentemente da categoria do comboio, tipo de bilhete ou ainda que o passageiro tenha que viajar em classe superior), por um comboio que sirva a estação de destino do passageiro, pela mesma linha ou por outro itinerário, de maneira a permitir-lhe chegar ao destino com o menor atraso possível, ou a reembolsá-lo da importância correspondente ao percurso não efectuado, sem pagamento de qualquer taxa.

2 - ...»
Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei 176/88, de 18 de Maio, e publicado em anexo a esse diploma.

"Artigo 78.º
Correspondências registadas
1 - No caso de perda, espoliação total ou avaria total do conteúdo de uma correspondência registada, o remetente tem direito à importância reclamada, não podendo exceder a quantia equivalente a 20 vezes a taxa de registo paga; esta importância pode ser elevada ao quíntuplo, por cada saco especial de impressos para o mesmo destinatário e para o mesmo destino expedido sob registo.

2 - ...
3 - ...
Artigo 79.º
Cartas com valor declarado
1 - Nas cartas com valor declarado, o montante da indemnização é o correspondente ao valor real da perda, espoliação ou avaria, não podendo em caso algum exceder a importância declarada.

2 - ...
3 - ...
4 - ...
5 - ...
Artigo 80.º
Serviço público de telecópia
1 - O remetente tem direito a uma indemnização correspondente ao valor real da perda ou da inutilização, nos circuitos da empresa operadora, do documento apresentado para reprodução, não podendo aquela exceder o limite que estiver legalmente estabelecido pela perda de uma correspondência registada, sendo devida a restituição da taxa paga.

2 - ...
Artigo 81.º
Encomendas postais
1 - O remetente tem direito a uma indemnização correspondente à importância real da perda, da espoliação ou da avaria de uma encomenda postal registada, não podendo aquela exceder:

a) Para as encomendas com valor declarado, a importância do valor declarado;
b) Para as encomendas registadas, a importância correspondente ao produto da taxa de registo de uma correspondência, em vigor na data de aceitação, pelo factor 20, 30 ou 40, respectivamente para uma encomenda até 5 kg, de mais de 5 kg até 10 kg e de mais de 10 kg.

2 - ...
3 - ...
4 - ...
Artigo 82.º
Objectos à cobrança
1 - No caso de perda, espoliação ou avaria de um objecto à cobrança antes de esta se ter efectuado, a indemnização é a fixada para uma correspondência ou encomenda simplesmente registada ou com valor declarado, conforme o caso.

2 - Se um objecto à cobrança tiver sido entregue sem o pagamento da totalidade da quantia devida, a indemnização é igual à importância não cobrada.

3 - ...
Artigo 83.º
Títulos à cobrança
1 - A indemnização pela perda de títulos à cobrança, depois de aberto o sobrescrito que os contém no estabelecimento postal encarregado da cobrança ou quando da restituição ao remetente dos títulos não pagos, é correspondente à importância real do prejuízo causado, não podendo exceder o limite a que se refere o artigo 78.º

2 - ...»
3 - Muito embora, posteriormente à data da apresentação inicial do pedido (23 de Junho de 1999, sendo que o respectivo requerimento consubstanciador veio a ser substituído por um outro em 1 de Setembro seguinte, pretensão que veio a ser aceite), tivesse entrado em vigor a Lei 102/99, de 26 de Junho - diploma que estabeleceu as bases gerais a que obedece o estabelecimento, gestão e exploração de serviços postais no território nacional, bem como os serviços internacionais com origem ou destino no território nacional - o que é certo é que desse diploma não resultou a revogação expressa do decreto-lei que aprovou o Regulamento do Serviço Público de Correios (em que se inserem as normas impugnadas), determinando o artigo 25.º de tal lei que as disposições constantes do indicado Regulamento, bem como as medidas regulamentares adoptadas ao seu abrigo e que se não mostrassem incompatíveis com o nela estabelecido, se mantinham em vigor até à entrada em vigor dos respectivos diplomas de desenvolvimento.

Acontece que, após a vigência da aludida Lei 102/99, foram tão-só, no que ora releva, editados os Decretos-Leis n.os 448/99, de 4 de Novembro (que aprovou as bases de concessão do serviço postal universal, a outorgar entre o Estado Português e os CTT - Correios de Portugal, S. A.), 150/2001, de 7 de Maio (que aprovou o regime de acesso e exercício da actividade de prestador de serviços postais explorados em concorrência), e 116/2003, de 12 de Junho (que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2002/39/CE , de 10 de Junho, e alterou as bases de concessão do serviço postal universal aprovadas por aquele Decreto-Lei 448/99, o citado Decreto-Lei 150/2001 e o artigo 14.º, n.º 2, da Lei 102/99).

Ora, nenhum destes diplomas operou a revogação expressa do Decreto-Lei 176/88 ou dispôs sobre a matéria regulada no Regulamento do Serviço Público de Correios, pelo que se haverá de concluir que as apreciandas normas insertas no mesmo se mantêm em vigor.

4 - Independentemente da questão de saber se o direito dos consumidores à reparação de danos poderá, ou não, ser considerado um direito análogo ao dos direitos, liberdades e garantias para efeitos de aplicação, ex vi do artigo 17.º da lei fundamental, do regime consagrado no seu artigo 18.º (cf., sobre o ponto, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., p. 323, e Vieira de Andrade no artigo "Os direitos dos consumidores como direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976», publicado no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXXVIII, 2002, pp. 52 e segs.) - questão na qual o Tribunal não entrará - o que é certo é que, de todo o modo, se trata de um direito que a Constituição veio expressamente a consagrar.

O Tribunal considera que do direito constitucional em causa, dada a forma como se encontra consagrado, não resulta que seja vedado ao legislador ordinário efectuar modelações do regime ao mesmo atinente, por sorte que, necessariamente, tenham de ficar prescritas regras de acordo com as quais a totalidade dos danos sofridos pelo consumidor lesado tenha de ser ressarcida, quer do ponto de vista qualitativo, quer do ponto de vista quantitativo.

Assim, quanto a este ponto, entende-se que a exigência, constante da parte final do n.º 1 do artigo 60.º da Constituição, no sentido de os consumidores terem direito à reparação de danos que sofram em consequência de uma menor qualidade dos bens e serviços consumidos, não implica que essa reparação tenha, inelutavelmente, de ser integral.

Inultrapassável, porém, em face da citada disposição constitucional, é a consideração segundo a qual esta mesma disposição aponta para, em face de prejuízos que para o consumidor advieram da assinalada menor qualidade dos bens e serviços e consumidos, não fique ele, liminar ou globalmente, desprovido de qualquer ressarcimento.

Neste particular, é curial citar-se a sentença n.º 254, de 20 de Junho de 2002, proferida pelo Tribunal Constitucional italiano, que admitiu que o legislador ordinário consagrasse uma disciplina própria e específica - ainda que baseada em critérios mais restritivos que os consagrados para os demais casos de responsabilidade civil pelo incumprimento de negócios jurídicos - da responsabilização pelos danos causados aos utentes dos serviços postais.

Todavia, nessa sentença foi vincado que, não obstante a discricionariedade do legislador na regulação desta matéria, seria inadmissível que dessa regulação resultasse uma total exclusão de responsabilidade do serviço público prestador do serviço.

4.1 - Assentes estas premissas, iniciar-se-á a apreciação das questionadas normas pela ínsita no n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral de transportes (parte I).

Segundo o solicitante, aquele normativo será conflituante com o n.º 1 do artigo 60.º da Constituição na medida em que tem por efeito excluir a responsabilidade do caminho de ferro pelos danos patrimoniais ou não patrimoniais sofridos pelo utente em consequência de atrasos, supressão de comboios ou perdas de enlace, quer os prejuízos sofridos sejam, objectiva ou subjectivamente, imputados à transportadora ou seus comissários.

De um primeiro passo, deverá sublinhar-se que o Tribunal entende que, como resulta da literalidade do preceito, o mesmo vem estabelecer uma regra de harmonia com a qual o caminho de ferro se não responsabiliza pelos prejuízos, seja qual for a sua natureza, sofridos pelos passageiros desse meio de transporte em razão de atrasos, supressão de comboios ou perdas de enlace, e isso independentemente dos motivos que deram origem a tais eventos.

É facto que do comando consagrado no segundo período do n.º 1 do artigo 19.º se extrai que o caminho de ferro se obriga, nos casos de perda de enlace em consequência de atraso ou de supressão de um comboio em todo ou em parte do percurso, a fazer seguir o passageiro e a sua bagagem, sem qualquer acréscimo de preço e independentemente da categoria do comboio, tipo de bilhete ou da classe superior em que eventualmente tenha de viajar, por um comboio que sirva a estação de destino, pela mesma linha ou por outro itinerário, ou, ainda, a reembolsá-lo da importância correspondente ao percurso não efectuado, sem pagamento de qualquer taxa.

Simplesmente, entende o Tribunal que uma tal estatuição não pode, por si só, ser considerada como uma forma de estabelecimento de limites, seja ao quantum, seja ao quid indemnizatório.

Na verdade, fazer seguir o passageiro de maneira a fazê-lo chegar ao seu destino com o menor atraso possível ou reembolsá-lo da importância correspondente ao percurso não efectuado, haja, ou não, no evento de não realização da viagem, culpa do transportador, não significa mais do que, no primeiro caso, o cumprimento - possivelmente dada a ocorrência de uma impossibilidade temporária - da obrigação, a cargo do caminho de ferro, adveniente do contrato de transporte que firmou com o passageiro que ainda continue interessado na manutenção desse contrato.

No segundo, a ocorrência, quer de uma situação de incumprimento, quer de uma situação em que o cumprimento já se não apresenta como interessando à "contraparte» - o passageiro. E, porque este último já prestou a contraprestação a seu cargo - o pagamento do preço da viagem -, e porque a ele não é imputável, seja o incumprimento, seja a mora na realização da prestação, sempre, segundo as regras civis comuns, lhe assistiria o direito de exigir o equivalente àquela contraprestação (cf. artigos 790.º e segs. do Código Civil).

Ora, nos termos das assinaladas regras civis, como sabido é, designadamente nos casos de mora, da simples constituição do devedor em mora resulta a obrigação de este reparar os prejuízos causados ao credor, cominando-se, aliás, a nulidade de qualquer cláusula pela qual o credor renuncie antecipadamente aos direitos que lhe são conferidos pelas divisões I a IV da subsecção II da secção II do capítulo VII do livro II do Código Civil, afora os casos a que se reporta o n.º 2 do seu artigo 800.º (cf. artigo 809.º do mesmo compêndio normativo).

Só que a norma ínsita no primeiro período do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral de transportes (parte I) aponta inquestionavelmente, como se viu já, no sentido de o caminho de ferro se não responsabilizar pelos prejuízos, qualquer que seja a respectiva natureza, advindos aos passageiros e motivados por atrasos, supressão de comboios ou perdas de enlace independentemente das razões, objectivas ou imputáveis subjectivamente ao transportador, que deram lugar a tais atrasos, supressões ou perdas de enlace.

De outra banda, sendo certo que a disposição inserta no segundo período do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral de transportes (parte I) não pode ser entendida como uma forma de limitação, quantitativa ou qualitativa, de prejuízos sofridos pelo passageiro resultantes de atrasos, supressão de comboios ou perdas de enlace (não funcionando, pois, como uma verdadeira regra liberatória de um dever de indemnizar, pois que não existe o mínimo vestígio de onde se extraia que no "contrato de transporte» celebrado, as "partes» convencionaram a exclusão de responsabilidade nos termos em que ela é permitida), haverá, igualmente, de concluir-se que o comando do dito n.º 1 do artigo 19.º vem, afinal, e mesmo independentemente da graduação da culpa do transportador, vedar totalmente que qualquer prejuízo advindo aos passageiros (que aqui se postam como consumidores do serviço de transporte facultado pelos caminhos de ferro), por força daqueles eventos, possa ser objecto de ressarcimento pelo prestador de tal serviço.

4.3 - Por outro lado, ainda, entende o Tribunal que o indicado normativo não se apresenta por si só como tendo por finalidade o estabelecimento de uma disposição genérica ou "cláusula» do "contrato de transporte ferroviário» e de harmonia com a qual o contraendo transporte poderia acarretar um cumprimento não atempado ou, se se quiser, pontual e que, por via do assim clausulado, aceite pela outra "parte», conduziria a que esta última não poderia responsabilizar o transportador pelo danos que porventura viesse a sofrer, seja pelo incumprimento, seja pelo não cumprimento pontual.

No entanto, não se poderá escamotear que o diploma em que tal normativo se insere, para além de regular, basicamente, as tarifas devidas pelos passageiros e bagagens pelo seu transporte pelo caminho de ferro, contém, no seu capítulo II, epitetado "Contrato de transporte», um preceito (artigo 5.º) que dispõe do seguinte modo:

"Artigo 5.º
Normas aplicáveis. Obrigatoriedade de transporte
1 - O contrato de transporte regula-se pela legislação vigente que lhe respeite e pelo disposto na presente tarifa.

2 - O caminho de ferro obriga-se a efectuar os transportes indicados no artigo 1.º sempre que:

a) O passageiro se conforme com as disposições da presente tarifa;
b) Os transportes sejam possíveis com os meios disponíveis que foram dimensionados para satisfazer as necessidades do tráfego normal;

c) Os transportes não sejam impedidos por factos que o caminho de ferro não possa evitar ou não possa remediar.»

Do transcrito preceito resulta o estabelecimento de disposições genéricas do transporte pelos caminhos de ferro (ou, se assim for entendido, de "cláusulas» do "contrato de transporte»), a que os utentes (ou as "contrapartes» transportandas que vão firmar esse "contrato») aderem e segundo as quais o prestador do serviço unicamente se vincula à obrigação sobre si impendente - a do transporte - se esta for possível atendendo aos meios que dimensionou tendo em conta um tráfego normal e desde que o transporte se não impossibilite em razão de acontecimentos cuja ocorrência não possa evitar ou lhe não seja possível remediar, sem, neste particular, se fazer destrinça sobre se esses acontecimentos são imputáveis, e seja a que título for, aos caminhos de ferro.

Mas, se isto é assim, então convir-se-á que as ditas disposições apontam no sentido de ressalvarem, nas condições nelas estabelecidas, um cumprimento pontual do "contrato de transporte», por forma que o utente veja assegurado o seu transporte, a ocorrerem aquelas condições.

Ora, os utentes do caminho de ferro, ao celebrarem com este o "contrato de transporte», não deixam de "aderir» às referidas disposições genéricas ou "cláusulas» daquele "contrato», "contrato» este em que, ao fim e ao resto, se vem estatuir que a obrigação que recai sobre o prestador de serviço pode não ser cumprida, ou não cumprida pontualmente, se os meios disponíveis dimensionados para assegurar um tráfego normal não permitirem o transporte ou se ocorrerem eventos que não possa evitar ou remediar.

E, colhendo os utentes a aceitação (ao menos por "adesão») do "contrato de transporte» gizado com tais peculiaridades, assumiram ser "contrapartes» num negócio jurídico em que a prestação a cargo da outra "parte» poderia não ser realizada, verificadas que fossem as ocorrências constantes das "disposições genéricas» ou "cláusulas» a que aludem as alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 5.º da tarifa geral de transportes. E, sendo assim, não será exigível pelo utente, em tais circunstâncias, a prestação que derivava para o caminho de ferro do "contrato de transporte» que entre este e aquele foi firmado, consequentemente não podendo o primeiro responsabilizar o segundo pelos prejuízos que porventura vier a sofrer em virtude do não cumprimento ou do não cumprimento pontual do negócio celebrado.

Não estando em causa, nestes autos, a apreciação deste último normativo (recorde-se, o do artigo 5.º da tarifa geral de transportes), não poderá o Tribunal, limitado que está pelo princípio do pedido, fazer impender sobre a norma constante do primeiro período do n.º 1 do artigo 19.º da mesma tarifa a "irresponsabilização» do caminho de ferro nos casos em que, para os utentes, resultem prejuízos da não efectivação do transporte sempre que não haja possibilidade da sua realização em face dos meios dimensionados para a satisfação das necessidades do tráfego normal ou quando o transporte seja impedido pela ocorrência de factos que o caminho de ferro não pôde evitar ou remediar.

Todavia, fora daqueles casos ficam situações em que não tenha havido, por banda do caminho de ferro, um adequado dimensionamento do transporte, tendo em conta as necessidades de um tráfego normal, ou em que, não obstante terem ocorrido factos que impossibilitem o transporte, o caminho de ferro não evitou ou remediou, tendo tido oportunidade ou possibilidade para tanto.

Ora, nesses casos, os "utentes/consumidores» do caminho de ferro, por força do normativo agora em apreço, ficam totalmente desprovidos de ressarcimento pelos prejuízos que sofram em razão da não realização do seu transporte.

Sendo isto assim, e porque, como se viu, perante a regra prescrita no artigo 5.º da tarifa geral de transportes o passageiro se vê confrontado com a impossibilidade de ressarcimento naqueloutras situações para além dos casos de que nos ocupamos, haverá que se chegar à conclusão de que a estatuição do artigo 19.º da indicada tarifa vem, afinal, retirar toda e qualquer eventualidade de o lesado pela falta de transporte poder ser minimamente indemnizado pelos prejuízos que sofreu em consequência dessa falta.

E, neste enquadramento, redundará uma inevitável afectação global do direito constitucional que o passageiro, enquanto consumidor do serviço de transporte ferroviário, desfruta ex vi da parte final do n.º 1 do artigo 60.º do diploma básico, motivo pelo qual, naquela precisa dimensão, é a norma constante do primeiro período do artigo 19.º da tarifa geral de transportes colidente com o dito preceito constitucional.

5 - É ocasião de volver a atenção para os normativos ínsitos no n.º 1 do artigo 78.º, no n.º 1 do artigo 79.º, do n.º 1 do artigo 80.º, no n.º 1, alíneas a) e b), do artigo 81.º, nos n.os 1 e 2 do artigo 82.º e no n.º 1 do artigo 83.º, todos do Regulamento do Serviço Público de correios.

Da leitura desses preceitos não se pode extrair que os mesmos vêm a consagrar uma global irresponsabilização do serviço público dos correios nos casos de perda, espoliação ou avaria de correspondência registada, cartas com valor declarado, encomendas postais, títulos à cobrança ou objectos à cobrança, e perda ou inutilização, nos circuitos da empresa operadora, do documento utilizado para reprodução por via de telecópia.

Na verdade, aquilo que as normas agora em apreço vêm, efectivamente, a consagrar é o estabelecimento de um valor máximo a suportar pelo serviço público dos correios como contrapartida pela perda, espoliação, avaria dos bens confiados a tais serviços com o fim da respectiva entrega ao destinatário ou pela perda ou inutilização dos documentos, também a eles confiados, para reprodução por telecópia.

Poderá, pois, sem que grandes dúvidas a esse respeito se suscitem, dizer-se que os limites indicados nas normas do Regulamento do Serviço Público de Correios aqui em análise representam a consagração do valor máximo de ressarcimento do utente pela ocorrência dos eventos de que resulta a perda, espoliação, avaria ou inutilização dos bens que foram confiados a tais serviços.

Ora, se são facilmente figuráveis situações em que o quantum máximo indemnizatório previsto naquelas normas possa não ressarcir o prejuízo real sofrido pelos referidos eventos, nem por isso se concluirá que elas padeçam de enfermidade constitucional por violação da última parte do n.º 1 do artigo 60.º da lei fundamental.

5.1 - Efectivamente, como acima já se assinalou, a exigência constante da parte final daquele preceito constitucional não aponta para que se extraia que os consumidores devam ter direito a uma reparação integral de danos que sofram em consequência de uma menor qualidade dos bens e serviços consumidos, o que vale por dizer que a dita exigência não implica que a indicada reparação tenha, inelutavelmente, de ser integral.

E, como decorre do que acima se veio de expor, aquilo que se apresenta como inultrapassável é a circunstância de os consumidores que tenham sofrido prejuízos em razão de uma menor qualidade dos bens e serviços consumidos não fiquem, globalmente, desprovidos de um ressarcimento.

Sendo isto assim, entende o Tribunal que o direito consagrado na parte final do n.º 1 do artigo 60.º da Constituição não veda que o legislador ordinário, no uso da sua liberdade de conformação, venha a modelar o ressarcimento dos prejuízos causados aos consumidores e motivados por uma menor qualidade dos bens e serviços consumidos, por sorte que a respectiva indemnização possa ser fixada em limites menores do que aqueles que, de acordo com as regras gerais comuns do ordenamento jurídico, poderiam conferir um mais amplo ressarcimento.

Ponto é, contudo, que, no estabelecimento desses limites, de uma parte, não se venha a tornar desprovido de significado o "núcleo» do direito consagrado na parte final do n.º 1 do artigo 60.º da Constituição, ou seja, que o direito à reparação dos danos dos consumidores, na prática, não venha ser impossibilitado de operar; de outra, que dos limites fixados não resulte um ressarcimento irrisório ou desprezível e, por fim, que, a haver limitações à reparação integral dos prejuízos, sejam elas justificadas pelos interesses em presença.

5.2 - Ora, muito embora, como acima se desenhou, seja figurável que os prejuízos reais sofridos pelos utentes em razão da perda, espoliação ou avaria dos bens ou valores confiados aos correios ou pela perda ou inutilização dos documentos a transmitir por telecópia possam situar-se em patamar quantitativamente superior, haverá que reconhecer que as regras estabelecedoras das indemnizações, designadamente tendo em conta os casos em que o utente não optou pela remessa de correspondência ou encomendas com valor declarado e, por isso, assumiu a contingência de não fornecer o exacto ou real valor dos bens entregues aos correios, não deixam de apontar para quantitativos que ainda se revestem de razoabilidade, não podendo ser considerados irrisórios ou como correspondentes, na prática, à não dação de qualquer indemnização.

Por outro lado, não se deve passar em claro que se trata de um serviço público, concessionado, cuja missão é a de proporcionar meios de correspondência acessíveis à população e que não demande a esta onerosos encargos.

É patente que, se os níveis indemnizatórios se colocassem em termos idênticos aos regulados na legislação civil comum atinente aos negócios jurídicos entre particulares, a parte que prestava os serviços haveria que repercutir no preço das suas prestações um montante que, em abstracto, "compensasse» a eventualidade de ter de proceder a uma mais ampla reparação de danos sofridos pela contraparte, com as inerentes repercussões na finalidade de prossecução de um serviço público acessível aos cidadãos.

Neste contexto, tratando-se de um serviço público vocacionado a proporcionar a toda a comunidade prestações indispensáveis à sua vivência, sem que, em contrapartida, se lhe exija encargos acentuados, é justificada a adopção de medidas legislativas limitadoras dos montantes indemnizatórios que, como se viu, não se apresentam como irrisórios ou irrazoáveis.

E, para além destas considerações, o que é certo é que não se pode deixar de ter em consideração que, relativamente a quase todas as normas do Regulamento do Serviço Público de Correios, o utente pode optar por utilizar correspondência com valor declarado - caso em que a indemnização é a correspondente ao valor real da perda, espoliação ou avaria referente ao valor declarado.

Perante estas considerações, entende o Tribunal que as apreciandas normas do Regulamento do Serviço Público de Correios não ofendem a Constituição.

6 - Em face do que se deixa dito, o Tribunal decide:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do n.º 1 do artigo 60.º da Constituição, da norma constante do primeiro período do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral de transportes, aprovada pela Portaria 403/75, de 30 de Junho, alterada pelas Portarias 1116/80, de 31 de Dezembro e 736-D/81, de 28 de Agosto, na parte em que a mesma exclui inteiramente a responsabilidade do caminho de ferro pelos danos causados aos passageiros resultantes de atrasos, supressão de comboios ou perdas de enlace;

b) Não declarar a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 78.º, n.º 1, 79.º, n.º 1, 80.º, n.º 1, 81.º, n.º 1, alíneas a) e b), 82.º, n.os 1 e 2, e 83.º, n.º 1, todos do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei 176/88, de 18 de Maio.

Lisboa, 16 de Novembro de 2004. - Bravo Serra - Maria Helena Brito - Rui Manuel Moura Ramos - Paulo Mota Pinto [vencido quanto à alínea a) da decisão, nos termos da declaração de voto anexa] - Maria dos Prazeres Pizarro Beleza [vencida quanto à alínea a) da decisão, no essencial, pelas razões apontadas na declaração de voto do conselheiro Pamplona de Oliveira, embora não exclua, em absoluto, a consideração do n.º 1 do artigo 60.º da Constituição] - Benjamim Rodrigues [vencido quanto à alínea a) da decisão pelas razões constantes da declaração anexa] - Vítor Gomes [vencido quanto à alínea a) da decisão, nos mesmos termos da declaração de voto da conselheira Maria dos Prazeres Beleza] - Gil Galvão [vencido quanto à alínea a) da decisão por entender, no essencial, que, não podendo o n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral de transportes deixar de ser lido na sua integralidade, se outras razões não houvesse, pelo menos as razões encontradas para fundamentar o julgamento de não inconstitucionalidade contido na alínea b) da decisão justificariam o mesmo juízo em relação à norma referida naquela alínea a)] - Maria Fernanda Palma [vencida quanto à decisão constante da alínea b) e votando a alínea a) num âmbito de inconstitucionalidade menos restrito, nos termos da declaração de voto junta] - Mário José de Araújo Torres [vencido quanto à decisão constante da alínea b), nos termos da declaração de voto junta] - Carlos Pamplona de Oliveira [vencido quanto à alínea a) da decisão nos termos da declaração que junto] - Artur Maurício (com voto de qualidade - artigo 42.º, n.º 2, da LTC).


Declaração de voto
1 - Votei no sentido da não inconstitucionalidade da norma constante do artigo 19.º, n.º 1, da tarifa geral de transportes, apesar de entender que a sua disciplina deve ser confrontada, directamente ou por analogia, com os limites legalmente impostos à validade das "cláusulas contratuais gerais».

A norma em questão, que integra a tarifa geral de transportes (TGT), tem função idêntica à destas cláusulas, integrando o contrato de transporte ferroviário (o que, aliás, se admite no acórdão e é inculcado por outras disposições da TGT - por exemplo, o artigo 5.º, n.º 1, que remete para a "legislação vigente»). Como se salienta na doutrina para as próprias "exclusões ou limitações legais de responsabilidade», "apesar de a sua fonte legal lhes conferir a natureza de normas jurídicas, a sua função corresponde à das cláusulas limitativas e de exclusão convencionais, pelo que deverão aplicar-se-lhes, em regra, as mesmas restrições» - António Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Coimbra, 1985 (reimp. 2003), p. 243, n. 56 (defendendo igualmente a sujeição dos contratos celebrados entre fornecedores e utentes de "serviços públicos essenciais» "ao regime comum dos contratos de adesão», por forma a evitar "um 'artifício regulamentar' consistente em colocar em regulamento regras equivalentes a cláusulas contratuais abusivas», cf. Carlos Ferreira de Almeida, "Serviços públicos, contratos privados», in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, vol. II, Coimbra, 2002, pp. 127 e 128). A aplicação à norma em apreço (aprovada por mero regulamento) daquele regime legal permite identificar, com a necessária precisão e rigor, critérios para a admissibilidade da exclusão de responsabilidade do caminho de ferro, tendo em conta, designadamente, a natureza dos danos em questão e a circunstância de o atraso, a perda de enlace ou a supressão de comboio se dever, ou não, a dolo ou culpa grave. E isto, com o eventual resultado de a exclusão, directa ou indirecta, da responsabilidade do caminho de ferro ser considerada abusiva, e, consequentemente, nula [cf., designadamente, o artigo 18.º, alínea c), do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro].

2 - É justamente o indispensável discernimento dos critérios de validade aplicáveis que não consigo encontrar na norma constitucional em que se baseou a declaração de inconstitucionalidade a que chegou o presente acórdão - o artigo 60.º, n.º 1, da Constituição da República -, norma essa cuja aplicação ao presente caso suscita ainda, a meu ver, outras dificuldades (sem prejuízo, como disse, de os limites infraconstitucionais à disciplina em causa poderem ir mais além, e conduzirem à sua invalidade).

Assim, quanto ao seu âmbito subjectivo: o artigo 60.º, n.º 1, da Constituição refere-se apenas aos "consumidores», tornando-se necessário esclarecer se se aplica a todos os "utentes» (a Lei 23/96, de 26 de Julho, que disciplina os "serviços públicos essenciais», refere-se a "utentes») ou apenas a quem utilize o serviço para fins privados, ou não profissionais (conceito, este, de "consumidor» adoptado já na primeira Lei de Defesa do Consumidor - artigo 2.º da Lei 29/81, de 22 de Agosto -, e que precedeu a própria consagração constitucional do direito dos consumidores à reparação de danos, pela I revisão constitucional].

Mesmo admitindo um conceito amplo de "consumidor», suscitam-se dúvidas sobre a qualificação do direito à reparação de danos como "direito de natureza análoga» à dos direitos, liberdades e garantias. Isto, tendo em conta (para além de que a consagração desse direito não dispensa a previsão, a nível legal, da correspondente "situação de responsabilidade»), designadamente, que o dever do Estado de prever mecanismos preventivos e de ressarcimento de danos (a responsabilidade civil) causados por violações, quer de direitos absolutos, quer de direitos de crédito, não se restringe, de modo algum, às relações com consumidores, e antes resulta, no plano constitucional, logo da própria consagração das posições subjectivas violadas - designadamente, e fora dos bens jurídicos pessoais, da garantia constitucional da propriedade privada.

Em terceiro lugar, o confronto com o direito à reparação de danos do artigo 19.º, n.º 1, da TGT não dispensaria, também, a resposta ao problema de saber se se prevê nesta disposição uma verdadeira exclusão da responsabilidade civil - do dever de reparação de danos -, ou, antes, uma limitação do objecto do contrato de transporte - uma limitação das obrigações contratuais do caminho de ferro, como a que resulta, claramente, do artigo 5.º, n.º 2, da TGT (que delimita os termos da própria obrigação de transporte). Neste último caso, uma eventual violação do direito à reparação de danos resultantes do não cumprimento do contrato seria apenas indirecta, estando, directamente, em causa os limites da obrigação contratual, e, quando muito, o direito à qualidade do serviço, cuja definição (e "justiciabilidade») se afigura bem mais problemática.

Por último, e decisivamente, a análise da validade da referida cláusula no plano do confronto com a referida norma constitucional carece, a meu ver, da necessária "capacidade distintiva» das modulações admissíveis (mesmo das admitidas no acórdão) do regime da responsabilidade civil. O legislador dispõe, em princípio, da liberdade de conformar mais ou menos limitativamente o regime da responsabilidade civil, seja deixando a perda ficar onde sobreveio, seja definindo condições para a obrigação de indemnização, seja limitando os danos ressarcíveis - por exemplo, a danos emergentes ou a um certo montante. Independentemente das questões de saber se tal conformação é particularmente justificada no caso de obrigação de prestação de um serviço público, se os exactos termos da sua validade devem ser censurados no plano infraconstitucional, ou se uma excessiva limitação da responsabilidade poderia violar outros parâmetros constitucionais, não me parece que se possam retirar logo do artigo 60.º, n.º 1, da Constituição da República os indispensáveis critérios de admissibilidade dessa limitação. Na dúvida sobre estes critérios, não me pronunciei no sentido da inconstitucionalidade. - Paulo Mota Pinto.


Declaração de voto
1 - Votei no sentido da não inconstitucionalidade da norma constante do artigo 19.º, n.º 1, da tarifa geral de transportes.

2 - Como o próprio acórdão aceita, esta norma não pode ser entendida desligadamente do quadro normativo estabelecido no artigo 5.º da mesma tarifa, relativo ao contrato de transporte ferroviário, até porque, segundo o disposto no n.º 1 deste preceito, essa norma, enquanto prevista na "presente tarifa», não pode deixar de integrar o bloco de juridicidade explicitado no preceito pelo qual o contrato de transporte se fica a reger, nele se incluindo, igualmente, o disposto na legislação vigente que respeite ao contrato de transporte.

Cumpre lembrar que tal preceito dispõe que "o contrato de transporte regula-se pela legislação vigente e pelo disposto na presente tarifa», sendo que por "tarifa» se deve aqui considerar o regulamento em causa, com base no qual se cobram taxas, pois, como se sabe, o termo verbal pode ser lido também como tipo tributário análogo a taxa, no âmbito do direito tributário.

3 - Ora, decorre desde logo desse artigo 5.º - sendo que se trata de uma ideia que se encontra presente na definição de toda a regulação efectuada na tarifa - que o contrato de transporte se encontra sujeito a um específico regime legal no que tange à obrigatoriedade de transporte.

O caminho de ferro está obrigado, de acordo com o prescrito no n.º 2 do mesmo artigo, a contratar e a efectuar a prestação de serviço de transporte com o "passageiro que se conforme (ou aceite as) com as disposições da tarifa» e "sempre que os transportes sejam possíveis com os meios disponíveis que foram dimensionados para satisfazer as necessidades do tráfego normal» e "os transportes não sejam impedidos por factos que o caminho de ferro não possa evitar ou não possa remediar».

De acordo com tal regime, a prestação do serviço de transporte ferroviário aos passageiros que a demandem está sujeita aos princípios da universalidade, neste se incluindo a inadmissibilidade legal da possibilidade de escolha do contraente e de recusa de contratar, possível relativamente a outros bens. Por outro lado, o fornecimento desse serviço está sujeito a um princípio de qualidade elevada que é normativamente definida (cf. o artigo 7.º da Lei 23/96, de 26 de Julho), afastando-se assim quaisquer critérios de padrões mínimos ou até de critérios médios na avaliação do grau de cumprimento da obrigação de transporte (cf. Carlos Ferreira de Almeida, "Serviços públicos, contratos privados», in Estudos de Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Colaço, p. 132).

No caso, esse grau de qualidade está espelhado na obrigatoriedade de efectuar o transporte do passageiro que cumpra as disposições da tarifa, sempre que os transportes sejam possíveis com os meios disponíveis que foram dimensionados para satisfazer as necessidades do tráfego normal e os transportes não sejam impedidos por factos que o caminho de ferro não possa evitar ou não possa remediar.

Como é evidente, a sujeição do caminho de ferro a tais princípios assenta na concepção histórica e social, que o legislador ordinário acolheu, do transporte ferroviário como correspondendo a uma prestação de um serviço público essencial, necessário ao desenvolvimento económico e social, à afirmação da coesão territorial e ao bem-estar de toda a comunidade económica e política, cuja prossecução não pode deixar de ver-se como tarefa fundamental do Estado, com assento, entre o mais, no artigo 9.º da Constituição.

Nesta perspectiva, o transporte ferroviário representa o que hoje se designa por "actividade de interesse geral que satisfaz necessidades básicas dos cidadãos».

Ora, aqueles princípios a que a prestação do serviço de transporte ferroviário está subordinado opõem-se do ponto de vista económico-financeiro. Enquanto a satisfação do primeiro demanda que o legislador opte pelo estabelecimento de mecanismos de definição de preços ou de regimes de compensação que possibilitem o acesso de toda a gente a esta espécie de bens essenciais - logo, sem exigência de preço ou com fixação de preços acessíveis ou preços baixos, alheados dos valores normais que decorreriam do funcionamento do mercado em regime de livre concorrência - já o segundo implica que tenham de ser efectuados avultados investimentos financeiros pois só com base neles será possível manter um padrão elevado de qualidade.

Assim sendo, não pode a lei fundamental deixar de reconhecer ao legislador ordinário a discricionariedade constitutiva para conformar os termos em que essa prestação de serviço público há-de ser feita, de modo a torná-la económico-financeiramente possível com os escassos recursos que o País possui. Um tal desiderato não poderá deixar de justificar que a extensão e expressão quantitativa do direito dos consumidores à reparação de danos, consagrado constitucionalmente, possa ser, no domínio dos prestadores de serviços de interesse económico geral, como é o caso, diferente do que sucede relativamente à actividade de prestação de outros bens, até por força dos próprios princípios constitucionais da necessidade e da proporcionalidade, pois não pode deixar de considerar-se que estes princípios postulam uma diferente exigência nos casos das actividades de prestação de bens ou de serviços sujeitos àqueles princípios específicos.

4 - Ora, ao contrário do que entendeu o acórdão, não vemos que o artigo 60.º, n.º 1, da Constituição, tenha um conteúdo prescritivo-constitucional densificado de tal modo que afaste toda a possibilidade de o legislador ordinário - para atender ao regime especial de prestação de tal serviço público essencial ou de interesse económico geral - poder arredar, salvaguardadas algumas obrigações decorrentes dos princípios da proporcionalidade, como são as previstas na segunda parte do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa (obrigação de fazer seguir o passageiro e a sua bagagem, sem qualquer acréscimo de preço, independentemente da categoria do comboio, tipo de bilhete ou ainda que o passageiro tenha de viajar em classe superior, por um comboio que sirva a estação de destino do passageiro, pela mesma linha ou por outro itinerário, de maneira a permitir-lhe chegar ao destino com o menor atraso possível, ou a reembolsá-lo da importância correspondente ao percurso não efectuado, sem pagamento de qualquer taxa), o direito de indemnização pelos danos causados aos passageiros resultantes de atrasos, supressão de comboios ou perdas de enlace, direito esse que lhe adviria da violação por parte dos caminhos de ferro das regras a que o contrato de transporte está sujeito estabelecidas no referido n.º 2 do artigo 5.º da tarifa.

E dizemos isto aceitando que, no conceito de consumidores adoptado pela Constituição, cabem seguramente os passageiros dos comboios, enquanto utilizadores, fora da prossecução (nessa utilização) de qualquer actividade económica ou profissional, de um serviço público essencial ou de interesse económico geral. De resto, a questão que é posta respeita apenas à exclusão de responsabilidade contratual prevista no artigo 19.º da tarifa e esta refere-se apenas aos passageiros, não abrangendo a utilização profissional ou económica dos caminhos de ferro pelas empresas, no desenvolvimento da sua actividade. Na verdade, embora não haja que saber, para resolver o problema posto, se o conceito constitucional de consumidores abrange ambas as realidades económico-jurídicas, não poderá desconhecer-se que a utilização dos serviços de interesse económico geral (de que curamos) poderá ser passível de destrinça, pelo menos a esse nível, podendo-se distinguir entre "utentes» (cf. a Lei 23/96, de 26 de Julho) e "consumidores» (cf. o artigo 2.º da Lei 29/81, de 22 de Agosto).

Ora, como o acórdão acentua, "do direito constitucional em causa, dada a forma como se encontra consagrado, não resulta que seja vedado ao legislador ordinário efectuar modelações do regime ao mesmo atinente, por sorte que, necessariamente, tenham de ficar prescritas regras de acordo com as quais a totalidade dos danos sofridos pelo consumidor lesado tenha de ser ressarcida, quer do ponto de vista qualitativo, quer do ponto de vista quantitativo».

A exclusão de responsabilidade dos caminhos de ferro prevista na primeira parte do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa apenas abrange, desde logo, um leque restrito de factos susceptíveis de gerar responsabilidade contratual, aí caracterizados (atrasos, supressão de comboios, perdas de enlace), deixando de fora ainda, mesmo no âmbito objectivo da sua hipótese, outro universo de eventos que poderão ainda gerar responsabilidade contratual por danos (danificação de bagagem por manuseamento incorrecto, sua perda ou extravio, danos pessoais ocorridos durante o transporte por defeito ou avaria dos meios de transporte, etc.), de onde ser manifestamente excessivo falar-se, como se faz no acórdão, de uma exclusão absoluta da obrigação de indemnizar.

E é claro que já nem sequer se fala da responsabilidade extra-contratual, totalmente afastada da hipótese da norma declarada inconstitucional.

Não se pode, assim, sequer falar da existência de uma exclusão de plano, como supõe o acórdão, da responsabilidade contratual, a qual retiraria - reconhece-se - o mínimo de sentido útil da norma constitucional, resultado este nunca admissível, mesmo atendendo aos princípios da necessidade e da proporcionalidade.

5 - Por outro lado, não pode deixar de reconhecer-se que o contrato de transporte ferroviário de passageiros constitui, à face do disposto no artigo 5.º da tarifa, um típico contrato de adesão em cujo figurino legalmente delineado, no que respeita à definição da responsabilidade contratual, se inclui a norma do artigo 19.º, n.º 1.

Deste modo há que concluir, correspondentemente, que esta norma tem a natureza de cláusula contratual (cf. António Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade, Coimbra, 1985, n. 561, p. 243).

Em tal domínio, vem-se aceitando a possibilidade de as partes contratantes poderem excluir algumas obrigações do conteúdo dos contratos, contanto que este não perca a sua função jurídico-económico-social típica, bem como a obrigação de responsabilidade, salvo em caso de dolo ou culpa grave (cf. António Pinto Monteiro, "Cláusulas limitativas do conteúdo contratual», in Estudos Dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, pp. 283 e segs. e 291 e segs.).

Ora, a aplicação deste limite legalmente imposto à validade das cláusulas contratuais gerais ao contrato de transporte ferroviário não está excluída, desde logo, pelo dito artigo 19.º, n.º 1, sob pena de o fazer entrar em contradição com o afirmado no n.º 1 do artigo 5.º da mesma tarifa, acima transcrito.

Sendo assim, verifica-se que nem toda a responsabilidade contratual, mesmo que susceptível de ser enquadrada objectivamente na hipótese n.º 2 do artigo 5.º da tarifa, pode ser tida como excluída pelo regime legal estabelecido pela referida tarifa.

Nesta perspectiva, e tendo em conta o que vem sendo dito, e ao contrário do defendido no acórdão, há que qualificar a exclusão de responsabilidade prevista no artigo 19.º da tarifa como uma simples forma de limitação qualitativa e quantitativa da obrigação de indemnização, que está cingida às hipóteses aí concretamente enunciadas, deixando de fora dela outras hipóteses de obrigação de responsabilidade (contratual fundada em dolo ou culpa grave, outros eventos susceptíveis de gerar responsabilidade contratual e responsabilidade extra-contratual).

6 - E vista assim a norma, não se vê, também, que ela não possa estar abrangida na extensão de discricionariedade normativo-constitutiva, relativa à densificação do direito dos consumidores à reparação de danos, deixada ao legislador ordinário, pela norma do artigo 60.º, n.º 1, da Constituição.

7 - Finalmente, importa concluir - afastada que está a hipótese de se tratar de uma exclusão absoluta do direito do consumidor à reparação por danos e dizendo a mesma respeito a uma actividade de fornecimento de serviço público de transporte ferroviário - que não se vê como é que o conteúdo do direito constitucional do consumidor à reparação de danos, consagrado no artigo 60.º, n.º 1, da Constituição, na própria densificação assumida pelo acórdão, possa continuar a justificar a ilegitimidade da concreta modelação do direito de indemnização expressada no mesmo acórdão. - Benjamim Rodrigues.


Declaração de voto
Votei vencida o presente acórdão quanto à alínea b) da decisão e, embora tivesse concordado com a alínea a), entendi que a dimensão da inconstitucionalidade deveria ser mais extensa do que a determinada pelo acórdão.

Assim, quanto à alínea b), penso que as normas em causa são inconstitucionais, porque as cláusulas de limitação da responsabilidade que as normas em crise consagram para o serviço de correios, na medida em que possam ir além de uma área de risco permitido e tolerável pelos utentes, em função do próprio interesse público, e em que permitam incluir eventuais comportamentos dolosos do serviço público de correios, introduzem uma desprotecção injustificada dos direitos do consumidor, violador dos artigos 60.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição.

Quanto à alínea a), considero que o apelo feito no acórdão ao artigo 5.º da tarifa geral de transportes não é justificado, não só por tal norma não constar do pedido (e não estar sequer excluída a sua inconstitucionalidade consequencial), como também porque tal norma ao consagrar cláusulas de um contrato de adesão, relativamente vagas e indeterminadas, poderia vir a limitar a responsabilidade do serviço de caminho de ferro numa dimensão excessiva e desproporcionada, tendo, aliás, em conta, a necessidade inultrapassável do utente em utilizar tal serviço em muitos casos. E não me parece que faça sentido afastar o problema de constitucionalidade só porque normas regulamentares possam ser tratadas como meras cláusulas de um contrato de adesão sujeitas ao respectivo regime comum, nos contratos entretanto celebrados, porque isso corresponderia afinal a considerar nula uma cláusula convencional com fonte legal, situação a que melhor corresponde a inconstitucionalidade da norma regulamentar por restrição desproporcionada dos direitos dos consumidores. - Maria Fernanda Palma.


Declaração de voto
Votei vencido quanto à decisão de não declaração de inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 78.º, n.º 1, 79.º, n.º 1, 80.º, n.º 1, 81.º, n.º 1, alíneas a) e b), 82.º, n.º 1, e 83.º, n.º 1, todos do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei 176/88, de 18 de Maio, por - tal como foi maioritariamente entendido quanto à norma constante do primeiro período do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral de transportes, aprovada pela Portaria 403/75, de 30 de Junho, alterada pelas Portarias 1116/80, de 31 de Dezembro e 736-D/81, de 28 de Agosto - considerar ser incompatível com o constitucionalmente garantido direito dos consumidores à reparação dos danos (parte final do n.º 1 do artigo 60.º da Constituição da República Portuguesa) a fixação de limites máximos (vários deles susceptíveis de conduzir a indemnizações claramente desrazoáveis) de responsabilidade quando tais limites são aplicáveis a toda e qualquer espécie de imputação subjectiva do acto lesivo ao serviço público e seus agentes, incluindo o dolo.

Reconheço que a desrazoabilidade dos limites fixados apresenta graus diversos, sendo menor nas hipóteses em que ao utente do serviço era consentido o recurso à remessa com valor declarado.

Porém, quanto aos objectos à cobrança, em que, por regra, o valor a cobrar é de presumir corresponder ao valor do objecto, é patente a desrazoabilidade da solução de, quando a perda, espoliação ou avaria do objecto tiver ocorrido antes da efectivação da cobrança, se admitir a redução da indemnização do utente à prevista para uma correspondência ou encomenda simplesmente registada. Isto em contraste com a solução consagrada para a hipótese de o objecto ter sido entregue sem o pagamento da totalidade da quantia devida, em que a indemnização, correspondente à importância não cobrada, surge como adequada, sendo certo que o utente é em tudo alheio à verificação de uma ou de outra das duas hipóteses.

Também quanto aos títulos à cobrança não procede o argumento do precedente acórdão que encontra alguma justificação para a restrição dos limites da indemnização na possibilidade de o utente usar o sistema de valor declarado.

Mais flagrante ainda é a situação prevista no artigo 80.º, n.º 1, em que o dano consiste na perda ou inutilização de um documento que foi apresentado para reprodução, pois não se vislumbra qualquer racionalidade na transposição, para este caso, dos limites da indemnização devida pela perda de correspondência registada.

Se associarmos a desrazoabilidade (reconheço que de diferente grau) dessas soluções à possibilidade de esse regime valer para todo e qualquer tipo de culpa do serviço, incluindo condutas dolosas, não vejo como se possa sustentar estarmos ainda perante um solução constitucionalmente admissível de garantia efectiva do direito do consumidor à reparação de danos. - Mário José de Araújo Torres.


Declaração de voto
Voto vencido quanto à alínea a) da decisão, pois entendo que a norma constante do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral de transportes não ofende o n.º 1 do artigo 60.º da Constituição.

É, com efeito, manifesto que o serviço público de caminho de ferro tem uma configuração própria em dimensão, natureza e custos de exploração que o distingue dos serviços genericamente referidos no n.º 1 do artigo 60.º da Constituição.

Trata-se, além disso, de um serviço de relevante interesse público, tradicionalmente colocado a cargo da administração do Estado ou objecto de concessão, o que justifica a sua submissão a um específico regime de direito público de exploração destinado a viabilizar o seu funcionamento.

Entendo, por isso, que o n.º 1 do artigo 60.º da Constituição não pode servir de parâmetro de constitucionalidade à norma constante do primeiro período do n.º 1 do artigo 19.º da tarifa geral de transportes, aqui questionada.

Além disto, esta norma limita-se o estabelecer determinadas cláusulas de não ressarcibilidade no contrato de transporte pelo que, também por esta razão, não ofende o mencionado preceito constitucional. - Pamplona de Oliveira.

Anexos

  • Extracto do Diário da República original: https://dre.tretas.org/dre/182124.dre.pdf .

Ligações deste documento

Este documento liga aos seguintes documentos (apenas ligações para documentos da Serie I do DR):

  • Tem documento Em vigor 1975-06-30 - Portaria 403/75 - Ministérios para o Planeamento e Coordenação Económica e dos Transportes e Comunicações

    Aprova a nova tarifa geral de transportes da CP - parte I «Passageiros e bagagens», e bem assim as tabelas de preços e as taxas de operações acessórias e especiais.

  • Tem documento Em vigor 1980-12-31 - Portaria 1116/80 - Ministérios das Finanças e do Plano, do Comércio e Turismo e dos Transportes e Comunicações

    Altera alguns artigos da Portaria nº 403/75 de 30 de Junho, que aprova a Tarifa Geral de Transportes - Parte I «Passageiros e bagagens».

  • Tem documento Em vigor 1981-08-22 - Lei 29/81 - Assembleia da República

    Defesa do consumidor.

  • Tem documento Em vigor 1981-08-28 - Portaria 736-D/81 - Ministérios das Finanças e do Plano, do Comércio e Turismo e dos Transportes e Comunicações

    Altera as tabelas de preços constantes da Tarifa Geral de Transportes - Parte I «Passageiros e bagagens» dos Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., aprovada pela Portaria n.º 403/75, de 30 de Julho, sucessivamente alterada pelas Portarias n.os 170/78, de 29 de Março, 526/79, de 29 de Setembro, e 1116/80, de 31 de Dezembro.

  • Tem documento Em vigor 1982-11-15 - Lei 28/82 - Assembleia da República

    Aprova a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional - repete a publicação, inserindo agora a referenda ministerial.

  • Tem documento Em vigor 1985-10-25 - Decreto-Lei 446/85 - Ministério da Justiça

    Aprova o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.

  • Tem documento Em vigor 1988-05-18 - Decreto-Lei 176/88 - Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações

    Aprova o Regulamento do Serviço Público de Correios.

  • Tem documento Em vigor 1996-07-26 - Lei 23/96 - Assembleia da República

    Cria no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais, designadamente: serviço de fornecimento de água, serviço de fornecimento de energia eléctrica, serviço de fornecimento de gás e serviço de telefone (Lei dos serviços públicos).

  • Tem documento Em vigor 1999-07-26 - Lei 102/99 - Assembleia da República

    Define as bases gerais a que obedece o estabelecimento, gestão e exploração de serviços postais no território nacional, bem como os serviços internacionais com origem ou destino no território nacional.

  • Tem documento Em vigor 1999-11-04 - Decreto-Lei 448/99 - Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território

    Aprova as bases de concessão do serviço postal universal, a outorgar entre o Estado Português e os CTT - Correios de Portugal, S.A.

  • Tem documento Em vigor 2001-05-07 - Decreto-Lei 150/2001 - Ministério do Equipamento Social

    Estabelece o regime de acesso e exercício da actividade de prestador de serviços postais explorados em concorrência.

Ligações para este documento

Este documento é referido nos seguintes documentos (apenas ligações a partir de documentos da Série I do DR):

Aviso

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